08/12/17

Língua franca



Vejo alguns leitores deste blogue preocupados com o recurso a documentação em Inglês. Simpatizo com o motivo da preocupação, mas temo que algumas reacções pequem por pusilanimidade. Se querem mesmo lutar contra a hegemonia do Inglês, escrevam em Português (ou em Romeno, etc.), como o Miguel Madeira faz muito bem. Mas, já agora tentem escrever coisas inteligentes, o que me parece implicar que não renunciem a ler em Inglês quando, como infelizmente é frequente, a documentação mais pertinente é acessível por este canal.

Aproveito para dizer que a esmagadora maioria das nossas ideias sobre língua, gramática, ortografia, defesa do património linguístico, etc., vêm inquinadas porque ignoramos o que está explicado aqui abaixo, por um linguista francês que até é um pouco reaccionário e nem sempre da melhor inspiração, mas que neste pequeno parágrafo (fonte : entrevista recente no Le Monde a propósito da inevitável polémica sobre “escrita inclusiva”), diz uma coisa menos óbvia, e no entanto profundamente verdadeira, e olimpicamente ignorada por 97,79 % dos clérigos e aprendizes de clérigos. Como vem escrita numa língua imperialista, traduzo logo a seguir :

« Cela fait sans doute de la peine aux professeurs de français et aux agrégés de grammaire mais tant pis : c’est l’usage qui prime, c’est lui qui a raison ! Le système signifiant qu’est la langue doit être en accord avec le système auquel il renvoie. Si la réalité sociale évolue, il faut changer le système de représentation qu’est la langue – et ce quoi qu’en dise l’Académie française, qui est violemment opposée à la féminisation des noms de métiers. »

Alain Rey

Tradução minha :

« Isto vai provavelmente doer aos professores de Francês e aos especialistas em gramática, mas tanto faz : o que prima é o uso, é ele que tem razão ! O sistema significante que é a língua deve estar de acordo com o sistema para o qual remete. Se a realidade social evolui, torna-se necessário modificar o sistema de representação que é a língua – ainda que isto doa à Academia (francesa), que neste caso se opõe violentamente à feminização dos nomes de ofícios”.

Nota : Alain Rey (que é o responsável editorial dos célebres dicionários Robert, portanto não estamos propriamente a falar de um amador), apesar do que diz no parágrafo anterior, declarou-se contra a nova escrita inclusiva, por entender que é demasiado complexa (o que também é a minha modesta opinião, salvo melhor informado).

Ah, ia-me esquecendo do essencial : reparem por favor que o que ele diz sobre a lingua, não é apenas sobre a língua.

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