31/10/11

Trabalho escravo


Os aspirantes a senhores feudais já tinham anunciado que todos os assalariados do sector privado teriam de trabalhar mais meia-hora por dia. Afinal, na verdade, todo o patrão terá direito a 10 horas de trabalho escravo por cada 4 semanas trabalhadas, que poderá utilizar a seu bel-prazer, como e quando bem entender, seja sábado, domingo ou feriado.

Uma medida exemplar

Eis uma medida que, se fosse generalizada aos governantes e complexos financeiro-empresariais que tiveram "relacionamenos" abonatórios de Kadafi e do seu regime, acarretando evidentemente a demissão de uns e a expropriação de outros, poderia decerto contribuir para a "confiança" que é necessário que os cidadãos comuns recuperem para não serem kadafizados, ou deskadafizados como manda a via líbia, pelo "relacionamento" entre os primeiros e os segundos.

Uma empresa alemã cancelou um contrato com a modelo italo-americana, Vanessa Hessler, de 23 anos, após esta ter revelado que teve um relacionamento com Muatassim Kadhafi, filho do ex-ditador líbio (morto juntamente com o pai), e ter elogiado a sua família, afirmando que os Kadhafi eram "gente normal".
Segundo avança o Globo.com, a "Telefonica Germany" e sua subsidiária, "Alice", anunciaram que vão parar de trabalhar com a modelo, que foi o rosto da empresa durante vários anos, e que a sua imagem será retirada do site da companhia. "Vanessa Hessler errou nos seus comentários sobre o conflito na Líbia", afirmou o porta-voz da empresa, Albert Fetsch.

Leitura recomendada

Imprescíndivel ler este texto do Daniel Oliveira.

30/10/11

Sobre o "capitalismo com valores asiáticos", a sua vanguarda chinesa e algumas palavras que abalam a "sociedade harmoniosa"



O Jorge Valadas acaba de publicar, de colaboração com Hsi Hsuen-Wou e sob o nome de Charles Reeve, mais uma importante análise sobre o regime chinês e aquilo a que alguns chamam "capitalismo com valores asiáticos": Les mots qui font peur. Vocables à bannir de la toile en Chine, L'Insomniaque, 2011.  Gostaria de poder anunciar para breve uma edição portuguesa deste trabalho, mas receio que tenhamos de esperar mais do que o razoável por esse acontecimento, tendo em conta que o ainda recente estudo sobre a China da mesma dupla — China blues. Voyage au pays de l'harmonie précaire, Paris, Gallimard, 2008 — ainda não logrou aparentemente a atenção dos editores da região.


Eis um excerto da apresentação do livro que vale a pena transcrever:

… os autores tiveram acesso por meio de uns quanros clics a um documento oficial chinês, tão confidencial como instrutivo. Ttata-se de uma lista que teria sido estabelecida pela polícia da Internet e que repertoria de antemão os vocábulos a censurar no espaço electrónico a partir dos primeiros prenúncios de uma revolta temida. É um excerto desse longo inventário das palavras que causam medo ao poder chinês que aqui publicamos. Limitámo-nos a acrescentar os nossos próprios comentários às nebulosas razões alegadas pelos ciber-chuis - de tal maneira é verdade que é da treva que irrompe a luz.

E para concluir este convite à leitura, vejamos o que diz o glossário nas primeiras linhas da entrada "campos de trabalho":

Sem dúvida, os campos de trabalho existem e são necessários, tanto para reeducar os desviantes como para dissuadir os que se sintam tentados a vir a sê-lo. Além disso, contribuem para a competitividade das nossas indústrias nos mercados internacionais. No entanto, a sua má reputação, forjada pelos detractores do nosso sistema, põe um problema de imagem, que prejudica as nossas empresas exportadoras, Apesar de todos os louvores que os campos merecem enquanto pilares do nosso sistema, é pois preferível que não se ouça uma palavra a seu respeito: o que evitará que se diga mal deles.

Daqui e dacolá


         O vídeo que a Ana Cristina Leonardo ofereceu, no dia 25 de Outubro, aos leitores do blogue diz mais do que muitas sábias análises sobre o momento em que estamos a entrar.
O rapaz norte-americano com o peito cheio de medalhas que ocupa a imagem faz parte de uma massa crescente de gente que começou a reflectir sobre o que se passa, a pensar a revolta contra o destino que lhes é imposto. Ele não se move por ideologia, reage ao que vê como contradição inaceitável. O que se passa actualmente nos Estados Unidos da América, nas ruas, praças, e sobretudo nos espíritos, é mais do que importante. É enorme e faz tremer as linhas da política institucional. Como diz o protagonista, trata-se de um movimento global, movimento que temos dificuldade em analisar com os conceitos e as referências de ontem. O que é perceptível é que se trata de um movimento positivo, criativo, que ultrapassou a lamentação e a crítica negativa, que reivindica outro mundo possível. Há uma rejeição do que existe e da lógica determinista da economia, a consciência, muitas vezes inconfortável, de que o sistema actual não pode ser reformado, concertado, reparado, melhorado. Que temos de passar a outra História, a outro Tempo. Que o primeiro passo para enfrentar os tais 1% que dominam o mundo é o de nos posicionarmos fora das instituições existentes. Daphni Leef, uma das primeiras manifestantes a ocupar a rua em Telavive, respondeu assim aos encantamentos paternalistas do envelhecido Cohn-Bendit, «A direita e a esquerda são a mesma coisa. Eu contesto a ideia segundo a qual não poderemos fazer nada fora do sistema». (Le Monde, 28 de Outubro).
Estamos a falar a sério. O sistema capitalista está a estalar pelas costuras, não tem arranjo com mezinhas e não há que confiar na casta política que faz parte da oligarquia que governa o mundo e cujo único objectivo é salvar a pele, o sistema de poder e a «economia». Duas ideias orientam os movimentos actuais e constituem a bóia de salvação para sairmos do pântano de barbárie para onde nos empurram: uma é que «Eles não nos representam», a outra é que «A democracia não existe». É agradável constatar que também neste cantinho retirado da Europa os velhos costumes são postos em causa. Veja-se aquela foto da manifestaçao do dia 15 de Outubro, no Porto, que o Miguel S. Pereira publicou no «Passa Palavra», um cartaz onde se lê, «Aprendam a dizer não !». Ou ainda esta outra frase que eu próprio li, no mesmo dia em Faro, no cartaz empunhado por uma jovem mulher com o filho ao colo, «Apaga a TV. E pensa !». Tudo isto está a anos-luz daqueles desfiles tristes das organizações burocráticas do partido comunista, do PS, da CGTP, da UGT, que parecem procissões do corpo de Deus, de gente honesta e confiante que é levada regularmente a rezar slogans para a porta do matadouro. Uma foto saborosa foi publicada no «Público» do dia 13 de Outubro, onde se via o sinistro Gaspar a explicar a austeridade à delegação do PCP, todos com um ar jovial de amigalhaços que se respeitam. Claro que um dia depois, lá veio o infatigável Jerónimo de Sousa gritar, com ar de mau, que luta de massas, que greves, que não vamos aceitar, que a classe operária isto e aquilo… Encenação habitual para acalmar os coitados que tenham ficado perturbados com a foto de família. O que está a despertar por aí fora anuncia o fim deste triste espectáculo. Evidentemente, não se pode pedir aos políticos que anunciem que o sistema não funciona, aos jornalistas que o explique aos cidadãos. De resto, o que se pode ler dos « especialistas », editoriais e «tribunas livres» é de arrepiar de parvoíce e de vassalagem.
Para compensar esta boa notícia, aqui vai uma menos boa. Quando regressei, mais a norte da Europa, tive um choque ! Descobri, uma vez mais, que o país de onde vinha e onde vocês estão, não existe! Não se fala, não conta, não há nada a dizer, desapareceu do mapa, evaporou-se ou caiu ao mar… Menciona-se assim em nota, como uma espécie de quintal da Espanha. Como se já houvesse pouco ou nada a pilhar ou a destruir no lugarejo. Que o pessoal comece a morrer de fome, quem é que dá por isso, quem se importa ? O fundamental é que a casta política e sindical mantenha os pobres calmos, que uma revolta social em Portugal não se venha  adicionar à revolta na Grécia.  É assim que o Carvalho da Silva veio tranquilizar os Reis do norte da Europa (Le Monde, 21 de Outubro), explicando que Portugal não é a Grécia, que «uma alternativa é possível para salvar a economia», isto é, que se «o governo [actual] quer fazer cair as pessoas de 50 metros o objectivo da CGTP é de as fazer cair só de 20 metros »... É o sindicalismo de hoje ?! É minha convicção que só se vai de novo falar de novo da situaçãão em Portugal quando o pessoal sair à rua, quando os capitalistas e ricaços voltarem a ter medo e forem pedir asilo político à embaixada da China. Porque, por agora, dizia na rádio um senhor da Caritas que se ocupa dos pobres, «Esta austeridade é um gozo para os ricos !». Entretanto, continua a bicharada política e mediática local a agitar-se, como se os sacrifícios do Zé-povinho servissem para algo, como se as coisas se remendassem. Como se a crise tivesse uma “solução” lusitana ! Quando, à espera de pior, é da sobrevivência dos 1% que se trata! Quando o grande economista Pereira diz que há uma vida depois da austeridade, ele está a falar dele e da classe a que pertence.
Bom! Como dizia a minha avó, ainda agora a procissão vai no adro.

