31/12/19
30/12/19
Mais noticias bolivianas
por
Miguel Madeira
Além da notícia do dia, tem havido mais notícias da Bolívia dignas de atenção
- O governo prepara-se para excluir algumas zonas do país das eleições, com o argumento que lá não há polícia - Murillo advierte al trópico: “Cuidado que por ponerse duros no tengan elecciones” (Los Tiempos)
- O governo também redefiniu cortes de estrada como "terrorismo" e está usando isso como base para tentar prender o ex-presidente Morales
- Um ex-ministro, próximo do atual regime, propôs que a amnistia pelos protestos de 2003 fosse retroativamente revogada
- Está mais ou menos assente que o mandato da presidente interina vai ser prolongado, por não haver condições para fazer eleições agora; no entanto, grande parte dos apoiantes da presidente recusa que o mandato dos deputados também seja prolongado, pelo que se levarem a sua avante a presidente interina se tornaria numa espécie de ditadora interina, governando sem parlamento (talvez governando por decreto?)
[Uma fonte para quem queira seguir a situação boliviana - o twitter de Carwil Bjork-James]
- O governo prepara-se para excluir algumas zonas do país das eleições, com o argumento que lá não há polícia - Murillo advierte al trópico: “Cuidado que por ponerse duros no tengan elecciones” (Los Tiempos)
- O governo também redefiniu cortes de estrada como "terrorismo" e está usando isso como base para tentar prender o ex-presidente Morales
- Um ex-ministro, próximo do atual regime, propôs que a amnistia pelos protestos de 2003 fosse retroativamente revogada
- Está mais ou menos assente que o mandato da presidente interina vai ser prolongado, por não haver condições para fazer eleições agora; no entanto, grande parte dos apoiantes da presidente recusa que o mandato dos deputados também seja prolongado, pelo que se levarem a sua avante a presidente interina se tornaria numa espécie de ditadora interina, governando sem parlamento (talvez governando por decreto?)
[Uma fonte para quem queira seguir a situação boliviana - o twitter de Carwil Bjork-James]
26/12/19
Ler os Outros: Sobre a corrupção e o seu combate
por
José Guinote
Um tema para todas as estações: o combate à corrupção.
Numa época marcada pela emergência das forças reaccionárias, xenófobas e fascistas, que adquirem uma cada vez maior expressão parlamentar, verifica-se que o combate à corrupção tende a ser instrumentalizado por essas forças.
As reacções daqueles que governaram em nome da esquerda - embora muitas vezes a leste do que se poderia considerar uma governação de esquerda - é, muitas vezes, pela singularidade das soluções adoptados, apenas e só a confissão da falta de empenho em combater a corrupção. Há nesta opção uma escolha e uma decisão política claras. Na relação entre o Estado e o Mercado o Governo opta por um lado A corrupção permite ao Estado intervir no processo económico como facilitador definindo quem ganha e quem perde, favorecendo uns em detrimento de outros, actuando por exemplo ao nível das regras do urbanismo e ao nível da contratação pública.
Vale por isso a pena ler este texto de Maria José Morgado publicado no Expresso. Uma boa leitura para a quadra natalícia, para todas as quadras, aliás.
Numa época marcada pela emergência das forças reaccionárias, xenófobas e fascistas, que adquirem uma cada vez maior expressão parlamentar, verifica-se que o combate à corrupção tende a ser instrumentalizado por essas forças.
As reacções daqueles que governaram em nome da esquerda - embora muitas vezes a leste do que se poderia considerar uma governação de esquerda - é, muitas vezes, pela singularidade das soluções adoptados, apenas e só a confissão da falta de empenho em combater a corrupção. Há nesta opção uma escolha e uma decisão política claras. Na relação entre o Estado e o Mercado o Governo opta por um lado A corrupção permite ao Estado intervir no processo económico como facilitador definindo quem ganha e quem perde, favorecendo uns em detrimento de outros, actuando por exemplo ao nível das regras do urbanismo e ao nível da contratação pública.
Vale por isso a pena ler este texto de Maria José Morgado publicado no Expresso. Uma boa leitura para a quadra natalícia, para todas as quadras, aliás.
18/12/19
15/12/19
ELEIÇÕES NO REINO UNIDO - IV
por
José Guinote
O resultado das eleições no Reino Unido deu aos conservadores a vitória anunciada. Já aqui tinhamos, sucessivamente, manifestado o nosso cepticismo quanto a uma possível vitória do Labour e da equipa de Corbyn.
A hipótese do voto táctico revelou-se uma miragem. Os conservadores ganharam muitas circunscrições aproveitando a perda de votos directamente do Labour para os Lib Dem (Warrington South, Delyn, entre outras). Kensigton, que mudou de mãos por 150 votos - replicando o que tinha acontecido em sentido inverso em 2017 - foi uma das circunscrições em que os Lib Dem mais do que duplicaram o número de votos, passando de 4 mil para 9 mil.
Há uma verdade objectiva: os LIB DEM aumentaram o seu número de eleitores em 2.121.810. No entanto perderam 10 deputados. Os conservadores viram o seu número de eleitores aumentar 1.587.365, o que correspondeu a um aumento de 66 lugares. Com uma perda de 1.094.492 votos os trabalhistas viram o seu grupo parlamentar reduzido em 42 lugares.
Do meu ponto de vista a estratégia de Corbyn revelou-se um desastre que se foi, aliás, consolidando ao longo da agonia da senhora May. Esssa agonia foi também a agonia do projecto do Labour e do que ele significava: mais justiça social, redução das desigualdades, reforço dos serviços públicos.
Já aqui escrevi e julgo que os resultados das eleições confirmam essa análise: a opção pelo Brexit - implicita e explicita na evolução de Corbyn pós eleições de 2017, e durante esta campanha com a sua patética defesa de uma suposta neutralidade face a um segundo referendo - foi um desastre. A maioria dos eleitores do Labour apoiaram o Remain and Reform em 2016, que foi aliás a posição oficial do partido. Muita dessa energia dos apoiantes do Remain inundou e impulsionou a eleição de 2017 e a ascensão do partido. Em 2019 não se viu nada disso.
A perda da Red Wall era inevitável. Há um movimento tipico das zonas mais desfavorecidas, torturadas pela austeridade e pelo desinvestimento, a favor das forças nacionalistas. Não se trata de sair da Europa, trata-se sobretudo de dizer não aos emigrantes e à deslocalização das empresas. Optaram, como acontece um pouco por todo o lado, por se entregarem às mão do melhor carrasco.
