29/12/17

Mudar o Sistema



A sétima edição da revista do colectivo ROAR, intitulada "System Change" foi publicada ontem, e inclui os artigos:

Unearthing the Capitalocene: Towards a Reparations Ecology
Social Ecology: Communalism against Climate Chaos
Climate Crisis and the State of Disarray
Open the Borders! Welcoming Climate Refugees
Seed Freedom and the Future of Farming
Organizing on a Sinking Ship: The Future of the Climate Justice Movement
Defying Dystopia: Shaping the Climate Future We Want
Time to Pull the Plugs

O último parágrafo do Editorial resume bem o que se propõe discutir:

"(...)A sétima edição impressa da revista ROAR não pretende divulgar propostas políticas concretas, nem um roteiro detalhado para uma próxima transição para a energia limpa, mesmo que tais intervenções políticas sejam certamente muito necessárias. Em vez disso, o objetivo é tornar mais clara a natureza profundamente social e política da crise climática e enfatizar a importância de reconstruir o poder popular a partir de baixo. Em conjunto, as contribuições coletadas nestas páginas propõem-se problematizar alguns dos pressupostos ideológicos da narrativa dominante, que ignoram completamente a natureza sistémica do problema, continuando a prescrever soluções altamente individualizadas, correções tecnológicas baseadas no mercado e o aprofundamento da mercantilização da natureza, em vez da mudança social transformadora que o mundo tão desesperadamente precisa. Contra estes delírios neoliberais devemos permanecer firmes e insistir: a verdadeira catástrofe é o capitalismo, e o único resultado aceitável é a mudança do sistema, e não a mudança climática. Tão irreal quanto isto possa parecer da perspectiva dominante do realismo capitalista, o futuro de nossa espécie - e a de inúmeras outras - disso agora depende."

A DESIGUALDADE EXTREMA. A questão de fundo (actualizado)

Vale a pena olhar para este Relatório com a devida atenção. A desigualdade atingiu uma tal dimensão que são necessárias políticas de fundo que assumam a utopia de a querer combater e reduzir. Não há alternativas que não passem por esse compromisso.
Como diz Corbyn são necessárias políticas "FOR THE MANY". O resto são apenas estratégias para tornar a desigualdade, a insuportável desigualdade, tolerável.

Adenda: O Relatório não disponibiliza no corpo do texto todos os dados técnicos, tendo os autores optado por os tornar acessíveis no site que criaram para a sua divulgação. Uma boa ideia.

28/12/17

O pernil de porco contra a revolução bolivariana

Não se via nada assim desde os tempos de Vasco da Gama. A armada portuguesa a sabotar e afundar uma armada carregada de pernil de porco, que iria alimentar a revolução bolivariana, ou a versão da coisa que sobrevive na cabeça do Presidente da Venezuela.
Os amigos de Maduro virão rapidamente esclarecer se estamos perante um acto isolado do imperialismo do pernil português ou se é possível encontrar aqui o modus operandi  do pernil do imperialismo americano. 

22/12/17

Ainda a Catalunha

Sou só eu que tenho a impressão que, em poucas semanas passou-se de "a independência catalã é uma manobra do Podemos" para "os partidos unionistas - Cs, PSC, CeC/Podem, PP - tiveram mais votos"?

Flor-de-estufa politicamente correto...

...a reclamar que ,nos mais recentes filme de uma série de sucesso, uma determinada minoria demográfica está pouco representada entre os "bons" (AVISO: spoilers).

Podiam parar com a conversa que os Ciudadanos ganharam as eleições?

Isto é, as últimas eleições portuguesas não vos ensinaram nada?

E na Catalunha com a agravante que a geringonça catalã já existe - o anterior governo catalão continua com maioria no parlamento; mesmo que não seja possível reeditar a anterior coligação (já da primeira vez foi difícil obter o apoio da CUP), é praticamente impossível imaginar uma combinação maioritária que inclua os Cs (à partida, é difícil supor que alguns dos partidos independentistas - PDECat, ETC ou CUP - façam um acordo com os Cs ou com o PP, que representam a linha dura espanholista; as únicas hipóteses viáveis são, ou a repetição da maioria governamental atual, ou uma aliança envolvendo independentistas e os socialistas e/ou a CeC/Podemos).

20/12/17

Em defesa do independentismo catalão

Esta posição poderá surpreender quem me tem lido regularmente - a minha opinião tradicional face aos separatismos era "sim à autodeterminação, não à independência" (isto é, que regiões com movimentos independentistas devem ter o direito de decidir se querem ou não ser independentes, mas que na maior parte dos casos o melhor é decidirem não se tornar independentes).

