07/12/19

ELEIÇÕES NO REINO UNIDO - II

Como referi no post anterior tenho sérias dúvidas que o Labour consiga evitar uma maioria absoluta por parte dos Conservadores.

Há duas razões - além do posicionamento da imprensa, abordado no post anterior - que contribuem significativamente para esse resultado previsível: em primeiro lugar o facto de o partido do Brexit, liderado por Nigel Farage,  ter declarado que não concorre em todas as circunscrições em que os Conservadores são tradicionalmente a segunda força, nas quais o Labour enfrenta dificuldades com os seus velhos militantes e apoiantes que no referendo de 2016 apoiaram o Leave; em segundo lugar a desastrosa gestão do dossier Brexit por parte de Corbyn e dos seus conselheiros políticos. Corbyn que fez campanha pelo Remain and Reform - uma campanha pouco interessada, diga-se - evoluiu depois para uma posição de pró-Leave ainda que atenuada por um, incompreensível,  processo de negociação das condições de saída. Logo após a apresentação do Manifesto o líder trabalhista teve necessidade de esclarecer (?) que  iria adoptar uma posição neutral no segundo referendo. Quer isto dizer que sendo primeiro ministro - única condição para haver um segundo referendo - ele não tomará posição na mais importante questão política que divide o Reino Unido. Uma ideia bizarra justificada pela pretensão de ter sol na eira e chuva no nabal. Nos dois debates com Johnson, Corbyn foi claramente superior ao seu oponente, com as questões sociais e a discussão sobre a intervenção do Estado na economia a serem áreas em que mostrou a distância colossal que o separa do actual primeiro-ministro. No entanto, quando o tema Brexit vem para a discussão Corbyn fica tolhido pelas suas contradições e compromete o seu desempenho.

Uma sondagem, apenas uma, dá ao partido conservador uma maioria esmagadora nas próximas eleições. No entanto essa sondagem - e a forma como ela foi feita -  foi a única que previu o resultado de 2017. Esse resultado a acontecer será determinado pela perda de um conjunto de circunscrições que constituem a famosa "Red Wall" situada no Norte operário. Estas populações viraram as costas ao Labour e identificam a União Europeia como a principal responsável pela sua situação. Foram severamente afectados pela desindustrialização e pela deslocalização das principais empresas, facto que obedeceu a objectivos de política interna dos conservadores. Nem o plano de reindustrialização de Corbyn, nem a sua revolução verde, nem o reforço dos serviços de saúde e de educação, nem o aumento do salário mínimo para 12 euros por hora, os demove de votarem nos conservadores para garantir o Brexit tão cedo quanto possível.

Esta questão suscita várias reflexões e um aceso debate. O Labour foi obrigado a concentrar a sua campanha nestes territórios tradicionais com o objectivo de tentar minorar as perdas. Há um sentimento de frustração entre estas comunidades abandonadas ao longo de décadas e um descrédito total na democracia. Vimos o mesmo cenário na Grécia com cidadãos a passarem directamente do apoio aos comunistas e socialistas para a Aurora Dourada. Paul Mason, mais uma vez reflecte sobre esta situação.




O Labour sob a liderança de Corbyn tornou-se uma ameaça para a ordem vigente no Reino Unido desde que a senhora Teatcher assumiu a liderança nos idos de 1979.

Nesses longos 40 anos -  em que se inclui um hiato de 13 - 1997-2010 - em que os trabalhistas governaram o Reino Unido, primeiro sob a liderança de Blair - até 2007-  e no tempo restante com  Gordon Brown, sem alterarem no essencial a política dos conservadores - o Reino Unido tornou-se o país mais desigual da Europa e o segundo mais desigual do mundo desenvolvido, logo atrás dos Estados Unidos. Isso apesar de ser a segunda economia da Europa, atrás da Alemanha, e a quinta do mundo. Há hoje no Reino Unido uma pobreza generalizada agudizada pela crise na habitação. As pessoas da classe média e baixa são empurradas para as periferias e vivem em condições degradantes se atendermos ao que se passava vinte anos atrás. Isto apesar da prosperidade do País.

O Manifesto para estas eleições  apresentado por Corbyn sob o título "Is Time for Real Change" foi considerado pela editora de política do  Guardian,  Heather Stewart, como o programa político mais radical dos últimos 35 anos. Na linha, aliás, do que lançara em 2017.

As grandes orientações políticas do Manifesto organizam-se em torno de uma ideia muito simples: devolver ao Estado um papel líder na condução da política económica do País. Para isso o Labour propõe-se  :  reconstruir os Serviços Públicos, com destaque para a educação, a saúde e os transportes, com acesso gratuito à Internet para todos os cidadãos; combater a pobreza e a desigualdade, com a construção de um milhão de novas habitações, à taxa de 100 mil por ano, a surgir como medida mais importante, além do acesso gratuito e universal ao ensino pré-escolar e escolar, o fim dos contratos zero-horas e de elevar o salário mínimo para cerca de 12 euros/hora; concretizar uma revolução verde - com a criação de um milhão de novos postos de trabalho, em que a reindustrialização do país será associada a um compromisso com a defesa do planeta; realizar um novo referendo sobre o Brexit e realizar novas negociações, caso o Brexit seja de novo aprovado; uma nova atitude na cena internacional, balizada pela defesa da justiça e da solidariedade internacional.

O Manifesto implica um investimento de mais de 80 biliões de libras que o Labour se propõe financiar com um valor equivalente de impostos sobre as grandes empresas e as maiores fortunas.

Um programa político desta dimensão no coração do neoliberalismo global é uma ousadia que não podia passar incólume. Choveram as críticas, que foram aliás antecipadas pelo líder trabalhista quando apresentou o Manifesto. Em particular o Instituto dos Estudos Fiscais - IFS - atacou o programa do Labour acusando-o de ir aumentar enormemente a despesa pública e de isso implicar o aumento dos impostos sobre a população em geral. As comparações internacionais mostram no entanto que aplicando o programa do Labour em 2023 o investimento público ainda se situará francamente abaixo do que é hoje a realidade em países como a Suécia, a Bélgica, A França, a Alemanha e a Itália.

Estas críticas suscitaram várias reacções e uma ou outra leitura crítica. Trata-se, no entanto, de uma reacção tradicional de quem percebe uma ameaça ao modo de vida instalado, ao seu modo de vida. Modo de vida que permite aos 10% do topo arrecadarem a maioria esmagadora do rendimento disponível. Quem os poderá convencer a fazerem campanha para perderem os seus escandalosos privilégios?







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