30/04/12

O nojo dos outros

Há uma jornalista/ opinadora, cujo nome nem menciono, que entendeu escrever um elogio fúnebre ao Miguel Portas. Tudo bem. O pior é ler a coisa: aquilo foi escrito, na realidade, para declamar três ou quatro pontos de suma importância para o umbigo da autora: 1) ela conheceu o Miguel, tendo até colaborado no "Já". 2) ela acha que ele não levou a sério a campanha do primeiro referendo à IVG, ao contrário da própria. 3) o Miguel acolhia com «meiguice surpreendente» as doutas opiniões da jornalista/ opinadora. 4) ele, lá no fundo, na mais rigorosa clandestinidade, até admirava a Parque Escolar. 
Agora, a mesma pessoa resolveu criticar a presença na homenagem ao Miguel de dirigentes do Bloco. Imaginem obrigar a senhora a dar de caras com tal gente: «antes de cumprimentar a família, que era o motivo que ali me levava, teria de cumprimentar também o comité do be». Claro que deveriam ter primeiro sanitizado a sala antes de tão exigente visitante lá entrar; e essa ideia de a obrigar a conviver com aquele comité, mesmo que por escassos minutos, também só pode ter sido um maldoso complot
Mas como imaginar que alguém queira «colocar o partido ao lado da família»? Como poderia esta pessoa compreender que pertencer a um partido (que se fundou, ainda para mais), não é sempre colocar-se na fila para algum lugarzinho, nem um rosário de ocasiões para aparecer, mas pode ser sim uma forma inteira de estar na vida, de a modificar?
Um vínculo assim não é daqueles que a morte dissolve.

Soberanismo e Estados-vassalo


Dando conta dos esforços do governo espanhol no sentido de obter condescendência das autoridades alemãs, El País noticia: Hasta tres miembros del Gobierno participarán este lunes en Santiago de Compostela en unas jornadas sobre Europa que contarán con la presencia del titular alemán de Finanzas, Wolfgang Schäuble, y otros altos cargos alemanes, ante quienes expondrán la agenda de reformas del Ejecutivo español.

 Não é segredo para ninguém que o governo da Alemanha tem vindo a desenvolver cada vez mais abertamente uma "política de potência" que reduz à condição de Estados-vassalo os restantes membros da UE.  E que nessa tarefa tem sido secundado, com mais ou menos entusiasmo e/ou resignação, por diversos governos nacionais e pelas fracções hegemónicas da oligarquia de cada um dos demais países, que, de resto, invocam abertamente a "vassalagem" e as suas obrigações como justificação das suas medidas mais antipopulares. Mas, entre os que mais ruidosamente parecem opor-se a esta situação, invocando a "soberania" e a "independência nacional", são muitos os que não compreendem que é a subsistência dos diversos Estados-nação no interior da UE, impedindo, através da oposição à integração política, a integração orçamental, fiscal e dos regimes "de segurança social", etc., etc., que permite e alimenta tanto o governo alemão da UE como a vassalagem dos restantes governos.

Ora, apesar de tudo, não é muito difícil compreender que o governo federal de uma UE politicamente integrada teria por efeito impedir situações como as que a notícia acima transcrita ilustram, e que, ao mesmo tempo, essa integração permitiria que os cidadãos das diferentes regiões da Europa pudessem responsabilizar mais facilmente os governantes, despojando-os do alibi de Bruxelas ou Berlim — o que poderia ser um primeiro passo na criação de condições mais favoráveis ao desenvolvimento de um projecto de democratização instituinte contra as oligarquias que hoje se esforçam por agravar a sua vassalagem, expropriando-os do direito de participarem entre iguais nas decisões que os governam e negando-lhes a independência democrática da cidadania activa, tanto no interior da potência hegemónica como em cada um dos seus Estados-vassalo.

28/04/12

Quando andava no liceu, uma professora contou que no tempo dela eram proibidos ajuntamentos de mais de 3 pessoas

Para a PSP duas pessoas são uma manifestação (Expresso):
A Polícia de Segurança Pública considera que "duas pessoas já fazem uma manifestação" e que qualquer manifestação tem de ser comunicada à Câmara Municipal. É esta a justificação dada para que a PSP tenha proibido a presença do Movimento Sem Trabalho junto de um centro de emprego de Lisboa, em Março. Quinta-feira uma das ativistas foi constituída arguida "por crime de desobediência".