No entanto, no ponto atual em que as coisas estão, qualquer derrota do pequeno nacionalismo catalão será uma vitória do grande nacionalismo espanhol - mais exatamente, será vista como uma validação da política de mão dura de Rajoy e Filipe VI. Um reforço da posição "autodeterminação, sim; independência, não" seria positiva se fosse à custa da posição "nem autodeterminação nem independência", mas o mais provável era que o fosse à custa da posição "autodeterminação e independência".

E, apesar de tudo, o nacionalismo catalão não é uma simples versão em ponto pequeno do nacionalismo espanhol - temos logo uma diferença fundamental: os nacionalistas catalães reconhecem aos habitantes da Catalunha o direito a decidir se querem ser espanhóis ou catalães; já os nacionalistas espanhóis não reconhecem esse direito e insistem que eles têm que ser espanhóis, quer queiram, quer não.

Além disso o nacionalismo catalão não parece  por enquanto cair na contradição de outros nacionalismo separatistas por esse mundo fora, que após, ou mesmo ainda antes, da independência começam logo a defender a "(nova) pátria una e indivisível"  contra os seus próprios separatismos e/ou regionalismos (lembro-me de em 1990 ainda a Moldova fazia parte da URSS e já os nacionalistas moldovos andavam a reprimir os gagauzes): veja-se que no Vale de Arão (uma região  catalã de cultura occitana/gascã, cuja autonomia não foi suprimida após a Guerra da Sucessão de Espanha, ao contrário do resto de Aragão/Catalunha), os partidos independentistas catalães têm optado por ter partidos-irmãos locais "occitanistas" defensores da autonomia da subregião (a Convergência Democrática Aranesa para o PDeCAT, a Esquerda Republicana Occitana para a ERC, e até certo ponto o Corróp para CUP), em vez de dizerem "isto é tudo Catalunha, não vamos criar subdivisões".

E atenção que o meu post se chama "Em defesa do independentismo catalão", não "Em defesa da independência catalã" (não é exatamente a mesma coisa - neste momento, mesmo do ponto de vista de quem prefira uma "Confederação das Repúblicas de Espanha", ou coisa parecida, acho que esse resultado estará mais próximo se os independentistas se fortalecerem do que se enfraquecerem).

Duas boas notícias

Uma irá ter consequências imediatas. Quem o assegurou foi Fernando Medina o Presidente da Câmara de Lisboa. Os cidadãos a quem foi cobrada, indevidamente, a taxa - na verdade um imposto criado pela autarquia que não tem poderes para tal, valha-nos isso - irão receber o que pagaram a partir de Janeiro.

A outra vale pela denuncia, já que continuará tudo no mesmo regabofe. Diga o Tribunal de Contas  o que disser, diga o Provedor de Justiça o que disser, as penhoras sem qualquer justificação continuarão a desgraçar a vida de cidadãos, sem que quem comete a infracção seja punido ou seja sequer obrigado a corrigir rapidamente o erro. A AT é um estado dentro do estado e nada nem ninguém consegue colocar a instituição a actuar respeitando o que a lei determina ou aquilo que instituições como o TC e o PJ recomendam.
No entanto, infelizmente, quando se trata de offshores é grande o carácter magnânimo da sua intervenção, como sabemos.
A Geringonça revelou-se uma inutilidade na introdução de comportamentos justos na actuação da AT. Com uma importante excepção: a proibição de penhorar a casa própria, como acontecia até à sua entrada em cena. Uma justiça  parcial não  deixa de ser uma injustiça .

19/12/17

Regressando às Honduras

O ponto da situação nas eleições presidenciais hondurenhas:

- Anteontem, 18/12/2017, o tribunal eleitoral declarou vencedor o atual presidente, o conservador Juan Orlando Hernandez, por 42,95% contra 41,42%

- A oposição considera o resultado uma fraude e têm havido protestos populares em todo o país

- Também uma análise estatística parece indicar que o resultado eleitoral (em que os votos contados até uma dada hora ia de forma aparentemente decisiva a favor da oposição, e a partir daí foram esmagadormente para o presidente/candidado) é bastante improvável ( “differences are too large to be generated by chance and are not easily explicable, raising doubts as to the veracity of the overall result.”)

