O Público noticia na sua edição online que "Milhares de contas com ligações à Rússia ajudaram Jeremy Corbyn". Pelo que se percebe, lendo a parca notícia, a ajuda fez-se sentir nas eleições legislativas de 2017, quando o Labour retirou a maioria absoluta aos conservadores, fazendo abortar o golpe promovido pela primeira-ministra, Theresa May, que antecipara eleições visando capitalizar os louros do Brexit. Como sabemos ajuda foi coisa de que Corbyn não parou de precisar desde que conquistou a liderança do Labour. Ajuda parece que não lhe falta entre os seus concidadãos, a julgar pela resiliência.
A noticia do Público apoia-se numa "investigação" promovida pelo Sunday Times, um jornal claramente identificado com o apoio político aos Conservadores. Esta noticia foi replicada na imprensa inglesa e mereceu uma resposta por parte do Labour. Diga-se que o assunto não mereceu muito destaque, já que o essencial da artilharia anti-Corbyn tem estado centrada na acusação de anti-semitismo. Fica aqui a ligação para a resposta que o Labour emitiu através de John MacDonnell.
O jornalismo - acho eu, que sou apenas um leitor - baseia-se em factos. Factos e o direito ao contraditório. Sob pena de, em vez de factos nos estarem a vender fatos.
Entretanto realizam-se Eleições Locais no próximo dia 3 de Maio. Eleições que, segundo vários analistas, são uma oportunidade para marcar uma posição em defesa dos fragilizados serviços municipais, devastados pela austeridade. Austeridade cujo fim está no centro do debate político já que o Labour apresentou um programa de intervenção estatal, na promoção de habitação pública marcadamente social, cuja aplicação obriga a uma rotura com as orientações seguidas nos últimos 20 anos por trabalhistas - Blair - e Conservadores - Cameron e May.
A importância das eleições e o seu significado político foram reconhecidas pelos Conservadores que recorreram a todos os meios para dificultar a votação das minorias. O escândalo Windrush que levou à demissão da ministra do interior, Amber Rudd, não se tratou de um esquema para conter a imigração, mas de uma acção de banimento - à lá Trump - de pessoas que vieram para o Reino Unido depois da segunda guerra mundial e que desde 2012 viram os seus direitos serem progressivamente negados, tendo muitos sido expulsos e outros sido vitimas da falta de cuidados de saúde. A revelação de intenções desde sempre negadas pela Ministra levaram à sua demissão.
Acresce a peregrina ideia de concretizar uma reforma do sistema de voto que parece destinada a dificultar a participação das minorias, tradicionalmente idfentificadas com o Labour.
ADENDA: a situação da expulsão dos britânicos - ou, pelo menos, cidadãos residentes em solo do Reino Unido desde que para lá foram viver com os seus pais, emigrantes de origem maioritariamente caribenha - sofreu novas actualizações. Será interessante ler esta noticia em que são feitos relatos na primeira pessoa de vitimas dessa ameaça. O Labour desempenhou um importante papel na denúncia desta política do Governo conservador marcada pela crueldade extrema, mas foi a imprensa quem fez o essencial desse importante papel de defesa da democracia e dos seus valores.
30/04/18
25/04/18
24/04/18
Em defesa (mais ou menos) da habitação própria
por
Miguel Madeira
Uma coisa que noto nas discussões sobre a questão da habitação é que esquerda e direita parecem confluir no propósito de "dinamizar o mercado de arrendamento" (divergindo, claro, completamente em como o fazer), em em considerar como um mal o "endividamento excessivo" derivado dos empréstimos para a compra de casa.
Suspeito que parte da razão é porque, à direita, a habitação própria faz-lhe pensar em mercados poucos flexíveis (uma pessoa vive numa casa e - porque é dela - ninguém a pode por dali para fora? Isso é quase como ser funcionário público!), e à esquerda a habitação própria é uma forma de propriedade (e, pior ainda, propriedade imobiliária, que na mística de muita esquerda, é ainda pior que as outras formas de propriedade).
Em contraponto, venho aqui defender as virtudes da posse da habitação própria e alegar que a tão falada debilidade do mercado de arrendamento até pode ser uma bênção disfarçada.
A maior vantagem da habitação própria é, claro, o não estarmos sujeitos aos caprichos arbitrários de outras pessoas - não corremos o risco de, um lindo dia, aparecer um senhorio a dizer "tens que te ir embora" ou "a tua renda vai ser aumentada 300%"; pode-se contra-argumentar que tal pode ser contrabalançado por legislação impedindo os senhorios de despejar inquilinos e/ou de aumentar a seu bel-prazer as rendas, mas das duas umas: ou essa legislação é efetiva e impede mesmo os senhorios de despejar e de aumentar as rendas, e nesse caso o resultado a longo prazo é os senhorios deixarem o prédio cair (e provavelmente não alugarem mais os apartamentos que vão ficando vagos); ou não é efetiva e o problema da incerteza associada à situação de inquilino mantêm-se. Diga-se que, mesmo que uma casa tenha sido comprada com um empréstimo ao banco e se tenha que pagar juros (também variáveis, e também sujeitos a despejo em caso de não pagamento) a situação é diferente - a fórmula que determina os juros está predefinida no contrato de arrendamento, e desde que uma pessoa os pague a tempo e horas, ninguém o pode tirar da casa
Além disso (e associado ao anterior) os problemas da chamada "gentrificação" praticamente só existem porque existe arrendamento - num bairro em que toda a gente tenha a sua casa, um aumento da procura por casas nesses bairro é vantajosa para os seus habitantes, que vêm o seu património valorizar; mas num bairro em que predomine o arrendamento, um aumento da procura significa que os habitantes originais vão ter que pagar rendas mais elevadas ou serem despejados. Aliás, há tempos li um texto em que o autor tentava distinguir "gentrificação" de "reabilitação urbana" - o texto era horrendo, com o autor a parecer querer dizer (ou a dizer mesmo?) que a diferença tinha a ver com a intenção (que a reabilitação era feita com o intuito de melhorar a qualidade e as condições de vida, e a gentrificação com o intuito de expulsar pessoas), como se a gentrificação fosse uma coisa decidida por alguém ("vamos gentrificar estes bairros!"), e não simplesmente o resultado das leis do mercado capitalista em ação; em vez dessa visão quase (?) conspiratória, eu diria que a diferença entre "gentrificação" e "reabilitação" é muito simples: a "gentrificação" mais não é que a forma que a "reabilitação" assume quando conjugada com um mercado habitacional dominado pelo arrendamento.
