26/05/17

A afirmação eleitoral de Corbyn e do Labour. A importância do Manifesto, ou quem falou da "mais longa nota de suicídio da história".(actualizado)

A campanha eleitoral para as eleições do próximo 8 de Junho no Reino Unido ficou marcada, como não podia deixar de ser, pelo ataque bombista em Manchester que vitimou crianças e adolescentes e determinou a interrupção da campanha eleitoral por alguns dias.

Há claramente um antes e um depois do atentado levado a cabo pelo bombista suicida, nascido e criado em Inglaterra. Até ao atentado a campanha estava ser dominada pela subida contínua dos trabalhistas nas sondagens. O partido trabalhista tinha recuperado um atraso de mais de 20 pontos percentuais - à data do anuncio das eleições gerais antecipadas -  até uma distância de 5 pontos percentuais - ver aqui  -  colocando a hipótese de vitória em cima da mesa.

O que dominou a eleição até ao dia do ataque foi o impacto que os Manifestos eleitorais de cada um dos partidos teve na opinião pública. O Manifesto e o tom adoptado pelas respectivas lideranças para a campanha eleitoral. A disputa eleitoral foi dominada pelas condições de vida das pessoas, da maioria das pessoas, pelas suas necessidades e pelas respostas que os partidos prepararam para elas.

O Manifesto Eleitoral dos trabalhistas representa a proposta politica mais à esquerda apresentada por um partido socialista ao longo dos últimos trinta anos. Trata-se da proposta mais radical de um partido que aposta em transformar a sociedade sem colocar como questão prévia a substituição do sistema capitalista. Trata-se de uma proposta politica que devolve ao Estado a capacidade de intervir activamente na economia, que defende o retorno da primazia do Estado sobre o Mercado e que coloca o interesse da maioria das pessoas no cento da actividade politica.

De forma resumida podemos afirmar que o Labour sob  a liderança de Corbyn rompe com o neoliberalismo que  transformou, desde Thatcher, o Reino Unido na quinta essência da desigualdade e da injustiça social. O slogan que os trabalhistas utilizaram para a campanha é uma síntese perfeita dos objectivos politicos que perseguem: For the Many, not the few.

Combater a desigualdade e devolver a esperança às pessoas. Salvar a democracia. Mobilizando os meios e os recursos onde eles estão. Indo ao coração da desigualdade e actuando de uma forma deliberadamente redistributiva. Através da politica fiscal, através da valorização do factor trabalho, actuando no salário mínimo e nos salários mais elevados, através da intervenção directa do Estado na economia renacionalizando sectores estratégicos da actividade. Impondo a universalidade do acesso ao Estado social, no Sistema Nacional de saúde, no sector da Educação, acabando com as propinas no ensino superior. Muitas destas medidas fotam paulatinamente abandonadas por parte da esquerda com o argumento de que  o acesso universal e gratuíto perpetua as condições de desigualdade existentes na sociedade. Corbyn e os trabalhistas não estão para aí virados. É necessário ser o Estado a garantir o acesso universal, sendo claro quem mais disso beneficiárá.

Um forte investimento na Habitação já que o Reino Unido, ou melhor os seus cidadãos, são vitimas de uma crise sem precedentes neste sector. Os trabalhistas britânicos não precisam de uma Lei de Bases. Optaram por uma politica. Vão construir um milhão de casas no prazo de cinco anos. Com dinheiro público. Casas construídas onde fazem falta, para cidadãos que possam nelas viver sem terem que ser deslocadas para as periferias apenas porque não são dos Happy Few.

Uma proposta politica que foi recebida pela imprensa, largamente dominada pelo pensamento único, e pelos adversários politicos, como um regresso ao passado, como um projecto sem futuro. Na imprensa inglesa, hegemonizada pelos Conservadores, e em Portugal, o Manifesto trabalhista foi classificado como a mais extensa nota de suicídio da história recente. Precipitadamente, diga-se.