Voltando ao que eu escrevia no começo, eis que um amigo de Oakland  (http://www.bopsecrets.org) me envia  um texto (O despertar da América) que faço questão de partilhar com os que se interessam por estas novas manifestações de emancipação social e não esperam nada da próxima procissão de corpo de Deus.

The Awakening in America

The “Occupy” movement that has swept across the country over the last four weeks is already the most significant radical breakthrough in America since the 1960s. And it is just beginning.
It started on September 17, when some 2000 people came together in New York City to “Occupy Wall Street” in protest against the increasingly glaring domination of a tiny economic elite over the “other 99%.” The participants began an ongoing tent-city type occupation of a park near Wall Street (redubbed Liberty Plaza in a salute to the Tahrir Square occupation in Egypt) and formed a general assembly that has continued to meet every day. Though at first almost totally ignored by the mainstream media, this action rapidly began to inspire similar occupations in hundreds of cities across the country and many others around the world.
The ruling elite don’t know what’s hit them and have suddenly been thrown on the defensive, while the clueless media pundits try to dismiss the movement for failing to articulate a coherent program or list of demands. The participants have of course expressed numerous grievances, grievances that are obvious enough to anyone who has been paying attention to what’s been going on in the world. But they have wisely avoided limiting themselves to a single demand, or even just a few demands, because it has become increasingly clear that every aspect of the system is problematic and that all the problems are interrelated. Instead, recognizing that popular participation is itself an essential part of any real solution, they have come up with a disarmingly simple yet eminently subversive proposal, urging the people of the world to “Exercise your right to peaceably assemble; occupy public space; create a process to address the problems we face, and generate solutions accessible to everyone. . . . Join us and make your voices heard!” (Declaration of the Occupation of New York City).
Almost as clueless are those doctrinaire radicals who remain on the sidelines glumly predicting that the movement will be coopted or complaining that it hasn’t instantly adopted the most radical positions. They of all people should know that the dynamic of social movements is far more important than their ostensible ideological positions. Revolutions arise out of complex processes of social debate and interaction that happen to reach a critical mass and trigger a chain reaction — processes very much like what we are seeing at this moment. The “99%” slogan may not be a very precise “class analysis,” but it’s a close enough approximation for starters, an excellent meme to cut through a lot of traditional sociological jargon and make the point that the vast majority of people are subordinate to a system run by and for a tiny ruling elite. And it rightly puts the focus on the economic institutions rather than on the politicians who are merely their lackeys. The countless grievances may not constitute a coherent program, but taken as a whole they already imply a fundamental transformation of the system. The nature of that transformation will become clearer as the struggle develops. If the movement ends up forcing the system to come up with some sort of significant, New Deal-type reforms, so much the better — that will temporarily ease conditions so we can more easily push further. If the system proves incapable of implementing any significant reforms, that will force people to look into more radical alternatives.

29/10/11

Da Cidadania Alemã (2)

Perante a análise, cuja atenta leitura só posso recomendar, que JM Correia Pinto nos propõe no seu recente post intitulado A Alemanha Impõe a Ordem Germânica na Zoa Euro, só me resta reiterar que, ou impomos a aceitação de uma (re)constituição federal da UE ao governo alemão, ou teremos — conforme já sugeri há bastante mais de um ano, e como única alternativa à sujeição "colonial"— de reivindicar a cidadania alemã. Sugestão que, à sua maneira, há já largos meses também encontrei formulada numa crónica de Manuel António Pina, que desviei, na ocasião própria, aqui para a casa.

28/10/11

Resistir em Oakland


Depois da brutal repressão do movimento Occupy em Oakland, Califórnia, milhares de pessoas voltaram a ocupar o parque onde o movimento se tinha instalado e apelaram a uma greve geral na cidade no dia 2 de Novembro. Entretanto, a câmara municipal recuou em toda a linha, resignando-se perante a resiliência dos manifestantes.

Arbeit macht frei

Vai uma bierrrrr?

Para abrir o apetite: "dispensar pessoal é alternativa"; "Não há espaço para as pessoas que não queiram trabalhar, para a não produtividade, no Portugal de hoje"; "[o aumento de meia-hora de trabalho diário] É uma medida excelente para aumentar a produtividade. Se peca, é por ser pouco"

Balão de ensaio


Não tenho qualquer dúvida que estas declarações, seguidas destas, são um balão de ensaio destinado a testar a atitude da opinião pública perante um corte permanente dos subsídios de férias e de Natal. Sem redistribuição do montante envolvido pelas restantes 12 parcelas (mensais) do vencimento. E também no sector privado da economia. Seria um modo óbvio de conseguir a tão desejada desvalorização salarial pelo neo-feudalista que se encontra à frente do ministério das finanças, tendo em conta os obstáculos legais que (ainda) existem no que se refere à diminuição da remuneração mensal sem acordo do trabalhador. A resposta tem de ser forte e imediata. Que não nos julguem ovelhas prontas para o sacrifício!

27/10/11

Violências

A minha crónica no í desta quinta-feira



Há já algum tempo, um crítico das políticas de combate à toxicodependência então dominantes dizia que o erro dessas políticas era perfilharem a teoria da escalada. Em que consistia essa teoria? Sabendo que um heroinómano havia começado por consumir drogas mais leves, como o haxixe, e que antes do haxixe havia experimentado tabaco, e que o fizera não sem antes abusar dos refrigerantes, a teoria reivindicava a proibição do consumo de refrigerantes.
O modo como alguns cronistas reagem à associação entre violência e política recorda-me sempre a teoria da escalada. Se alguém atira uma pedra contra uma montra, ainda o vidro não estilhaçou e já um batalhão de cronistas se levanta para nos alertar para o risco de um dia esse alguém se sentar numa cadeira do poder e ordenar a incineração de milhões e milhões de seres humanos.
Este pânico que a violência política hoje suscita é compreensível. Uma das razões do pânico é a nossa memória do século xx, profundamente marcada pelas cenas de violência política que dele fizeram parte. No entanto, o pânico que a violência política suscita não é fruto apenas da memória de um século, mas também de esquecimentos.
Os que em nome dos horrores do século xx condenam a violência política esquecem desde logo que aquela que é por muitos considerada uma das grandes conquistas do século xx, a democracia parlamentar, tem uma história de violência por trás. A violência não trouxe apenas coisas más. Os tanques que saíram à rua no dia 25 de Abril de 1974 não eram tractores prontos a cultivar as hortas urbanas com que o engenheiro Gonçalo Ribeiro Telles já nessa altura sonhava, mas armas prontas a derrubar a ditadura. A história das democracias ocidentais de igual modo seria incompreensível sem olharmos para a violenta guerra – incluindo abomináveis ataques como os de Hiroxima – que os Aliados conseguiram fazer contra a Alemanha de Hitler.
Nos debates que se avizinham, melhor seria reconhecermos, na verdade, que ninguém é contra a violência política propriamente dita. A maior parte dos cronistas que hoje encontramos a condenar a violência é na realidade favorável a um monopólio estatal da violência. Deste monopólio, aliás, os cronistas apresentam-nos não raras vezes uma história cor-de-rosa, segundo a qual sem a centralização da violência teríamos a guerra civil permanente em que todos nos comeríamos a todos. Trata-se aqui de uma história da violência estatal como factor de pacificação que esquece que as democracias em que vivemos usaram da violência não só para derrubar ditaduras nos seus países mas também para impor a ditadura sobre outros países – das democracias colonialistas europeias ao belicismo de uma democracia como a norte-americana. Trata-se, enfim, de uma história cor-de-rosa que esquece que o monopólio da violência permite às forças policiais do Estado agir uma e outra vez à margem da lei – apenas uma história cor-de-rosa da violência estatal nos permite esquecer diariamente o facto de a tortura no interior das prisões sobreviver ao fim dos presos políticos.
Em suma, a questão essencial não é saber quem é a favor ou contra a violência política, mas de que tipo, de que formas, de que modos de violência estamos a falar.
Vêm estas notas a propósito de um certo alvoroço que recentemente se intensificou a propósito da manifestação de 15 de Outubro, na qual muitos manifestantes ocuparam a escadaria da Assembleia da República, sem mortes e feridos a registar, com a excepção, talvez, de um meu amigo que, aproveitando este fim de Outono quente, resolveu insistir no chinelo e acabou ficar com unha encravada porque eu o pisei.
Mas estas notas poderiam igualmente aparecer aqui em resposta ao modo como muitos media tratam o problema da violência. Se há semanas atrás um jornalista se condoía com o sofrimento e a dor dos vidros partidos de uma montra de Londres, ontem um seu colega comprazia-se excitado com o assassinato bárbaro de um homem odioso como Kadhafi. Falemos então de violências e não de violência.

