Em primeiro lugar, aquela conversa de que "a direita tem no seu património a liberdade como valor absoluto ou, de certeza, como valor que se sobrepõe aos demais, como o da igualdade" parece-me um disparate (e já o achava quando nas aulas de filosofia do 11º ano discutíamos com o nosso professor qual era a diferença entre a esquerda e a direita e a questão da igualdade vs. liberdade) - desde quando Bonald, De Maistre, Maurras, Dostoievski, Bismarck, Le Play, Donoso Cortés, etc., etc. (incluindo nomes que Isabel Moreira até conhecerá melhor que eu) alguma vez defenderam a liberdade como valor absoluto (ou mesmo não-absoluto)? E nem sequer é uma questão de poder haver exceções - os políticos e pensadores que referi foram largamente o mainstream da direita da Europa continental, durante muito tempo, o liberalismo é que é a exceção. Mesmo no mundo anglo-saxónico, em que a direita é supostamente mais "liberal", não penso que digamos, um Alexander Hamilton, um Coleridge, um Thomas Carlyle, um cardeal Newman, um Disraeli, um T.S. Eliot, etc. etc. fossem particularmente "liberais".
É verdade que, sobretudo a partir dos anos 80 do século XX, o discurso liberal começou a ser bastante popular à direita (ainda que frequentemente apenas nas matérias económicas), mas se tem havido algo claro nos últimos anos tem sido uma ressureição de uma direita claramente anti-liberal (veja-se Donald Trump nos EUA, o Fidesz na Hungria, a Lei e Justiça na Polónia... mesmo Theresa May no Reino Unido pode ser vista como uma versão soft dessa vaga), remetendo o liberalismo de volta ao que talvez seja a sua insignificância natural.
Mas após este aparte, vamos ao meu ponto principal:
Se achas mesmo que a liberdade de expressão não deve ter limites e que não devemos ceder à autocontenção do discurso, és de direita, sabias?O problema de todo este ponto é que, aqui Isabel Moreira, apesar de tudo, parece aceitar a ideia de que autocontenção significa reduzir a liberdade de expressão (o que, aliás, parecia recusar no parágrafo anterior - "Quando decido não perpetuar anedotas sobre deficientes, quando decido parar a cadeia histórica de repetição das palavras que são a tradução dos insultos dirigidos às mulheres ou aos homossexuais, estou a exercer a minha liberdade de expressão negativa, estou a escolher – e aí reside a grandeza da minha liberdade – não contribuir pela linguagem para a desigualdade e para a discriminação.") - ora, é tão liberdade de expressão alguém contar anedotas sobre deficientes como decidir não as contar, e no caso de as decidir contar, também é liberdade de expressão se toda a gente lhe cair em cima a insultá-lo nas "redes sociais". Ou seja, em vez de discutir esta questão em termos de liberdade de expressão, em muitos aspetos ela seria melhor discutida em termos de "tu tens a tua liberdade de expressão, e eu tenha também a minha".
Tens todo o direito a isso. Só não te apresentes como pertencendo a um campo ideológico incompatível com o que dizes (sem freios), pode ser?
1 comentários:
Olá Miguel,
O texto da Isabel Moreira não tem ponta por onde se pegue. Começa logo por contradizer-se no primeiro parágrafo. Ao afirmar primeiro que a Direita defende o "princípio da liberdade com uma certa configuração", ou seja apenas em certas circunstâncias, para logo a seguir se contradizer na frase seguinte. Não há valores absolutos. É sempre possível encontrar situações em que as partes em questão podem ambas reivindicar o valor em causa, dando azo a que cada uma acabe por afirmar a primazia do "seu valor" sobre o do outro, assim negando o seu carácter absoluto (ie. aplicável a todos e em qualquer circunstância). No caso da direita basta pensar na "liberdade de propriedade privada" versus a "liberdade de usufruto": o usufruto da propriedade privada está sob controlo do proprietário.
Quanto à liberdade de expressão, a auto-contenção do discurso, como bem dizes é uma prerrogativa individual. É um exercício da liberdade individual, e portanto não entra em contradição com a defesa da liberdade de expressão. O que a Isabel Moreira implicitamente defende não é a auto-contenção do discurso, mas sim a proibição de certos tipos de discurso. A Isabel Moreira defende que certos tipos de discurso constituem uma forma de opressão, e portanto tal como por exemplo a escravatura, devem ser proibidos. É lamentável que não diga ao que vem.
Como afirmas, é perfeitamente coerente defender o princípio de que todos podem ter o discurso que quiserem, mas depois discordar e argumentar com quem utiliza certos tipos de discurso.
Como é, infelizmente, muito frequente certa Esquerda, para quem a Igualdade deve ser imposta (no processo criando desigualdade, assimetria de Poder, entre controlador e controlado, opressor e oprimido), gostaria de "omitir" que também existe uma variante libertária da Esquerda. Seria interessante perguntar à Isabel Moreira o que pensa do Anarquismo.
Abraço,
Pedro
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