Esta campanha não se configura como um episódio passageiro destinado a marcar a agenda política britânica por uma ou duas semanas: estamos perante a mais demorada e consistente campanha política contra o Labour desde que, sob a direcção de Jeremy Corbyn, disputou as úlltimas eleições gerais e retirou a maioria absoluta aos Conservadores.
Quando das últimas eleições autárqicas tinhamos tido oportunidade de referir que, apesar da vitória do Labour, a campanha conduzida por vários sectores ligados à comunidade judaíca tinha evitado uma vitória estrondosa dos trabalhistas.Escrevi então que:
Parece que há algumas conclusões que é necessário retirar destes resultados. Em primeiro lugar a campanha contra o antissemitismo, que dominaria o Labour, foi muito eficaz. O partido de Jeremy Corbyn não foi capaz de lidar com a questão e a liderança, fortemente conservadora, da comunidade judaíca fez o resto. Os quatros círculos eleitorais com uma maior presença da comunidade são exactamente Barnet, Wandsworth, Westminter e Swindon.
O Miguel refere alguns blogues da direita mas, ainda recentemente, o Público dedicava duas páginas ao tema na sua edição do passado dia 15.08.2018. "Corbyn sob pressão para agir contra -antissemitismo no Labour", titulava o diário da Sonae. Esta noticia - com uma redacção ligeiramente diferente - está disponível online com o título " Corbyn na corda bamba, entre o apoio à Palestina e o antisemitismo".
A mudança no título não é nada inocente e entronca na questão de fundo que determina a campanha política em curso, que se organiza segundo dois eixos: por um lado promovendo a identificação das posições dos que sempre apoiaram a causa dos Palestinos, os que sempre apoiaram a luta da OLP - caso de Corbyn, mas também de gerações de dirigentes do Labour - os que defendem a solução política dos dois estados - Israel e Palestina - com uma posição de anti-semitismo; em segundo lugar colocando aqueles que criticam o estado de Israel - a propósito da sua política de ocupaçãoda Cisjordânia e do bloqueio à Faixa de Gaza, mas também da criação de um sistema de Apartheid no interior do estado de Israel, como está a acontecer com a polémica lei da Nacionalidade, promovida pela aliança entre Netanyahu e a extrema-direita judaíca - sob a acusação de serem antissemitas.
É aqui que radica, na minha modesta opinião, a recusa do Labour de subscrever na totalidade o conceito de antissemitismo promovida pela IHRA - International Holocaust Remenbrance Alliance. Na verdade não se trata de questionar a definição do conceito - por muito estúpida que ela seja como mostra o Miguel Madeira - mas um dos exemplos que o IHRA utiliza para o ilustrar. Como aqui se explica neste texto da autoria de um dos membros da comité executivo que lidera o Labour:
Afinal, apenas um dos exemplos apontados pelo IHRA é que não foi subscrito pelo Labour e por razões óbvias, já que, dessa forma, qualquer crítica à política de Israel podia ser imediatamente condenada por ser antissemitismo.
É interessante olhar para o debate entre os leitores do Guardian, para se perceber a verdadeira dimensão da questão. Nestas cartas enviadas pelos leitores há quem defenda as duas posições. E há aqueles que questionam quem tem poder para representar a comunidade judaíca, se é que ela existe.Olhemos agora para alguns factos: Em 2016 Ken Livingstone, ex-mayor de Londres e apoiante de Corbyn, fez declarações polémicas que suscitaram o repúdio da comunidade judaíca. Na edição online do Público refere-se que " o ex-autarca acabou por ser suspenso por Corbyn, acabando por se demitir em Maio". Na edição impressa esta parte foi omitida.
Podemos ver aqui que o ex-autarca de Londres - cuja carreira política pode ser parcialmente revisitada aqui - foi objecto de um processo disciplinar e suspenso, sendo essa suspensão prorrogada por um ano em 2017. Finalmente, em Maio de 2018, Livingstone decidiu deixar o partido. Essa decisão mereceu um comentário de Corbyn.