"Tratar tudo da mesma maneira é para a Suécia, meu bem" [se os economistas portugueses falassem assim eu até via o programa da Fátima Campos Ferreira]

Tradução brasileira do "economês". Que delícia de mulher!
Obrigatório, mesmo que não se concorde com tudo.
A inteligência é uma coisa irresistível!

Steve Jobs e o aborto

Pedro Picoito escreve que "Steve Jobs (...) foi dado para adopção por dificuldades financeiras e familiares dos pais biológicos. (...) Reparem que se a decisão dos pais biológicos (Joanne Simpson e o imigrante sírio Abdulfattah John Jandali) tivesse sido outra, ou seja, se tivessem optado pela agora-tão-politicamente-correcta-interrupção-voluntária-da-gravidez, leia-se aborto, nunca teríamos chegado a conhecer uma das mais talentosas personalidades das últimas décadas, nem as obras da sua criatividade".

Será que Pedro Picoito generaliza essa análise para outras ideias, que também foram/são politicamente correctas em certas épocas ou meios, como "não-casados não devem ter filhos", ou mesmo "as mulheres ocidentais devem ter cuidado com os homens muçulmanos"?

26/10/11

A cruzada dos néscios



“Assads, Salehs e ratos quejandos, não perdereis pela demora!” Este foi o brado com que Ana Gomes, em mais um comovente transporte de alma, saudou o assassinato de Kadhafi. Imagino as suas meninges inflamadas com sonhos lindos em que a Democracia, os Direitos Humanos e a Pizza Hut alastram como fungos benignos, infectando tirania após tirania, vertidos nos ares fétidos do mundo árabe pelos bombardeiros da NATO. De punho erguido, lá segue a nossa pasionaria sem freio nem tino, imitando talvez a personagem do Dr. Strangelove, de Kubrick, que se lança no vazio cavalgando uma bomba e dando vivas não se sabe bem a quê.
O massacre em Sirte de apaniguados do defunto coronel, a sodomização a que o terão sujeitado, a proclamação da sharia como sistema legislativo da Líbia... nada arrefece o fervor dos novos cruzados de sofá. A senhora Clinton – “We came, we saw, he died” – agradece o apoio, as bandeirinhas e os confetti.
Na trincheira oposta, mas ainda assim no mesmo lado da idiotice, multiplicam-se os urros de ultraje e os preitos desvairados no estilo de “eu também rendo a minha homenagem a Kadhafi, à sua firmeza de carácter na luta, até ao fim, contra a nova Gestapo”. Sim, há gente putativamente de esquerda a escrever coisas destas.
Na discussão que eclodiu aquando do início da intervenção na Líbia já se percebera que o mundo é mesmo um sítio complicado, sem habitat para certezas de mármore. Agora, milhares de cadáveres depois, só não mudou a incapacidade de muitos de compreender isso.


Também publicado aqui.

O euro e a iminência de uma regressão catastrófica

JM Correia Pinto no Politeia:

E hoje já não há quem não perceba que o problema da dívida é um problema do euro. Mas é provável que muitos ainda não tenham percebido que a dívida tal como existe constitui um grave problema para o euro exactamente por o euro ser como é. Por ter as regras que tem. Ter outras regras não eliminava a dívida, mas eliminaria o problema da dívida e, eliminado este, o euro deixaria de constituir um problema, para ser uma solução.
(…)
Hoje não há qualquer dúvida que somente uma outra concepção do euro e uma outra actuação do BCE (ou do FEEF com o apoio daquele) pode salvar o euro. Persistir numa falsa solução como aquela que amanhã voltará a ser apresentada como uma “grande vitória” é continuar a caminhar para o abismo, principalmente para aqueles que estão hipotecando o seu futuro a desastrosos programas de austeridade.


Deixados aqui estes dois parágrafos, juntamente com a recomendação da leitura integral e atenta do texto, gostaria de acrescentar o seguinte sobre as razões que me levam a chamar aqui a atenção para a urgência de termos bem presente o quadro que os dois parágrafos supracitados resumem (independentemente das reservas ou dúvidas que alguns termos e/ou pressupostos da análise de JM Correia Pinto possam suscitar).

Nunca insistiremos bastante no peso esmagador da ameaça de um cenário de desagregação da UE via ruptura do euro, que talvez o governo alemão, com alguns apoios mais, já tenha programada como alternativa mais rentável para o caso de o não deixarem avançar em direcção à consolidação de um poder quase absoluto da zona euro. Essa desagregação a dar-se não será de maneira alguma uma espécie de regresso ao statu quo ante, mas tenderá a criar situações de confusão e pressões de emergência propícias a soluções autoritárias de todo o tipo, a conflitos violentos e distorcidos, à recrudescência de nacionalismo musculados e mais ou menos populistas, a uma “balcanização”, provavelmente regada de sangue, do espaço da actual UE e regiões adjacentes.

A gravidade da ameaça é reforçada pelo facto de haver muita gente bem intencionada, embora também animada por agentes que alimentam os piores desígnios políticos, que subestima a gravidade da situação. É, sem dúvida, evidente que a responsabilidade principal é da arrogância obtusa do (des)governo burocrático e discricionário dos eurocratas e dos governantes dos diferentes países, que juraram finalidade a uma constituição tácita assente na soberania absoluta de um modelo económico catastrófico. Mas tirar desta evidência a conclusão de que a desagregação possa configurar uma alternativa a saudar por quem não aposte, por estupidez ou interesses perversos, no “quanto pior, melhor” é pura e simplesmente capitular ou resignarmo-nos a uma regressão histórica que poderá ser longa. Isto é, em tempo útil, irreversível.

O país está mesmo a precisar de mais meia hora de trabalho por dia

Autoeuropa dá mais oito dias de férias para ajustar quebra de produção (Económico):
A fábrica marcou ainda quatro dias de paragem e já tinha suspendido os sábados até Dezembro.


A situação económica europeia e a falta de componentes automóveis forçaram a Volkswagen (VW) Autoeuropa a alterar o plano de produção previsto até ao final do ano. De acordo com o comunicado da Comissão de Trabalhadores da VW Autoeuropa, a que o Diário Económico teve acesso, foram marcados mais oito dias de férias e quatro ‘down-days' (dias de não produção, uma ferramenta que a Autoeuropa criou para equilibrar a produção)

25/10/11

Compreender a Dívida Pública



Obrigada, Joana

Sobre o 15 de Outubro: democratização, “indignação”, partidos, etc. (texto publicado no Passa Palavra)

Saiu hoje no Passa Palavra um texto meu, que tencionava esperar um pouco mais para retomar aqui. Há, no entanto, quem me anime a fazê-lo sem perder mais tempo por considerar que as questões levantadas merecem uma discussão "alargada". Uma vez que suscitar essa discussão foi o principal propósito que me levou a escrevê-lo, e na esperança de a ver surgir, decidi assim retomá-lo nesta casa, hoje mesmo e com o mesmo título.

