20/08/18

Grécia. Porque celebra Centeno?

A Grécia viu chegar ao fim a sucessão de resgates que desde 2010 impuseram ao país uma austeridade violenta e muitas vezes criminosa. Os custos sociais desta imposição liderada pela CE, pelo BCE e pelo FMI, foram terríveis e a dimensão do tsunami que varreu a organização social e política gregas apenas será totalmente apercebida ao longo dos próximos anos.

A austeridade imposta aos gregos representou a página mais negra vivida pelo país numa situação de paz. Um página em que os gregos mais pobres e os da classe média suportaram sobre os seus frágeis ombros todos os sacrifícios impostos pela tecnocracia dominante no Eurogrupo e nas instituições europeias.

Coube a um português, Mário Centeno de seu nome, liderar o Eurogrupo no momento em que este procedimento chega ao fim. Mário Centeno mostrou no breve discurso que proferiu para assinalar o momento de que massa é feito. Estamos perante alguém que não fica a perder no confronto com o seu antecessor, o inaceitável Dijsselbloem. Um defensor fervoroso da austeridade e dos seus efeitos benéficos. Diga, a partir deste momento,  Centeno o que disser, diga António Costa o que disser, digam os dirigentes socialistas o que disserem, há uma verdade que emerge: Centeno acredita piamente nas virtudes da austeridade e  no tratamento imposto a países como a Grécia e Portugal.

Fosse o primeiro ministro Pedro Passos Coelho e Centeno o seu ministro das finanças -não há uma única razão política ou ideológica que pudesse impedir esta possibilidade -  e este exacto discurso, neste momento preciso, provocaria uma generalizada repulsa, e a exigência por parte de toda a esquerda - PS incluído - da demissão do ministro. 

Separar Centeno e a sua política interna desta triste figura que agora fez é um exercício de puro cinismo.

O resgate da Grécia foi um colossal fracasso. Inicialmente era suposto serem necessários dois anos para que o país regressasse aos mercados. Precisou de oito e de mais dois resgates. Estamos perante uma trágica história marcada pela incompetência dos burocratas europeus, pelo desprezo dos interesses das populações, pelo desprezo pela democracia no espaço europeu. Uma história em que os interesses do sistema financeiro como um todo prevaleceram como o novo objectivo comum da política europeia. Com o funcionamento da democracia amordaçado pelo dogma austeritário, com os estados remetidos a um papel de meros serventes dos mercados, o resgate da Grécia simboliza, ironicamente, a colocação, pelos centenos da europa, de uma última pedra no túmulo da ideia da Europa dos povos, da solidariedade e do desenvolvimento integrado.

Centeno com o seu breve discurso anunciou de forma festiva o fim da Europa dos cidadãos e a emergência da Europa dos poderosos.  Cada um é para o que presta, como diria o seu padrinho, o poderoso Schäuble. 


12 comentários:

Anónimo disse...

É feio colar apenas a esquerda moderada (os maus do establishment) ao que aconteceu na Grécia. A outra parte que aceitou a austeridade foi a esquerda radical Syriza que ainda tem assento no GUE/GNL e com isso compromete todo o projecto do PCP-BE a curto prazo, pois fica claro que as medidas de resistência a avançar são tão poucas no nosso (europeu) contexto que mais vale não queimar cartuchos indo para o Governo. Ou pior ainda, se PCP-BE aceitarem pastas no próximo governo (até mesmo o ministério das Finanças, o que não acontecerá) serviria para desmobilizar a contestação, provavelmente a troco de muito pouco. Ou estou a ser demasiado drástico?

É este o debate que importa fazer, sendo que não forçar a esquerda a fazê-lo PUBLICAMENTE (e se possível com mais debate entre partidos, incluindo a ala do PS que importa) é aceitar que é um debate interno a ser feito por uma casta burocrática que tende a aumentar: como dizer que não a mais meia dúzia de tachos com tanta dificuldade por aí, e nem estou a moralizar com os robles nem os robalos.

Podemos argumentar que o Syriza foi tomado por traidores (o discurso fácil e que mais se tem visto à esquerda) ou podemos simplesmente dizer que o Syriza fez o possível na atual correlação de forças - mas assim sendo, para que precisamos da esquerda radical?

