03/05/17

"Eu não tenho culpa do tráfico de escravos"

A respeito do papel dos portugueses no tráfico de escravos, alguns (como a Maria João Marques ou o Vitor Cunha) têm contra-argumentado que eles pessoalmente (e provavelmente nenhum português vivo) nunca escravizaram ninguém.

De certa forma têm razão - nem eles nem eu temos qualquer culpa da escravatura (tal como não temos nenhum mérito nos Descobrimentos, ou na poesia de Camões ou Pessoa, e eu pelo menos não tenho nenhum mérito nos golos do Cristiano Ronaldo).

Mas não se pode querer sol na eira e chuva no nabal – atendendo que para as coisas positivas se costuma praticar o coletivismo intergeracional, reclamando com orgulho coisas que alguns portugueses fizeram há 700 anos, a coerência implica que também o pratiquemos para as coisas negativas - aliás, lembram-se como esta história toda começou, não se lembram? Com o Marcelo Rebelo de Sousa a falar com orgulho de Portugal ter sido dos primeiros países a abolir o tráfico de escravos; na altura não vim ninguém a reclamar  “eu não aboli tráfico de escravos nenhuns”.

Diga-se que não estou a acusar, p.ex., a Maria João Marques de contradição, já que nunca a vi a defender o coletivismo intergeracional, mas a maior parte dos políticos com responsabilidades e grande parte dos comentadores praticam-no regularmente, comemorando datas históricas sempre que surge a oportunidade (já o Vitor Cunha é outra história, já que penso que ele defende que os descendentes de imigrantes possam perder a nacionalidade e ser deportados se cometerem crimes - não consigo encontrar o link, mas tenho a ideia que ele escreveu algo há uns anos nesse sentido no Blasfémias; se for assim e eu não estiver a fazer confusão, não me parece coerente para umas coisas - responsabilidade pela escravatura - achar que as pessoas devem contar como indivíduos e para outras - possibilidade de perder a nacionalidade e ser deportado - já devem contar como descendentes dos seus antepassados).

Há mais de dez anos, Chris Dillow escrevia algo sobre isso, a respeito do Reino Unido:
Should Britain apologize for its role in the slave trade? There's something about this that puzzles me.

Put it this way. Crudely speaking, there are two conceptions of society.

1. We're just a collection of atomized individuals. Though associated with libertarianism, this is also the Rawlsian view.

2. Society is an organism with a history. It's a "partnership not only between those who are living, but between those who are living, those who are dead, and those who are to be born." The quote is Edmund Burke's, but this position seems also that of Gordon Brown, who speaks of a "golden thread" running through history.

Now, you'd expect adherents of position 1 to think it absurd to apologize for slavery, as Longrider does. But supporters of position 2 would be more likely to apologize, because they regard slave traders as a part of British society and tradition.

However, when we look at who's apologizing and who isn't, we see no such correlation. (...)

I suspect Rawlsian liberals are more likely to want to apologize than Burkean conservatives.

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