- A Organização dos Estados Americanos considera o resultado duvidoso e pede a realização de novas eleições

- Já o Departamento de Estado dos EUA parece, pelo menos implicitamente, reconhecer a decisão do tribunal eleitoral

- Como seria de esperar, o Partido Nacional, do presidente, e também a confederação patronal rejeitam novas eleições

- Até ontem, 18 de dezembro, já terão sido mortas 23 pessoas

Mais algumas sugestões de leitura sobre o assunto: America’s Blind Eye to Honduras’s Tyrant, por Silvio Carrillo (New York Times); e Dictatorship: the ghost that haunts re-election in Honduras, por "RAJ" (Honduras Culture and Politics)

Questões que podem colocar os leitores:

- "Mas o que é que deu neste para estar constantemente a escrever sobre as Honduras?"

Bem, como há uns tempos escrevi um post sobre as (então futuras) eleições hondurenhas (que até pretendia ser mais um rescaldo do que há 8 anos se andou a discutir aquando do golpe, sobretudo na parte da reeleição presidencial) senti um certo interesse em continuar a seguir o assunto, quando se percebeu que era mais complicado do que parecia (em vez de um simples golpe judicial - aliás também praticado por governos de esquerda, na Bolívia e na Nicarágua - para permitir a reeleição, temos uma aparente fraude eleitoral, com a concomitante repressão do movimento popular), ainda mais porque parece-me que a comunicação social portuguesa pouco ou nada fala do assunto. Além disso é uma maneira sem muito esforço de dar o meu contributo para o blogue, já que pouco mais implica que postar links, artigos e notícias, sem precisar que eu efetivamente escreva alguma coisa própria.

- "Porque é que é quase tudo em inglês, a língua da United Fruit (mesmo que se esconda por detrás do aparentemente «latino» Chiquita) e dos instrutores da School of Americas que treinaram os esquadrões da morte, em vez de, p.ex., em espanhol, a língua dos conquistadores, da oligarquia local dos operacionais dos ditos esquadrões, e da maior parte das suas vítimas? Ou em garifuna, a língua de um dos povos mais oprimidos desse país?"

O motivo de linkar poucas (ou nenhumas) coisas em português já está explicito no ponto anterior - provavelmente, se eu visse muita coisa escrita em português sobre a situação hondurenha, se calhar nem andaria a escrever eu sobre o assunto; quanto a ser quase tudo em inglês - eu, quando vou, normalmente diariamente, ver o que se passa no mundo, não vou ver notícias de todos os países do mundo: vejo alguns sites portugueses, e depois vou ver alguns sites de âmbito global, de base anglo-saxónica (vários blogues , e eventualmente a CNN e a AlJazeera em inglês). Logo, quando sei de alguma coisa, é via uma notícia em inglês (se não for em português). E se, a respeito das Honduras, ainda linko ocasionalmente alguma coisa em espanhol, aviso desde já que se for escrever alguma coisa sobre a Palestina, Filipinas ou França, de certeza que só linkarei textos em inglês, porque não percebo as línguas locais.

15/12/17

Acerca da guerra de Trump contra os Americanos pobres.

Uma reportagem publicada no The Guardian sobre a desigualdade extrema na América e sobre a forma como Trump está a tornar as coisas ainda muito piores. Quarenta e Um milhões de americanos vivem na pobreza, na mais rica nação do planeta.
Reportagem feita com base num trabalho de Philip Alston, especialista em privações das Nações Unidas, que percorreu, durante duas semanas,o lado negro da nação líder do capitalismo global.

16.12.2017 O Expresso noticia o trabalho de Philip Alston e faz eco das sua conclusões sobre o aumento da desigualdade extrema nos Estados Unidos. Infelizmente a notícia tem um erro grave. Diz-se no Expresso que "Alston destaca em especial os efeitos previsíveis da proposta de reforma fiscal que deverá receber aprovação final no Congresso ao longo da próxima semana, e que terá um custo total de 1,46 milhões de milhões de dólares, representando uma transferência financeira maciça dos ricos para os pobres, segundo Alston."

Ora o que Alston afirma e aquilo que se passa na realidade é o contrário: a transferência maciça de 1,46 milhões de milhões de dólares, representando uma transferência maciça dos pobres para os ricos. 





13/12/17

A Raríssima conexão entre a política e a ideologia (actualizado)

A propósito do polvo das relações entre o poder político e o sector da economia social, prossegue incansável a tarefa de tentar extirpar o tentáculo caído em desgraça, minorando as consequências do nefasto incidente,  permitindo que tudo continue a fazer-se como até aqui.