Do outro lado o Manifesto dos Conservadores revelou-se um desastre. Trata-se de um documento que exibe uma inusitada violência social e que, sem subterfúgios, aposta na construção de uma sociedade de vencedores e de vencidos, Cada cidadão idealmente para os conservadores deverá  estar perante si próprio, sem qualquer apoio social, sem qualquer papel a desempenhar pelo Estado, vitima apenas e só de si próprio e das boas ou más opções que tomou durante a sua vida. É um projecto politico que dá passos largos no  sentido de consolidar o projecto politico neoconservador.  A  penalização dos cidadãos idosos que tenham que recorrer aos serviços de saúde e de apoio especializado foi o grande destaque do manifesto. A taxa que ficou conhecida como "dementia tax" obrigou May a vir a terreiro tentar negar os seus objectivos - U-Turn.

Um dos momentos mais penosos para a actual primeira-ministra foi a entrevista que concedeu ao jornalista da BBC, Andrew Neil. Por esta altura o partido conservador parecia à beira de um ataque de nervos e como alguns comentadores destacaram o Manifesto eleitoral tinha-se tornado um pesado fardo que ameaçava afundar a campanha eleitoral.

O ataque bombista coincidiu com a passagem de Corbyn pelo crivo de Andrew Neil. Com os acontecimentos de Manchester ainda frescos, o carácter pacifista do líder trabalhista e as suas conhecidas posições sobre o desarmamento nuclear ou sobre as acções miliatres contra países terceiros, forneciam o contexto para um forte aperto a Corbyn.

Mas as coisas não se passaram assim. Numa corajosa tomada de posição prévia o líder trabalhista não perdera a oportunidade de associar os acontecimentos internos aos erros tomados no campo da politica externa.  A entrevista não foi o massacre que se esperava. Corbyn foi confrontado com todas as questões polémicas e saiu com a sua posição reforçada.

Os conservadores apostam tudo no aproveitamento politico dos efeitos preversos do ataque de Manchester. A imprensa britânica reconhece essa deriva estratégica na campanha de May. Podem ser bem sucedidos o que não seria nada de novo. As sondagens imediatamente a seguir ao ataque ainda mostraram o intervalo entre conservadores e trabalhistas a diminuir mas depois disso uma última sondagem mostra que os trabalhistas, pela primeira vez em semanas, recuaram ainda que ligeiramente.

As boas notícias que podem ajudar a atenuar o impacto do atentado e do aproveitamento que os Conservadores dele fazem, é a forma crescentemente positiva como Corbyn é visto pelos cidadãos. O contrário do que se passa com a líder conservadora cujo desempenho na campanha tem roçado o sofrível.

A próxima semana será decisiva para avaliarmos as reais possibilidades de colocar um ponto final no longo reinado Conservador em terras de Sua Majestade. Mais do que isso, será o tempo para sabermos se, pela primeira vez em décadas, um Governo de um país capitalista desenvolve uma  politica de esquerda que constitui uma resposta politica sem paralelo aos desafios colocados desigualdade extrema que mina os alicerces da democracia e do progresso social.

Corbyn, contrariamente ao que aqui se escreve, não ficou a meio da ponte do Brexit. A sua abordagem ao referendo foi límpida e a favor do Remain and Reform. O que foi dúbio foi a forma como se posicionou perante os resultados e a actuação politica posterior que o conduziu para uma posição politica insustentável. May - que "não percebeu o sentimento popular prevalecente" ela que fez campanha contra o Brexit, e que defende um Hard Brexit que é um violento ataque aos direitos dos trabalhadores nacionais e aos imigrantes - julgou ver nessa contradição uma oportunidade para decapitar o Labour e arrasar o seu mais perigoso líder. Saiu-lhe o tiro pela culatra. A acção de May acabou por ser aquilo de que Corbyn necessitava para voltar a colocar a vida das pessoas no centro da politica. É daí que vem o seu reconhecimento e é isso que faz dele um dos mais inspiradores líderes politicos da Europa.

PS - a campanha do Labour e o seu programa politico traduzido no Manifesto ajudam a perceber melhor o que afinal caracteriza o essencial do acordo politico que sustenta a nossa geringonça. Mostra como são ainda debeis e curtos e, por isso, injustos, os caminhos percorridos a inverter a dura politica austeritária que nos empobreceu. Ajudam-nos, também,  a perceber de que méritos falamos quando falamos dos méritos de Centeno  e a controlar melhor as euforias patrioteiras  que espreitam por detrás da promoção do ministro das Finanças ao Eurogrupo, esse não lugar da politica democrática europeia onde se exerce e cultiva o poder alemão.

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