11/05/18

A socia-democracia no PS e o futuro da Geringonça. A posição de Pedro Nuno Santos

Com a aproximação do Congresso do PS irrompeu um debate interno sobre o futuro da Gerigonça que se adivinha possa vir a marcar a magna reunião dos socialistas. O que este debate tem de interessante é o facto de na verdade se tratar de um debate sobre o futuro do PS e do projecto social-democrata que ele representa, ou terá representado.
Desse ponto de vista merece destaque o artigo de opinião publicado por Pedro Nuno Santos, o jovem ministro dos Assuntos Parlamentares, no Público do passado dia 4 de Maio.

Nesse artigo Pedro Nuno Santos reflecte sobre a evolução histórica da social-democracia europeia e sobre o papel desempenhado pelos partidos socialistas da Terceira-Via na radical liberalização das sociedades europeias. No quadro dessa reflexão é o primeiro dirigente socialista que faz uma leitura crítica do significado político dos acordos que viabilizaram o actual Governo. Muito interessante nessa leitura é o facto de ele a situar no quadro de uma rotura política com a Terceira-Via e da perda de influência política que caracteriza a generalidade dos partidos socialistas europeus, alinhados com a corrente ideológica liderada pelos trabalhistas de Tony Blair.

Trata-se de um artigo muito interessante, politicamente denso, que justifica uma leitura atenta. Pela primeira vez um dirigente socialista português reflecte sobre a evolução da relação entre o Estado e os Mercados e sobre as consequências das opções tomadas pelos sociais-democratas no quadro dessa relação. Pela primeira vez, entenda-se, sem ser para recomendar vivamente a adopção da cartilha neoliberal com base numa “moderação e realismo”, que a terceira-via e os seus apóstolos elevam ao estatuto de grandes qualidades políticas e até ideológicas. Pedro Nuno Santos referindo-se à social-democracia afirma que,

Do ponto de vista do papel do Estado, aceitou, por um lado, a introdução generalizada da lógica mercantil nos serviços públicos e, por outro, que os mercados fossem os únicos motores do crescimento económico. O Estado devia limitar-se a criar as condições para que os mercados funcionassem, com regulação minimalista, colhendo o dividendo orçamental para financiar as funções do Estado.
Este é um debate que tem sido evitado, que por isso está longe de estar esgotado, que beneficia bastante com este contributo. É um debate fundamental não apenas para permitir aos sociais-democratas reconstruírem um projecto político que recupere a dignidade perdida na deriva neoliberal da Terceira Via, mas também para lhes permitir ter um papel activo, e até determinante, na reconstrução europeia e na recuperação de um modelo de desenvolvimento que associe as dimensões da eficácia e da eficiência à dimensão da equidade e da justiça social.

Eficácia e eficiência que serviram de leit-motiv para uma brutal transferência de recursos públicos para mãos privadas, via privatizações, com pagamento de rendas faraónicas a sectores construídos ao longo de gerações, com os recursos dos contribuintes, e privatizados por meias dúzia de patacos. Como aconteceu com a EDP e com os CTT no passado recente. Como acontecera antes com a Petrogal. Mas também através do reforço das máquinas tributárias cada vez mais eficientes a punir e perseguir os pequenos contribuintes, ao mesmo tempo que revelam grandes dificuldades[incompetência] em lidar com os poderosos incumpridores.
Esse debate também é fundamental para a definição do futuro da Geringonça, até porque a pressão política conduzida pelos parceiros de coligação é quase sempre canalizada no sentido de que a acção governativa afecte mais recursos á promoção da equidade e da justiça social. Essa é uma condição sine qua nom para a defesa das políticas públicas, permitindo devolver aos cidadãos a universalidade do acesso, atacando as nefastas consequências da sua mercantilização.
Obriga ao reforço do investimento público e à valorização das carreiras dos profissionais que servem o Serviço Nacional de Saúde, à reintrodução da universalidade do acesso, à valorização da carreira dos professores, passa pela valorização da escola pública, passa também pela concretização de uma efectiva política de habitação. Não faz sentido que, embora retirando benefício político e eleitoral desta governação, o PS se posicione como um garante de que, em nome de uma ponderação e de um realismo – que convocam uma imediata identificação com a manutenção de privilégios espúrios, como acontece com as PPP´s que sugam recursos injustificados aos contribuintes - que nos conduziram à crise de 2008, a recuperação dos direitos e a diminuição da desigualdade se transforme numa tarefa de muito longo prazo.