O principal objectivo é impedir qualquer reflexão sobre a relação entre o Estado e os diversos actores que actuam nas esfera da prestação dos serviços públicos, em substituição do poder público. Em particular uma reflexão que coloque sob escrutínio a avaliação do custo e do benefício dessa delegação de poder, que questione as prácticas de gestão numa lógica que valorize a transparência e o combate ao tráfico de influências e à corrupção.[ Tarefa árdua, convenhamos]

Para a concretização deste objectivo [de normalização] concorrem duas condições. Em primeiro lugar a existência de comportamentos "desviantes" por parte de alguns actores, o que permite o sacrifício público dos culpados, mantendo todas as restantes variáveis constantes. [recorro à formulação matemática, já que estamos perante uma questão de precisão]. Se algum dos culpados for um actor político, idealmente um ministro, pelo menos um secretário de estado, a tarefa de normalização atinge quase os 100% de eficácia. Se existirem relações entre os actores que invadam o campo familiar dos políticos, dos afectos , ou  da exploração da luxúria, atingimos o paraíso. Abatem-se os infractores, nomeiam-se os substitutos, que tomam posse no próprio dia, continua a vida a decorrer com raríssimos sobressaltos.

No caso em apreço o secretário de estado ofereceu-se para o sacrifício. Não lhe restava alternativa, face aos "desenvolvimentos". Como referiu Carlos César, atrasou-se pelo menos 24 horas a apresentar a demissão. Olhando de longe pareceu-nos que nunca deveria ter sido nomeado secretário de estado.
No entanto isto não ficará por aqui. Vieira da Silva está preso por arames. É raríssimo um ministro com uma situação tão frágil conseguir evitar a queda. Parece-me que Vieira da Silva irá ter que sair do Governo a bem, pelo seu próprio pé, ou ajudado  por Belém, face às evidências cada vez mais evidentes, passe o pleonasmo. O recurso da auditoria às contas, que ele aprovara como membro dos orgãos sociais da Raríssimas, é uma tentativa desesperada de se manter à tona. Apesar de ser um peso pesado do PS julgo que não tem condições políticas para se manter no cargo. Não virá daí mal ao mundo, acho eu.  Falta saber se Vieira da Silva leu as declarações de Carlos César sobre o timing certo de saída do seu ex-colega secretário de estado da saúde. Pareceu-me que Carlos César não estava a falar apenas para Manuel Delgado.

Este clima de promiscuidade entre os dirigentes das Instituições que beneficiam dos apoios do Estado e os políticos com potencial de acesso à governação, e a sua vasta corte,  é um dos elementos estruturantes da gestão dos fundos comunitários e de uma parte importante parte dos dinheiros do Orçamento Geral do Estado. São estas relações que "consolidam", e "legitimam", um conjunto de prácticas que substituem os códigos e as regras gerais de transparência e combate à corrupção pelas regras convenientemente não escritas, mas conhecidas e aplicadas pelas pessoas que contam. São estas regras que moldam a forma como o país se constrói, todos os dias em todo o território.São elas a sólida estrutura sobre a qual se fundam as prácticas mais eficazes da corrupção.

Para a direita parlamentar o problema coloca-se no plano dos comportamentos desviantes e da culpa individual. Havendo culpa há que encontrar os culpados - no plano dos actores públicos, exclusivamente - e castigá-los. A demissão basta-lhes. A cobrança política atingirá sempre o primeiro-ministro que se move atordoado entre trapalhadas sucessivas. Nunca deixam de distinguir entre a culpa, e o castigo a aplicar, e a defesa das virtudes do modelo de transferência das funções do Estado para os privados.

Infelizmente o modelo que tinha virtudes, no caso das Instituições de Solidariedade Social, degradou-se, e hoje muitas dessas instituições são máquinas de acentuar as desigualdades presentes nas sociedades locais e regionais, com uma gestão libidinosa dos dinheiros públicos e a criação de mecanismos financeiros, mais ou menos informais, de acesso aos serviços, que os tornam inacessíveis para os mais necessitados. Articulada a gula dos dirigentes pelo luxo e pela promoção social, com a fartura de recursos financeiros disponíveis, com a impunidade que resulta do sistema público de contratação estruturado em torno dos "abençoados" ajustes directos, organizaram-se "estruturas proactivas", integrando consultores, projectistas, prestadores de serviços e uma panóplia de "competências", cuja manutenção e continuidade está fundada na proximidade ao poder, seja ele representado pelo futuro secretário que irá trazer muito guito, seja pelo futuro ministro  que ajudou a conceber e aplicar o "sistema".

Em segundo lugar a ronda pelos partidos parlamentares que, um após o outro, se perfilam perante as Câmaras e debitam para os cidadãos-telespectadores as suas preocupações e as recomendações/exigências que entendem fazer ao Governo. Os partidos, todos eles, nestas ocasiões ditadas pela "Agenda", mostram como utilizam o dinheiro que recebem e como desconhecem o que se passa no país,  em particular a forma como o país é governado. São, no entanto, capazes de, logo após a detecção do próximo escândalo, virem questionar a necessidade urgente de se obterem explicações e de descobrir de quem foi a culpa.

