24/08/15

Corbyn, um caso cada vez mais sério.

A candidatura de Jeremy Corbyn à liderança do Labour está a provocar uma inusitada agitação na política inglesa e terá, caso a sua vitória se confirme, repercussões na política europeia. Uma liderança política claramente comprometida com uma política contra a austeridade e os seus fundamentos significará a rotura de um dos mais antigos consensos que suportam a política neoliberal europeia: a aliança do Labour e dos Tories em redor dos principios fundadores do neoliberalismo. Consenso que foi inaugurado pela liderança de Toni Blair, um dos que se mostram mais chocados com o rumo que as coisas estão a tomar no seu partido. Já aqui tinha chamado a atenção para a candidatura de Corbyn e para os aspectos "inesperados" da sua proposta política.  Um exercício interessante é comparar este conjunto de propostas com as que o PS português tem apresentado para o combate eleitoral que, supostamente, permitiria desalojar a direita do poder e, sobretudo, alterar a política seguida nos últimos anos.
Mas, Corbyn não para de agitar as águas habitualmente turvas da política britânica. Agora anunciou que vai pedir desculpas em nome dos trabalhistas pela participação na invasão do Iraque em 2003. E, deixando o mainstream à beira da apoplexia, anunciou que irá nacionalizar parte da industria e renacionalizar o património público, que o actual Governo está a privatizar, sem qualquer compensação.
Um debate a seguir. Neste momento há uma campanha, entre alguns dos que disputam a liderança com Corbyn, no sentido de associar o apoio ao candidato a uma intromissão dos Tories na campanha do Labour. Tratar-se-ia de uma estratégia dos conservadores que visaria promover uma liderança que afastaria ad aeternum o Labour da governação, trasnformando-o num partido de protesto. Esta tese, muito contestada pelo candidato, tem uma improvável adesão à realidade. O Labour, mais ou menos fiel ao ideário Blairista, arrasta-se há anos pelos caminhos da irrelevância, incapaz de se distinguir dos conservadores. Porque que raio iriam  os conservadores lutar para alterar uma realidade de que tanto beneficiam?
Quem diria que no coração da City Londrina e bem no interior do "reliable" Labour irrompia uma proposta política com esta configuração e com esta força.  É nos povos da Europa e no espaço comum europeu que, mais tarde ou mais cedo, uma alternativa a estes tempos sem futuro será construída.

18/08/15

O Sobressalto Grego

O jornalista Pedro Caldeira Rodrigues (PCR) publicou nas últimas semanas o livro "O Sobressalto Grego".
Conheci o Pedro Caldeira Rodrigues num debate que organizei com alguns amigos que visava   discutir o "Que fazer com esta vitória do Syriza" e para o qual o convidámos. Interessava-nos uma perspectiva que não estivesse prisioneira do economês que já então anulava todas as restantes dimensões do debate. Participou igualmente a eurodeputada Marisa Matías do BE. O debate teve lugar em Sines no passado dia 28 de Março, um mês depois do dia 28 de Fevereiro, que, como o livro esclarece, tantas consequências nefastas acarretou. Nefastas do ponto de vista do cumprimento do programa do Syriza, entenda-se.