Os acontecimentos e a situação política presentes têm posto na ordem do dia uma série de questões sobre a suficiência ou insuficiência da “indignação” e, mais profundamente, sobre as perspectivas de uma transformação democrática radical das relações de poder vigentes sob o governo das oligarquias capitalistas.
Quanto ao primeiro ponto, remeto, embora não subscreva tudo o que Zygmunt Bauman aí afirma, para as reflexões que aquele propõe numa entrevista publicada por El País, e que assinalam com pertinência os limites que, ainda com excepções e linhas de fuga abrindo novas perspectivas, têm até ao momento circunscrito o alcance das acampadas. Com efeito, na peça que transcreve as posições de Bauman, podemos ler:

«Bauman, é evidente, classifica este movimento como “emotivo” e, na sua opinião, “se a emoção serve para destruir, ela é especialmente incapaz de construir o que quer que seja. Pessoas de quaisquer classes e condições reunem-se nas praças e gritam os mesmos slogans. Estão todos de acordo quanto ao que rejeitam, mas teríamos cem respostas diferentes se lhes perguntássemos o que pretendem.
A emoção é (e não podia deixar de ser) “líquida”. Ferve facilmente, mas também arrefece passado pouco tempo. “A emoção é instável e inadequada para dar forma a algo de coerente e duradouro”. De facto, a modernidade líquida na qual se inserem os indignados tem como característica a temporalidade, “as manifestações são episódicas e propensas à hibernação”. […]
O movimento vai crescendo, mas “fá-lo mediante a emoção, falta-lhe pensamento. Só com emoções e sem pensamento não se chega a lugar nenhum”. A agitação resultante da emoção colectiva reproduz o espectáculo de um carnaval que termina por si mesmo, sem consequências. “Durante o carnaval tudo é permitido, mas, acabado o carnaval, volta o sistema de normas anterior”».
(Entrevista de Vicente Verdú, “El 15-M es emocional, le falta pensamiento”, El País, 17.10.2011)

Dito isto, haverá quem possa objectar com certa justificação a Bauman que os movimentos que culminaram nas acções internacionais do dia 15 de Outubro passado, ainda que tenham partido de uma indignação difusa, mais sentimental (senão moralizadora) do que política, souberam começar a politizar as questões que levantam, como é manifesto em divisas como ”Democracia Já”, ”A Democracia Sai à Rua” ou ”Nós Somos os 99%”. A objecção é pertinente, mas só até certo ponto.
Com efeito, ainda que possamos ver em abstracto uma aspiração democrática constituinte ou instituinte naquilo que as referidas palavras de ordem, entre outras, exprimem, essa intenção está longe de se traduzir numa vontade política determinada e precisa, configurando propostas consistentes de vias e formas alternativas à cena política estabelecida e às relações de poder hierárquicas vigentes. E este é um problema — ou, por excelência, o problema fundamental — que a reflexão mais lúcida não pode por si só resolver.
Podemos e devemos dizer que, se “a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”, implicando que seja o conjunto dos cidadãos comuns, ou os tais (um pouco menos de) 99%, a dotar-se de meios e formas de organização que permitam a cada um deles participar de pleno direito nas decisões que governam a sua existência. Não se trata apenas da igualdade perante a lei, mas da igualdade no deliberar e decidir das leis ou na tomada de muitas outras disposições que, não sendo leis, vinculam colectivamente a existência de cada ser humano comum. É evidente que a exigência de uma igualdade semelhante não é satisfeita pela chamadas “democracias representativas” que nos governam e que assentam justamente na passividade programada e regular da maioria dos cidadãos e na divisão hierárquica do trabalho político decorrente do estabelecimento de uma distinção permanente e estrutural entre governantes e governados. É evidente que a mesma exigência de igualdade é excluída dessa sede de um poder governamental discricionário que é a organização económica do capitalismo actual. Com efeito, na enorme medida em que a economia é uma instância determinante ou um campo de relações de poder decisivo no governo das nossas vidas de homens e mulheres comuns, não há democratização possível, no sentido que tenho vindo a indicar, do exercício do poder, que não tenha desde o início de começar a transformar essa mesma economia. Esta democratização da economia tem vários níveis, sendo importante insistir nesse aspecto: implica, nomeadamente, a democratização dos rendimentos e do mercado; a democratização das relações de poder no interior das empresas ou organizações; a democratização da decisão dos objectivos gerais e planeamento da actividade económica, etc. Sem igualização das condições de participação na direcção da economia, tanto ao nível macro da economia política, como ao nível de cada empresa ou unidade produtiva, e sem igualização dos rendimentos e democratização efectiva do mercado, não é possível conceber a existência de cidadãos que se governem a si próprios, ou que só reconheçam a legitimidade de os governar a um poder político cuja organização os institua também como governantes.
Podemos dizer tudo isto, algumas (ou muitas) coisas mais, e faremos bem em insistirmos nelas. No entanto, a reflexão não pode, por mais longe que a levemos, e por definição, dar-nos a chave ou modelo do exercício do poder político democrático: este terá de ser feito e refeito, criado e recriado, no tempo, e dia após dia, pelos próprios cidadãos comuns, que efectivamente o detenham. Que assembleias e que magistrados responsáveis perante elas, por meio de que eleições e de que tiragens à sorte, através de que formas e sedes de deliberação e decisão comuns, poderá ser garantida aquilo a que tenho chamado a cidadania governante? Esta resposta só pode ser dada empiricamente e de facto pelas formas de acção que a sua reivindicação e afirmação forem criando e definindo por obra dos seus protagonistas.
Quererá isto dizer que a luta pela democratização aqui em causa pressuponha a condenação ou, pelo menos, a inutilidade de qualquer forma de partido ou associação política militante, como alguns parecem julgar e outros temem mais do que o diabo, diz-se, a cruz? É com esta questão que gostaria de terminar por agora esta proposta de debate.
Quanto aos partidos, o que aqui fica dito tende a exigir não a proibição deles ou de outras formas de expressão organizadas por grupos de cidadãos interessados em dar a conhecer as suas opiniões e propostas aos demais, mas, sem dúvida, a transformação radical das formas de organização existentes ou a criação de novas formas de associação política que nos permitam operar a substituição do voto em partidos comandados por políticos profissionais pela eleição de delegados, com partido ou sem ele, que mandatemos - possamos regularmente revogar segundo procedimentos simples e claramente definidos - e sejam responsáveis perante os eleitores e não partidos representativos no exercício das tarefas comuns cujo desempenho o exija. Ou seja, a substituição do voto que esgota e exclui até à convocação de novas eleições gerais a participação governante pelo voto que reforça e traduz essa participação permanente, que é uma das condições da cidadania.
Em tudo isto, convém não esquecer que se a democracia que queremos é o governo que se dão e organizam os cidadãos livres e iguais, a organização de um movimento que a tenha por fim, terá de a ter também por meio e forma de organização. Ora, se todo o movimento é um poder e comporta relações de poder, o primeiro regime de exercício do poder a democratizar por uma “aliança de pessoas livres e iguais” é o da organização e direcção do próprio movimento. Esta democratização é, na realidade, condição necessária da que o movimento propõe no que se refere ao conjunto da sociedade. Acresce por fim que as mesmas razões fazem com que as lutas e acção política do movimento só possam visar a extensão e generalização da participação igualitária, responsável e regular - auto-organizada ou autónoma -, de cada cidadão nas decisões comuns, que vinculam a existência colectiva, pelo que será tendo-o em conta que delas melhor poderemos ajuizar a cada momento.

Simples, conciso e pouco prometedor

À medida que finda a Primavera Árabe, já é possível vislumbrar o que muitos analistas previam: o fortalecimento da sharia, lei islâmica que pune com rigor as transgressões de preceitos medievais. Enquanto o Egito continua dominado por um Exército quase tão ditatorial quanto Hosni Mubarak, as novas autoridades de Líbia e Tunísia já se mostraram ferrenhas defensoras de um governo submetido ao mando da religião. Na Tunísia, berço da onda de revoltas que tomou conta das nações muçulmanas e primeiro estado da região a realizar eleições democráticas, o partido dado como vencedor é o islamista Ennahda, um dos que mais sofreu a repressão do ditador Zine El Abidine Ben Ali, derrubado em janeiro. Recentemente, durante uma visita do primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdogan à Tunísia, o líder do Ennahda, Rachid Ghannouchi, declarou publicamente que não acreditava num estado secular, preferindo a imposição de uma versão "branda" da sharia - o que não se sabe exatamente o que significa.

"O que é entendido como secularismo é diferente no mundo árabe e na Turquia. No mundo árabe, o secularismo está ligado a ditaduras e opressão, enquanto na Turquia está ligado à democracia e à liberdade de escolha", disse Ghannouchi ao jornal turco Hürriyet Daily New. "A sharia não é um alienígena nas nossas sociedades", acrescentou. Para o líder do Ennahda, a lei islâmica - segundo a qual sexo fora do casamento é crime e qualquer pessoa que já tenha passado pela puberdade é julgada como adulto - não intervém na vida privada das pessoas nem limita a liberdade de escolha. "O nosso partido quer combinar democracia, que é um produto ocidental, com o Islã, que é o nosso próprio patrimônio", afirmou Ghannouchi.