Neste caso valia a pena - pegando na educação - relações público-privados - no fornecimento das cantinas escolares - relações público-privados -  prestação de serviços aos idosos e a situações como a das crianças com doenças raras - relações público - privados - prestação de cuidados de saúde - relações público-privados - questionar o modelo económico que sob o argumento de uma propalada eficiência económica transfere para os privados a gestão de importantes serviços públicos e as fartas dotações orçamentais que as viabilizam.

Talvez os partidos e os seus assessores, todos eles suportados pelo Orçamento Geral do Estado, e muito bem, devessem devolver à sociedade esse esforço financeiro, com um trabalho proactivo de defesa do interesse público. Que podia começar por questionar o próprio modelo de gestão em que o Estado se assume como cobrador de impostos, quanto mais melhor,  para financiar instituições que se revelam depois muito generosas a adquirir serviços e consultadorias aos que beneficiam do capital social de terem as relações certas e os conhecimentos que contam numa economia de mercado ... social.

Sob pena de chegarmos à conclusão que uma jornalista da TVI, com o seu staff, e um orçamento centenas de vezes mais reduzido, poder prestar à República o inestimável serviço de contribuir para que o ar se mantenha pelo menos ... respirável. Coisa que por estes dias o Parlamento não mostra capacidade, nem vontade,  para fazer.

PS-  à margem deste raríssimo embaraço, estão hoje a anunciar um acordo entre o Governo e o BE que reduz a contribuição para a Segurança Social dos recibos verdes a partir de ... 2019. Porque será que não incluíram a  - justa - medida no Orçamento de 2018?

12/12/17

O peso das mochilas escolares

O parlamento propôs 11 medidas para reduzir o peso das mochilas escolares. Pelo que vejo, falta a que me parece mais evidente - reduzir o número de aulas por dia (bem, o que verdadeiramente interessa é reduzir o número de disciplinas por dia, já que cada disciplina significa pelo menos um livro e provavelmente também um caderno, mas na prática o número de aulas e de disciplinas anda ligada) - o ponto 7 ("No respeito pela autonomia pedagógica, envie recomendações para as escolas de forma a que constem orientações nos seus documentos institucionais (projeto educativo e regulamento interno) para a persecução de boas práticas pedagógicas promotoras de menor peso diário nas mochilas, designadamente ao nível da construção dos horários e da articulação dos trabalhos de casa das várias disciplinas") até anda lá perto, mas parece-me que não chega lá.

É Raríssima a transparência na vida pública. Nada muda se não existir vontade política.

O episódio que ocupa a Agenda mediática não é um caso raro. É, apenas e só, o caso que monopoliza a ordem do dia, e que, consequentemente, a PGR irá investigar. A normalidade democrática é assim mesmo.
Sem a investigação que a TVI realizou este caso não teria sido notícia. Teria continuado a correr a vida lindamente a toda a gente envolvida.

Vieira da Silva - um homem para quem a sustentabilidade da Segurança Social não lhe permite aumentar mais do que 10 euros nalgumas pensões - conhece bem a Raríssimas. Terá feito parte dos orgãos sociais da coisa. Aguardam-se explicações do homem sobre as suas circunstâncias. Nada o irá afectar. É raríssimo que algo aconteça.

Ninguém consegue sacar milhões ao Estado, para financiar uma grande vida de luxo, sem nenhum mérito pessoal ou profissional, se não tiver os conhecimentos adequados. Se não usar o dinheiro que recebe para adquirir serviços aos prestadores que contam, se não tiver uma boa teia de relações "sociais", se não estiver suficientemente próximo do arco da governação e tão afastado quanto necessário para por aí se poder manter, venha quem vier.

O dinheiro público é um "interdito" quando se trata de remunerar o trabalho honesto, de compensar o percurso profissional de décadas, de promover uma maior justiça social. Mas, quando se trata de assinar cheques cujo destino final é "raríssimo" conhecermos, não há austeridade ou pudor que nos protejam.

09/12/17

Dívida. Renegociar versus Reduzir

No Público de hoje, na edição impressa, é destacada uma frase de John Kenneth Galbraith, um economista que foi igualmente escritor e filósofo, que terá afirmado ser a economia extremamente útil como forma de emprego para os economistas.
No mesmo dia em que se lembraram de publicar a frase atrás referida deram à estampa uma entrevista com Mário Centeno. Uma entrevista tão chata como seria imaginável no nosso "Ronaldo do Eurogrupo",  na versão Wolfgang Schäuble.