Devo dizer que estive presente no Plano B promovido pelo BE/GUE/GNL, foi de uma pobreza tal de ideias que chega a ser desanimador: parece-me que nunca a esquerda europeia esteve tão derrotada, e já lá vão 10 anos do início da onda. A "terceira via" da esquerda radical é o que importa discutir agora, isto é, se a dissidência do Syriza representa algo realista, uma vez que é claro para todos que o Syriza é mais do mesmo.

José Guinote disse...

É feio tirar conclusões com base naquilo que não está escrito. Talvez não seja feio, mas é, certamente, errado. O que estava em causa neste post era a declaração de Centeno. Pelo seu significado político, pois claro, e pelas necessárias leituras políticas internas que essa declaração permite e justifica.
Parece-me que o caro anónimo - cuja identidade, infelizmente, não conhecemos,sabendo apenas que participou "no Plano B promovido pelo BE/GUE/GNL" - parte de uma leitura critica a uma posição inexistente - uma pretensa colagem apenas da esquerda moderada ao que aconteceu na Grécia- para teorizar sobre idas para o Governo e outras estratégias.
O que está aqui em causa é apenas e só o seguinte: Como se pode conviver com um ministro das Finanças de um Governo - apoiado por uma plataforma política marcadamente anti-austeritária - que além desse papel desempenha no contexto europeu o papel de Presidente do Eurogrupo? Quer isto dizer que Centeno é ao mesmo tempo o ministro das Finanças de um governo com um programa - pelo menos o compromisso político que viabilizou o Governo era-o - marcadamente anti-austeritário e o Presidente do Eurogrupo com uma agenda inflexivelmente pró-austeritária, como o "episódio grego" testemunharia se necessário fosse. Uma espécie de Dr.Jekil e Mr.Hide da política portuguesa no contexto europeu.
Quanto às idas para o Governo defendi desde sempre que BE e PCP deviam ter integrado o Governo. O compromisso mínimo estabelecido entre as partes apenas serviu, como todos os compromissos mínimos, para atenuar os problemas evitando a sua resolução. Na verdade foi esse fraco compromisso que permitiu fortalecer a posição fortemente pró-austeritária de Centeno.

Anónimo disse...

José Guinote,

Para debater ideias não precisa de saber o meu nome. Nem me interessa se José Guinote é o seu nome real.

Eu não o estou a criticar a si nem à sua posição (que por acaso nem sei qual é, mas quando tiver tempo vou ler os seus posts antigos sobre a Grécia pós-referendo). Se leu o meu comentário sabe que estou a criticar "o discurso fácil e que mais se tem visto à esquerda" - isto sou eu a citar o anónimo do primeiro comentário.

A declaração de Centeno é deplorável. Mas volto a insistir: o plano de austeridade não foi APENAS assinado pelo Eurogrupo, a Troika, o FMI, a UE (ou o raio que os parta a todos), foi TAMBÉM assinado pelo Syriza. Partido esse que está no GUE/GNL ao lado do PCP e BE - e mesmo que não estivesse nesse grupo europeu, o que importa é saber o que pode / deve a esquerda fazer dentro dos possíveis. É por isso lógico termos de teorizar sobre idas para o Governo. Pode escolher-se fazer isso à porta fechada nos comités centrais, mas penso que a blogosfera abre portas para que o debate seja bem mais saudável e alargado, ainda que anónimo e de curto alcance.

Quanto à política económica de Centeno: é wishful thinking acharmos que se tivéssemos um Louçã na pasta das finanças as coisas seriam muito diferentes. Perguntando de outro modo: o ministro das finanças grego não é de esquerda?

Anónimo disse...

A propósito disto, escreveu Louçã a 21 de Agosto (embora só hoje tenha lido no esquerda.net:
https://www.esquerda.net/opiniao/kalimera-bem-vindos-de-volta-normalidade/56640 )

"Ao elogiar a troika na Grécia, o ministro, que obviamente se prepara para voos internacionais – e por isso o seu vídeo é uma promoção de carreira – está também a dizer que, afinal, quando a economia aperta a receita tem que ser de sempre. E é isso mesmo que se deve discutir com clareza até que a experiência e as ideias configurem uma alternativa sólida a essa austeridade, que é a máquina de destruição. Assim, Centeno fez um favor à esquerda portuguesa, apontando-lhe ainda não ter a preparação suficiente para uma economia competente."

José Guinote disse...