Na Líbia, a morte de Muamar Kadafi trouxe preocupação para os aliados ocidentais do novo governo, depois que o presidente do Conselho Nacional de Transição (CNT), Mustafa Abdul Jalil, declarou que a sharia será sua principal fonte da legislação. "Como país islâmico, nós adotaremos a sharia como lei essencial. Toda lei que violar a sharia será legalmente nula e sem efeito", declarou, citando como exemplo a lei de divórcio e casamento. As declarações de Jalil levaram a França e a União Europeia a fazer um apelo pelo respeito aos direitos humanos na Líbia pós-Kadafi. Jalil, prontamente, saiu em defesa do fundamentalismo. "Eu quero que a comunidade internacional fique assegurada do fato de que, na condição de líbios, somos muçulmanos, mas moderados", declarou, durante uma coletiva de imprensa. No Egito, apesar de o processo democrático estar atrasado, a situação deve se repetir. O Conselho Militar que está no poder desde a queda de Mubarak passou a exercer um papel ditatorial, com prisões de ativistas, desaparecimentos e até torturas. Quando as prometidas eleições democráticas chegarem - se chegarem -, o partido mais forte seria a Irmandade Muçulmana, organização religiosa fundamentalista que certamente implantará a sharia. No final, o vendaval da Primavera Árabe pode empurrar a região para um rigoroso inverno.

Lido AQUI

24/10/11

Ainda Robespierre (alterado)

Depois de Carlos Vidal, também João Valente Aguiar vem em defesa do "Incorruptível".

Antes de tudo, convêm lembrar que o Sérgio Lavos escreveu (e que deu origem à conversa toda):
Contudo, se é verdade que não devemos ser ingénuos em relação ao gesto de quem mata Khadafi, também não deveríamos ser no que diz respeito à natureza do acontecimento: ao longo da História, as mudanças de regime raramente acabaram no julgamento dos antigos governantes. A diferença entre passado e presente reside apenas nos meios de registo à disposição. Não há imagens da cabeça de Robespierre nem do corpo de Hitler envenenado, mas de Mussolini resiste no imaginário colectivo...
Aqui, a comparação de Robespierre com Hitler, Mussolini e Khadafi é na categoria "antigo governante cuja morte sem julgamento ocorre na queda do regime"; e a comparação mais especifico com Hitler foi na categoria "não há retratos do corpo". Alguém contesta que há efectivamente isso em comum entre esses personagens? (Para falar a verdade, acho a inclusão do Hitler não muito rigorosa, não pelo que fizeram em vida, mas pela morte: o suicídio de Hitler torna-o um caso à parte nessa galeria de assassinados/executados).

[editado - bem parece que a comparação foi mais longe que isso; reparo feito nos comentários pelo Jorge Nascimento Fernandes]

Mas agora vamos lá analisar os feitos de Robespierre:
Robespierre ter sido líder de uma revolução que “só” terminou com um regime absolutista profundamente opressor de milhões e milhões de camponeses. Uma revolução que solapou o poder a uma aristocracia absolutamente opressora e beneficiária de um sistema de extorsão servil. Uma revolução que não apenas destruiu o feudalismo em França como ajudou a implantar democracias um pouco por todo o mundo, especialmente na Europa.
Isso que JVA apresenta são sobretudo feitos da revolução de 1789, num momento em que Robespierre era pouco mais do que um aspirante a politico; mas pronto, podemos argumentar que, embora Robespierre não tenha liderado o inicio da Revolução (nem tido um papel decisivo nas transformações sociais associadas), liderou a sua defesa contra as tentativas restauracionistas.

Mas agora outra questão, sobre JVA considerar "um revolucionário que merece todo o meu respeito, independentemente de não ter sido tão audaz e avançado como os sans-culottes". Interrogo-me o que ele teria escrito sobre Kerensky se este tivesse sido derrubado por Kornilov em vez de por Lenin.

É que Robespierre não deixou de ser audaz e avançado - na verdade foi provavelmente o mais audaz e avançado que um revolucionário burguês poderia ser; o governo jacobino foi exactamente isso - um governo da burguesia revolucionária, que reprimiu a contra-revolução e as facções burguesas que queriam capitular (os girondinos e os dantonistas), mas também qualquer tentativa de organização independente das classes populares parisienses, nomeadamente a expressada por facções como os Enragés e (ainda que de forma mais equivoca) os Hebertistas.

Ou seja, dizer que Robespierre não foi tão avançado como os sans-culottes é um duplo equivoco: é assumir que o programa dos jacobinos correspondia ao dos sectores populares, apenas com alguma diferença de grau (ignorando as diferenças fundamentais que - apesar das convergências - há, e já havia, entre os interesses da burguesia e os do proletariado nascente); e é esquecer o papel activo de Robespierre na repressão (por vezes sangrenta) sobre os sectores radicais (não se tratou apenas de "não ser tão audaz").

Bem, e mais de 200 anos depois, o que é que isso interessa? Interessa por (pelo menos) uma razão: em muitos aspectos, o conflito entre a direcção jacobina e a "oposição de esquerda" era largamente um conflito entre o poder central "forte" e o poder das unidades locais com elementos de democracia directa (como a Comuna de Paris - estou a falar desta, não desta - e as "secções", que era onde Enragés e Hebertistas tinham mais poder). Ora, cruzar isto com uma análise das classes em conflito dentro do campo revolucionário permite ver qual o tipo de regime politico que mais convém à burguesia e qual mais convém ao proletariado.

Dito de outra maneira - a tendência para querer fazer de Robespierre uma espécie de avô adoptivo da revolução operária (em vez de mais um protagonista da revolução burguesa) vem associada à tendência para querer manter (ou até reforçar) a estrutura hierárquica e centralizada do Estado "burguês", pondo-lhe apenas uma direcção "proletária" no topo. Pelo contrário, para alguém que veja a revolução socialista como algo tendente ao desaparecimento ou pelo menos ao deperecimento do Estado (nas versões anarquista e marxista ortodoxa, respectivamente), a luta de classes nos tempos da Convenção e a forma como essa luta se expressava na tensão entre o poder estatal oficial e o "poder popular de base" é um elemento histórico fundamental.

A anedota do ano

... foi publicada hoje no Diário da República.

A "fonte húngara"

Seguindo a recomendação do Miguel Serras Pereira e do Niet, fui procurar o texto "La source hongroise", de Castoriadis; o problema é que eu sou muito mais anglófono do que francófono, pelo que tive que procurar uma versão inglesa (aliás, parece-me que o texto foi publicado inicialmente em inglês) - mas a única versão que achei foi num site com uma estética que (pelo menos para mim) torna o texto ilegível. Assim, tive que descarregar o texto para o meu computador e alterar algumas coisas para conseguir ler o texto (que se revelou bastante interessante).

Desta forma, para o caso de existirem mais leitores interessados no texto, pouco fluentes em francês e que não apreciem letras amarelas em fundo preto e sem parágrafos, tomo a iniciativa de pôr aqui uma versão mais legível em inglês (que me parece ter algumas diferença de pormenor face à francesa).

23/10/11

América

Hungria 1956: um Outubro ainda vindouro

Hoje, quando o "sistema representativo" da cena política dominante se revela como um dispositivo cada vez mais evidente de asfixia e redução à impotência da vontade democrática e da cidadania activa entre iguais que é condição de qualquer actualização efectiva de defesa ou extensão da democracia,  torna-se particularmente recomendável visitar o passado ainda vindouro da insurreição dos conselhos húngara de 1956. Há uma bibliografia muito vasta,  que se poderá consultar com proveito, quer sobre os acontecimentos na Hungria, quer sobre as suas repercussões à escala mundial. Não sendo aqui o lugar apropriado para a abnordar ainda que preliminarmente, cito apenas três escritos: Cornelius Castoriadis, "La source hongroise",  Le contenu du socialisme, Paris, 1979; Agnes Heller e Ferenc Fher, Análisis de la revolución húngara, Barcelona, 1983, e de Solidarity Online, o texto "Hungary 1956: the revolutionary alternative to Stalinism". Por fim, a título de introdução, e complementando os materiais que o meu camarada Miguel Madeira já aqui publicou, uma análise militante de Pepe Gutiérrez-Álvarez, intitulada La revolución húngara de los “consejos obreros” de 1956.