Percebe-se que Centeno tem ideias claras sobre a evolução da União Europeia. Goste-se ou não do que ele diz. Percebe-se igualmente que ele acha fundamental a redução da dívida no contexto do processo de "recuperação" de Portugal. Redução sem renegociação. Centeno nunca se refere a uma eventual renegociação. A jornalista nunca se lembrou de o confrontar com a questão, diga-se.

Admitindo, do mal o menos, que a redução do peso da dívida no PIB evolui lentamente, Centeno recomenda paciência e confessa-nos não estar obcecado pelo tempo.

 A entrevista de Centeno mostra bem como é claro, no essencial, o alinhamento do Governo com a política que tem dominado em Bruxelas. Mostra como esta originalidade portuguesa, de a oposição estar toda no Governo, é essencial para permitir gerir as pequenas mudanças sem hipotecar o essencial.

Escutando, por esta altura, as declarações de Catarina Martins e as de Jerónimo de Sousa, sobre a renegociação da dívida, fica-se com a sensação de estar a escutar o lamento dos politicamente excluídos. Não seria imaginável que a opinião dos dois líderes que sustentam politicamente o Governo, na sua actual configuração, fosse tão irrelevante, passados apenas dois anos desde que deram o passo que permitiu unir as esquerdas.

08/12/17

Língua franca



Vejo alguns leitores deste blogue preocupados com o recurso a documentação em Inglês. Simpatizo com o motivo da preocupação, mas temo que algumas reacções pequem por pusilanimidade. Se querem mesmo lutar contra a hegemonia do Inglês, escrevam em Português (ou em Romeno, etc.), como o Miguel Madeira faz muito bem. Mas, já agora tentem escrever coisas inteligentes, o que me parece implicar que não renunciem a ler em Inglês quando, como infelizmente é frequente, a documentação mais pertinente é acessível por este canal.

Aproveito para dizer que a esmagadora maioria das nossas ideias sobre língua, gramática, ortografia, defesa do património linguístico, etc., vêm inquinadas porque ignoramos o que está explicado aqui abaixo, por um linguista francês que até é um pouco reaccionário e nem sempre da melhor inspiração, mas que neste pequeno parágrafo (fonte : entrevista recente no Le Monde a propósito da inevitável polémica sobre “escrita inclusiva”), diz uma coisa menos óbvia, e no entanto profundamente verdadeira, e olimpicamente ignorada por 97,79 % dos clérigos e aprendizes de clérigos. Como vem escrita numa língua imperialista, traduzo logo a seguir :

« Cela fait sans doute de la peine aux professeurs de français et aux agrégés de grammaire mais tant pis : c’est l’usage qui prime, c’est lui qui a raison ! Le système signifiant qu’est la langue doit être en accord avec le système auquel il renvoie. Si la réalité sociale évolue, il faut changer le système de représentation qu’est la langue – et ce quoi qu’en dise l’Académie française, qui est violemment opposée à la féminisation des noms de métiers. »

Alain Rey

Tradução minha :

« Isto vai provavelmente doer aos professores de Francês e aos especialistas em gramática, mas tanto faz : o que prima é o uso, é ele que tem razão ! O sistema significante que é a língua deve estar de acordo com o sistema para o qual remete. Se a realidade social evolui, torna-se necessário modificar o sistema de representação que é a língua – ainda que isto doa à Academia (francesa), que neste caso se opõe violentamente à feminização dos nomes de ofícios”.

Nota : Alain Rey (que é o responsável editorial dos célebres dicionários Robert, portanto não estamos propriamente a falar de um amador), apesar do que diz no parágrafo anterior, declarou-se contra a nova escrita inclusiva, por entender que é demasiado complexa (o que também é a minha modesta opinião, salvo melhor informado).

Ah, ia-me esquecendo do essencial : reparem por favor que o que ele diz sobre a lingua, não é apenas sobre a língua.

05/12/17

Polícia hondurenha recusa obedecer ao governo

Honduras: police refuse to obey government as post-election chaos deepen, por Sarah Kinosian (The Guardian), publicado hoje à 1 da manhã (hora de Greenwich/Lisboa):
Honduran police have announced they will refuse to obey orders from the government of the incumbent president, Juan Orlando Hernandez, and will remain in their barracks until a political crisis triggered by last Sunday’s contested presidential election has been resolved.