Para combater esse movimento há que chegar ao poder e mudar a política.
A falta de coragem de Corbyn em defesa da Europa, uma Europa que o Labour poderia ajudar a mudar, custou-lhe muitos votos dos Remainers, que abandonaram o partido e se juntaram aos Liberais Democratas ou se abstiveram. Com uma estratégia centrada na defesa do Remain, o Labour teria consolidado as zonas ganhas em 2017 aos conservadores e poderia ter expandido a sua influência noutras zonas. Teria evitado o desastre total sofrido na Escócia. Certamente não teria melhores resultados na Red Wall. Mas será que teria pior resultado do que aquele que obteve nestas eleições?
Cada um defende aquilo em que acredita. Corbyn - um homem sério, um democrata, vilipendidado pela imprensa tablóide e pelos poderes económicos que ele aliás desafiou de forma aberta - deixou-se encurralar por uma pequeno grupo com uma visão retrógada anti-europeia. Não se pode liderar quando não se é claro sobre aquilo que se defende. Há uma coisa que a esquerda já devia ter aprendido: não vale a pena querer fazer aquilo que a direita nacionalista e libertarista faz muito bem. O Brexit é a proposta de uma sociedade mais desigual, mais corrupta, mais autoritária, mais xenófoba. Alguém de esquerda tem que ter uma posição clara de oposição a este projecto. O vencedor do Brexit, e seu mentor, chama-se Boris Johnson.
A hipótese do voto táctico revelou-se uma miragem. Os conservadores ganharam muitas circunscrições aproveitando a perda de votos directamente do Labour para os Lib Dem (Warrington South, Delyn, entre outras). Kensigton, que mudou de mãos por 150 votos - replicando o que tinha acontecido em sentido inverso em 2017 - foi uma das circunscrições em que os Lib Dem mais do que duplicaram o número de votos, passando de 4 mil para 9 mil.
Há uma verdade objectiva: os LIB DEM aumentaram o seu número de eleitores em 2.121.810. No entanto perderam 10 deputados. Os conservadores viram o seu número de eleitores aumentar 1.587.365, o que correspondeu a um aumento de 66 lugares. Com uma perda de 1.094.492 votos os trabalhistas viram o seu grupo parlamentar reduzido em 42 lugares.
Do meu ponto de vista a estratégia de Corbyn revelou-se um desastre que se foi, aliás, consolidando ao longo da agonia da senhora May. Esssa agonia foi também a agonia do projecto do Labour e do que ele significava: mais justiça social, redução das desigualdades, reforço dos serviços públicos.
Já aqui escrevi e julgo que os resultados das eleições confirmam essa análise: a opção pelo Brexit - implicita e explicita na evolução de Corbyn pós eleições de 2017, e durante esta campanha com a sua patética defesa de uma suposta neutralidade face a um segundo referendo - foi um desastre. A maioria dos eleitores do Labour apoiaram o Remain and Reform em 2016, que foi aliás a posição oficial do partido. Muita dessa energia dos apoiantes do Remain inundou e impulsionou a eleição de 2017 e a ascensão do partido. Em 2019 não se viu nada disso.
A perda da Red Wall era inevitável. Há um movimento tipico das zonas mais desfavorecidas, torturadas pela austeridade e pelo desinvestimento, a favor das forças nacionalistas. Não se trata de sair da Europa, trata-se sobretudo de dizer não aos emigrantes e à deslocalização das empresas. Optaram, como acontece um pouco por todo o lado, por se entregarem às mão do melhor carrasco.
Para combater esse movimento há que chegar ao poder e mudar a política.
A falta de coragem de Corbyn em defesa da Europa, uma Europa que o Labour poderia ajudar a mudar, custou-lhe muitos votos dos Remainers, que abandonaram o partido e se juntaram aos Liberais Democratas ou se abstiveram. Com uma estratégia centrada na defesa do Remain, o Labour teria consolidado as zonas ganhas em 2017 aos conservadores e poderia ter expandido a sua influência noutras zonas. Teria evitado o desastre total sofrido na Escócia. Certamente não teria melhores resultados na Red Wall. Mas será que teria pior resultado do que aquele que obteve nestas eleições?
Cada um defende aquilo em que acredita. Corbyn - um homem sério, um democrata, vilipendidado pela imprensa tablóide e pelos poderes económicos que ele aliás desafiou de forma aberta - deixou-se encurralar por uma pequeno grupo com uma visão retrógada anti-europeia. Não se pode liderar quando não se é claro sobre aquilo que se defende. Há uma coisa que a esquerda já devia ter aprendido: não vale a pena querer fazer aquilo que a direita nacionalista e libertarista faz muito bem. O Brexit é a proposta de uma sociedade mais desigual, mais corrupta, mais autoritária, mais xenófoba. Alguém de esquerda tem que ter uma posição clara de oposição a este projecto. O vencedor do Brexit, e seu mentor, chama-se Boris Johnson.
14/12/19
Sobre as eleições britânicas
por
Miguel Madeira
Atendendo aos resultados foi efetivamente mais uma derrota dos Trabalhistas que uma vitória dos Conservadores; há quem diga que foi uma rejeição do "radicalismo" de Corbyn - faz sentido: o Labour perdeu cerca de 2 milhões e meio de votos face a 2017 porque muito eleitores que até simpatizavam com o centrista que na altura liderava o partido assustaram-se com o radical Corbyn.
Claro que a hipótese do "radicalismo" não faz grande sentido, pelo que parece-me que a razão mais provável para a queda eleitoral dos trabalhistas seja o Brexit (ok, houve também as falsas acusações de anti-semitismo, mas interrogo-me se isso terá influenciado alguém além dos que já estavam previamente convencidos).
Diga-se que quando começaram a sair resultados a minha primeira impressão foi de que as quedas da votação do Labour eram acompanhadas sobretudo por subidas do Brexit Party (claro que o BRX subiria sempre, porque é um novo partido, mas em grande parte desses circulos não tinha havido candidato do UKIP em 2017); veja-se uma das primeiras vitórias conservadoras anunciadas, Blyth Valley:
E a maior parte dos lugares perdidos pelos trabalhistas no nordeste de Inglaterra (uma das regiões onde houve maior perca de deputados) seguiram esse padrão - cerca de metade dos votos perdidos foram para o Brexit Party; e quase todos os círculos perdidos foram círculos que votaram "Leave" no referendo.