A voz do dono ou de como o Luís M. Jorge topa o Ricardo Salgado

As notícias são tantas e tamanhas que o efeito é estonteante. Subsídios? Viste-los. Aumentos salariais? Queria-los. Direitos adquiridos? Esquece-los. Impostos? Paga-los. Estado social? Bye, bye, Maria Alice.
Resumindo, é que éramos muito pobres: emprestaram-nos dinheiro e o dinheiro, puff!
Numa primeira fase, em betão e monumentos; depois em betão e monumentos + novas tecnologias (Magalhães – de fazerem inveja a Steve Jobs; painéis solares – adaptados a céu nublado, chuva e até à “noite muito escura” de Caeiro).
A agricultura (que era o que era) foi-se, a indústria (que era o que era) kaputt; as pescas, idem. Passámos do Algarve ao Allgarve; de Jardim à Beira-Mar Plantado à Europe's West Coast. No entretanto, baixou-se o analfabetismo, a mortalidade infantil e legalizou-se o casamento gay. Citando Sholem Aleichem, “Podia ter sido pior; e não se pense no melhor que para isso não há limites”.
Dizem-nos agora que falimos. Sempre abominei a ditadura do “nós” (“estamos com fome, não estamos?”; “estamos com frio, não estamos?”; “vamos tomar um banhinho, não vamos?”…) mas se é para ser usado, seja: “We are not amused” (Victoria dixit).
Conta-se n' As Farpas que a solução para os problemas de Portugal do Partido Reformista se resumia ao polissílabo, economias. A história repete-se, como afiançava o outro.
A palavra é papagueada de manhã à noite e madrugada fora. Como a mãe ubíqua de Woody Allen em Histórias de Nova Iorque, desenha-se no céu de Portugal e ilhas adjacentes (Madeira, inclusive).
O efeito é devastador. Os portugueses, excepto os contabilistas, já não saem de casa. No outro dia, porém, um cidadão de nome Luís M. Jorge arriscou pôr o pé na rua. Foi, então, que viu Ricardo Salgado a entrar no edifício onde decorria o Conselho de Ministros! Corajosamente denunciou a coisa no blogue Vida Breve: “Um Governo que recebe a família Espírito Santo enquanto discute o Orçamento de Estado é um Governo que reconhece, tão bem como o anterior, a voz do dono. E se eu puder chatear, que remédio”.
So be it.

Há 55 anos, na Hungria... - o Conselho Operário da Grande Budapeste

Agora um link para uma fonte diferente - Budapest 1956: The Central Workers’ Council, de Balász Nagy (dirigente da Liga Revolucionária Socialista Húngara, uma organização que seria mais ou menos equivalente ao POUS português).

Há 55 anos, na Hungria... - o funcionamento dos Conselhos Operários

A. The establishment and functions of Workers’ Councils

542. The first Workers’ Council in Hungary, which was set up in the United Lamp Factory in Budapest (Egyesült Izzó), was constituted on 24 October,(27) some two days before the authorization of the setting up of such Councils by the Central Committee of the Hungarian Workers’ (Communist) Party. The first Workers’ Councils in the provinces were set up in Debrecen and Dunapentele around 25 October. By 26 October, Workers’ Councils had been set up in many factories both in Budapest and in the provinces. Workers’ Councils were elected in enterprises of the most varied types - in industrial plants, mines, State-owned farms and hospitals.

543. Workers’ Councils in factories of a given area set up co-ordinating committees among themselves. Such a committee, called the Central Workers’ Council of Csepel, was set up about 30 October by the nineteen Workers’ Councils in that area. The Workers’ Councils in the Greater Budapest area set up their co-ordinating body after the second Soviet attack; this Greater Budapest Workers’ Council was to play a major political role during the month of November and part of December 1956.(28)

544. Witnesses explained how the Workers’ Councils, in which they had participated, were elected by the factory workers in free, democratic elections. In some cases, for lack of time, no real elections were organized but, by forming a temporary Workers’ Council, de facto leadership of the workers in the factory was assured. Few Communists were among those elected to the Workers’ Councils. In the opinion of witnesses connected with various Councils, the industrial workers no longer put their trust in Communist leaders. Many of the heads of formerly Communist-controlled trade unions voluntarily relinquished their positions in favour of the new leaders of the Workers’ Councils.

545. The tasks of Workers’ Councils varied during the different phases of the revolution. However, the Councils were, above all, active political organs of the workers. In practice, between 24 and 31 October, they were “strike committees” and insurrectionary centres for combatant workers. After 31 October, and until the second Soviet intervention, the Councils considered that their chief responsibility was to prepare for a resumption of work. From that time on, the Workers’ Councils participated fully in the political aspects of the revolution. They were also active in the organization of food supplies for the people of Budapest, especially for hospitals, and took part in the repair of damaged hospitals and factories and in restoring means of transport and communication. A first step taken by the Councils was usually the dismissal of the existing managerial staff of the factory or establishment. In many cases Workers’ Councils dismissed the directors and personnel officers who were all members of the Communist Party, but retained the business and technical managers, unless they were members of the Party. Another step taken by the Workers’ Councils was to withdraw money from the bank account or to use other available funds of the undertaking concerned to pay the workers’ salaries. Workers’ Councils also sought to secure food for workers and their families. In some cases, factory guards were set up to protect the plant. Many Workers’ Councils destroyed the “white cards” on all workers which were held by the personnel officer. In many cases, they removed photographs of Russian and Hungarian Communist leaders and Soviet insignia. In some cases plans were drawn up to organize the work of the undertaking so as to increaseproduction and reduce costs.

546. The Workers’ Councils were also responsible for transmitting to Mr. Nagy’s Government the political and economic demands of the workers. This function was of considerable significance at the beginning of the uprising, but lost some of its importance later, when major demands were put forward by the Revolutionary Councils. However, it regained importance in the first days of November with the increased concentration of Russian troops on Hungarian soil, and after 4 November it became of paramount importance.(29)

547. The Workers’ Councils and the Revolutionary Councils were closely related phenomena of the Revolution. In many cities the Revolutionary Councils were elected by the delegates of Workers’ Councils, and most of the Revolutionary Councils included many workers in the membership. Witnesses described how, after the election of a Revolutionary Council or a National Committee in such a way, a mutual link was created between a Revolutionary Council and the Workers’ Councils which were to be set up in the area covered by it. In one case, reported by the newspaper of the Hungarian National Revolutionary Committee, the establishment of certain Workers’ Councils was not recognized, and a new election was ordered “in accordance with the spirit of true democracy”.(30)

548. The demands put forward by the Workers’ Councils in most cases resembled those of the Revolutionary Councils described in part II of this chapter.(31) In many cases, they were coupled with the threat of a strike, should the demands not be met. Thus on 26 October, the Workers’ Council of Miskolc demanded that the Soviet Army should leave Hungary at once, that a new Hungarian Government should be constituted and that a complete amnesty should be extended to all those who had participated in the uprising.(32) The Temporary Workers’Council of the Hungarian Optical Workers demanded on 29 October the withdrawal of Soviet troops from Hungary and the recall of Péter Kós from the United Nations. They added that the factory would resume work only if the delegation which had been sent to the Government received a satisfactory answer.(33) The representatives of Workers’ Councils from a number of factories of Greater Budapest, which met at the Belojanis Factory on 31 October, demanded free and secret elections with the participation of several parties, the trial of those responsible for the ÁVH massacres, immediate dismissal of some Ministers and immediate withdrawal of Hungary from the Warsaw Treaty.

[relatório da ONU, páginas 167-168]

Há 55 anos, na Hungria... - a luta pela gestão operária

III. Workers’ councils in factories

539. Since 1947, trade unions in Hungary had become instruments of the Government and eventually agents of the Hungarian Workers’ (Communist) Party. From then on, they were exclusively used to establish production standards, working conditions and wage scales in such a way as to serve the interests of the State. Their leaders were appointed by the Government, under the direction of the Party, and the chairman of the shop committee in each plant picked the committee members from workers trusted politically by the Party. Only one candidate was put up for election, and he was elected by show of hands. In these circumstances, as witnesses stated, workers ceased to consider the trade unions as their true representatives, but looked toward the establishment of genuine workers’ organizations which would not remain indifferent to their complaints and their demands.(24) This criticism of the unions had become widespread before the uprising, and Népszava, the central organ of the National Council of Trade Unions, (Szakszervezetek Országos Tanácsa) (SZOT), declared on 9 September 1956 in an editorial: “Trade union activities in Hungary became distorted and for years have been run on the wrong lines. The time has come now for the trade union movement to become, once again, a workers’ movement”.