All national police – including elite US-trained units – in the capital, Tegucigalpa, would refuse to enforce a curfew ordered by the government after days of deadly violence triggered by allegations of electoral fraud, a spokesman said on Monday night.
Thousands protest in Honduras in chaos over contested presidential election
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“We want peace, and we will not follow government orders – we’re tired of this,” said the spokesman outside the national police headquarters. Crowds of anti-government protestors greeted the announcement with cheers and chanted: “The people united will never be defeated!”





03/12/17

Mais uma ronda de notícias e artigos sobre as Honduras

Honduras cuenta votos bajo un toque de queda, por Carlos Dada (El Faro):
El país está militarizado desde el violento viernes de saqueos y tomas de carreteras. Una semana después de las elecciones generales, los hondureños tienen ahora dos presidentes autoproclamados y ninguno en funciones. El Tribunal Electoral, presionado por las sospechas de fraude, se apresta a iniciar un recuento especial que incluye revisar una parte de las actas, pero la oposición reclama una revisión mucho mayor, de hasta la cuarta parte de los votos.
Honduras troops shoot dead teenage girl amid election crisis protest, por Nina Lakhani e Sarah Kinosian (The Guardian):
A teenage girl was killed as troops opened fire on unarmed protesters in the Honduran capital on Saturday, after the government declared a 10-day curfew and suspended constitutional rights in an attempt to contain an escalating political crisis fuelled by evidence of electoral fraud.

According to witnesses, Kimberly Dayana Fonseca, 19, was shot dead in Tegucigalpa in the early hours of Saturday morning by military police – members of a huge force loyal to the rightwing government of Juan Orlando Hernández, who is accused of meddling in the vote count after last Sunday’s election in an attempt to cling to power.
There were reports of mass detentions and serious injuries overnight after the government deployed troops across the country in what many fear is a return to autocratic rule. At least four people were confirmed dead.

Six days after the election, the winner of the presidential race has still not been declared by the beleaguered electoral commission (TSE), which is controlled by Hernández’s National party.
Honduras suspends rights as violence spreads over delayed vote count (The Guardian):
The Honduran government has suspended constitutional rights to give the army and police more powers and imposed a dusk-to-dawn curfew to contain unrest triggered by a contested election, a senior government official said on Friday. (...)

The nationwide curfew will run from 6pm to 6am for 10 days starting on Friday night, government minister Jorge Ramon Hernandez read out in a statement simultaneously broadcast to TV and radio stations.

Under the decree, all local authorities must submit to the authority of the army and national police, which are authorized to break up blockades of roads, bridges and public buildings.
  COMUNICADO - SUSPENSION GARANTIA CONSTITUCIONAL (Presidência das Honduras):

1. El Consejo de Ministros, mediante decreto ejecutivo PCM-084-2017 de esta misma fecha, ha decidido restringir, por un periodo de 10 días, contados a partir de la entrada en vigencia del mismo, la garantía constitucional contenida en el Artículo 81, la cual establece que “toda persona tiene derecho a circular libremente, salir, entrar y permanecer en el territorio nacional”.

2. Se determina que las Fuerzas Armadas apoyen, de forma conjunta o separadamente cuando la situación así lo requiera, a la Policía Nacional; debiendo poner en ejecución los planes necesarios para mantener el orden y la seguridad de la República y garantizar el ejercicio de los derechos democráticos.

3. Durante la vigencia del decreto, queda prohibida la libre circulación, la cual podrá aplicarse en horario de 6:00 p.m. a 6:00 a.m. en todo o parte del territorio nacional, en atención a los hechos que ocasione la restricción de esta libertad a recomendación de la autoridad competente. (...)

7. Se ordena proceder al desalojo de toda instalación pública, carreteras, puentes y otras instalaciones públicas y privadas que hayan sido tomadas por manifestantes o se encuentren personas en su interior realizando actividades prohibidas por la ley.
Honduras’s Market Darling Status Threatened by Election Chaos, por Michael D. McDonald (Bloomberg):
A week ago, Honduras was the darling of foreign investors, with its market-friendly president seemly assured of a comfortable election victory and bonds near record highs. Today, the nation is shaken by riot and disorder as the much-questioned vote count drags on for a sixth day and memories of the country’s turbulent past return to haunt the market.
 How Hillary Clinton Screwed Honduran Democracy, por Justin Raimundo (Antiwar.com):
Hillary Clinton’s legacy at the State Department lives on – and it isn’t pretty. Take a gander at the spectacle of slave auctions in Libya – a nation “liberated” by NATO at Hillary’s instigation: remember “We came, we saw, he died”? Behold the blood-soaked ruins of Syria, where her regime-change plans caused the US to fund the very jihadists we’re supposed to be fighting. Add to this the not-so-bright idea of Washington jumping on board the abortive “Arab Spring” bandwagon, and it all this adds up to the worst record of any Secretary of State in modern history.