A opção por este caminho de revitalização da social-democracia não é fácil porque não está garantida, no interior do PS, uma maioria política que comungue dos pontos de vista de Pedro Nuno Santos, pese embora posições favoráveis como a que é defendida por Manuel Alegre.  No País este PS é o PS que conta, o que ainda consegue mobilizar os seus militantes, apesar de estarem longe os tempos das maiorias absolutas. No entanto, como se verificou com as tomadas de posição do ministro Augusto Santos Silva – um ex-esquerdista seduzido pela terceira via e pelo acesso ao poder cujo discurso(?) político se constrói em torno das maiores banalidades, incapaz de qualquer reflexão crítica sobre o passado recente- entre os dirigentes que desde o consulado de Sócrates ocupam lugares na governação é a visão que destruiu a social-democracia europeia que impera. Uma visão que é sintetizada por PNS da seguinte forma:

No plano do modelo de desenvolvimento, a terceira via deu prioridade à contabilidade do crescimento económico, independentemente do seu padrão: todo o crescimento da economia e do emprego era positivo, até porque gerava receita. A terceira via abraçou um modelo de crescimento demasiado assente no imobiliário e no setor financeiro. Sim, sofreu o impacto da Grande Recessão; o problema é que participou na construção do modelo que a causou. Quando a bolha imobiliária estalou e o setor financeiro colapsou, o dividendo orçamental desapareceu e os governos tiveram de resgatar os bancos e cortar nos serviços públicos. E a terceira via, que dependia do sucesso desses setores, caiu com eles.
Acrescentaria apenas que este modelo se baseou na construção de uma desigualdade crescente a que está associada uma muito desigual distribuição da riqueza, com a perda de poder de compra das famílias. Essa perda de poder de compra foi “compensada” pela facilitação do crédito instantâneo e barato e pela estratégia de privatizar o sector bancário. Os socialistas europeus da terceira via, como qualquer partido de orientação neoliberal, promoveram uma brutal despolitização da vida dos cidadãos, colaborando na estratégia de os transformar em meros consumidores. Essa opção de fundo teve consequências dramáticas nas políticas públicas e na acessibilidade dos cidadãos aos serviços essenciais. Com destaque para a acessibilidade urbana fortemente limitada pela segregação espacial imposta pela subjugação das políticas públicas de habitação aos interesses dos Mercados.

Este debate no interior do PS, que pode até não acontecer no próximo congresso já que António Costa pretende deixar para mais tarde a discussão de todas as questões políticas relevantes, nomeadamente a política de alianças, conta com alguns protagonistas ausentes/presentes.

Em primeiro lugar Mário Centeno que, através da sua opção ideológica de fundo - a mesma que o conduziu à liderança do Eurogrupo, um lugar que se obtêm pela confiança política que cada protagonista merece, face às orientações políticas e económicas dominantes e que não resulta do reconhecimento de um qualquer mérito específico de natureza transformadora condiciona as opções políticas da governação, como nenhum outro membro, incluindo o primeiro-ministro. Centeno é hoje o maior defensor, em Portugal e no contexto europeu, de uma política de cariz marcadamente austeritária, dominada pela obsessão do controlo do défice público, pelas cativações que o viabilizam, pelo férreo controlo do investimento público, pelo aproveitamento de todos os excedentes orçamentais para “investir” na diminuição do défice, sempre argumentando com a ideologia da moderação e da cautela.  

O papel de Centeno no debate não tinha que ser, naturalmente, ponderado por Pedro Nuno Santos, mas no seu artigo faz falta que tenha dedicado uma pequena parte a discutir a questão dos recursos. Um dos álibis preferidos dos que no lado social-democrata promoveram a liquidação dos ideais da democracia, da solidariedade e da coesão, é o da falta de recursos. Trata-se de um argumento falso, mas que quase todos temem desmontar, porque há um enorme consenso em seu redor. Claro que as políticas públicas, a promoção do carácter equitativo dessas políticas, o garante da universalidade dos acessos, passa pela mobilização dos recursos necessários. A sua utilização tem implícita uma condição prévia: é necessário gerar esses recursos. Eles existem mas o Estado tem que actuar no sentido de os transformar em recursos públicos em vez de, como actualmente, eles se destinarem no essencial a alimentar a especulação e o enriquecimento sem mérito dos agentes do Mercado.   

Pedro Nuno Santos não aborda a questão da renegociação da dívida, uma questão decisiva no contexto europeu, que, com Centeno no Eurogrupo está, como estava antes com Djesselbom, condenada ao esquecimento.   Este é um debate vital no quadro da definição de uma actuação política transformadora para a próxima década, capaz de mobilizar os recursos necessários para redesenhar uma sociedade mais justa.  