Por falta de tempo não respondi aos heterónimos do mesmo(?) anónimo - esta formulação pode até ter algum interesse - que aqui teorizou sobre as virtudes do anonimato, entre outras coisas. Primeira questão: o anonimato é permitido no blogue, isto quer dizer que não é reprimido. Do meu ponto de vista não faz sentido debater sob anonimato. É uma cobardia, assim sem aspas, quer se concorde com o que se diz quer se discorde.
No caso do anónimo - heterónimo das 10:14h do dia 21.08 - afirma que esteve presente no Plano B promovido pelo BE/GUE/GNL e seria interessante que desse conta do que lá aprendeu ou do que lá descobriu.
Quanto ao resto ficou feito o esclarecimento: a vinda ao debate nada tem a ver com o que escrevi no post. É apenas uma oportunidade para apresentar um ponto de vista. Pela parte que me toca, disponha.

Niet disse...

Grande artigo de J.Guinote sobre a tragédia grega agora " controlada " pelo inenarrável keynesiano-de-memória curta, Mário Centeno.Ninguém sabe onde acabará o martírio apocapliptico
da grande nacao-berco da civilizacao europeia. A ferocidade dos mercados e a cartilha neo-liberal extrema- Mélenchon diz que Macron é um liberal extremo...-só aportaräo mais morte e miséria a um pais farol da Europa. Ninguém tenha duvidas : os austeritários continuam impantes em Bruxelas. Há uma opacidade tremenda na "folha de curso " da saida em falso da troika de Atenas... Até 2070 nada será livre e independente para os responsáveis locais da economia. Entretanto, os " mercados provocaram , em paralelo com o anúncio " do perigo " economicista... do populismo italiano, um saldo das obrigacoes de Estado transalpinas e uma subida das taxas de juro, que podem fazer tremer os economistas responsáveis de Lisboa e Madrid. Niet

RL disse...

José Guinote,

Passo a assumir o nome RL em vez de anónimo. Não sei se é menor a cobardia de usar uma sigla em vez de ser um simples anónimo...

Devo dizer que andei a vasculhar alguns arquivos do blogue do tempo pré e pós referendo da Grécia. A primeira coisa que salta à vista são os bons artigos que aqui se produziram por vários autores, e as caixas de comentários repletas de debate e alguma divergência saudável. (O que contrasta com o deserto da atualidade nos blogs de esquerda, e isto é apenas uma constatação.)

Ao contrário do que o JG escreve, a minha vinda ao debate tem sim a ver com o que escreveu no post. Afirmei que a declaração de Centeno é deplorável. E afirmei também que a outra parte que assinou o acordo foi o Syriza - é isto que o JG considera ser fugir ao debate?

Mencionei o encontro plano B por ser por excelência a plataforma de encontros da esquerda europeia que tem a finalidade de não deixar escapar outra oportunidade como a que a esquerda teve na Grécia em 2015, e o que vi lá não foi mais que a Zoe Konstantopoulou a auto-promover-se convocando o próximo plano B para a Grécia e dizer que Tsipras traiu o povo grego, e Nikolaos Chountis a dizer mais ou menos o mesmo e a trazer de novo à baila o programa que o Syriza deixou cair (que passou a ser o programa da Unidade Popular). E esperava ouvir de Francisco Louçã algo que se aproveitasse, mas levou para o palco um tema onde se bem me lembro nem se referiu à Grécia (qualquer coisa sobre taxas de juro onde provavelmente está carregado de uma razão "técnica").

Ora eu constato que essa teoria da traição de Tsipras é o discurso dominante na esquerda. Não quero dizer que seja o que pensa o JG, ou que eu próprio não penso que isso seja mais ou menos verdade. Mas é um facto que o Syriza ainda está no GUE/NGL e ainda está no poder.

O JG escreve "Fosse o primeiro ministro Pedro Passos Coelho e Centeno o seu ministro das finanças -não há uma única razão política ou ideológica que pudesse impedir esta possibilidade - e este exacto discurso, neste momento preciso, provocaria uma generalizada repulsa, e a exigência por parte de toda a esquerda - PS incluído - da demissão do ministro." - E tem razão.

O que eu pergunto é o que é que o Syriza pode hoje fazer? E se o BE chegar a posições de Governo, não irá cair na mesma armadilha de ilusão de que pode de algum poder de melhorar realmente as condições de vida dos portugueses ou mais importante que isso, contribuir para alterar a relação de forças dentro da UE? A esquerda é incapaz de admitir a sua impotência, é só isso. Mais fácil atirar pedras ao burocrata Centeno.