E que dizer dos argumentos a favor do arrendamento?
Um dos que costuma ser mais usado, o de que a culpa do "endividamento das famílias" é a compra de habitação própria, é uma quase-falácia: afinal, qual é exatamente o problema das pessoas se endividarem para adquirirem património duradouro? Uma pessoa pede um empréstimo de 100.000 euros para comprar uma casa de 100.000 euros - fica com bens no valor de 100.000 euros e dívidas no valor de 100.000 euros (riqueza líquida = zero euros); se em vez disso optar pelo arrendamento, não tem casa nem dívida (de novo, riqueza líquida = zero euros) - não é muito claro porque é que ter dividas de 100.000 euros e bens no valor de 100.000 euros há de ser pior do que não ter nem dívidas nem bens (suspeito que há aqui sobretudo uma aversão quase moralista à palavra "dívida" do que um raciocínio económico fundamentado).
Ainda a respeito disso (ou quase disso - aqui o ponto é o endividamento geral do país), relembro o que escrevi há uns anos:
Há outros argumentos a favor do arrendamento que já têm um pouco mais de lógica, mas em assuntos em que esse não me parece o problema fundamental:
Efetivamente num mercado de habitação assente no arrendamento, é mais fácil as pessoas mudarem de localidade caso percam o emprego e tenha que aceitar outro noutra cidade, mas suspeito que aí o maior obstáculo é que a maior parte das pessoas vivem integrados em famílias, com conjugues e filhos, logo, com ou sem arrendamento, há sempre o problema de ambos os conjugues arranjarem emprego na nova localidade, e mais a mudança de escola dos filhos (mas pronto, admito que seja a minha situação de quase funcionário público - mais exatamente, empregado com contrato individual de trabalho sem termo num hospital EPE - que me torne talvez menos sensível do que deveria ser ao problema da necessidade de mobilidade geográfico para arranjar emprego).
Outro argumento é que no mercado de arrendamento é mais fácil a jovens em princípio de vida arranjarem um apartamento para morarem, sem precisarem de ficar alguns anos a juntar dinheiro para darem de entrada, e podendo ir viver para um T1 em vez de estarem já a escolher uma casa para a vida inteira; em parte é verdade, mas creio que o maior obstáculo a um jovem de 20 e poucos anos que queira ir morar sozinho não é a escassez de casas para arrendar, é mesmo o estigma social que nas culturas latinas/católicas/mediterrânicas existe contra o sair de casa dos pais sem ser para casar - um jovem de 20 e poucos anos que vá viver sozinho é normalmente visto pela família (talvez sobretudo a alargada) e pelos vizinhos da família como um desalmado que não gosta dos pais (e se for uma rapariga provavelmente ainda é pior - para muita gente será sinal que o que quer é receber homens lá em casa, se calhar casados).
Finalmente, diga-se que algumas das vantagens (talvez sem as desvantagens) da habitação própria que apresento neste post possivelmente também poderiam ser conseguido com habitação social bem pensada (por isso é que há um "mais ou menos" no título), mas isso já seria outro tópico.
Suspeito que parte da razão é porque, à direita, a habitação própria faz-lhe pensar em mercados poucos flexíveis (uma pessoa vive numa casa e - porque é dela - ninguém a pode por dali para fora? Isso é quase como ser funcionário público!), e à esquerda a habitação própria é uma forma de propriedade (e, pior ainda, propriedade imobiliária, que na mística de muita esquerda, é ainda pior que as outras formas de propriedade).
Em contraponto, venho aqui defender as virtudes da posse da habitação própria e alegar que a tão falada debilidade do mercado de arrendamento até pode ser uma bênção disfarçada.
A maior vantagem da habitação própria é, claro, o não estarmos sujeitos aos caprichos arbitrários de outras pessoas - não corremos o risco de, um lindo dia, aparecer um senhorio a dizer "tens que te ir embora" ou "a tua renda vai ser aumentada 300%"; pode-se contra-argumentar que tal pode ser contrabalançado por legislação impedindo os senhorios de despejar inquilinos e/ou de aumentar a seu bel-prazer as rendas, mas das duas umas: ou essa legislação é efetiva e impede mesmo os senhorios de despejar e de aumentar as rendas, e nesse caso o resultado a longo prazo é os senhorios deixarem o prédio cair (e provavelmente não alugarem mais os apartamentos que vão ficando vagos); ou não é efetiva e o problema da incerteza associada à situação de inquilino mantêm-se. Diga-se que, mesmo que uma casa tenha sido comprada com um empréstimo ao banco e se tenha que pagar juros (também variáveis, e também sujeitos a despejo em caso de não pagamento) a situação é diferente - a fórmula que determina os juros está predefinida no contrato de arrendamento, e desde que uma pessoa os pague a tempo e horas, ninguém o pode tirar da casa
Além disso (e associado ao anterior) os problemas da chamada "gentrificação" praticamente só existem porque existe arrendamento - num bairro em que toda a gente tenha a sua casa, um aumento da procura por casas nesses bairro é vantajosa para os seus habitantes, que vêm o seu património valorizar; mas num bairro em que predomine o arrendamento, um aumento da procura significa que os habitantes originais vão ter que pagar rendas mais elevadas ou serem despejados. Aliás, há tempos li um texto em que o autor tentava distinguir "gentrificação" de "reabilitação urbana" - o texto era horrendo, com o autor a parecer querer dizer (ou a dizer mesmo?) que a diferença tinha a ver com a intenção (que a reabilitação era feita com o intuito de melhorar a qualidade e as condições de vida, e a gentrificação com o intuito de expulsar pessoas), como se a gentrificação fosse uma coisa decidida por alguém ("vamos gentrificar estes bairros!"), e não simplesmente o resultado das leis do mercado capitalista em ação; em vez dessa visão quase (?) conspiratória, eu diria que a diferença entre "gentrificação" e "reabilitação" é muito simples: a "gentrificação" mais não é que a forma que a "reabilitação" assume quando conjugada com um mercado habitacional dominado pelo arrendamento.