540. Hungarian workers were aware that in neighbouring Yugoslavia, the economic and social status of workers was superior to their own, and that Yugoslav workers had some say in the running of factories through the agency of Workers’ Councils. Hungarian workers, according to witnesses, were especially attracted by the Yugoslav system whereby the factory manager was elected by the Workers’ Council and not imposed on them as was the case in Hungary. For some time before the revolution questions relating to worker-management relations in general and the Yugoslav Workers’ Councils in particular had been widely discussed in the trade unions and in the Petőfi Club. Articles were published - including one by the Deputy Secretary-General of the National Council of Trade Unions, Jenő Fock - suggesting changes in the status of trade unions and factory bodies. A well-known economist, János Kornai, a convinced Communist, made a critical study of the “scientific Marxist-Leninist planned economy” and, among the new methods which he proposed to help in solving the problems of State-managed industry, he stressed the role of Workers’ Councils. During the summer and fall of 1956, leading economists and trade union leaders - among them Professor István Friss, Zoltán Vas and Sándor Gáspár, the latter Secretary-General of the National Council of Trade Unions - went to Yugoslavia to study the functioning of Workers’ Councils, and reported on them at public lectures and in the press.

541. Some of the demands put forward by student organizations and other intellectual bodies on the eve of the uprising related to the situation of workers and included proposals for the setting up of Workers’ Councils. The Petőfi Club of the Communist League of Working Youth (DISZ), in a resolution adopted on 22 October, suggested that the Central Committee of the Party and the Government should promote “the development of a socialist democracy in Hungary… by satisfying the justified political demands of the workers, and by establishing factory autonomy and workers democracy”.(25) A statement issued by the Hungarian Writers’ Union on 23 October included the following point: “Factories must be run by workers and specialists. The present humiliating system of wages, working norms and social security conditions must be reformed. The trade unions must truly represent the interests of the Hungarian workers.”(26)

[relatório da ONU - páginas 166-167]

Há 55 anos, na Hungria... - a criação de Conselhos Operários (IV)

D. Efforts for the co-ordination of revolutionary councils and committees
533. By the end of October, individual Councils felt the need to establish a central organization to co-ordinate the work of the numerous Revolutionary Councils and Committees. The second Soviet intervention prevented the establishment of such an organization, but certain attempts were made along those lines. Witnesses stated that thought was being given to the formation of a centralized National Revolutionary Council, on the lines of the Transdanubian National Council to which reference has been made above.(21) A similar Council would have been established for the region between the Rivers Danube and Tisza. Such a central organization of Revolutionary Councils would have been built from the bottom, and not from the top. It would have co-operated with the Government to prepare for the holding of free elections. A specific proposal for such a central organization was made by a delegation from the Workers’ Council of County Borsod-Abaúj-Zemplén, which called on Mr. Nagy and Mr. Tildy on 2 November. The proposed central organization would have been composed of democratically elected representatives of the Workers’ Councils in Budapest and the provinces.

534. The Peoples’ Patriotic Front (PPF)(22) set up on 28 October a Central National Committee (Országos Nemzeti Bizottság), with the task of uniting and coordinating the activities of locally elected revolutionary bodies. It was said that this Committee would keep the people informed by press and radio on the activities of such bodies and on the scope of their authority.

535. On 2 November, the Central National Committee joined the Revolutionary Committee of the Public Security Forces and the Revolutionary Committee of the Chief Public Prosecutor’s Office in an appeal to the National Guard and citizens, calling on them to “safeguard the purity of our revolution”. The Committee appealed on 3 November to Committees and Councils in counties, districts, cities and villages and urged them to use their influence with the workers to resume work as soon as possible in all enterprises and factories. The Committee added in its appeal that the Government had “fulfiled the demands of the insurgents”.

[o tal relatório, página 164]

Há 55 anos, na Hungria... - a criação de Conselhos Operários (III)

[Ou "Conselhos Revolucionários", ou que lhe queiramos chamar]

II. Revolutionary Councils

A. Territorial Councils

1. The provinces


493. As from 24 October, Revolutionary Councils were set up in many parts of Hungary in villages, towns, at district level and in the counties. Whole areas were brought under their control after successful bloodless shorter or longer fights with the ÁVH. They at once assumed administrative responsibilities and began address demands to the Government, some of which had considerable influence on the course of events.

494. Various names were used by these Councils, such as Revolutionary Council, National Revolutionary Council, Revolutionary Committee, Workers’ and Soldiers’ Council, Revolutionary
Workers’ Council, National Revolutionary Committee, National Council, National Committee, Socialist Revolutionary Committee. Many of the Revolutionary Councils were called Municipal Workers’ Council or Workers’ Council which sometimes made it difficult to distinguish them from the Workers’ Councils in factories. In part II of this chapter, the term “Revolutionary Council” will be used.

495. Among the first provincial Revolutionary Councils set up immediately after 24 October were those of Dunapentele and Miskolc. The Councils of Debrecen, Győr and Jászberény were set up on 25 October; those of Mosonmagyaróvár, Tatabánya and Veszprém on the 26th; Eger, Nyíregyháza, Szeged, Székesfehérvár, Szolnok and Zalaegerszeg on the 27th; Szombathely on the 28th and Kaposvár on 30 October.

496. The circumstances in which the Councils were elected varied from one place to another. In many places they came into being after peaceful demonstrations, combined with the liberation of political prisoners; elsewhere the population’s demands, among which the election of a Revolutionary Council was prominent, were resisted by the ÁVH and resulted in a massacre of the population before it was possible to proceed with the setting up of a Council. The following are some examples.(4)


497. In Debrecen in the course of a peaceful manifestation on 23 October, the ÁVH killed 2 persons. After this, power was taken over by a “Revolutionary Socialist Committee” which, after two days’ negotiation, disarmed the ÁVH. In Győr the Council was set up on 25 October after demonstrations which took place before the Headquarters of the Communist Party with the participation of a crowd of more than 10,000. Demonstrators were originally led by Communists, and were joined by factory workers; the crowd tore down the Soviet emblems from public buildings and cut out the Soviet insignia from the flags. When the prison was attacked and political prisoners liberated, the ÁVH intervened and killed four people. The demonstrations continued during the night, and the day after, a notice was published in the papers concerning the mode of election of the Revolutionary Councils, which eventually took over power and disarmed the ÁVH. In Jászberény, after the news of uprising in Budapest arrived, workers and intellectuals went on strike, removed the Soviet insignia from official buildings and hoisted national flags. The Revolutionary Council was established on 25 October by 150 inhabitants of the town. By 29 October the Council had the support of the peasants of the region. In Miskolc revolutionary demonstrations took place on 24 and 25 October and a “Workers’ and Soldiers’ Council” was set up. Demonstrations went on the 26th before Police Headquarters and when demands were made for the release of demonstrators arrested earlier, the ÁVH fired into the crowd. After this, the crowd, composed of miners and workers, attacked Police Headquarters, blowing open the door with explosives and killing many members of the ÁVH. By nightfall, the Council had taken over full control of the town. At Mosonmagyaróvár, on 26 October, students and workers joined by townspeople demonstrated before the ÁVH Headquarters, asking that the Soviet star be removed from the building. ÁVH officers opened fire with four machine-guns, others threw hand grenades at the defenceless people; 101 people were killed and 150 wounded, many of them women and small children. After these events, with the assistance of the local police, the population disarmed the ÁVH


498. In Sopron the local population, with the help of the workers of Győr and Mosonmagyaróvár, disarmed the ÁVH and formed the “Provisional National Council”. In Szeged on 26 October, a military administration took the place of the City Council. On 27 October a demonstration took place in the course of which many people were wounded by ÁVH, and during the day a “Workers’ Council” for the city was set up. In Szolnok there was fighting on 26 October to break down the Hungarian Communist organization and also against the Soviet troops stationed there, followed by the setting up of a Revolutionary Council. In Veszprém representatives of Workers’ Councils in factories met on 26 October at the University and elected a Revolutionary Council for the city and the county. In Zalaegerszeg on 26 October a crowd of several thousands demonstrated before the county building and requested the resignation of the president of the County Council. The president resigned, and in agreement with him a “Workers’ Council” was set up. In the course of the demonstrations, however, shooting started and two persons were killed and many were wounded.