É verdade que no conjunto do Reino Unido isso não se verificou, e o principal beneficiário com a descida dos trabalhistas foram os liberais-democratas (e o "aumento" de 2 pontos do Brexit Party ainda é menor do que parece, porque o UKIP desceu 1,8 pontos, pelo que o partido-liderado-pelo-Nigel-Farage teve só mais duas décimas de ponto percentual - mas convém notar que não concorreu em muitos círculos):
Mas no contexto de um sistema eleitoral maioritário, o que foi relevante foi a transferência de votos para o Brexit Party (e para os conservadores, claro) - a transferência para os liberais-democratas parece ter ocorrido sobretudo em circulos que não mudaram de partido.
Muita gente está a dizer que foi um erro os trabalhistas terem, nestes últimos meses, colocado-se de forma praticamente aberta do lado do remain, propondo a realização de um segundo referendo - mas suspeito que se se tivessem posto de forma decisiva ao lado do brexit (e, sobretudo, do brexit conduzido por Boris Johnson) teriam há mesma tido grandes perdas, só que noutros sítios (claro que o sistema eleitoral FPTP tem peculiaridades - se os bastiões tradicionais dos trabalhistas, e agora pró-brexit ,no norte de Inglaterra tiverem sido ganhos em 2017 com uma margem eleitoral mais estreita do que os novos bastiões trabalhistas pró-remain na zonas da "elite metropolitana", isso quer dizer que foi mais grave ter perdido votos nos primeiros do que seria ter perdido nos segundos; aliás, como se viu acima, os trabalhistas perderem com certeza mais votos para os liberais-democratas, mas esse perde de votos pouco impacto teve no resultado em termos de deputados, devido à geografia eleitoral).
Já agora, ocorre-me que nalguns círculos talvez tenha sido bom para os conservadores que o Brexit Party tenha concorrido: se calhar houve eleitores que passaram dos trabalhistas para o BRX (permitindo que esses círculos passassem para os conservadores) mas que teriam votado trabalhista se a única alternativa fosse o partido dos "posh boys" e da Thatcher.
Mais uns pontos:
N'O Observador, Miguel Pinheiro escreve que "Os opositores do Brexit queriam, portanto, um segundo referendo — e foi isso mesmo que tiveram esta quinta-feira"; na verdade, na quinta-feira passada, se fosse um referendo, teria sido uma DERROTA do Brexit (ou pelo menos do "Brexit realmente existente") - liberais-democratas, verdes, independentistas escoceses e regionalistas galeses (todos defensores do hard remain) mais os trabalhistas (opostos ao Brexit de Boris Johnson e defensores de um segundo referendo) tiveram 50,7% dos votos - claro que não se pode extrapolar totalmente de uma eleição legislativa para um referendo, já que a posição sobre o Brexit não terá sido o único assunto (terá havido remainers a votar conservador e brexiters a votar trabalhista, p.ex.), mas foi neste terreno que o Miguel Pinheiro se decidiu colocar (já agora, se, p.ex.. os liberais democratas tivessem ganho as eleições e cancelado o brexit, sem sequer fazer um novo referendo, como deram a entender, será que a eleição também contaria como um segundo referendo?).
Finalmente, como não poderia deixar de ser, apareceram uns sondagenfóbicos a dizer que "as sondagens voltaram a falhar"; mas que falha houve aqui nas sondagens??? O resultado foi mais ou menos o previsto pela maior parte das sondagens, nomeadamente as mais recentes, mais ponto percentual, menos ponto percentual:
Eu dá-me a ideia que para certas pessoas dizer que as sondagens falharam já é uma parte tão integral da sua rotina diária, como ir tomar o café da manhã, que têm a compulsão de dizer isso, mesmo quando elas acertam.
Claro que a hipótese do "radicalismo" não faz grande sentido, pelo que parece-me que a razão mais provável para a queda eleitoral dos trabalhistas seja o Brexit (ok, houve também as falsas acusações de anti-semitismo, mas interrogo-me se isso terá influenciado alguém além dos que já estavam previamente convencidos).
Diga-se que quando começaram a sair resultados a minha primeira impressão foi de que as quedas da votação do Labour eram acompanhadas sobretudo por subidas do Brexit Party (claro que o BRX subiria sempre, porque é um novo partido, mas em grande parte desses circulos não tinha havido candidato do UKIP em 2017); veja-se uma das primeiras vitórias conservadoras anunciadas, Blyth Valley:
E a maior parte dos lugares perdidos pelos trabalhistas no nordeste de Inglaterra (uma das regiões onde houve maior perca de deputados) seguiram esse padrão - cerca de metade dos votos perdidos foram para o Brexit Party; e quase todos os círculos perdidos foram círculos que votaram "Leave" no referendo.
É verdade que no conjunto do Reino Unido isso não se verificou, e o principal beneficiário com a descida dos trabalhistas foram os liberais-democratas (e o "aumento" de 2 pontos do Brexit Party ainda é menor do que parece, porque o UKIP desceu 1,8 pontos, pelo que o partido-liderado-pelo-Nigel-Farage teve só mais duas décimas de ponto percentual - mas convém notar que não concorreu em muitos círculos):
Mas no contexto de um sistema eleitoral maioritário, o que foi relevante foi a transferência de votos para o Brexit Party (e para os conservadores, claro) - a transferência para os liberais-democratas parece ter ocorrido sobretudo em circulos que não mudaram de partido.
Muita gente está a dizer que foi um erro os trabalhistas terem, nestes últimos meses, colocado-se de forma praticamente aberta do lado do remain, propondo a realização de um segundo referendo - mas suspeito que se se tivessem posto de forma decisiva ao lado do brexit (e, sobretudo, do brexit conduzido por Boris Johnson) teriam há mesma tido grandes perdas, só que noutros sítios (claro que o sistema eleitoral FPTP tem peculiaridades - se os bastiões tradicionais dos trabalhistas, e agora pró-brexit ,no norte de Inglaterra tiverem sido ganhos em 2017 com uma margem eleitoral mais estreita do que os novos bastiões trabalhistas pró-remain na zonas da "elite metropolitana", isso quer dizer que foi mais grave ter perdido votos nos primeiros do que seria ter perdido nos segundos; aliás, como se viu acima, os trabalhistas perderem com certeza mais votos para os liberais-democratas, mas esse perde de votos pouco impacto teve no resultado em termos de deputados, devido à geografia eleitoral).