E que dizer dos argumentos a favor do arrendamento?
Um dos que costuma ser mais usado, o de que a culpa do "endividamento das famílias" é a compra de habitação própria, é uma quase-falácia: afinal, qual é exatamente o problema das pessoas se endividarem para adquirirem património duradouro? Uma pessoa pede um empréstimo de 100.000 euros para comprar uma casa de 100.000 euros - fica com bens no valor de 100.000 euros e dívidas no valor de 100.000 euros (riqueza líquida = zero euros); se em vez disso optar pelo arrendamento, não tem casa nem dívida (de novo, riqueza líquida = zero euros) - não é muito claro porque é que ter dividas de 100.000 euros e bens no valor de 100.000 euros há de ser pior do que não ter nem dívidas nem bens (suspeito que há aqui sobretudo uma aversão quase moralista à palavra "dívida" do que um raciocínio económico fundamentado).
Ainda a respeito disso (ou quase disso - aqui o ponto é o endividamento geral do país), relembro o que escrevi há uns anos:
De vez em quando surge a teoria de que a culpa do endividamento nacional é (pelo menos em parte) da dificuldade em arrendar casa (...); se eu percebo, a teoria é que, como não há casas para arrendar, as pessoas têm que comprar casa, e como muitas não têm dinheiro para isso, tem que pedir emprestado.Porque é que eu escrevo acima que é uma quase-falácia? É verdade que há efetivamente uma diferença entre ter uma casa de 100.000 euros e dever 100.000 euros, e não ter casa nem dívida nenhuma - a primeira opção é mais arriscada (já que há o risco da casa desvalorizar, e aí fico efetivamente com uma situação líquida negativa, a dever 100.000 euros e com bens a valer apenas 80.000 euros), mas isso é em larga medida o contraponto de deixar de ter o risco de o senhorio despejar-me ou aumentar a renda.
Então, vamos lá ver - vamos supor que eu, em vez de ter pedir, digamos, 100.000 euros ao banco para comprar uma casa, ia viver para uma casa arrendada; teriamos menos endividamento, certo? Afinal, foram menos 100.000 euros que foram pedidos de empréstimo.
Mas, mesmo que eu arrendasse uma casa em vez de comprar, ela não ir surgir do ar; ou seja, mesmo que eu não compre a casa, alguém tem que a comprar (para depois a arrendar a mim); e, então, das duas uma:
1ª hipótese - essa pessoa (o meu hipotético senhorio) pediu ele dinheiro emprestado para comprar a casa; nesse caso, nada muda em termos de endividamento
2ª hipótese - essa pessoa comprou a casa com o dinheiro dele; realmente, nesse caso (e ao contrário dos anteriores), não foi concedido nenhum empréstimo de 100.000 euros; mas provavelmente foi levantado um depósito de 100.000 euros, logo a diferença entre "empréstimos concedidos" e "dinheiro disponível em Portugal para emprestar" aumentou à mesma 100.000 euros (por outras palavras, é a mesma necessário ir pedir mais 100.000 euros emprestados ao estrangeiro).
Ou seja, a diferença entre comprar ou arrendar casa pode afectar a quantidade de dinheiro que alguns portugueses devem a outros portugueses, mas não terá efeitos relevantes sobre a dívida total liquida do conjunto dos portugueses.
Pondo as coisas de outra maneira - ou há capital disponível em Portugal para financiar a construção e compra de casas, ou não há; se há, a compra de casas (seja para habitação própria, seja para arrendamento) não vai causar endividamento líquido do conjunto dos portugueses (alguns podem-se endividar, mas outros terão um saldo positivo); e se não há, haverá endividamento de qualquer maneira (a única diferença entre as várias modalidade é quem se irá endividar).
Há outros argumentos a favor do arrendamento que já têm um pouco mais de lógica, mas em assuntos em que esse não me parece o problema fundamental:
Efetivamente num mercado de habitação assente no arrendamento, é mais fácil as pessoas mudarem de localidade caso percam o emprego e tenha que aceitar outro noutra cidade, mas suspeito que aí o maior obstáculo é que a maior parte das pessoas vivem integrados em famílias, com conjugues e filhos, logo, com ou sem arrendamento, há sempre o problema de ambos os conjugues arranjarem emprego na nova localidade, e mais a mudança de escola dos filhos (mas pronto, admito que seja a minha situação de quase funcionário público - mais exatamente, empregado com contrato individual de trabalho sem termo num hospital EPE - que me torne talvez menos sensível do que deveria ser ao problema da necessidade de mobilidade geográfico para arranjar emprego).
Outro argumento é que no mercado de arrendamento é mais fácil a jovens em princípio de vida arranjarem um apartamento para morarem, sem precisarem de ficar alguns anos a juntar dinheiro para darem de entrada, e podendo ir viver para um T1 em vez de estarem já a escolher uma casa para a vida inteira; em parte é verdade, mas creio que o maior obstáculo a um jovem de 20 e poucos anos que queira ir morar sozinho não é a escassez de casas para arrendar, é mesmo o estigma social que nas culturas latinas/católicas/mediterrânicas existe contra o sair de casa dos pais sem ser para casar - um jovem de 20 e poucos anos que vá viver sozinho é normalmente visto pela família (talvez sobretudo a alargada) e pelos vizinhos da família como um desalmado que não gosta dos pais (e se for uma rapariga provavelmente ainda é pior - para muita gente será sinal que o que quer é receber homens lá em casa, se calhar casados).
Finalmente, diga-se que algumas das vantagens (talvez sem as desvantagens) da habitação própria que apresento neste post possivelmente também poderiam ser conseguido com habitação social bem pensada (por isso é que há um "mais ou menos" no título), mas isso já seria outro tópico.