499. The procedure followed in establishing the Councils also varied from place to place. The methods used included election by secret ballot at a general meeting, or at a meeting of factory workers’ delegates, and election by representatives of peasants, factory workers and professional organizations. Sometimes, members of the Council were appointed by acclamation, sometimes by open election from those present at the meeting. In some cases, de facto non-Communist leadership appears to have been established without previous election.

500. The Councils included representatives of all segments of the population. In Debrecen, the Council had one hundred members of whom 60 per cent were workers, 20 per cent University students and 20 per cent representatives of the armed forces. The Councils of Győr and Eger consisted of workers, peasants, soldiers and intellectuals, while half of the twentyeight members of the Council of Jászberény were peasants. Revolutionary Councils were fully supported from the beginning by the armed forces (e.g., Debrecen, Eger, Győr, Szeged, Szolnok, Veszprém), and by the local police (e.g., Debrecen, Győr, Mosonmagyaróvár, Szolnok, Tatabánya, Veszprém).

501. Some of the Revolutionary Councils were set up with the consent of the local Committee of the Hungarian Workers’ (Communist) Party (e.g., Debrecen) many of them had from the beginning to the end Communist members (e.g., Debrecen) ; others dropped their Communist members after 1 November (e.g., Pécs). Most of them enjoyed almost at once the editorial support of the local organ of the Hungarian Workers’ (Communist) Party. Regarding the attitude taken by the Councils towards the Party, the following comments of Hétfői Hírlap of 29 October are significant:

“The demands [of the Revolutionary Councils] are, on the whole, identical and essentially socialist and democratic(5) in their character, and do not intend to destroy the people’s power. This is proved by the fact that wherever Party organizations endorsed the aims of thedemocratic revolution, no action was taken against them.”

502. Some of the Revolutionary Councils had radio stations of their own, which broadcast news and announcements during the whole period of the uprising. The main radio centre of the Provinces was in Győr, where Free Radio Győr and Free Radio Petőfi functioned on medium and short waves. Another important centre was the radio of the Workers’ Council of the County Borsod in Miskolc which broadcast on medium wave. Other free stations were Radio Damjanich (Szolnok), Free Radio Debrecen, Free Radio Dunapentele, Free Radio Eger, Free Radio Rákóczi (Kaposvár), Free Radio Széchenyi (Szeged), Free Radio Szombathely, Radio Vörösmarty (Székesfehérvár) and the Radio of the Workers’ Council of the County of Szabolcs-Szatmár. Most of the latter stations broadcast on short wave.

503. Of considerable political significance were the demands put forward by the Councils to the Government on behalf of the people of their area. These demands varied greatly, in accordance with the geographic location of the Councils. Those from the western parts of the country submitted more extreme demands than the Councils in the east. Demands differed further with the political trends which were represented within the Councils.

504. Some Councils gave qualified approval to the Government of Mr. Nagy, while making conditions for full recognition. The great majority of Revolutionary Councils were unanimous in calling for immediate cease-fire, the withdrawal of Soviet troops from Hungary and the organization of free elections. Other demands amongst those put forward by the Revolutionary Councils of twelve Hungarian cities and counties(6) which were examined, were for complete independence and freedom for Hungary, for a protest to the United Nations against the presence of Soviet troops in Hungary, for the United Nations to deal with the Hungarian situation, for equality with the USSR, withdrawal from the Warsaw Treaty, recall of Péter Kós, the representative of Hungary to the United Nations, and for a proclamation of neutrality. Further demands included changes within the structure of the Government, the abolition of the ÁVH and the creation of new police, the establishment of the National Guard, liberation of political prisoners, in particular, of Cardinal Mindszenty, freedom of speech, press, religion and association, the setting up of Workers’ Councils in factories; new agrarian policies and, in particular, abolition of compulsory delivery of produce by the peasants.(7) It was often emphasized that a return of the landed estates to their former owners would not be tolerated. “The people have already decided as far as the question of land, factories and mineral wealth is concerned”, one Council delegate told the Government on 3 November. “The people will never alter that decision.”

505. The Revolutionary Councils controlled the ad ministration of the cities in which they were set up, dealing with all the major problems of local government and taking special measures to restore and maintain order by setting up of local units of the National Guard. Some collected medical supplies and food for the fighters and wounded in Budapest. Thus the Revolutionary Council of Jászberény, in co-operation with the local peasants, from 30 October on provided the fighters in Budapest free of charge with nearly 10,000 kilogrammes of food on a daily basis.

[relatório da ONU, páginas 155-158]

Há 55 anos, na Hungria... - a criação de Conselhos Operários (II)

REVOLUTIONARY AND WORKERS’ COUNCILS

I. Introduction

485. No aspect of the Hungarian uprising expressed its democratic tendencies or its reaction to previous conditions more clearly than the creation of Revolutionary Councils in villages, towns and on the county level, and of Workers’ Councils in factories. Within a few days, these bodies came into existence all over Hungary and assumed important responsibilities. Their chief purpose was to ensure for the Hungarian people real, and not merely nominal, control of local government and of factories, mines, and other industrial enterprises. There was even a suggestion that a National Revolutionary Committee might replace the National Assembly,(1) while another proposal was that a Supreme National Council could exercise the prerogative of Head of the State.(2) While nothing of the kind took place, the fact that such proposals could be put forward at all suggests the degree to which they were felt to reflect the desires of the people.

486. The first part of this chapter will deal with the Revolutionary Councils and the second part with the Workers’ Councils in factories.

487. Before the end of October, the entire Communist-controlled Party apparatus had collapsed in Hungary, leaving a vacuum in public administration. By article 30 of the Constitution of the Hungarian People’s Republic of 18 August 1949, various Councils had been established as local organs of the State administration; including County Councils, District Councils, Town Councils, Borough Councils and Town Precinct Councils. Owing to the one party system, these Councils came under the direct control of the Party and local autonomy was destroyed. As soon as the Communist Party apparatus collapsed, the Hungarian people demanded that democratic elections be held in autonomous communities and that the Communist Party functionaries, police administrators and their associates be replaced by men trusted by the people. In accordance with these demands, Revolutionary Councils were created and took over the functions of the local administration in urban as well as rural areas.

488. In addition, and mostly after 27 October, Revolutionary Councils or Committees were created within Government offices, many of which took over the actual running of Departments; and in the Army, by students and other youth groups, as well as by groups of intellectuals.

489. Just as these Revolutionary Councils appeared to be an expression of popular dissatisfaction with the local councils of the régime, so the Workers’ Councils were an attempt to establish control by the workers themselves in factories, mines and similar enterprises. Under article 6 of the Constitution of 1949, the State and public bodies were to act as “trustees for the whole people” for mines, large industrial enterprises and State-sponsored agricultural undertakings. In practice, this meant rigid Party control and, during the Rákosi régime, as was seen in chapter IX, the Hungarian economy was largely subjected to the interests of the Soviet Union.(3) The Workers’ Councils in factories seem to have been an expression of popular disapproval of this state of affairs, as well as the reaction of the workers to the Governmentcontrolled trade unions.

490. Revolutionary and Workers’ Councils sprang up all over Hungary without any central direction or co-ordinating plan, but, as the days passed, efforts were made to achieve some degree of co-ordination. These efforts were still in a tentative stage when the second Soviet intervention occurred on 4 November.

491. On 28 October the Hungarian Workers’ (Communist) Party commended the establishment of these Councils in an article in Szabad Nép, its official organ:

“News comes all the time from all parts of the country about the setting up of municipal and county Councils, Workers’ Councils, National Councils or Revolutionary Socialist Committees - many different names. All are alike, however, in being spontaneous, popular organs which came into existence through the upsurge of a new democracy in this country. We do not know who the members of the Councils are; we do know, however, that they are representatives of the workers and that they are being elected in a democratic way. There is none among them who would abuse the confidence of the people, who would misuse his power or think only of his personal position. Among them are those Communists who are respected and loved by the people. The good judgment and intelligence of the working masses are seen in the first measures taken by these popular organs.”
492. Official recognition was given to the Revolutionary Councils by Mr. Nagy “in the name of the National Government” on 30 October. He referred to them as “autonomous, democratic local organs formed during the Revolution,” and asked for “full support” from them. The setting up of factory Workers’ Councils in all plants was recommended by the Central Committee of the Hungarian Workers’ (Communist) Party in a statement issued on 26 October, and on the same day the Praesidium of the National Council of Trade Unions published a similar appeal to all workers. "

[relatório da ONU, páginas 154-155]