Confesso que eu próprio começo a desconfiar que talvez seja mesmo essa a única saída viável; e se a Grécia for efetivamente expulsa do euro, penso que não vale a pena continuar a lutar por uma transformação "por dentro" da União Europeia (imaginem só como será, depois de uma hipotética expulsão da Grécia do euro, alguém, seja num debate, seja na cantina do emprego, argumentar contra a austeridade mas a favor da permanência no euro - todos lhe irão responder "já se viu na Grécia que isso é impossível").
No entanto, continua a ter grandes reservas a muito do que o Jorge Bateira escreve sobre o assunto:
Só com um governo apoiado maioritariamente no parlamento, e eleito com um programa que explicitamente considere a saída do euro como o caminho para a saída da crise, Portugal tem condições para tomar em mãos o seu destino. Sendo impraticável um referendo - criaria o caos no sistema financeiro através da fuga dos depósitos, como está à vista na Grécia - , uma das primeiras medidas do novo governo seria a introdução de um forte controlo dos movimentos de capitais, com supervisão apertada de um Banco de Portugal (BdP) com nova direcção.Se um referendo é impraticável (para não provocar o caos financeiro), então o mesmo se aplicará a uma eleição em que haja espetativas sérias de vitória de um partido a favor da saída do euro - até porque essa eleição funcionará na prática como um referendo sobre o assunto. Se se quer mesmo sair do euro sem provocar uma crise financeira, a solução só pode ser, até à fatídica sexta-feira, dizer que está tudo bem e que a nossa permanência no euro não está em causa; isso, claro, terá o efeito colateral de que qualquer governo que faça isso perca muita força política (por duas razões: por um lado, porque estará a pôr em prática uma politica drástica sem um verdadeiro mandato democrático para isso; e por outro porque vai automaticamente ser visto pelo povo como "aqueles mentirosos que nos enganaram até ao último momento"), o que vai afetar, quer a sua força negocial na altura de acertar as pontas soltas com a UE, quer provavelmente também a sua capacidade de enfrentar interesses poderosos na ordem interna (suspeito que a combinação de crise económica catastrófica com impopularidade galopante até os poderia empurrar para a tentação de formar um "governo de salvação nacional" com os grandes partidos todos).
Seja como for, se de qualquer forma vai ter que haver controlo de capitais, o melhor é fazer-se à mesma um referendo (e impor o controlo de capitais logo após o anúncio do referendo, ainda antes de se saber se se saí ou se fica no euro) se se decidir sair do euro.
A dívida pública às entidades da troika, contraída ao abrigo de legislação estrangeira, manter-se-á em euros e será renegociada criteriosamente.Isso não terá todas as desvantagens de sair do euro junto junto com todas as desvantagens de não sair do euro?
Para um conteúdo médio de 25% de importações no consumo das famílias, uma desvalorização de cerca de 30% da nova moeda poderá gerar uma inflação à volta dos 10%, numa estimativa grosseira.Tenho a ideia que as importações representam para aí 40% do PIB, o que alterará um pouco esses números; sim, o Jorge Bateira fala em "consumo das famílias", mas as importações que são para consumo intermédio das empresas também contam - a subida do preço das matérias-primas que as empresas portuguesas importam também irá levar a uma subida do preço dos "produtos made in Portugal" (e, indiretamente, acabam por chegar também às famílias).
4 comentários:
"Confesso que eu próprio começo a desconfiar que talvez seja mesmo essa a única saída viável"
"e pur si muove!"
Ok, isto significa que tens o mínimo de honestidade política e dois dedos de testa... Sem saída do euro (ou pelo menos ameaça credível disso mesmo) não há políticas alternativas ao neo-liberalismo em qualquer país da zona euro. Isto parece-me bastante óbvio já há alguns anos e muito do que se escreveu neste blog contra essa saída revela bem os limites da análise aqui feitos... Mas enfim, antes tarde que nunca! Esta "Odisseia Grega" pelo menos já teve a virtude de clarificar muitos debates à Esquerda.
https://5dias.wordpress.com/2014/02/02/a-republica-popular-da-escocia-e-a-questao-nacional/
Creio que no raciocínio do Francisco há vários equívocos.
O primeiro é a ideia de que as alternativas políticas ao neoliberalismo são mais fáceis num só país do que no conjunto da zona euro. Ora, basta pensar na efectiva ameaça do TIPP para compreender que sem uma viragem política no conjunto da UE uma desproporção enorme de forças torna precária qualquer alternativa.
Em segundo lugar, o raciocínio pressupõe que as condições de uma democratização real — condições objectivas e subjectivas, por assim dizer — são mais favoráveis em Portugal do que no conjunto da zona euro. Ora, nada o indica (bem pelo contrário); tudo leva a crer que, à semelhança do que se passa na Grécia, a grande maioria dos cidadãos portugueses preferirá permanecer na zona euro e na UE.
Em terceiro lugar, o modo mais eficaz de lutar contra a constitucionalização do neoliberalismo (digamos assim, por comodidade) e o renascimento do belicismo nacionalista e das rivalidades entre as "potências" europeias passa pelo reforço do federalismo, acompanhado da defesa e extensão dos direitos sociais e políticos dos cidadãos europeus e do desenvolvimento do seu controle sobre as instâncias de governo. Não é por acaso que existe no Syriza, apesar de tudo, a ideia de que, se a sua política "europeísta" for derrotada, isso poderá levar a uma ascensão fatal do Aurora Dourada (http://www.publico.es/internacional/syriza-cae-proximo-gobierno-sera.html), da qual as instâncias de governo da UE terão sido cúmplices. Desistir de impor uma mudança política que faça recuar a oligrquia na UE é minar radicalmente as possibilidades de a fazer recuar na região portuguesa e abandonar qualquer perspectiva lúcida de promover as condições da democratização.
msp
O problema é que as condições "subjetivas" tanto da rutura com o neo-liberalismo como da democratização radical serão sempre mais favoráveis nalguns países especificos do que no conjunto da UE (tal como numa dada população há sempre alguns individuos mais altos que a média) - já as objetivas parecem-me indiscutivelmente melhores a nivel da Europa em conjunto.
A grande questão é o que fazer nesses países em que as condições subjetivas (em termos de consciência política, mobilização popular e mesmo - para quem aceita a democracia representativa - governos eleitos) estejam muito mais avançadas que na média europeia.
Miguel (M), a questão posta assim é um pouco abstracta. Em abstracto, igualmente, a minha resposta seria lutar por objectivos igualitários e transformações que os cidadãos dos restantes países pudessem reconhecer como favoráveis E, ao mesmo tempo, combater o nacionalismo e evitar todas as soluções nacionais que só poderiam comprometer — dentro e fora — a democratização radical. Com efeito, qualquer solução nacionalista seria um recuo nas condições "subjectivas" em causa. Etc., etc.
Em termos mais concretos, no entanto, teremos de perguntar sob que aspecto são as condições sibjectivas mais favoráveis em Portugal, por um lado, e, por outro, que condições criaria — tanto subjectiva como objectivamente — a saída do euro, tanto em Portugal como na UE.
Abraço
miguel(sp)
Enviar um comentário