19/04/18
O DRAMA DA FALTA DE HABITAÇÃO EM LISBOA - Quem falou em Rendas Acessíveis?
por
José Guinote
A Câmara de Lisboa, através da SRU - Sociedade de Reabilitação Urbana, empresa municipal - promoveu um leilão para arrendamento de oito (!!!) apartamentos reabilitados na zona da Ajuda. Numa lógica tipica do funcionamento do Mercado, sendo a oferta tão escandalosamente exígua num quadro de enormíssima necessidade, o preço oferecido pelas pessoas subiu imenso. A renda acessível passou apenas a ser uma etiqueta desprovida de qualquer sentido.
Os preços base que se situavam na ordem dos 350 euros/mês para um T1, subiram para mais do dobro. A Câmara de Lisboa, alertada pelo DN, terá informado que vai anular o o concurso. anula o concurso mas não anula nem resolve o problema, nem sequer o atenua.
Qual será a solução para este tão complicado problema da falta de habitação em Lisboa? Problema não apenas para os mais necessitados - esses são espacialmente segregados desde há muitas décadas - mas também para todos os outros: os trabalhadores por conta de outrem, os jornalistas, os enfermeiros, os médicos, os engenheiros, os arquitectos, os artistas, os motoristas, os professores, os funcionários públicos, os advogados, os sociólogos, os carpinteiros - ainda vivem carpinteiros em Lisboa? - os taxistas - onde vivem os taxistas de Lisboa? - os educadores de infância, os empregados dos restaurantes - onde vivem os empregados dos restaurantes de Lisboa? - os escritores, os funcionários das televisões, os homens e mulheres da rádio, os terapeutas, e muitas mais profissões com os seus homens e mulheres, os que vivem sózinhos ou os que vivem em família, com ou sem filhos.
Onde vivem estas pessoas? Que qualidade de vida lhes oferece a bela cidade de Lisboa? De que isenções fiscais beneficiam por passarem toda a vida a lutar contra o tempo, contra o salário exíguo, contra as filas nos transportes e a sua má qualidade, contra as filas no trânsito, contra os acessos entupidos, contra a segunda circular que tantas vezes parece o "entupimento supremo", contra o horário da escola das crianças, contra os broncos que planeiam os horários partindo do pressuposto que pessoas com a vida como a delas não existem. De que isenções fiscais beneficiam, ou vão beneficiar, por o Estado, e aqueles que o servem - e dele se servem - ser incapaz de lhes proporcionar, ao longo de quarenta anos de vida activa, uma casa acessível, próximo do local onde há 40 anos contribuem para fazer funcionar a cidade de Lisboa. Essa mui bela e desejada Lisboa, uma cidade que não é, de facto, para todos. Uma cidade "For the Few, Not for the Many".
Há soluções e há recursos. Falta apenas a vontade política.
Os preços base que se situavam na ordem dos 350 euros/mês para um T1, subiram para mais do dobro. A Câmara de Lisboa, alertada pelo DN, terá informado que vai anular o o concurso. anula o concurso mas não anula nem resolve o problema, nem sequer o atenua.
Qual será a solução para este tão complicado problema da falta de habitação em Lisboa? Problema não apenas para os mais necessitados - esses são espacialmente segregados desde há muitas décadas - mas também para todos os outros: os trabalhadores por conta de outrem, os jornalistas, os enfermeiros, os médicos, os engenheiros, os arquitectos, os artistas, os motoristas, os professores, os funcionários públicos, os advogados, os sociólogos, os carpinteiros - ainda vivem carpinteiros em Lisboa? - os taxistas - onde vivem os taxistas de Lisboa? - os educadores de infância, os empregados dos restaurantes - onde vivem os empregados dos restaurantes de Lisboa? - os escritores, os funcionários das televisões, os homens e mulheres da rádio, os terapeutas, e muitas mais profissões com os seus homens e mulheres, os que vivem sózinhos ou os que vivem em família, com ou sem filhos.
Onde vivem estas pessoas? Que qualidade de vida lhes oferece a bela cidade de Lisboa? De que isenções fiscais beneficiam por passarem toda a vida a lutar contra o tempo, contra o salário exíguo, contra as filas nos transportes e a sua má qualidade, contra as filas no trânsito, contra os acessos entupidos, contra a segunda circular que tantas vezes parece o "entupimento supremo", contra o horário da escola das crianças, contra os broncos que planeiam os horários partindo do pressuposto que pessoas com a vida como a delas não existem. De que isenções fiscais beneficiam, ou vão beneficiar, por o Estado, e aqueles que o servem - e dele se servem - ser incapaz de lhes proporcionar, ao longo de quarenta anos de vida activa, uma casa acessível, próximo do local onde há 40 anos contribuem para fazer funcionar a cidade de Lisboa. Essa mui bela e desejada Lisboa, uma cidade que não é, de facto, para todos. Uma cidade "For the Few, Not for the Many".
Há soluções e há recursos. Falta apenas a vontade política.
15/04/18
Quando o Governo de Portugal e o seu Presidente da República seguiam incondicionalmente o Engº António Guterres.
por
José Guinote
Julgo que a eleição de António Guterres para Secretário Geral da ONU terá sido o momento de maior convergência entre o Governo do PS, viabilizado pelas esquerdas, e o Presidente da República, eleito pela união da direita política com a sua ampla base mediática.
Muito mais do que o controlo do défice e a manutenção de uma austeridade quanto baste, que o Presidente sabe que se deve sobretudo ao crescente peso político e à progressiva autonomia de Centeno, foi a eleição do engenheiro que suscitou maior convergência entre Belém e S.Bento.
Passado muito pouco tempo dessa eleição, o bombardeamento da Síria pela Troika de agressores internacionais, tornou-se o momento de maior afastamento entre ao actores políticos locais e o engenheiro global.
Augusto Santos Silva veio afirmar que "Portugal compreende as razões dos ataques lançados pelos amigos"ao mesmo tempo que, num momento digno da melhor diplomacia da irrelevância, declara a firme vontade do Governo "evitar qualquer escalada no conflito sírio, que gere ainda mais insegurança, instabilidade e sofrimento na região". Apetece perguntar a Santos Silva, o "augusto ministro": importa-se de repetir?
