Vejo alguns
leitores deste blogue preocupados com o recurso a documentação em Inglês.
Simpatizo com o motivo da preocupação, mas temo que algumas reacções pequem por
pusilanimidade. Se querem mesmo lutar contra a hegemonia do Inglês, escrevam
em Português (ou em Romeno, etc.), como o Miguel Madeira faz muito bem.
Mas, já agora tentem escrever coisas inteligentes, o que me parece implicar que
não renunciem a ler em Inglês quando, como infelizmente é frequente, a
documentação mais pertinente é acessível por este canal.
Aproveito para
dizer que a esmagadora maioria das nossas ideias sobre língua, gramática, ortografia,
defesa do património linguístico, etc., vêm inquinadas porque ignoramos o que
está explicado aqui abaixo, por um linguista francês que até é um pouco
reaccionário e nem sempre da melhor inspiração, mas que neste pequeno parágrafo
(fonte : entrevista recente no Le Monde
a propósito da inevitável polémica sobre “escrita inclusiva”), diz uma coisa
menos óbvia, e no entanto profundamente verdadeira, e olimpicamente ignorada
por 97,79 % dos clérigos e aprendizes de clérigos. Como vem escrita numa língua
imperialista, traduzo logo a seguir :
« Cela fait sans doute de la
peine aux professeurs de français et aux agrégés de grammaire mais tant
pis : c’est l’usage qui prime, c’est lui qui a raison ! Le système
signifiant qu’est la langue doit être en accord avec le système auquel il
renvoie. Si la réalité sociale évolue, il faut changer le système de
représentation qu’est la langue – et ce quoi qu’en dise l’Académie française,
qui est violemment opposée à la féminisation des noms de métiers. »
Alain Rey
Tradução minha :
« Isto vai provavelmente doer aos professores
de Francês e aos especialistas em gramática, mas tanto faz : o que prima é o
uso, é ele que tem razão ! O sistema significante que é a língua deve estar de
acordo com o sistema para o qual remete. Se a realidade social evolui, torna-se
necessário modificar o sistema de representação que é a língua – ainda que isto
doa à Academia (francesa), que neste caso se opõe violentamente à feminização
dos nomes de ofícios”.
Nota : Alain Rey
(que é o responsável editorial dos célebres dicionários Robert, portanto não estamos propriamente a falar de um amador),
apesar do que diz no parágrafo anterior, declarou-se contra a nova
escrita inclusiva, por entender que é demasiado complexa (o que também é a
minha modesta opinião, salvo melhor informado).
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