Um membro do Movimento Sem Trabalho foi chamado quinta-feira à Divisão de Investigação Criminal da PSP, constituído arguído e acusado de "crime de desobediência", porque, a 6 de março - dia Mundial do Desempregado -, participou numa manifestação de "quatro elementos que tentaram distribuir panfletos sobre as ações dos Sem Trabalho à porta do Centro de Emprego do Conde de Redondo", em Lisboa, conta Ana Rajado, uma das dirigentes do movimento criado em março.
[Via Esquerda Republicana]

Sintoma da maré em mudança

Tribunal diz que entrega da casa ao banco salda toda a dívida. Veremos se fará jurisprudência. Se existirão mais juízes capazes de fazer efectiva justiça, afrontando a (até agora) toda-poderosa banca. Aqui ou na Islândia, a dívida é um garrote do qual nos temos de libertar.

27/04/12

O Poder da Fontinha

O meu artigo no i de quinta-feira



A Escola da Fontinha não é simplesmente nome de um projecto social, cultural ou educativo. Todos estes qualificativos são respeitáveis, sem dúvida alguma, mas temo que falhem o que de substancial se joga na Fontinha. A Escola da Fontinha é antes de mais, de onde eu a vejo, o nome de um projecto de poder (ou de anti-poder, se preferirem) que se caracteriza por assumir uma natureza económica e política radicalmente democrática (ou anarquista, se preferirem). E é isto que a singulariza.

Do ponto de vista económico, a Fontinha não é enquadrável em nenhuma das duas alternativas que tomaram conta do debate económico no espaço mediático dominante. Essas duas alternativas rezam que ou as coisas pertencem à ordem pública regida pelo Estado ou pertencem a uma esfera privada oleada pelos mecanismos de mercado. Este é um esquema que facilmente reconhecemos nos discursos partidários: mais à esquerda, falamos dos riscos da privatização das funções económicas e sociais do Estado; mais à direita, reclama-se que o Estado deixe a sociedade entregue à liberdade individual e mercantil.

O projecto Escola da Fontinha não pertence a este filme. O projecto não é determinado por objectivos mercantilistas, como reza a apologia das privatizações, segundo a qual a economia só pode funcionar se baseada num regime de competição em que todos lutem contra todos. E também não entende que o Estado seja a única alternativa a este regime liberal ou neoliberal. Na verdade, é bom de ver que o projecto da Escola da Fontinha procura antes de mais disputar o controlo de uma propriedade do Estado. Poder-se-ia também dizer, assim sendo, que o projecto da Escola da Fontinha – continue na Fontinha ou dissemine-se por outros pontos do país! – trava um combate contra o monopólio estatal da propriedade pública e contra a ideia de que a única alternativa ao Estado é a mercantilização da sociedade.

Dir-me-ão que este combate por um espaço autónomo tanto do Estado como do mercado não tem no projecto da Escola da Fontinha o seu único testemunho. É verdade. E basta ver que, na mesma semana em que o Estado procurou destruir o projecto da Escola da Fontinha, fez furor mediático a campanha “Zero Desperdício”. Esta campanha pretende que os restos alimentícios dos mais abastados cheguem à mesa dos menos afortunados, montando-se uma cadeia de distribuição de recursos que escapa tanto à esfera do mercado como ao planeamento do Estado. A campanha rege-se pelo seguinte princípio económico, a que deram voz alguns músicos portugueses: “O que eu não aproveito ao almoço e ao jantar, a ti deve dar jeito, temos que nos encontrar”.