António Guterres está isolado na cena internacional. Os seus apelos ao diálogo e à cooperação não são escutados por ninguém. Portugal, como habitualmente, alinha com a maioria dominante, tentando agradar a todos, mas procurando distinguir sempre quem são os vencedores. O engenheiro, a fazer um mandato dificilimo, num contexto internacional marcado pela ascensão/consolidação de vários inimigos da democracia - Trump e Putin, entre outros - tem mostrado que não é o poder dos beligerantes que o condicona. Não faz como Portugal que parece atender sempre ao sentido em que sopram os ventos. Guterres apelou à necessidade de alcançar compromissos e a propósito dos ataques químicos apelou às autoridades internacionais para que implementassem um mecanismo de atribuição de responsabilidades. Em vão.
Na reunião do Conselho de Segurança da ONU que se seguiu ao ataque, Guterres não caiu na subserviência lusa de "compreender" os nossos amigos e as suas barbaridades. Antes pelo contrário, apontou o dedo aos membros do conselho de segurança responsabilizando-os pela incapacidade de actuarem de forma a estabelecer uma efectiva responsabilidade no uso de armas químicas na Síria. Ao mesmo tempo exigiu contenção a todos os estados membros. Está a falar para a parede. Mas não o podem acusar de ser uma marionete nas mãos de Trump ou de Putin.
Entretanto, no mesmo dia dos ataques - que segundo os agressores eliminaram o potencial químico sírio - chegaram à Síria os agentes da ONU para investigar a utilização de armas químicas em Douma. Disse Guterres que "As alegações recentes em Douma precisam de ser analisadas através de especialistas imparciais, independentes e profissionais. Estou confiante de que seremos bem-sucedidos, sem qualquer restrição ou impedimento nas nossas operações."
Uma tarefa muito facilitada pelo ataque dos três do costume como qualquer especialista em relações internacionais nos poderá esplicar.
Noutros países, com destaque para o Reino Unido, as vozes da oposição manifestam-se questionando a intervenção da senhora May. O que está em causa é a falta de aprovação prévia pelo Parlamento e a justificação da intervenção no quadro da legalidade internacional. Para isso duas razões são apontadas: existir uma deliberação do conselho de segurança da ONU, ou actuar em legítima defesa. Corbyn defendeu mesmo a necessidade de instituir um "War Powers Act " que seja uma condição sine qua non para o Governo poder iniciar ou participar numa acção militar. A posição do líder trabalhista é partilhada pela líder do Governo escocês, Nicola Sturgeon.
Por cá apenas a esquerda - PCP e BE - que suporta o Governo se manifestou contra a intervenção.
Muito mais do que o controlo do défice e a manutenção de uma austeridade quanto baste, que o Presidente sabe que se deve sobretudo ao crescente peso político e à progressiva autonomia de Centeno, foi a eleição do engenheiro que suscitou maior convergência entre Belém e S.Bento.
Passado muito pouco tempo dessa eleição, o bombardeamento da Síria pela Troika de agressores internacionais, tornou-se o momento de maior afastamento entre ao actores políticos locais e o engenheiro global.
Augusto Santos Silva veio afirmar que "Portugal compreende as razões dos ataques lançados pelos amigos"ao mesmo tempo que, num momento digno da melhor diplomacia da irrelevância, declara a firme vontade do Governo "evitar qualquer escalada no conflito sírio, que gere ainda mais insegurança, instabilidade e sofrimento na região". Apetece perguntar a Santos Silva, o "augusto ministro": importa-se de repetir?
António Guterres está isolado na cena internacional. Os seus apelos ao diálogo e à cooperação não são escutados por ninguém. Portugal, como habitualmente, alinha com a maioria dominante, tentando agradar a todos, mas procurando distinguir sempre quem são os vencedores. O engenheiro, a fazer um mandato dificilimo, num contexto internacional marcado pela ascensão/consolidação de vários inimigos da democracia - Trump e Putin, entre outros - tem mostrado que não é o poder dos beligerantes que o condicona. Não faz como Portugal que parece atender sempre ao sentido em que sopram os ventos. Guterres apelou à necessidade de alcançar compromissos e a propósito dos ataques químicos apelou às autoridades internacionais para que implementassem um mecanismo de atribuição de responsabilidades. Em vão.
Na reunião do Conselho de Segurança da ONU que se seguiu ao ataque, Guterres não caiu na subserviência lusa de "compreender" os nossos amigos e as suas barbaridades. Antes pelo contrário, apontou o dedo aos membros do conselho de segurança responsabilizando-os pela incapacidade de actuarem de forma a estabelecer uma efectiva responsabilidade no uso de armas químicas na Síria. Ao mesmo tempo exigiu contenção a todos os estados membros. Está a falar para a parede. Mas não o podem acusar de ser uma marionete nas mãos de Trump ou de Putin.
Entretanto, no mesmo dia dos ataques - que segundo os agressores eliminaram o potencial químico sírio - chegaram à Síria os agentes da ONU para investigar a utilização de armas químicas em Douma. Disse Guterres que "As alegações recentes em Douma precisam de ser analisadas através de especialistas imparciais, independentes e profissionais. Estou confiante de que seremos bem-sucedidos, sem qualquer restrição ou impedimento nas nossas operações."
Uma tarefa muito facilitada pelo ataque dos três do costume como qualquer especialista em relações internacionais nos poderá esplicar.
Noutros países, com destaque para o Reino Unido, as vozes da oposição manifestam-se questionando a intervenção da senhora May. O que está em causa é a falta de aprovação prévia pelo Parlamento e a justificação da intervenção no quadro da legalidade internacional. Para isso duas razões são apontadas: existir uma deliberação do conselho de segurança da ONU, ou actuar em legítima defesa. Corbyn defendeu mesmo a necessidade de instituir um "War Powers Act " que seja uma condição sine qua non para o Governo poder iniciar ou participar numa acção militar. A posição do líder trabalhista é partilhada pela líder do Governo escocês, Nicola Sturgeon.
Por cá apenas a esquerda - PCP e BE - que suporta o Governo se manifestou contra a intervenção.