NB: não me interessa teorizar sobre idas para o governo ou atacar a ideia por si só, eu nem sou aderente do BE.

José Guinote disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Guinote disse...

Caro RL se andou a vasculhar no blogue terá concluído que aqui o posicionamento face à evolução da Grécia foi plural mas teve sempre como pano de fundo a importância da manutenção da Europa como projecto político. Um projecto político fomentador da paz e de uma democracia europeia de carácter marcadamente transnacional.
O que se pode considerar chocante no contexto do posicionamento europeu dos países vitimas dos resgates, será a sua evolução no sentido de aceitarem como adequadas as políticas impostas a partir de Bruxelas e do Eurogrupo. A sua conformação com a realidade. Digamos que, na altura das eleições pós referendo, a vitória do Siryza - sem maioria absoluta - parecia ser a expressão da vontade dos gregos, das vítimas da austeridade, de não desistirem da Europa, apesar do tratamento esclavagista que esta lhe tinha imposto.

O que agora a realidade nos mostra é que a desejável união das esquerdas - nunca excluí o PS dessa unidade - como núcleo fomentador de uma mudança na política da União a partir da periferia, não funcionou. O que o discurso de Centeno mostra - mais do que o discurso a sua nomeação, a partir da mesma relação de forças que tinha permitido a nomeação do seu antecessor - é que a união da esquerdas socialistas com as esquerdas radicais, não produziu un discurso alternativo à lógica dominante no contexto europeu, a lógica do neolioberalismo e, no caso dos países do sul, a evolução para um modelo de sociedade neoconservador.

O discurso de Centeno é uma homenagem às vitimas da austeridade extrema proferido em nome dos seus algozes. A manutenção da lógica dominante na Europa passa, pelos vistos, pela ascensão dos socialistas, mais capazes de assegurar neste momemto histórico a necessária paz social e, como mostra a geringonça em Portugal, com o quanto baste de consciência social para permitir que os trabalhadores consigam manter a cabeça à tona de água.
Esta evolução assegura que no essencial as relações d epoder no contexto europeu não vão mudar.

RL disse...

José Guinote,

Parece-me que estamos próximos ideologicamente. Basicamente: crítica a Centeno, querer mudar a UE "por dentro" e achar que a Esquerda é hoje incapaz de ir além de uma frouxa defesa defesa de direitos sociais (volto a deixar de lado a questão da esquerda no governo ou não, para não desconversar). Acontece que eu compro a narrativa da direita segundo a qual houve vários factores externos que fizeram com que Portugal crescesse no quadro da geringonça. Além disso a austeridade não acabou, e a ala conservadora do PS vai ser a maior vencedora nas próximas eleições, e quando acabar a Geringonça e chegar a vez de termos um outro Centeno a governar o eurogrupo a Esquerda estará na fila da frente a atirar pedras, fazendo figura de palhaço só porque o próximo Centeno será do PPE ou um "social-democrata" do PS ou quejandos e dirá as mesmas barbaridades deste Centeno.

José Guinote disse...

Caro anónimo/RL o que a si lhe parece não tem nada a ver com aquilo que eu escrevi. Mas já percebemos todos que é a sua posição: acha o caro anónimo/RL que Centeno quer mudar a UE por dentro; acha que o crescimen to no quadro da geringonça deve-se a "vários fasctores externos". Não há nada a fazer. Felicidades.

RL disse...

José Guinote,

Ou você não me leu ou eu não me expliquei bem. Eu não escrevi que Centeno quer mudar a UE por dentro - nem um militante da esquerda moderada do PS acha que essa ideia estapafúrdia tem qualquer fundamento: Centeno é por excelência alguém que "não tem ideologia" e por isso mesmo segue a cartilha liberal.

Quanto aos factores externos que fazem crescer o PIB português durante a Geringonça sim, acredito que factores vários como por exemplo o aumento de turismo, remessas de uma população emigrada (como nos saudosos anos 60 e 70) e de um modo geral o maior crescimento europeu fizeram Portugal avançar. Não que acredite que a austeridade fosse uma saída para crescermos tanto, como você pode depreender (ou talvez não?) dos meus comentários anteriores. É que com crescimento tão anémico, e com conquistas tão limitadas no quadro da Geringonça, parece-me que sobra pouco para a Esquerda se congratular, excepto estar no governo sem outra finalidade - uma espécie de "até queríamos mudar a UE, mas não dá, temos pena, vamos governando isto do jeito que der".

Cps.