Campanhas como esta proliferarão nos próximos tempos à medida que a crise se intensifica. E é também por isso que um projecto como o da Escola da Fontinha é tão importante. Porque se a Escola da Fontinha partilha com campanhas como o “Zero Desperdício” a ideia de que é necessário construir territórios e redes sociais autónomas do Estado e do mercado, distingue-se radicalmente pelo elemento político que a constitui: na Escola da Fontinha não se trata de ajudar a população empobrecida do bairro, mas de construir um projecto que se pretende baseado no exercício de uma democracia que determina o que se faz, como se faz, quem faz, num plano de igualdade entre tudo e todos os que participem no processo, sem hierarquias, sem líderes e sem cantautores que por misericórdia deixam os restos da sua refeição para os pobres. Rita Blanco, uma das poucas vozes do mundo do espectáculo que veio criticar o paternalismo miserável da campanha “Zero Desperdício”, não podia ser mais justa nas suas palavras: «Estamos a voltar ao antigamente, com coisas muito semelhantes. Ninguém pode viver à mercê da boa vontade dos outros. Surpreende-me a capacidade de movimentação para estes movimentos (de dito apoio social e solidário), mas não para discutir as leis e lutar pelos direitos das pessoas. Esta caridadezinha não é liberdade, isso é capitalismo selvagem». 

Em suma, o projecto da Fontinha cria uma oportunidade para uma prática absoluta da democracia, recusando que a nossa sorte seja abandonada quer às mãos do patrão e do Estado quer aos apetites dos mais ricos.   

25/04/12

Viva @ Es.Co.la ! Porque a democracia é a autogestão generalizada e a livre iniciativa governante dos cidadãos livres e iguais

A Es.Co.la voltou!


Re: E se em 74?...

No Blasfémias, L. Rocha argumenta que:
Sem 25 de Abril, o mundo não evoluiria de forma muito diferente. A guerra colonial teria de ter uma solução política, sob pena de o país acentuar a sua situação de pária à escala internacional. A então CEE e os gringos derrotados no Vietname, mas a não quererem perder a África Austral para a órbita soviética, constituiriam o isco e a pressão à negociação política. Uma evolução política à espanhola seria incontornável.
É sempre complicado fazer estes exercícios contra-factuais. No entanto, uma coisa é certa: a evolução espanhola não teria sido como foi. Adolfo Suaréz teve que travar intensas batalhas com a linha dura (inclusive, uma das condições que pôs para legalizar o PCE foi que este fizesse um comunicado chamando-o de "fascista" e "reaccionário", para tranquilizar os militares), e um dos poucos argumentos que tinha disponíveis para defender a reforma era o "se não abrirmos por nós, acontece-nos como em Portugal". E a transição democrática espanhola passou por momentos tão delicados (Operação Galáxia, 23-F,...) que é legitimo pensar que bastaria algo ser ligeiramente diferente (como não terem ao lado Portugal, quer como exemplo de democracia a funcionar na Península, que como exemplo do que acontece se não abrirem gradualmente) para as forças conservadoras terem ganho.

E se a transição espanhola já de si teria sido mais lenta, é de esperar que uma hipotética transição portuguesa ainda mais lenta teria sido, já que em Portugal não havia uma coisa que houve em Espanha - um rei ao lado dos reformistas (eu tenho a teoria que um rei tem mais poder para fazer reformas que um primeiro-ministro ou um presidente da república, já que as pessoas que em principio seriam contra as reformas - e que iriam conspirar contra um primeiro-ministro ou um presidente reformista - tendem exactamente a ser aquelas com maior veneração pela instituição monárquica).

Aliás, nós tivemos a experiência de uma abertura, com a CEUD, a "ala liberal", etc. e tudo isso estava em retrocesso (ou tinha praticamente terminado) em 1974, pelo que provavelmente iria demorar algum tempo ao motor reformista voltar a pegar; e, nomeadamente na hipótese do 25 de Abril ter sido dominado (em vez de nunca ter existido), o resultado teria sido exactamente o reforço dos duros do regime (talvez com a substituição de Caetano por Kaulza da Arriaga?) - afinal, se olharmos para o PREC, a regra foi sempre essa: o golpe falhado de uma facção levava sempre ao reforço da facção contrária.