Less well-known than the above-mentioned disasters, however, is the key role she played in turning Honduras over to a murderous dictator who is now provoking yet another crisis in that long-suffering country – and sending thousands of refugees, including many unaccompanied minors, into Mexico and over our southern border.

01/12/17

Já devem estar fartos deste assunto, mas...

Mais uma quantas notícias sobre a situação nas Honduras (onde parece estar a haver violência nas últimas horas, já com pelo menos um morto).

Honduras election: protesters clash with police as opposition cries foul, por Nina Lakhami e Heather Gies (The Guardian):
Honduras is teetering on the brink of its worst political crisis since the 2009 military coup after the beleaguered electoral commission failed for the fourth day to declare a winner in the presidential race amid mounting irregularities and allegations of vote rigging.

The incumbent Juan Orlando Hernandez, a rightwing autocrat representing the National party, is accused of illegally meddling in the Sunday’s election in an attempt to hold on to power and deny victory to the opposition Alliance leader Salvador Nasralla.
Honduran president makes contentious bid for second term
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Protesters and police clashed near the vote counting centre (Infop) in Tegucigalpa on Thursday night as frustration at the unprecedented delays spilled out on to the streets of the capital. At least one man was reported dead and several others injured after police hurled tear gas and charged the demonstrators who burned tyres and threw rocks.
La crisis sale a las calles de Tegucigalpa, por Carlos Dada (El Faro, jornal de El Salvador):
Ante la poca transparencia del proceso y el silencio de los observadores de la OEA y la Unión Europea, el candidato opositor, Salvador Nasralla, opta por la calle “para evitar el fraude”. En el TSE, el procesamiento de actas ya le da la ventaja por un punto a Juan Orlando Hernández, que busca la reelección.

Tegucigalpa, HONDURAS. Miles de manifestantes se reunieron la noche del miércoles frente al Instituto de Formación Profesional de Tegucigalpa, hoy convertido en un fortín donde se reciben y custodian las boletas electorales. No eran todos, necesariamente, seguidores del candidato opositor Salvador Nasralla. Lo que los unía era el rechazo a las intentonas de reelección del presidente Juan Orlando Hernández y lo que para todos ellos es un fraude electoral.
A U.S. Ally Says He Won Honduras’s Presidential Election. Hondurans Aren’t So Sure, por Jonathan Blitzer (The New Yorker):
By 2 o’clock on Monday morning, the day after national elections were held in Honduras, two Presidential candidates had declared victory. One was the heavily favored incumbent, Juan Orlando Hernández. The other was Salvador Nasralla, a former sportscaster and political neophyte who spoke, as one journalist put it, with “the cadence of the game-show host he once was.” The results were partial but striking: with fifty-seven per cent of the vote tallied, Nasralla had a five-point lead. Blindsided but undeterred, Hernández assembled a small group of anxious supporters in Tegucigalpa, the capital, to insist that he was winning. But, as he spoke, the chief magistrate of the Supreme Electoral Tribunal—the four-person body that certifies the results—who had remained curiously silent for hours after the voting ended, announced numbers that contradicted the President. The chief magistrate added, however, that it was too early to call the election. (The Electoral Tribunal is aligned with Hernández’s party, the Partido Nacional, which controlled the vote counts at individual polling places, per an election law that party members had recently modified in Congress.)

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A few hours later, the tribunal provided an update: there were 2.4 million ballots that still needed to be counted. The chief magistrate alluded to a technical problem, but didn’t elaborate. The military was bringing the ballots in question to the capital in trucks. “It is hoped that they arrive in the next few hours,” he said. If all went according to plan, the results would be announced on Thursday.

That explanation made little sense, according to Ramón Jáuregui, an election observer from Spain, who was in Honduras as part of a European delegation to monitor the vote. “The tribunal’s delay in providing definitive results of the Presidential race is a huge source of concern,” he said in a statement. “There is no technical reason that explains the delay, because the tallies from all eighteen thousand polling places were transmitted electronically to the Electoral Tribunal on the day of the election.” Hernández, in the meantime, has been claiming that the outstanding ballots, which are from remote areas across the country, are overwhelmingly for him. “The rural vote has given us the win,” he told the local press. Hondurans were getting nervous. “We are facing a momentous crisis because Juan Orlando does not want to accept defeat,” Hugo Noé Pino, a prominent economist, told the news outlet El Faro. “In no other election have we faced a situation like the one we’re facing now.”