14/04/18
Estatisticas e discursos sobre as mundanças de sexo
por
Miguel Madeira
Em Portugal, a maioria das mudanças de sexo no registo civil são de mulher para homem (202 para 173 - dados de 2011 a 2016); já nos EUA as operações de mudança de sexo são maioritariamente de homem para mulher (1759 para 1497, em 2016), e, aliás, também em Portugal (se contarmos apenas as cirurgias aos órgãos sexuais, foram 10 de homem para mulher e 8 de mulher para homem).*
De qualquer maneira, os números são bastante equilibrados (na ordem dos 55%-45%), e nas mudanças jurídicas, as mudanças de mulher para homem até são a maioria.
Mas, por qualquer razão, quase todos (ou mesmo todos?) os exemplos de situações hipotéticas que são levantadas nas discussões sobre o reconhecimento legal das mudanças de sexo são exemplos com base em transições de homem para mulher.
*Nota - confesso que tenho alguma dificuldade em perceber qual é a lógica de uma mudança jurídica de sexo sem (já realizada ou a realizar) uma mudança cirúrgica, mas se há pessoas que optam por isso, lá terão as suas razões
De qualquer maneira, os números são bastante equilibrados (na ordem dos 55%-45%), e nas mudanças jurídicas, as mudanças de mulher para homem até são a maioria.
Mas, por qualquer razão, quase todos (ou mesmo todos?) os exemplos de situações hipotéticas que são levantadas nas discussões sobre o reconhecimento legal das mudanças de sexo são exemplos com base em transições de homem para mulher.
*Nota - confesso que tenho alguma dificuldade em perceber qual é a lógica de uma mudança jurídica de sexo sem (já realizada ou a realizar) uma mudança cirúrgica, mas se há pessoas que optam por isso, lá terão as suas razões
13/04/18
OS INIMIGOS ÍNTIMOS DA DEMOCRACIA - Próximo Capítulo
por
José Guinote
Recupero o título do último (?) livro de Tzvetan Todorov (1939-2017), publicado entre nós pelas Edições 70, para comentar o anunciado ataque iminente das forças do bem contra a Síria. No interessante livro de Todorov -publicado em 2012 - é dedicado um extenso capítulo ao messianismo político que se inicia no final do século XVIII, com a Revolução Francesa, estendendo-se até aos nossos dias com a guerra na Líbia em 2011. O autor analisa diferentes períodos ao longo destes dois séculos, cada um dos quais identificado como uma vaga de messianismo político. Destaco a terceira vaga que corresponde ao período posterior à queda do regime comunista na antiga União Soviética, que ele classifica como o período em que se tentou impor a democracia pelas bombas. São analisadas as intervenções na Jugoslávia, as guerras no Iraque e no Afeganistão, e, finalmente, a guerra na Líbia. A justificação utilizada pelas potências invasoras varia caso a caso. Direito de ingerência no caso Jugoslavo, para proteger as vitimas de violações dos direitos humanos e impedir a acção dos agressores. Sem validação da ONU. Objectivo de eliminar a presença de armas de destruição maciça no Iraque, para impor os valores da liberdade, da democracia e da livre inicaitiva em toda a superfície do globo, uma necessidade auto-imposta pelos Estados Unidos e seguida fielmente pelos seus aliados. Sem validação da ONU. Reacção aos atentados do 11 de Setembro de 2001 a partir de bases no Afeganistão, considerada como um acto de legítima defesa contra a al-Qaeda e os talibans, com o objectivo de instalar a democracia no país. Sem validação da ONU. Responsabilidade de Proteger foi a justificação para a guerra na Líbia. Desta vez com suporte do Conselho de Segurança da ONU. Uma intervenção militar que visou derrubar o governo líbio legitimada por razões humanitárias.
O resultado foi quase sempre o mesmo: massacre das populações que era suposto proteger, imposição de governos próximos dos interesses das potencias agressoras, regimes fortemente corruptos cuja semelhança com a democracia é apenas uma piada de mau gosto. A mais grave sequela foi a proliferação de grupos terroristas, como aconteceu com a alQaeda e o Estado Islâmico na Síria. As questões humanitárias têm sido sistematicamente utilizadas para legitimar intervenções militares à margem do direito internacional, muitas vezes ditadas por necessidades de política interna das potencias agressoras. Ou por cálculos geopolíticos e de defesa das posições de aliados regionais. Como diria o outro: a política internacional como ela é.
O caso da Síria segue pelo mesmo caminho. Há, no entanto, uma diferença, que faz toda a diferença: a Rússia está directamente envolvida no suporte do regime de Bashar Al-Assad, bem como o Irão. Um conflito militar pode configurar uma guerra entre a Rússia e os Estados Unidos. Para perceber o que se sabe sobre o ataque químico em Douma, e os interesses em confronto, sugiro a leitura do artigo de opinião de José Pedro Teixeira Fernandes, no Público.
Os adversários internos do inominável Bashar Al-Assad são os igualmente inomináveis - ou ainda mais? - Jaysh al-Islam, um grupo islamista-jihadista cujos objectivos, e métodos de actuação, são igualmente tenebrosos. Apoiar estes fervorosos defensores da "liberdade, dos direitos humanos e da livre iniciativa", deveria arrepiar qualquer dirigente político, nomeadamente o nosso primeiro-ministro, homem muito dado a arrepios. Mas não, há uma "grande" coligação em marcha e, não fora o respeito que a presença da Rússia suscita, a ... obra humanitária estaria já a decorrer.
A presença da Rússia foi um antidoto inexistente nas outras intervenções da vaga messiânica. Para Donald Trump, com o seu novo Secretário de Estado, John Bolton - cuja ascensão na Casa Branca tem provocado uma sucessão de demissões - esta pode ser uma oportunidade a não perder para confrontar o suposto "amigo"russo e, dessa forma, atenuar futuros impactos da investigação em curso sobre a sua eleição. As mesmas dificuldades internas justificam o apoio de Theresa May e do seu Governo a uma eventual intervenção. As dificuldades de May com o Brexit e com a ascensão de Corbyn - facilitada pela desigualdade extrema e pelos sucessivos falhanços- são notórias. O caso Skripal aliviou a pressão sobre os conservadores mas é necessário uma terapia de choque. A convocação de um "Gabinete de Crise", basicamente composto por membros do Governo, tem sido propagandeado como um forte sinal de apoio a uma intervenção. Tem sido obscurecida a critica da oposição, com destaque para os trabalhistas. Corbyn apelou a uma investigação independente por parte da ONU. O mesmo Corbyn que acusa May de estar a soldo dos Estados Unidos e que recorda à líder conservadora o relatório Chilcot que incriminou a actuação de Tony Blair na guerra do Iraque.