Quanto ao cenário internacional, é um pau de dois bicos: a partir de 1976, com Carter na presidência dos EUA, realmente houve uma pressão para as ditaduras do bloco ocidental se democratizarem; mas a partir da eleição de Ronald Reagan, a tendência voltou a ser a de apoiar os regimes capazes de resistir ao "comunismo internacional" - nesse tempo, a embaixadora dos EUA na ONU, Jeanne Kirkpatrick, era a grande teórica da doutrina de apoiar os regimes "autoritários" contra os "totalitários" (não é muito claro porque é que, nesse esquema, a Arábia Saudita contava como "autoritária" e a Nicarágua sandinista como "totalitária", mas isso já outra discussão). Assim, se o regime não se tivesse democratizado até 1980, provavelmente só o seria na segunda metade da década, na mesma altura em que outras ditaduras pro-EUA (Filipinas, Haiti, Brasil, Coreia do Sul, Chile, etc.).


Quanto à guerra colonial ser um peso insustentável - uma maneira de ver os efeitos que isso poderia ter, era imaginar que, na ausência do 25 de Abril, o prolongamento da guerra levaria a um descontentamento crescente entre os oficiais de baixa patente, que poderia desembocar num golpe militar tendo em vista uma solução politica para a guerra colonial, e que abriria também as portas para a democratização do regime. Eu penso que era a saída mais provável, mas diz-nos pouco acerca de como teria sido Portugal sem o 25 de Abril (na prática, apenas teria sido noutra data; é um pouco como se, numa realidade paralela em que o "golpe das Caldas" tivesse triunfado, um comentador em 2012 escrevesse uma crónica sobre o tema "como teria sido Portugal se o 16 de Março tivesse sido dominado?"); portanto, vamos imaginar outras saídas possíveis.

Um primeiro ponto - convém lembrar aos entusiastas da "via espanhola" que a descolonização espanhola (feita ainda sobre Franco) andou longe de ser exemplar nos resultados: um Timor gigante ainda não resolvido e uma das mais sanguinárias ditaduras africanas (que só não emparelha com Idi Amin ou Bokassa porque foi num país de 1 milhão de habitantes).

De qualquer forma, como é que um Portugal-sem-25-de-Abril provavelmente teria tentando resolver a guerra colonial? Pelo que se tem sabido, provavelmente a ideia seria os "novos Brasis": dar a independência aos territórios sob uma espécie de coligação entre a população branca e algumas elites nativas. Provavelmente o resultado disso seria algo entre a Rodésia de Ian Smith e a futura Rodésia de Muzorewa. Deixando de lado a viabilidade ou não de um cenário desses, não há nada aí que implicasse forçosamente a democratização da "metrópole" (afinal, Espanha descolonizou continuando a ser uma ditadura; é verdade que a área e população envolvidas eram muito menores); de qualquer maneira, os novos regimes africanos provavelmente continuariam a ser não-democráticos (se assim não o fossem, o poder cairia automaticamente nas mãos da maioria negra), quase de certeza parecidos (até pelo efeito de contágio) aos "regimes brancos" vizinhos da África do Sul e da Rodésia (eventualmente mais integrados, possivelmente dando possibilidade a negros "assimilados" de participarem também no poder). Mais cedo ou mais tarde, o poder nesses países acabaria por ir parar às mãos da população negra (como aconteceu nos casos vizinhos), mas todo o processo seria adiado: sem Moçambique a apoiar os guerrilheiros, o regime de Smith teria se aguentado mais tempo; sem a batalha de Cuito Cuanavale e o apoio de Angola à SWAPO, a descolonização da Namíbia teria levado mais tempo; sem isso tudo o fim do apartheid sul-africano também teria levado mais tempo... (embora suspeite que muitos dos que dizem "era melhor se não tivesse havido o 25 de Abril" põem a sobrevivência por mais alguns anos do regime de Ian Smith, da ocupação da Namíbia e do apartheid na coluna do "+"...).

Pergunta ao Nuno Teles

Mas por que raio é que descolonizar é mais importante do que democratizar?

25 de Abril em 2012 — ou da "recordação tal como cintila no momento de um perigo"



As palavras entre aspas são de Walter Benjamin. Quanto à canção, não é preciso explicar.