Mais recentemente uma deputada da ala conservadora dos trabalhistas, notória apoiante de Tony Blair e opositora desde sempre de Corbyn, acusou-o de ser racista e antissemita. Foi por esse motivo alvo de um processo disciplinar. Um outro ex-deputado, criticou duramente a comunidade judaíca do partido trabalhista por, segundo ele, estar a tentar minar a liderança de Corbyn aliando-se ao grupo de deputados apoiantes de Blair. Foi objecto de um processo disciplinar.
O Daily Mail, essa expressão máxima do jornalismo independente, desencantou uma imagem de Corbyn num cemitério em Tunes numa homenagem a quatro dos autores do atentado contra a delegação de Israel nos Jogos Olímpicos de Munique em 1972, que custou a vida a 11 atletas. As coisas não se passaram como o Daily Mail noticiou e Corbyn esteve em Tunes numa cerimónia que visou homenagear a memória das vitimas do bombardeamento efectuado por Israel sobre os escritórios da OLP na capital da Tunísia. Bombardeamentos israelitas que tinham sido repudiados pela senhora Teatcher, na altura primeiro-ministra inglesa. A noticia de que no local estão enterrados quatro operacionais palestinianos que, de acordo com o Público, estiveram envolvidos no atentado de Munique, não corresponde à verdade. Como foi desmentido nos dias seguintes não estão enterrados quatro operacionais no cemitério visitado por Corbyn. Estão lá dois dirigentes de topo da OLP: Salah Khalaf e Atef Bseiso. O primeiro foi o braço direito de Asser Arafat e foi assassinado pelo grupo Abu Nidal. Era um moderado, com ligações ao ocidente. Razão suficiente para ser odiado pelos israelitas. Quanto a Bseiso, igualmente assassinado nessa altura, negou sempre qualquer ligação ao atentado de Munique.
Owen Jones desmascara a hipocrisia com que se pretende atacar Corbyn a propósito do seu suposto antissemitismo e mesmo de um disparatado racismo. E deixa claro que havendo que denunicar o antissemitismo, que deve ser combatido, isso nunca pode ser um pretexto para que seja abandonada a causa do povo Palestiniano e que as torpes actuações da direita israelita, lideradas pelo tenebroso Netaniahu possam ser aceites. O Labour não pode aceitar que seja adequado manifestar cumplicidade com a violência perpetuada pelo estado de Israel, ao mesmo tempo que se condena qualquer solidariedade com o povo palestiniano.
Há um facto que resulta desta discussão: o Labour está debaixo de fogo face à proximidade ao poder e, sobretudo, face à notória viragem à esquerda do partido. O Labour de Corbyn é a maior ameaça à ordem internacionalmente estabelecida de que um dos pilares é a União Europeia. Infelizmente Corbyn tem manifestado muitas dificuldades em lidar com o Brexit e com o fracasso dos Tories na gestão do processo de separação. Esse aspecto, junto com esta campanha centrada no suposto antissemitismo estão a abrir algumas brechas no apoio ao partido. Mas, as propostas de Corbyn, de que a última foi a tributação- a cobrança de uma mais-valia - das empresas tecnológicas teimam em conduzir o debate para as verdadeiras questões (aqui e aqui ).
ACTUALIZAÇÃO. A polémica do dia acerca da "intima relação" entre "Corbyn e o antissemitismo que grassa no Labour" é apoiada numa declaração de 2013 sobre os sionistas. Declaração que terá estado na origem de uma queixa oficial contra o partido. Imparável este processo de vasculhar na memória recente e passada para encontrar "provas". Entretanto a linha de ataque centrada na "investigação" do Daily Mail foi abandonada por manifesta especulação baseada em mentiras grosseiras. Fez o seu papel a dita investigação.
Por cá, Miguel Esteves Cardoso também dedicou a Corbyn um dos seus, habitualmente excelentes, textos no Público. Diz ele que não dá mais para o Corbyn. E eu que estaria tentado a pensar que ele nunca tinha dado nada para o dito. Há uma frase que me merece destaque, que me perdoe o Miguel esta ousadia de salientar uma pequena frase entre tantas frases que se destacam:
"(...)Por isso é que [Corbyn] falhou como político: é inflexível. Triunfou recentemente por isso mesmo. Não abdica dos princípios. Defende os mais fracos. Não recebe ordens de Washington e blá blá blá(...)"
2 comentários:
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