Já agora, ocorre-me que nalguns círculos talvez tenha sido bom para os conservadores que o Brexit Party tenha concorrido: se calhar houve eleitores que passaram dos trabalhistas para o BRX (permitindo que esses círculos passassem para os conservadores) mas que teriam votado trabalhista se a única alternativa fosse o partido dos "posh boys" e da Thatcher.
Mais uns pontos:
N'O Observador, Miguel Pinheiro escreve que "Os opositores do Brexit queriam, portanto, um segundo referendo — e foi isso mesmo que tiveram esta quinta-feira"; na verdade, na quinta-feira passada, se fosse um referendo, teria sido uma DERROTA do Brexit (ou pelo menos do "Brexit realmente existente") - liberais-democratas, verdes, independentistas escoceses e regionalistas galeses (todos defensores do hard remain) mais os trabalhistas (opostos ao Brexit de Boris Johnson e defensores de um segundo referendo) tiveram 50,7% dos votos - claro que não se pode extrapolar totalmente de uma eleição legislativa para um referendo, já que a posição sobre o Brexit não terá sido o único assunto (terá havido remainers a votar conservador e brexiters a votar trabalhista, p.ex.), mas foi neste terreno que o Miguel Pinheiro se decidiu colocar (já agora, se, p.ex.. os liberais democratas tivessem ganho as eleições e cancelado o brexit, sem sequer fazer um novo referendo, como deram a entender, será que a eleição também contaria como um segundo referendo?).
Finalmente, como não poderia deixar de ser, apareceram uns sondagenfóbicos a dizer que "as sondagens voltaram a falhar"; mas que falha houve aqui nas sondagens??? O resultado foi mais ou menos o previsto pela maior parte das sondagens, nomeadamente as mais recentes, mais ponto percentual, menos ponto percentual:
Eu dá-me a ideia que para certas pessoas dizer que as sondagens falharam já é uma parte tão integral da sua rotina diária, como ir tomar o café da manhã, que têm a compulsão de dizer isso, mesmo quando elas acertam.
10/12/19
ELEIÇÕES NO REINO UNIDO - III
por
José Guinote
Falta apenas um dia para concluir a campanha eleitoral no Reino Unido. No dia 12 o país vai a votos.
As evoluções dos últimos dias não permitem esperar outro resultado que não a vitória dos Conservadores.
Faltará saber qual é a dimensão dessa vitória. Se com maioria absoluta ou se uma maioria relativa reforçada, quando comparada com o resultado da senhora May.
Aos trabalhistas e a Corbyn já só resta uma esperança: o impacto do voto dos novos eleitores. Parece ser nesse movimento de fundo - a existir - que se confinam as esperanças trabalhistas.
Nos últimos textos analisei vários factores que influenciaram decisivamente o resultado destas eleições. Ignorei um desses aspectos mais importantes: a campanha da ortodoxia judaica que elegeu Corbyn como um seu inimigo confesso. O rabino da comunidade judaica assumiu um comportamento nunca antes verificado. Declarou em plena campanha eleitoral que Corbyn não era um homem confiável para ser primeiro-ministro. Nunca na história da democracia britânica um líder religioso tinha tomado uma posição tão claramente política imiscuindo-se na luta partidária.
Corbyn não soube lidar com esta questão. Não foi capaz - e teve tempo para o fazer - de clarificar de forma límpida o seu posicionamento e do partido. Contra atacando aqueles que misturam a posição do governo de Netanyau com a posição dos judeus, como acontece com o rabino.
Mas, insisto, o maior erro de Corbyn foi o seu posicionamento face ao Brexit. A menos de duas semanas do final da campanha o Labour percebeu que estava à beira de perder parte da sua sempre fiel Red Wall, que votara maioritariamente pelo Leave. Optou nessa altura por concentrar aí os seus esforços, sem que se tenham verificado grandes progressos.
Entretanto, a maioria dos apoiantes do Remain, entre os que votaram Labour nas últimas eleições, dividiram-se, e uma parte apoia agora os Lib Dem, partido que ao longo de anos apoiou os conservadores e as políticas austeritárias que penalizaram os britânicos. Esse apoio irá traduzir-se numa significativa perda de deputados do Labour a favor dos Tories. Os LIb Dem cumprem mais uma vez o seu papel histórico de aliados dos conservadores. Neste caso foram os trabalhistas que ajudaram à festa. Deveriam ter clarificado a sua posição a favor do Remain - que esvaziava os Lib Dem - e concentrado forças a recuperar o que fosse possível da Red Wall. [defendo esta posição desde sempre e não por razões de pura aritmética eleitoral. A Europa necessita de uma política "for the many not the few" que Corbyn deveria ter liderado. Não partilho da posição cobarde dos iluminados da esquerda que entendem que a política europeia não é reformável e que manifestam simpatia por movimentos como o sinistro Brexit de Johnson e Farage]
Os resultados das eleições só se conhecem depois de todos terem votado. A menos que haja uma vaga de fundo em defesa do SNS, do Direito à Habitação, da Educação Pública e pela redução das desigualdades, o patético líder dos conservadores irá dispor de quatro anos para tornar o Reino Unido uma sociedade ainda mais injusta e governar à imagem do presidente americano.
Não chegam boas notícias do Reino Unido.
As evoluções dos últimos dias não permitem esperar outro resultado que não a vitória dos Conservadores.
Faltará saber qual é a dimensão dessa vitória. Se com maioria absoluta ou se uma maioria relativa reforçada, quando comparada com o resultado da senhora May.
Aos trabalhistas e a Corbyn já só resta uma esperança: o impacto do voto dos novos eleitores. Parece ser nesse movimento de fundo - a existir - que se confinam as esperanças trabalhistas.
Nos últimos textos analisei vários factores que influenciaram decisivamente o resultado destas eleições. Ignorei um desses aspectos mais importantes: a campanha da ortodoxia judaica que elegeu Corbyn como um seu inimigo confesso. O rabino da comunidade judaica assumiu um comportamento nunca antes verificado. Declarou em plena campanha eleitoral que Corbyn não era um homem confiável para ser primeiro-ministro. Nunca na história da democracia britânica um líder religioso tinha tomado uma posição tão claramente política imiscuindo-se na luta partidária.
Corbyn não soube lidar com esta questão. Não foi capaz - e teve tempo para o fazer - de clarificar de forma límpida o seu posicionamento e do partido. Contra atacando aqueles que misturam a posição do governo de Netanyau com a posição dos judeus, como acontece com o rabino.