Miguel Portas (1958-2012)



Conheci o Miguel Portas, teria 12, 13 anos, ele 14 ou 15. Era a primeira reunião clandestina em que eu participava, apesar de a mesma decorrer a céu aberto, nas traseiras da estação de comboios de São João do Estoril, num pequeno jardim hoje cimentado e do qual sobrará talvez uma árvore ou duas. Tratava-se de uma reunião do MAEESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário). Tinha vindo gente de outras escolas (os putos dirigentes), e Miguel Portas era um deles. 
O debate foi acirrado, e o assunto, quase de Estado: abaixo-assinado ou greve. O Miguel, já então na UEC, defendia, naturalmente, a posição menos radical. Eu, que nasci com mau feitio, fiquei convencida com a greve. Devo ter dito, entretanto, qualquer coisa que lhe despertou a expectativa de um recrutamento em potência, razão que encontro para, no final da reunião, me ter perguntado se podia falar comigo à parte. Lembro-me de lhe ter respondido, do alto das minhas firmes e precoces convicções: “Podes, mas não julgues que me convences”. 
Não me convenceu. Nunca estive próxima dos UECs; na realidade, não os gramava nem com molho de tomate. Dele gostava. Sempre achei que possuía algo que, mesmo situando-me eu à extrema-esquerda, nunca pensei que fosse dispensável: era civilizado e democrata. Não imagino como seria visto de mais perto, mas costumo ter olho e quase nunca me enganar nas primeiras impressões. No meio da muita histeria que tomávamos então por princípios inalienáveis, o Miguel discursava e não agredia, discordava e não insultava. Mais tarde, já crescidinhos, cruzei-me com ele algumas vezes. Sempre o achei igual. Bonito, cordato, bon vivant, voz arranhada e sorriso nervoso. Sei que morreu. A morte é uma grandessíssima filha da puta.     

Feriados

Dos feriados civis portugueses, só há 3 que são comemorados mais ou menos espontaneamente pela "sociedade civil" independentemente do Estado: o 25 de Abril, o 1º de Maio e o Ano Novo (deixando de lado os feriados municipais, até para evitar questões sobre se dias como o S. António de Lisboa ou a Quinta Feira da Espiga/Ascensão contam como "civis" ou "religiosos"). Curiosamente, dando uma volta pelos blogues (exemplo), dá-me a ideia que é exactamente entre os proclamados defensores da sociedade civil contra o Estado que mais surge a ideia de que o 25 de Abril seria um feriado mais dispensável do que, p.ex., o 1º de Dezembro (um feriado que, goste-se ou não do facto, quase ninguém comemora).

[Algo que me ocorre agora - ainda não vi ninguém (excluindo, claro, aqueles que defendem a abolição dos feriados em geral) a sugerir a abolição do mais artificial feriado português (o 10 de Junho) - será que todos acham que dá jeito para dar um salto ao Algarve?]

24/04/12

Miguel Portas 1958-2012

Por numerosas que possam ter sido as nossas divergências sobre questões que não vou agora nem expor nem minimizar, ligava-me ao Miguel Portas a uma ideia comum fundamental: a da implicação circular da igualdade e da liberdade - ou da liberdade e da igualdade como bases necessárias, e únicas bases possíveis, uma da outra. A menos do que isso, que é o mais importante, não vejo, por mim, razão para chamarmos democracia. Mas chame-se-lhe o que se quiser, tal foi o projecto de que o Miguel quis dar testemunho, e é esse sua clara escolha ética e política que devemos hoje esperar que continue a guiar-nos nesta vida.

Política do cognitariado...