Um segundo protagonista é Marcelo Rebelo de Sousa, vencido mas não convencido sobre os méritos desta solução governativa. Não passa pela cabeça de ninguém que Marcelo ache possível uma solução de longo prazo - o que obrigaria a aprofundar o acordo inicial - que instale a esquerda no poder e coloque a direita, a que ele pertence, sujeita a sucessivas crises de liderança que inevitavelmente a iriam fragilizar. Marcelo é hoje em dia junto com Centeno o maior defensor da política orçamental seguida, em particular a política da prudência e da moderação no investimento público, e com os seus afectos, com a sua omnipresença em cada parcela do território nacional, tenta compensar as inevitáveis consequências da falta de investimento, como acontece no sector da saúde. Sector vital já que a erosão do SNS, pese embora os números regularmente citados pelo primeiro-ministro, não parou de aumentar.  

Há um debate interessante que é possível e necessário. O artigo de Pedro Nuno Santos marca uma posição e desta vez não será por falta de comparência de uma das partes que o debate não se fará.  

4 comentários:

Lowlander disse...

Faco minhas as palavras lidas num comentario do ladroes de bicicletas

"Reparo com consternação que nem uma palavra é dita sobre as relações com a EU o o Euro.

Ora, a definição de posições claras em relação ao maior espartilho a uma governação verdadeiramente social-democrata é central a qualquer política que vise o progresso do país.

Pode o PS bater no peito e jurar pela social-democracia, mas todos nós sabemos que isso será falso se não fôr resolvido o problema europeu. É inútil tentarem passar por entre os pingos da chuva e iludirem-se iludindo o eleitorado.

Estranho que neste ponto em que os diagnósticos são claros e evidentes o PS ainda tente escamotear esta questão que é basilar em relação a todas as outras.

O texto é uma promessa, mas infelizmente não tem bases que a sustentem."

José Guinote disse...

Meu caro Lowlander, perceberá que o comentário que aqui reproduz foi feito a um post em que o próprio Pedro Nuno Santos - destacado membro do blogue em questão - reproduz o seu artigo artigo do Público, aqui analisado por mim.
Pese embora o comentário releve, acho eu, de uma posição marcadamente acrítica, embora a coberto de um incontrolado criticismo, não se aplica de todo ao que aqui ezscrevi. Nem de perto nem de longe.
Adianto apenas o seguinte: falar "do PS", como uma coisa una e indivisivel, neste contexto de mudança, é uma ligeireza, para dizer o mínimo. A posição de Pedro Nuno Santos, propõe a continuidade da solução política que suporta o Governo e, na enunciação que faz quer das razões para o declínio da social-democracia, quer para a sua regeneração, discute a questão fundamental por trás da hetacombe desse projecto político: a relação entre o EsTado e os Mercados. Só por cegueira irrecuperável se pode ignorar que nesta discussão está integralmente contida a relação entre Portugal e a UE e o Euro e num plano mais vasto a posição de Portugal no mundo.
Como dizia o outro: vale a pena pensar nisto.

Lowlander disse...

O comentario nao se aplica aquilo que escreveu. Tem razao. O comentario foca-se apenas no que Pedro Nuno Santos escreveu.
Mas entao pergunto-lhe directamente. Nao acha bizarro fazer-se um texto a discutir a relacao entre o Estado e os mercados em Portugal sem uma vez mencionar o significativo factor que afecta essa relacao?
Seria como discutir a relacao entre a pluviosidade e a capacidade de armazenamento de agua nas albufeiras Portuguesas sem uma vez mencionar as alteracoes climaticas... nao concorda?

Vale a pena pensar nisso. Concordo inteiramente!

José Guinote disse...

Não acho nada bizarro. Acho bizarra a questão que coloca bem como o comentário. O que PNS fez foi uma análise da evolução da social-democracia no contexto europeu e não percebo como alguém pode ignorar que nessa análise está presente a evolução da Europa.
Contrariamente ao que parece pensar a Europa não é uma entidade autónoma. Depende das políticas nacionais e da relação de forças no contexto europeu. O que tornou a Europa naquilo que ela é foi a aproximação dos partidos socialistas aos ideais do neoliberlaismo, ditada por aquilo que PNS denuncia: uma politica determinada pela moderação e realismo, à moda de Augsuto Santos Silva e outros[acrescento eu]. Ainda hoje, num registo pobretanas, o Secretátrio de Estado das Comunidades vem escrever uma série de vacuidades sobre a questão.