Mas, insisto, o maior erro de Corbyn foi o seu posicionamento face ao Brexit. A menos de duas semanas do final da campanha o Labour percebeu que estava à beira de perder parte da sua sempre fiel Red Wall, que votara maioritariamente pelo Leave. Optou nessa altura por concentrar aí os seus esforços, sem que se tenham verificado grandes progressos.
Entretanto, a maioria dos apoiantes do Remain, entre os que votaram Labour nas últimas eleições, dividiram-se, e uma parte apoia agora os Lib Dem, partido que ao longo de anos apoiou os conservadores e as políticas austeritárias que penalizaram os britânicos. Esse apoio irá traduzir-se numa significativa perda de deputados do Labour a favor dos Tories. Os LIb Dem cumprem mais uma vez o seu papel histórico de aliados dos conservadores. Neste caso foram os trabalhistas que ajudaram à festa. Deveriam ter clarificado a sua posição a favor do Remain - que esvaziava os Lib Dem - e concentrado forças a recuperar o que fosse possível da Red Wall. [defendo esta posição desde sempre e não por razões de pura aritmética eleitoral. A Europa necessita de uma política "for the many not the few" que Corbyn deveria ter liderado. Não partilho da posição cobarde dos iluminados da esquerda que entendem que a política europeia não é reformável e que manifestam simpatia por movimentos como o sinistro Brexit de Johnson e Farage]
Os resultados das eleições só se conhecem depois de todos terem votado. A menos que haja uma vaga de fundo em defesa do SNS, do Direito à Habitação, da Educação Pública e pela redução das desigualdades, o patético líder dos conservadores irá dispor de quatro anos para tornar o Reino Unido uma sociedade ainda mais injusta e governar à imagem do presidente americano.
Não chegam boas notícias do Reino Unido.
08/12/19
O socialismo selvagem por Charles Reeve
por
joão viegas
Em tempos de neurastenia em que os
apóstolos do there is no alternative parecem próximos de conseguir
enfiar-nos o colete de forças do come-e-cala, livros como O socialismo
selvagem são uma verdadeira lufada de ar fresco. Livros que lembram de
forma inteligente, bem documentada e não resignada, que o poder verdadeiro, o
poder autêntico, o poder real, apenas jaz provisoriamente nas mãos das
autoridades estabelecidas, que o pervertem para servir interesses refastelados
nas poltronas do imobilismo. O verdadeiro poder não está no tronco prometido a
uma morte grotesca. Está na seiva. Está na vida. Assim imagino que tenha soado
o Elogio da loucura de Erasmo para os seus leitores entorpecidos no
sórdido comércio da palavra divina transformada em ritual oco e vazio. Da mesma
forma, o empolgante ensaio de Charles Reeve (pseudónimo do nosso querido Jorge
Valadas) vem lembrar-nos que o socialismo não foi cunhado pelos Doutores da
Lei, nem concebido em forma estandardizada, pronto a ser enlatado... ou
engavetado.
Tout
ça n’empêche pas Nicolas
Qu’la
Commune n’est pas morte !
Há quem se borre de medo com a perspectiva
de ver o poder cair na rua. Mas, felizmente, há também quem tenha convicções genuinamente
democráticas e lembre que a soberania nasce na rua, a quem cabe restitui-la
regularmente. Os primeiros costumam pedir socorro a generais peritos em
aquartelar a turba nas fortalezas do possível. Os segundos procuram antes
desarmar os terratenentes do conformismo e retardar o momento em que a plebe
regressará do Aventino. Estes últimos –
e Charles Reeve/Jorge Valadas é incontestávelmente um deles – sabem que a efervescência do poder
revolucionário, indisciplinado, indomável, selvagem, é o fabuloso
laboratório do amanhã, porque sabe pintá-lo com as cores vivas e contrastadas
do impossível. Percorrendo a história dos movimentos populares, o livro mostra
com inteligência e rigor como isso se verificou sempre : em 1789-1795, e outra
vez em 1871, em França, em 1917-8 na Rússia, em 1918-21 na Alemanha, em 1936 em
Espanha, em 1968 novamente em França, em 1974-75 em Portugal, em 1994-96 no
México, etc. Sem nunca ocultar que, em cada uma dessas occorrências, muito cedo
se manifestaram as forças reaccionárias que acabaram por abafar ou desvirtuar o
movimento.
Se o livro se contentasse com
expor essa História, já seria o suficiente para recomendar acaloradamente a sua
leitura, no panorama actual de demissão intelectual e de reverência generalizada
diante do arcanjo engravatado que combate, supostamente para o nosso bem, o
mostrengo da percentagem do défice. Mas o livro faz muito mais. Demonstra que
essa História é actual, hoje mais do que nunca. Atento aos movimentos populares
que, do Ocupy Wall Street ao Nuit debout, passando por outros,
teimam em manter acesa a chama do inconformismo, o autor procura ouvir o que
eles dizem em substância, a maneira como as suas reivindicações, longe de serem
quimeras utópicas, actualizam e elucidam os anseios mais arcaicos e mais
profundos do povo em movimento. Utópicas são as igrejas que nos tentam vender o
céu às postas ! Quando o povo se levanta, nunca é para sonhar, mas para
realizar, para alcançar, para cumprir. Nesse sentido, vale a pena ler com
atenção as páginas dedicadas às reflexões sobre a problemática dos comuns
e sobre a crise da representação política. Sem furtar-se à crítica dos inevitáveis
disparates, que tantas vezes são por onde o sectarismo escolástico consegue
infectar o movimento, Reeve mostra como o pensamento vivo se caracteriza pela
propensão para reanimar concepções antigas, quando não ancestrais, e dar-lhes
uma insuspeitada e inteligente actualidade. Não sei até que ponto há no Socialismo
selvagem uma alusão consciente ao Pensamento selvagem de C. Levi-Strauss,
mas o parentesco parece-me
evidente. Num caso como noutro, vemos
como a espontaneidade criativa do homem em sociedade, nas suas manifestações mais
genuinas, que tantas vezes são consideradas “toscas” pela corja dos instalados,
revela aquilo que ele tem de mais nobre e de mais promissor, que é fatalmente
rebelde à instituição estabelecida.
Um livro que ilustra a célebre
frase de O. Wilde, ou seria de W. de Faulkner, ja não sei, nem interessa : “a
sabedoria é ter sonhos suficientemente grandes para não se perderem de vista
quando os perseguimos”.
Escrito em francês e publicado em
França em 2018 (por L’échappée), o livro acaba de ser publicado em
Portugal pela Antígona (2019), numa tradução de Luís Leitão.