As notas que se seguem prolongam um debate conjunto. Seguem algumas pistas deixadas em aberto na reunião/debate do passado domingo, organizada pela Unipop, em colaboração com o C.E.M., no Seu Vicente – Residências artísticas.
É claro – sendo esse um dos pontos de partida da discussão proposta – que só é possível pensar a precariedade do cognitariado e a possibilidade de combatê-la tendo em consideração as condições específicas a que estão hoje sujeitos os agentes da produção imaterial, investigadores, bolseiros ou não, professores, mais ou menos intermitentemente, artistas, etc. (flexibilidade, mobilidade, intermitência...).
Acrescentaria no entanto que se faz sentido pensar especificamente a política do cognitariado – nomeadamente, tendo em vista a criação de laços de entendimento, de solidariedade, de eventual acção conjunto (reivindicativa, mas não só) – faz talvez sentido alargar a compreensão desta especificidade, do reconhecimento daquilo que partilham os produtores imateriais no que toca às condições a que estão sujeitos, ao reconhecimento das forças que intervêm no seio da produção imaterial (que abrange, nomeadamente, as áreas da investigação e da produção artística).
Considerar estas duas vertentes dessa especificidade, o «quadro» e o «teor», se quisermos, da produção imaterial – sem complexos ou superstições na articulação de conceitos sociopolíticos e estéticos – seria talvez vantajoso para fazer face ao pressentimento desencorajante que poderá assaltar um investigador, um artista, de que o seu trabalho – enquanto investigador, enquanto artista – nada tem a ver com as preocupações que partilha com outros agentes de produção imaterial sujeitos a semelhantes condições de trabalho.  Creio que um tal pressentimento, e o desânimo que o acompanha, pode e deve ser desconstruído. Que, para tal, trabalho possa significar coisas distintas (ou que num dos casos se deva escolher outra palavra) não nos deve assustar.
Por outras palavras, diria que os laços que unem os produtores imateriais não concernem apenas àquilo que nos torna precários, mas também ao modo como o que já fazemos, cada um de nós, pode animar o que podemos fazer, em conjunto, contra essa precarização.

Rumo ao trabalho forçado

1. Pode ler-se na primeira parte de uma notícia hoje divulgada pelo Público:

Portugal tinha no ano passado custos laborais de 12,1 euros por hora trabalhada, substancialmente abaixo de metade da média da zona euro, que era de 27,6 euros por hora trabalhada. Os custos laborais em Portugal estavam mesmo entre os mais baixos dos 17 países da zona euro, segundo dados divulgados hoje pelo Eurostat. Os países do euro onde as remunerações horárias do trabalho estavam abaixo da portuguesa eram a Estónia (8,1 euros), a Eslováquia (8,4 euros), que saíram há pouco mais de 20 anos da esfera de influência do comunismo soviético, e o pequeno arquipélago de Malta, com um valor próximo do português – 11,9 euros.

2. Na continuação, lemos o seguinte:

O Governo e vários economistas têm insistido na necessidade de baixar os custos laborais em Portugal, como forma de promover a competitividade da economia, facilitando o aumento das exportações. Dadas as medidas adoptadas pelo Governo na função pública e a tendência para a baixa de salários na contratação, é natural que no ano em curso os custos laborais baixem significativamente no país, apesar de nos anos mais recentes terem também evoluído abaixo da média da zona euro e da UE. Entre 2008 e 2011, subiram 5,2% em Portugal, face a 6,9% na EU e 7,0% na zona euro.

3. Assim, é também previsível que o próximo passo a promover pelo Governo e a justificar pelos economistas de serviço seja a do trabalho forçado — via já esboçada em certas disposições relativas ao rendimento mínimo e às situações de desemprego — ou da militarização do trabalho, em termos semelhantes aos advogados, por exemplo e não sem brio, por um Trotsky ainda armado, que o considerava um instrumento necessário e progressista durante "o período de transição para o socialismo", mas por razões que — como, em 1947,  sugeria já Paul Mattick — será fácil aos economistas de serviço fazer valer para o período de transição para a completa autonomia do capitalismo, dado como já em curso à escala global.

Com efeito, nos termos do próprio Trotsky, esta militarização do trabalho, acarretando uma redefinição radical dos sindicatos — aparentemente já encetada, entre nós, nas concepções e nas práticas de destacados dirigentes da UGT—, parece ser a única alternativa para o programa de austeridade, que é "o plano económico único", inflexivelmente mantido pelo Governo e a sua base social de apoio. Ou seja, mutatis mutandis:

Sem a obrigação do trabalho, sem o direito de dar ordens e exigir a sua execução, os sindicatos tornam-se formas vazias de conteúdo. Os sindicatos são com efeito necessários ao Estado socialista [ou ao novo absolutismo oligárquico do Estado capitalista], não a fim de lutarem por melhores condições de trabalho (…), mas a fim de organizarem a classe operária para a produção, a fim de a disciplinarem, de a repartirem, de a agruparem, de a educarem, de fixarem certas categorias e certos operários no seu posto por um lapso determinado de tempo -, numa palavra, para incorporarem autoritariamente os trabalhadores, em plena cooperação com o Estado, no quadro do plano económico único.