Esta obra dá-nos o testemunho priveligiado de um jornalista  que acompanhou a par e passo a evolução da situação na Grécia ao longo dos últimos anos, com destaque para o período que se seguiu à assinatura do memorando de entendimento com a Troika. Alguém que acompanhou de muito perto a degradação da situação social na Grécia e a ascensão do Syriza ao poder . Período que culminou no referendo de 5 de Julho e na, improvável, aceitação de um acordo draconiano - a negação ipsis verbis do espírito do resultado do referendo e do seu significado político -  por Tsipras. De alguma forma, alguém que testemunhou o apogeu e a queda de um projecto político de base popular, com uma orientação claramente pró-europeia, claramente a favor de uma Europa dos cidadãos, no coração de uma  União Europeia que resolveu renegar  o Estado Social Europeu e se encontra algures em trânsito entre o neoliberalismo e o neoconservadorismo de inspiração americana.
Trata-se de uma obra que beneficia do extenso trabalho "in situ" do repórter  mas a que não falta nem uma cuidada perspectiva histórica, que nos ajuda a perceber os quês e os porquês da evolução da Grécia, nem a perspectiva política, que impede o leitor de ficcionar  quando se trata de discutir as razões pelas quais os actuais dirigentes da  União Europeia elegeram o governo da Grécia e o seu povo como dignos de todo o tipo de punições e humilhações.
Recomendo vivamente a leitura do livro e aproveito para chamar aqui a atenção para dois ou três aspectos que ajudam a compreender aquilo que se passou e o que aí vem.
Uma questão que PCR salienta é a importância da rede "Solidarity for All" no combate aos efeitos da austeridade mas igualmente na construção de uma alterantiva política de base social. O facto de o Syriza não ter caído na tentação de controlar a rede - que apoiou financeiramente -  foi fundamental para o aumento da mobilização popular e, como se verificou, da influência do partido. Esta rede e a sua actuação mostram-nos uma outra dimensão da cooperação entre os povos da Europa, que muitos normalmente desprezam apostados em opções de base nacionalista. Como PCR refere muito do apoio que o Solidarity for All recebeu veio de ONG´s alemãs que recolheram fundos entre a poulação alemã. Não me recordo de alguma vez ter escutado referências nas nossas teelvisões a este tipo de solidariedade.
Um outro aspecto muito importante para percebermos o que aconteceu é a relação que o autor identifica entre a ascensão ao poder do Syriza, neste momento histórico preciso, e a estratégia da direita. Refiro-me à "estratégia do parêntesis de esquerda" que Samaras delineou, Esta estratégia concretizada em Dezembro de 2014 ao forçar a eleição - que sabia iria desembocar em eleições antecipadas - pelo Parlamento de um novo Presidente da República. Essa estratégia visava permitir uma passagem efémera da esquerda radical pelo poder e a sua posterior derrota. As coisas não se passaram exactamente assim, porque Samaras acabou vitíma dessa estratégia, mas o resultado político com o acordo pós referendo traduzem-se numa derrota colossal do projecto político que o Syriza representava. Mais austeridade em vez de rotura com a austeridade. Mais desigualdade, por força dessa austeridade crescente.
Da leitura do livro percebe-se a importância que um conjunto de factores tiveram na evolução da situação política. São salientados vários, como a conjugação de esforços entre os socialistas e a direita europeia para impedir o contágio grego à Espanha e a Portugal,sobretudo. Mas há um aspecto muito importante que é referido: as culpas próprias do Syriza e que em grande parte relevam da incapacidade política e de um conjunto de erros que desde o ínicio munaram as hipóteses de sucesso político. Mas que traduzem, ao mesmo tempo, a forma como a correlação de forças no seu interior foi evoluindo. A ausência de um Plano B - que nada tinha a ver com a saída do euro, como alguns defendem - que permitisse enfrentar com mais eficácia a oposição, expectável,  dos credores, são umaprova de incompetência política e de incapacidade para liderar um desafio desta magnitude. Uma incapacidade para, desde ínicio, ter sabido lidar com a falta de financiamento europeu e com o não pagamento dos quase 11 mil milhões de euros de que o país era credor. O facto de o Governo ter assistido impávido e sereno à brutal fuga de capitais revelou-se fatal e veio a transformar a vitória no referendo numa vitória de Pirro. A grécia chegou financeiramente exaurida ao dia da celebração da vitória e capitulou perante os credores. Merkell nesse dia poderia ter dito a Samaras que tudo correu da melhor maneira possível com o seu pequeno e irrelevante sacríficio pessoal.  Para que as coisas tivessem seguido esse caminho contribuiu, como PCR refere, a manutenção à frente do Banco da Grécia de Yannis Stournaras, um aliado dos credores e alguém que no tempo de Samaras concretizou a estratégia central da austeridade: canalizar recursos retirados aos cidadãos para salvar os bancos falidos e mal geridos. A gestão que fez do dossierBanco Agrícola - com a divisão em banco bom e banco mau, como por cá se faz - suscitavam antes das eleições promessas de actuação criminal por parte do Syriza. Depois Tsipras resolveu manter Stournaras na chefia do Banco. Foi-lhe fatal.
O melhor mesmo é ler o livro.