07/12/19
ELEIÇÕES NO REINO UNIDO - II
por
José Guinote
Como referi no post anterior tenho sérias dúvidas que o Labour consiga evitar uma maioria absoluta por parte dos Conservadores.
Há duas razões - além do posicionamento da imprensa, abordado no post anterior - que contribuem significativamente para esse resultado previsível: em primeiro lugar o facto de o partido do Brexit, liderado por Nigel Farage, ter declarado que não concorre em todas as circunscrições em que os Conservadores são tradicionalmente a segunda força, nas quais o Labour enfrenta dificuldades com os seus velhos militantes e apoiantes que no referendo de 2016 apoiaram o Leave; em segundo lugar a desastrosa gestão do dossier Brexit por parte de Corbyn e dos seus conselheiros políticos. Corbyn que fez campanha pelo Remain and Reform - uma campanha pouco interessada, diga-se - evoluiu depois para uma posição de pró-Leave ainda que atenuada por um, incompreensível, processo de negociação das condições de saída. Logo após a apresentação do Manifesto o líder trabalhista teve necessidade de esclarecer (?) que iria adoptar uma posição neutral no segundo referendo. Quer isto dizer que sendo primeiro ministro - única condição para haver um segundo referendo - ele não tomará posição na mais importante questão política que divide o Reino Unido. Uma ideia bizarra justificada pela pretensão de ter sol na eira e chuva no nabal. Nos dois debates com Johnson, Corbyn foi claramente superior ao seu oponente, com as questões sociais e a discussão sobre a intervenção do Estado na economia a serem áreas em que mostrou a distância colossal que o separa do actual primeiro-ministro. No entanto, quando o tema Brexit vem para a discussão Corbyn fica tolhido pelas suas contradições e compromete o seu desempenho.
Uma sondagem, apenas uma, dá ao partido conservador uma maioria esmagadora nas próximas eleições. No entanto essa sondagem - e a forma como ela foi feita - foi a única que previu o resultado de 2017. Esse resultado a acontecer será determinado pela perda de um conjunto de circunscrições que constituem a famosa "Red Wall" situada no Norte operário. Estas populações viraram as costas ao Labour e identificam a União Europeia como a principal responsável pela sua situação. Foram severamente afectados pela desindustrialização e pela deslocalização das principais empresas, facto que obedeceu a objectivos de política interna dos conservadores. Nem o plano de reindustrialização de Corbyn, nem a sua revolução verde, nem o reforço dos serviços de saúde e de educação, nem o aumento do salário mínimo para 12 euros por hora, os demove de votarem nos conservadores para garantir o Brexit tão cedo quanto possível.
Esta questão suscita várias reflexões e um aceso debate. O Labour foi obrigado a concentrar a sua campanha nestes territórios tradicionais com o objectivo de tentar minorar as perdas. Há um sentimento de frustração entre estas comunidades abandonadas ao longo de décadas e um descrédito total na democracia. Vimos o mesmo cenário na Grécia com cidadãos a passarem directamente do apoio aos comunistas e socialistas para a Aurora Dourada. Paul Mason, mais uma vez reflecte sobre esta situação.
O Labour sob a liderança de Corbyn tornou-se uma ameaça para a ordem vigente no Reino Unido desde que a senhora Teatcher assumiu a liderança nos idos de 1979.
Nesses longos 40 anos - em que se inclui um hiato de 13 - 1997-2010 - em que os trabalhistas governaram o Reino Unido, primeiro sob a liderança de Blair - até 2007- e no tempo restante com Gordon Brown, sem alterarem no essencial a política dos conservadores - o Reino Unido tornou-se o país mais desigual da Europa e o segundo mais desigual do mundo desenvolvido, logo atrás dos Estados Unidos. Isso apesar de ser a segunda economia da Europa, atrás da Alemanha, e a quinta do mundo. Há hoje no Reino Unido uma pobreza generalizada agudizada pela crise na habitação. As pessoas da classe média e baixa são empurradas para as periferias e vivem em condições degradantes se atendermos ao que se passava vinte anos atrás. Isto apesar da prosperidade do País.
O Manifesto para estas eleições apresentado por Corbyn sob o título "Is Time for Real Change" foi considerado pela editora de política do Guardian, Heather Stewart, como o programa político mais radical dos últimos 35 anos. Na linha, aliás, do que lançara em 2017.
As grandes orientações políticas do Manifesto organizam-se em torno de uma ideia muito simples: devolver ao Estado um papel líder na condução da política económica do País. Para isso o Labour propõe-se : reconstruir os Serviços Públicos, com destaque para a educação, a saúde e os transportes, com acesso gratuito à Internet para todos os cidadãos; combater a pobreza e a desigualdade, com a construção de um milhão de novas habitações, à taxa de 100 mil por ano, a surgir como medida mais importante, além do acesso gratuito e universal ao ensino pré-escolar e escolar, o fim dos contratos zero-horas e de elevar o salário mínimo para cerca de 12 euros/hora; concretizar uma revolução verde - com a criação de um milhão de novos postos de trabalho, em que a reindustrialização do país será associada a um compromisso com a defesa do planeta; realizar um novo referendo sobre o Brexit e realizar novas negociações, caso o Brexit seja de novo aprovado; uma nova atitude na cena internacional, balizada pela defesa da justiça e da solidariedade internacional.
O Manifesto implica um investimento de mais de 80 biliões de libras que o Labour se propõe financiar com um valor equivalente de impostos sobre as grandes empresas e as maiores fortunas.
Um programa político desta dimensão no coração do neoliberalismo global é uma ousadia que não podia passar incólume. Choveram as críticas, que foram aliás antecipadas pelo líder trabalhista quando apresentou o Manifesto. Em particular o Instituto dos Estudos Fiscais - IFS - atacou o programa do Labour acusando-o de ir aumentar enormemente a despesa pública e de isso implicar o aumento dos impostos sobre a população em geral. As comparações internacionais mostram no entanto que aplicando o programa do Labour em 2023 o investimento público ainda se situará francamente abaixo do que é hoje a realidade em países como a Suécia, a Bélgica, A França, a Alemanha e a Itália.
Estas críticas suscitaram várias reacções e uma ou outra leitura crítica. Trata-se, no entanto, de uma reacção tradicional de quem percebe uma ameaça ao modo de vida instalado, ao seu modo de vida. Modo de vida que permite aos 10% do topo arrecadarem a maioria esmagadora do rendimento disponível. Quem os poderá convencer a fazerem campanha para perderem os seus escandalosos privilégios?