Abstenção ao quadrado rumo a uma Frente Popular ?

No momento em que bom número de militantes e simpatizantes do PS pareciam alimentar a esperança de ver o porta-voz máximo reafirmar os princípios de "abstenção violenta" do partido e o propósito por parte deste de seguir o exemplo da Associação 25 de Abril e de Mário Soares, declarando que os deputados do seu partido não participariam nas cerimónias comemorativas do 25 de Abril na Assembleia da República, eis que Seguro, respeitosamente, resolveu elevar ao quadrado a sua postura abstencionista radical, anunciando que o PS se irá abster de se abster, e manterá a decisão de participar na sessão comemorativa, respeitando embora a abstenção — ainda que menos violenta — das entidades que por ela optaram.

Consta, entretanto, que elementos da ala esquerda do PS apoiam vivamente esta abstenção da abstenção, que consideram, tendo em conta as posições assumidas sobre o assunto pelo PCP e pelo BE, um primeiro passo a caminho de uma Frente Popular.

Donos de Portugal

Documentário em estreia na RTP2, às 2 da manhã de 24 para 25 de Abril.

23/04/12

Últimas sondagens gregas (III)

Sondagem da Public Issue, feita entre 17 e 19 de Abril (em grego, mas é fácil perceber os resultados):

Nova Democracia..........21,5%
PASOK........................14%
SYRIZA........................13%
KKE..............................11%
Gregos Independentes....11%
Esquerda Democrática.....9,5%
Chrysi Avgi.....................5,5%
Verdes............................3,5%
LAOS............................3%

Troika: 35,5%; esquerda anti-troika: 37%; direita anti-troika: 19,5%

Últimas sondagens gregas (II)

Sondagem da VPRC, feita entre 17 e 20 de Abril [pdf em grego, os resultados estão entre as páginas 16 e 19]:

Nova Democracia..........23%
PASOK........................14%
SYRIZA........................13,5%
KKE.............................11,5%
Gregos Independentes....8,5%
Esquerda Democrática....8%
Chrysi Avgi.....................6,5%
LAOS............................3%
Verdes...........................3%

Troika: 37%; esquerda anti-troika: 36%; direita anti-troika: 18%

Últimas sondagens gregas (I)

Penso que a lei grega proibe a divulgação de sondagens daqui para a frente, logo aqui vão as que penso serem as últimas (e, se for assim, já não me irão aturar mais com isto a partir de hoje).

Sondagem publicada pelo jornal Ethnos, efectuada pela empresa Marc entre 17 e 19 de Abril (artigo original, tradução do Google):

Nova Democracia............21,9% (108 deputados)
PASOK..........................17,8% (47 deputados)
SYRIZA..........................11% (29 deputados)
Gregos Independentes......10,4% (28 deputados)
KKE..................................9,2% (24 deputados)
Esquerda Democrática........8,8% (23 deputados)
Chrysi Avgi.........................5,2% (14 deputados)
LAOS................................4,2% (11 deputados)
Verdes...............................3,2% (8 deputados)
Aliança Democrática...........3% (8 deputados)

Troika: 42,7% (163 deputados); esquerda anti-troika: 32,2% (84 deputados); direita anti-troika: 19,8% (53 deputados)

A lei eleitoral grega dá um bónus de 50 deputados ao partido mais votado (a ND segundo todas as previsões), o que aumenta as possibilidades dos partidos que apoiam o atual governo repetirem a maioria absoluta, mesmo perdendo muitos votos.

[Via Phantis]

25 de Abril: Se o governo quer proibir a manifestação, porque não quer proibir a manifestação?

Sob o título PSP prepara tolerância zero nas ‘manifs’ do 25 de Abril, leio no DN, a seguinte notícia:

Incidentes que marcaram a greve geral de 22 de março estão bem presentes na memória de quem manda nas forças de segurança portuguesas. Ordem aos agentes é para que nenhum sinal de ameaça ou desordem seja desvalorizado. 