A democracia não vive momentos de grande prosperidade protegida como está pelos seus inimigos íntimos.
ADENDA: Guterres a falar para a parede.
O resultado foi quase sempre o mesmo: massacre das populações que era suposto proteger, imposição de governos próximos dos interesses das potencias agressoras, regimes fortemente corruptos cuja semelhança com a democracia é apenas uma piada de mau gosto. A mais grave sequela foi a proliferação de grupos terroristas, como aconteceu com a alQaeda e o Estado Islâmico na Síria. As questões humanitárias têm sido sistematicamente utilizadas para legitimar intervenções militares à margem do direito internacional, muitas vezes ditadas por necessidades de política interna das potencias agressoras. Ou por cálculos geopolíticos e de defesa das posições de aliados regionais. Como diria o outro: a política internacional como ela é.
O caso da Síria segue pelo mesmo caminho. Há, no entanto, uma diferença, que faz toda a diferença: a Rússia está directamente envolvida no suporte do regime de Bashar Al-Assad, bem como o Irão. Um conflito militar pode configurar uma guerra entre a Rússia e os Estados Unidos. Para perceber o que se sabe sobre o ataque químico em Douma, e os interesses em confronto, sugiro a leitura do artigo de opinião de José Pedro Teixeira Fernandes, no Público.
Os adversários internos do inominável Bashar Al-Assad são os igualmente inomináveis - ou ainda mais? - Jaysh al-Islam, um grupo islamista-jihadista cujos objectivos, e métodos de actuação, são igualmente tenebrosos. Apoiar estes fervorosos defensores da "liberdade, dos direitos humanos e da livre iniciativa", deveria arrepiar qualquer dirigente político, nomeadamente o nosso primeiro-ministro, homem muito dado a arrepios. Mas não, há uma "grande" coligação em marcha e, não fora o respeito que a presença da Rússia suscita, a ... obra humanitária estaria já a decorrer.
A presença da Rússia foi um antidoto inexistente nas outras intervenções da vaga messiânica. Para Donald Trump, com o seu novo Secretário de Estado, John Bolton - cuja ascensão na Casa Branca tem provocado uma sucessão de demissões - esta pode ser uma oportunidade a não perder para confrontar o suposto "amigo"russo e, dessa forma, atenuar futuros impactos da investigação em curso sobre a sua eleição. As mesmas dificuldades internas justificam o apoio de Theresa May e do seu Governo a uma eventual intervenção. As dificuldades de May com o Brexit e com a ascensão de Corbyn - facilitada pela desigualdade extrema e pelos sucessivos falhanços- são notórias. O caso Skripal aliviou a pressão sobre os conservadores mas é necessário uma terapia de choque. A convocação de um "Gabinete de Crise", basicamente composto por membros do Governo, tem sido propagandeado como um forte sinal de apoio a uma intervenção. Tem sido obscurecida a critica da oposição, com destaque para os trabalhistas. Corbyn apelou a uma investigação independente por parte da ONU. O mesmo Corbyn que acusa May de estar a soldo dos Estados Unidos e que recorda à líder conservadora o relatório Chilcot que incriminou a actuação de Tony Blair na guerra do Iraque.
A democracia não vive momentos de grande prosperidade protegida como está pelos seus inimigos íntimos.
ADENDA: Guterres a falar para a parede.
07/04/18
"Ademarbarrização" de Lula?
por
Miguel Madeira
Sinceramente, parece-me que muitas defesas que vejo de Lula são em modo Ademar Barros, o tal
do "rouba mas faz" ("Talvez até tenha estado metido nalguns negócios
obscuros, mas fez muito pelos mais desfavorecidos") - isto é, os seus defensores parecem essencialmente enfatizar a sua obra (e, pelo que tenho lido, o seu mandato deve ter sido realmente aquele em que muitos brasileiros viveram melhor), e não tanto negar seriamente que ele esteja ligado aos esquemas de que é acusado.
05/04/18
O Caso Skripal. Quando a montanha pariu um rato e um mentiroso
por
José Guinote
Afinal os laboratórios militares ingleses não foram capazes de subscrever a tese de que o veneno usado contra os Skripal era de origem russa. Imagina-se que as provas de que foram os russos a praticar o ataque não existam. No entanto Boris Johnson insisite na tese de que eram absolutamente categóricas as provas que determinaram a sua tresloucada acção diplomática. Pelo meio aparecem evidências de que o Ministro dos Negócios Estrangeiros apagou twets que deixaram de ser convenientes. Há quem questione até quando será possível manter o antigo mayor de Londres no cargo quando ele não tem qualquer pudor em recorrer à mentira em assuntos desta gravidade.
Já se percebeu qual era o verdadeiro objectivo desta acção política do Governo de May. Por isso se percebe ainda melhor a posição do Governo português. Apesar de ter sido acusado de andar a reboque do PCP e do BE - não se percebe que simpatia poderá ter qualquer um dos partidos pelo regime do senhor Putin - o Governo não avançou na lógica da expulsão dos diplomatas. Ontem, perante uma direita já manifestamente incomodada com as noticias que chegavam do Reino Unido, Augusto Santos Silva fez um exercício pedagógico de prudência e ponderação diplomáticas nas relações internacionais. Um momento que a direita aproveitou para ir baixando progressivamente o nível de ruído.
Já se percebeu qual era o verdadeiro objectivo desta acção política do Governo de May. Por isso se percebe ainda melhor a posição do Governo português. Apesar de ter sido acusado de andar a reboque do PCP e do BE - não se percebe que simpatia poderá ter qualquer um dos partidos pelo regime do senhor Putin - o Governo não avançou na lógica da expulsão dos diplomatas. Ontem, perante uma direita já manifestamente incomodada com as noticias que chegavam do Reino Unido, Augusto Santos Silva fez um exercício pedagógico de prudência e ponderação diplomáticas nas relações internacionais. Um momento que a direita aproveitou para ir baixando progressivamente o nível de ruído.