13/08/15

Corbyn. Um improvável esquerdista

Depois da humilhação dos trabalhistas nas últimas eleições a generalidade dos comentadores apelaram a uma ainda maior viragem à direita do Labour. Incapazes de reconhecer as razões da sua desdita optaram por recomendar uma cada vez maior aproximação ao que os conservadores vinham a fazer. Para esses comentadores recuperar o blairismo era a chave de todos os sucessos futuros.
Inesperadamente, na disputa pela liderança do Labour intrometeu-se um "esquerdista" desde sempre mantido a uma confortável distância da sua liderança.
Acontece que este esquerdista parece estar em condições de ser eleito o novo secretário geral dos trabalhistas, imprimindo ao partido uma acentuada viragem á esquerda. Atente-se no que ele se propõe fazer: 
"On Friday, the day the first ballot papers are sent out, Corbyn will hold a rally in Glasgow to outline his plan, entitled Standing to Deliver, saying it is a commitment to “a new kind of politics: a fairer, kinder Britain based on innovation, decent jobs and decent public services”.
It will include opposing austerity, a lower welfare bill without cuts, action on climate change, public ownership of the railways and energy sector, rent controls, no more illegal wars, and an end to privatisation of the NHS."
Leram bem? empregos decentes, oposição à austeridade, posse pública do sector da energia e dos caminhos de ferro, controlo das rendas e fim à privatização do serviço nacional de saúde. O homem deve ter enlouquecido, não acham?
Tony Blair acha que estamos perante um doido varrido. E, hoje, dia em que se iniciaram as votações para a nova liderança, veio apelar à nação trabalhista para que parem o doido varrido, que parece quererem eleger.
O Toni está tão preocupado que apela mesmo aos que o possam odiar." If Jeremy Corbyn becomes leader it won’t be a defeat like 1983 or 2015 at the next election. It will mean rout, possibly annihilation. If he wins the leadership, the public will at first be amused, bemused and even intrigued. But as the years roll on, as Tory policies bite and the need for an effective opposition mounts – and oppositions are only effective if they stand a hope of winning – the public mood will turn to anger. They will seek to punish us. They will see themselves as victims not only of the Tory government but of our self-indulgence ", diz ele, angustiado.
Caso para desde logo simpatizarmos com o improvável futuro líder. Será que no coração do sistema neoliberal a social-democracia começa a dar passos para se libertar da tenaz do império financeiro e para deixar de mimetizar a direita mais retrógada?



11/08/15

Para Inglês ver


The political nature of the ‘crisis in the Eurozone’ thus emerges as what it has been right from the very beginning: a process of neoliberal social engineering carried out in Southern Europe as a testing ground for future application in the rest of the continent, aimed at expanding the reach of neoliberal governmentality, fully commodifying social relations and consolidating an institutional framework designed to expand markets and competition to all spheres of life. [...] 
What to make, then, of the three and half years under the memorandum and their impact on Portuguese society, insofar as most of the targets were missed, debt grew in proportion to GDP, and any rise in oil prices or interest rates will make the entire edifice quake and collapse? A possible answer is that the sovereign debt crisis, as well as all that followed it, was no more than a moment in the restructuring of European capitalism, a response to the fact that the a region was losing competitiveness and power in the world-system, a fast way to overcome all sorts of barriers to political status quo and to dismantle whatever was left of the ‘European social model’, starting with the continent’s soft belly. 
The embedded neoliberalism that characterizes the rules and framework of the Eurozone already implied most of the features of such a process, and its periphery became the perfect testing ground for the latter, ever since the credit rating agencies started their spelling contest from triple ‘A’ to triple ‘E’. A coherent mode of governmentality, comprising an expanding police state and ever-spreading commodification, along with the coexistence of different regimes of accumulation and distinct modalities of reproduction of the labour force, was already underway with the eastward expansion of the EU. But the possibility of advancing quickly in that direction was an opportunity that could not be missed by opening the credit tab early on (say, in 2010) and stabilizing the Eurozone in the short-run, allowing things to follow a slower pace.
 ‘Making lazy southern Europeans pay their dues’ was both politically popular in countries with positive external accounts and a powerful tool to restructure southern Europe, which would thus become more competitive and attractive for investors, even if that entailed massive social costs and, equally important, produced a decisive split between democracy at the national level and sovereignty at a supranational level. Had Quantitative Easing been adopted in the Eurozone as early as it was in the United States, the loans made by northern European banks to southern States and banks would have been just as secure, but that would not have allowed the massive restructuring of labour markets and the shrinkage of the Welfare State, provisions implicit in the Memorandum. Far from being the only way out of the debt crisis, ‘austerity’ was the quickest way to ensure European-wide internal devaluation in the long run. Austerity is not a harsh correction of a nation’s internal disequilibrium, an unpleasant but needed medicine to face a momentary financial malaise, but rather the banner under which Europe will be reshaped as an economic and political space in the years to come.

O resto do artigo que escrevi para o site EuroNomade pode ser lido aqui

10/08/15

Nada que não se soubesse

Esta notícia não acrescenta nada de muito diferente ao que já se sabia. Ou melhor, acrescenta vinte mil milhões de euros aos valores apontados no ínicio de 2014. Nessa altura falava-se de oitenta mil milhões na diminuição dos custos de financiamento da economia alemã. Percebe-se a oposição alemã e do seu ministro das Finanças a soluções justas e solidárias no contexto da União Europeia. O que está em causa, além de tudo o resto que não é pouco , são as condições excepcionais de financiamento da economia alemã. Para que uns ganhem muito tem que haver aqueles que perdem muito. Para os mercados a desigual distribuição dos custos de financiamento é uma irrelevância desde que no final eles, pelo menos, não percam. Esta notícia tem a particularidade, não dispicienda, de ter como base uma instituição alemã.