Há duas razões - além do posicionamento da imprensa, abordado no post anterior - que contribuem significativamente para esse resultado previsível: em primeiro lugar o facto de o partido do Brexit, liderado por Nigel Farage, ter declarado que não concorre em todas as circunscrições em que os Conservadores são tradicionalmente a segunda força, nas quais o Labour enfrenta dificuldades com os seus velhos militantes e apoiantes que no referendo de 2016 apoiaram o Leave; em segundo lugar a desastrosa gestão do dossier Brexit por parte de Corbyn e dos seus conselheiros políticos. Corbyn que fez campanha pelo Remain and Reform - uma campanha pouco interessada, diga-se - evoluiu depois para uma posição de pró-Leave ainda que atenuada por um, incompreensível, processo de negociação das condições de saída. Logo após a apresentação do Manifesto o líder trabalhista teve necessidade de esclarecer (?) que iria adoptar uma posição neutral no segundo referendo. Quer isto dizer que sendo primeiro ministro - única condição para haver um segundo referendo - ele não tomará posição na mais importante questão política que divide o Reino Unido. Uma ideia bizarra justificada pela pretensão de ter sol na eira e chuva no nabal. Nos dois debates com Johnson, Corbyn foi claramente superior ao seu oponente, com as questões sociais e a discussão sobre a intervenção do Estado na economia a serem áreas em que mostrou a distância colossal que o separa do actual primeiro-ministro. No entanto, quando o tema Brexit vem para a discussão Corbyn fica tolhido pelas suas contradições e compromete o seu desempenho.
Uma sondagem, apenas uma, dá ao partido conservador uma maioria esmagadora nas próximas eleições. No entanto essa sondagem - e a forma como ela foi feita - foi a única que previu o resultado de 2017. Esse resultado a acontecer será determinado pela perda de um conjunto de circunscrições que constituem a famosa "Red Wall" situada no Norte operário. Estas populações viraram as costas ao Labour e identificam a União Europeia como a principal responsável pela sua situação. Foram severamente afectados pela desindustrialização e pela deslocalização das principais empresas, facto que obedeceu a objectivos de política interna dos conservadores. Nem o plano de reindustrialização de Corbyn, nem a sua revolução verde, nem o reforço dos serviços de saúde e de educação, nem o aumento do salário mínimo para 12 euros por hora, os demove de votarem nos conservadores para garantir o Brexit tão cedo quanto possível.
Esta questão suscita várias reflexões e um aceso debate. O Labour foi obrigado a concentrar a sua campanha nestes territórios tradicionais com o objectivo de tentar minorar as perdas. Há um sentimento de frustração entre estas comunidades abandonadas ao longo de décadas e um descrédito total na democracia. Vimos o mesmo cenário na Grécia com cidadãos a passarem directamente do apoio aos comunistas e socialistas para a Aurora Dourada. Paul Mason, mais uma vez reflecte sobre esta situação.
O Labour sob a liderança de Corbyn tornou-se uma ameaça para a ordem vigente no Reino Unido desde que a senhora Teatcher assumiu a liderança nos idos de 1979.
Nesses longos 40 anos - em que se inclui um hiato de 13 - 1997-2010 - em que os trabalhistas governaram o Reino Unido, primeiro sob a liderança de Blair - até 2007- e no tempo restante com Gordon Brown, sem alterarem no essencial a política dos conservadores - o Reino Unido tornou-se o país mais desigual da Europa e o segundo mais desigual do mundo desenvolvido, logo atrás dos Estados Unidos. Isso apesar de ser a segunda economia da Europa, atrás da Alemanha, e a quinta do mundo. Há hoje no Reino Unido uma pobreza generalizada agudizada pela crise na habitação. As pessoas da classe média e baixa são empurradas para as periferias e vivem em condições degradantes se atendermos ao que se passava vinte anos atrás. Isto apesar da prosperidade do País.
O Manifesto para estas eleições apresentado por Corbyn sob o título "Is Time for Real Change" foi considerado pela editora de política do Guardian, Heather Stewart, como o programa político mais radical dos últimos 35 anos. Na linha, aliás, do que lançara em 2017.
As grandes orientações políticas do Manifesto organizam-se em torno de uma ideia muito simples: devolver ao Estado um papel líder na condução da política económica do País. Para isso o Labour propõe-se : reconstruir os Serviços Públicos, com destaque para a educação, a saúde e os transportes, com acesso gratuito à Internet para todos os cidadãos; combater a pobreza e a desigualdade, com a construção de um milhão de novas habitações, à taxa de 100 mil por ano, a surgir como medida mais importante, além do acesso gratuito e universal ao ensino pré-escolar e escolar, o fim dos contratos zero-horas e de elevar o salário mínimo para cerca de 12 euros/hora; concretizar uma revolução verde - com a criação de um milhão de novos postos de trabalho, em que a reindustrialização do país será associada a um compromisso com a defesa do planeta; realizar um novo referendo sobre o Brexit e realizar novas negociações, caso o Brexit seja de novo aprovado; uma nova atitude na cena internacional, balizada pela defesa da justiça e da solidariedade internacional.
O Manifesto implica um investimento de mais de 80 biliões de libras que o Labour se propõe financiar com um valor equivalente de impostos sobre as grandes empresas e as maiores fortunas.
Um programa político desta dimensão no coração do neoliberalismo global é uma ousadia que não podia passar incólume. Choveram as críticas, que foram aliás antecipadas pelo líder trabalhista quando apresentou o Manifesto. Em particular o Instituto dos Estudos Fiscais - IFS - atacou o programa do Labour acusando-o de ir aumentar enormemente a despesa pública e de isso implicar o aumento dos impostos sobre a população em geral. As comparações internacionais mostram no entanto que aplicando o programa do Labour em 2023 o investimento público ainda se situará francamente abaixo do que é hoje a realidade em países como a Suécia, a Bélgica, A França, a Alemanha e a Itália.
Estas críticas suscitaram várias reacções e uma ou outra leitura crítica. Trata-se, no entanto, de uma reacção tradicional de quem percebe uma ameaça ao modo de vida instalado, ao seu modo de vida. Modo de vida que permite aos 10% do topo arrecadarem a maioria esmagadora do rendimento disponível. Quem os poderá convencer a fazerem campanha para perderem os seus escandalosos privilégios?
06/12/19
05/12/19
ELEIÇÕES NO REINO UNIDO - I
por
José Guinote
Estão próximas as eleições antecipadas no Reino Unido. São já no próximo dia 12 de Dezembro, na próxima quinta-feira.