04/04/18
"Tráfico laboral em Portugal já é maior que o tráfico sexual "
por
Miguel Madeira
É uma noticia do Expresso; mas, pelo que sei, isso não é notícia nenhuma (e o "já" não se justifica) - há anos que surgem noticias a comentar o facto de em Portugal o tráfico humano para exploração laboral ser maior do que para exploração sexual.
Exemplo 1 - Jornal de Notícias, 4 de abril de 2017:
Exemplo 1 - Jornal de Notícias, 4 de abril de 2017:
Exemplo 2 - Público, 29 de julho de 2016:
Os casos de tráfico de seres humanos mais registados em Portugal estão relacionados com a exploração laboral, nomeadamente no sector agrícola, disse à Lusa a directora do Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH)
"Em Portugal, como noutros países, o que tem sido mais registado e também mais identificado é o tráfico para fins de exploração laboral, nomeadamente no sector agrícola", disse Rita Penedo, em entrevista à agência Lusa, a propósito do Dia Internacional contra o Tráfico de Pessoas, que se assinala no sábado.
Exemplo 3 - Rádio Renascença, 16 de outubro de 2015:
No que diz respeito às principais formas de exploração, os dados do OTSH mostram que o tráfico para exploração laboral predomina, com 215 vítimas confirmadas, logo seguido da exploração sexual, com 100 vítimas e três casos detectados de adopção ilegal ou tentativa.
Ou seja, o tráfico de pessoas para exporação laboral há muito que ultrapassa o tráfico sexual; é verdade que há na cultura popular uma tendência para associar "tráfico humano" a "exploração sexual", mas isso é provavelmente o resultado de:
a) Nos países em que a prostituição é ilegal, a imigração ilegal destinada a esse ramo é por regra considerada automaticamente "tráfico humano" (mesmo que voluntária), o que amplia, nalguns países e nas estatísticas globais, a proporção da exploração sexual no tráfico humano (é um bocado uma variante do o fenómeno "a pulga sem patas é surda")
b) A ideia de alguém ser violado ou violada sistematicamente durante meses ou anos é mais assustadora do que ser sujeito a trabalho escravo, logo fica melhor em argumentos para filmes e telenovelas (além de recuperar o velho cliché da "rapariga em perigo"), ou já agora em campanhas de sensibilização
Já agora, um artigo do jornal britânico The Guardian sobre o assunto, The truth about trafficking: it's not just about sexual exploitation, por Melissa Gira Grant.
03/04/18
Ler os Outros: O Caso Skripal e as dúvidas que ainda subsistem
por
José Guinote
Um artigo de opinião do Major-General na Reserva, Carlos Branco, que coloca um conjunto de questões diariamente ignoradas pelos nossos cronistas encartados. Um artigo que vem na mesma linha do anteriormente citado de José Pedro Teixeira Fernandes
Afinal porque razão o Governo Conservador ainda não foi capaz de apresentar provas irrefutáveis de que foram os Russos quem matou o ex-espião e a sua filha? Porque razão tendo a Rússia de Putin libertado este espião, depois de o ter encarcerado por vários anos, veio agora "executá-lo" em território estrtangeiro, quinze dias antes das eleições na Rússia e a meses do ínicio do Campeonato Mundial de Futebol. Qual o benefício político e pessoal que Putin retirou desta execução?
Os benefícicos que Theresa May e o seu Governo, em adiantado estado de decomposição à data do "envenenamento", retiraram deste processo são já bastante evidentes: desde as últimas eleições legislativas pela primeira vez a liderança de Corbyn nas sondagens foi questionada, e May recuperou parte do prestígio perdido junto dos eleitores. Este facto junto com a crise dos judeus, que se abate inclemente sobre o Labour, parece que são a mais séria ameaça à nova liderança dos trabalhistas. Destaque para a posição de quartenta académicos que no Guardian - um jornal que tem feito a exploração ad nauseum de uma hipotética ligação entre Corbyn e o antisemitismo - divulgaram uma condenação dessa campanha politicamente orientada que visa denegrir a posição do líder trabalhista.
Há venenos que são muito utilizados na política. Servem para impedir que aqueles que representam uma ameaça à ordem vigente possam alguma vez aceder ao poder. Nessa utilização intensiva de venenos o perigo pode estar naqueles que nos são mais próximos, os do "nosso partido, ou os que fizeram parte do nosso partido, aqueles que Churchill classificava como os nossos inimigos, nunca os confundindo com os nossos adversários.
Afinal porque razão o Governo Conservador ainda não foi capaz de apresentar provas irrefutáveis de que foram os Russos quem matou o ex-espião e a sua filha? Porque razão tendo a Rússia de Putin libertado este espião, depois de o ter encarcerado por vários anos, veio agora "executá-lo" em território estrtangeiro, quinze dias antes das eleições na Rússia e a meses do ínicio do Campeonato Mundial de Futebol. Qual o benefício político e pessoal que Putin retirou desta execução?
Os benefícicos que Theresa May e o seu Governo, em adiantado estado de decomposição à data do "envenenamento", retiraram deste processo são já bastante evidentes: desde as últimas eleições legislativas pela primeira vez a liderança de Corbyn nas sondagens foi questionada, e May recuperou parte do prestígio perdido junto dos eleitores. Este facto junto com a crise dos judeus, que se abate inclemente sobre o Labour, parece que são a mais séria ameaça à nova liderança dos trabalhistas. Destaque para a posição de quartenta académicos que no Guardian - um jornal que tem feito a exploração ad nauseum de uma hipotética ligação entre Corbyn e o antisemitismo - divulgaram uma condenação dessa campanha politicamente orientada que visa denegrir a posição do líder trabalhista.
Há venenos que são muito utilizados na política. Servem para impedir que aqueles que representam uma ameaça à ordem vigente possam alguma vez aceder ao poder. Nessa utilização intensiva de venenos o perigo pode estar naqueles que nos são mais próximos, os do "nosso partido, ou os que fizeram parte do nosso partido, aqueles que Churchill classificava como os nossos inimigos, nunca os confundindo com os nossos adversários.
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