Confesso que não partilho do optimismo de Ken Loach, embora partilhe a maioria das suas opiniões quanto à situação política no Reino Unido e em toda a Europa, e compreenda as razões pelas quais ele entende que o Labour irá vencer as eleições.
Uma das referências feitas por Loach é ao comportamento da imprensa. Não está sozinho. Há uma campanha de fake news originadas no partido conservador e um tratamento desigual por parte da generalidade da imprensa. Há quem o refira, como é o caso da Universidade de Loughborough que analisa o acompanhamento da campanha pela imprensa Mas, também Paul Mason, o jornalista e escritor, se refere de forma clara à campanha dos Conservadores e ao posicionamento dos principais orgãos de informação, como se pode ver no vídeo seguinte:
Corbyn, quando as eleições foram marcadas, declarou que estávamos perante uma oportunidade que aparece uma vez numa geração. Subscrevo essa declaração. No entanto, o longo período entre as eleições de 2017 - a culminar um crescimento notável do Labour com a perda da maioria absoluta pelos conservadores - deixou marcas profundas no eleitorado que constituiu a base dessa recuperação sob a liderança de Corbyn. A clivagem entre Remainers e Leavers instalou-se com estrondo no seio do partido trabalhista e esse facto - mas não só - vai decidir o resultado das eleições e permitir aos conservadores uma nova - e catastrófica, sem margem para dúvidas - maioria absoluta, viabilizando uma saída da União Europeia com o único objectivo - como Loach reconhece - de suprimir os escassos direitos que aos trabalhadores ainda são reconhecidos e colocando sectores estratégicos dos serviços públicos - com particular destaque para o Serviço Nacional de Saúde - nas mãos das multinacionais americanas, além de uma total liberalização das regras de protecção ambiental.
A história ainda não acabou e, apesar das baixas expectativas quanto a uma vitória do Labour, são elevadas as minhas esperanças de que o movimento iniciado por Corbyn, no coração do neoliberalismo global, não seja travado e que mais cedo do que tarde seja possível construir uma sociedade "for the many, not the few."
Confesso que não partilho do optimismo de Ken Loach, embora partilhe a maioria das suas opiniões quanto à situação política no Reino Unido e em toda a Europa, e compreenda as razões pelas quais ele entende que o Labour irá vencer as eleições.
Uma das referências feitas por Loach é ao comportamento da imprensa. Não está sozinho. Há uma campanha de fake news originadas no partido conservador e um tratamento desigual por parte da generalidade da imprensa. Há quem o refira, como é o caso da Universidade de Loughborough que analisa o acompanhamento da campanha pela imprensa Mas, também Paul Mason, o jornalista e escritor, se refere de forma clara à campanha dos Conservadores e ao posicionamento dos principais orgãos de informação, como se pode ver no vídeo seguinte:
Corbyn, quando as eleições foram marcadas, declarou que estávamos perante uma oportunidade que aparece uma vez numa geração. Subscrevo essa declaração. No entanto, o longo período entre as eleições de 2017 - a culminar um crescimento notável do Labour com a perda da maioria absoluta pelos conservadores - deixou marcas profundas no eleitorado que constituiu a base dessa recuperação sob a liderança de Corbyn. A clivagem entre Remainers e Leavers instalou-se com estrondo no seio do partido trabalhista e esse facto - mas não só - vai decidir o resultado das eleições e permitir aos conservadores uma nova - e catastrófica, sem margem para dúvidas - maioria absoluta, viabilizando uma saída da União Europeia com o único objectivo - como Loach reconhece - de suprimir os escassos direitos que aos trabalhadores ainda são reconhecidos e colocando sectores estratégicos dos serviços públicos - com particular destaque para o Serviço Nacional de Saúde - nas mãos das multinacionais americanas, além de uma total liberalização das regras de protecção ambiental.
A história ainda não acabou e, apesar das baixas expectativas quanto a uma vitória do Labour, são elevadas as minhas esperanças de que o movimento iniciado por Corbyn, no coração do neoliberalismo global, não seja travado e que mais cedo do que tarde seja possível construir uma sociedade "for the many, not the few."
03/12/19
Em que universo paralelo os engenheiros ganham mais que os médicos?
por
Miguel Madeira
No twitter, Carlos Guimarães Pinto nota que Portugal é o país da OCDE em que é maior a tendência para os melhores alunos rapazes quererem ir para ciências e engenharia (ele chama-lhe só "engenharia", mas pronto) e as melhores alunas para a área de saúde; a seguir, aparece logo alguém a tentar usar isso como explicação para o wage gap entre homens e mulheres.
Deixando de lado o facto de cerca de metade da diferença salarial entre homens e mulheres ser diferença dentro da mesma profissão, suspeito (isto é, tenho a certeza) que os médicos ganham mais que os engenheiros, portanto, se alguma coisa, essa diferença de preferências poderia originar era uma diferença salarial de sinal contrário à realmente existente. (ok, "saúde" não é apenas médicos - embora provavelmente o seja no grupo que estamos a discutir, dos "alunos de topo").
Deixando de lado o facto de cerca de metade da diferença salarial entre homens e mulheres ser diferença dentro da mesma profissão, suspeito (isto é, tenho a certeza) que os médicos ganham mais que os engenheiros, portanto, se alguma coisa, essa diferença de preferências poderia originar era uma diferença salarial de sinal contrário à realmente existente. (ok, "saúde" não é apenas médicos - embora provavelmente o seja no grupo que estamos a discutir, dos "alunos de topo").
01/12/19
O estado das Urgências Pediátricas
por
Miguel Madeira
Num
altura em que tanto se fala de urgências pediátricas e blocos de partos
fechados por falta de pediatras, de aumento da mortalidade materna, de
grávidas a terem que ser transferidas de um lado para outro, etc. há um
assunto que ninguém parece discutir e que acho que mereceria ser
discutido (agora que se está a ver que os médicos pediatras são um
recurso escasso):
Fará sentido a política que tem sido adotada nos últimos anos de mandar para as Urgências Pediátricas todos os menores de 18 anos (pondo no mesmo saco os bebés de colo e os bêbados da noitada anterior), em vez de apenas as crianças propriamente ditas, como antigamente?
Fará sentido a política que tem sido adotada nos últimos anos de mandar para as Urgências Pediátricas todos os menores de 18 anos (pondo no mesmo saco os bebés de colo e os bêbados da noitada anterior), em vez de apenas as crianças propriamente ditas, como antigamente?
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