Com o 38.º aniversário do 25 de Abril a aproximar-se, assim como a celebração do 1. o de Maio, a PSP re- cebeu a orientação de impedir todos os desfiles ou ações de rua quenão obedeçam aos procedimentos legais para a sua realização. É uma reação ao que sucedeu a 22 de março, dia da última greve geral. Uma avaliação operacional feita pela PSP deu conta da desvalorização de sinais relevantes sobre ameaças à ordem pública, erro que não deverá ser repetido pelos agentes. Já numa entrevista à Antena 1, o inspetor nacional da PSP, Magina da Silva, que coordenou a auditoria à operação do 22 de março, reconhecera que “o potencial de violência e desordem não teve o tratamento necessário”. Ao mesmo tempo, alertou que a PSP terá tolerância zero para novas manifestações por parte de grupos identificados como potencialmente desordeiros.

Ora, considerando que qualquer grupo de manifestantes é, por definição, "potencialmente desordeiro", e que, como Brecht já sabia bem, a simples superioridade numérica dos manifestantes, "potencialmente desordeiros", é, para as forças policiais, um — pelo menos potencial — "sinal de ameaça", a pergunta a fazer ao governo, parafraseando agora Pessoa,  é: se o governo quer proibir a manifestação, porque não quer proibir a manifestação?

Com efeito, se a ideia é, como tudo indica e com toda a clareza, proceder a mais uma demonstração de força repressiva, que continue e aprofunde a política seguida a 22 de Março último, a proibição explícita seria a via ideal, pois permitiria que, sem subterfúgios, dessa feita, as fileiras policiais atirassem a matar sobre os desordeiros, não jápotenciais mas efectivos, que insistissem — e então não haveriam de insistir, pá? — em comemorar o "Dia da Liberdade".

22/04/12

João Bernardo no Passa Palavra: a crise e os "riscos de fascização"

Aqui fica a conclusão de um indispensável artigo, publicado pelo João Bernardo no Passa Palavra, sobre os problemas imediatos, mas situados e pensados numa sólida perspectiva histórica, da presente crise da UE e da zona euro. E, também, sobre os riscos de fascização que a esquerda soberanista, ainda que com as boas intenções que enchem boa parte do inferno, corre o risco de alimentar.

  As dúvidas são muitas, mas o certo é que não parece possível impor um tratado de harmonização fiscal que não seja acompanhado por uma política monetária expansiva, pela criação de um credor de última instância no âmbito da zona euro e pela instauração de um mecanismo de redistribuição de rendimentos entre países membros. Com efeito, o mercado não mostra satisfazer-se com medidas exclusivamente restritivas. Ora, estes problemas não poderão ser resolvidos sem se fortalecer a soberania comum da União Europeia, com a consequente erosão das soberanias nacionais, ou seja, a conversão dos países em regiões. A perda das soberanias nacionais e a constituição da União Europeia como nação única é a medida económica mais urgente, mas ela é politicamente impossível a curto prazo. Restam, então, paliativos. E os paliativos destinam-se precisamente a não resolver nada. Para um governo, em quaisquer circunstâncias, financiar programas de longo prazo com créditos baseados em fundos voláteis corresponde a criar todas as condições para que, uma vez que a taxa de crescimento diminua ou se inverta, os fundos voláteis se retraiam ou desapareçam, o custo do crédito aumente e a crise se agrave. Ora, na penosa situação em que agora se encontram, os países da periferia meridional da zona euro têm de recorrer às instituições financeiras privadas internacionais, ou seja, tentam solucionar a crise continuando a fazer exactamente aquilo que a provocou. 

 A actual crise na periferia meridional da zona euro deve-se a factores de ordem institucional e a sua causa reside, em última instância, no facto de ter sido feita uma união monetária sem uma total união política. O pacto de harmonização fiscal e orçamentária assinado em Janeiro deste ano conduzirá a impasses ainda mais graves se não se prosseguir a unificação política. Só há duas saídas: ou a desagregação da zona euro, com consequências nefastas para a economia tanto europeia como mundial, ou uma considerável redução das soberanias nacionais. É certo que a União Europeia tem alguns elementos de soberania supranacional, mas conjugados com soberanias nacionais, que são em parte reais e em parte fictícias. O aspecto fictício das soberanias nacionais na União Europeia deve-se ao facto de se considerar necessário iludir os sentimentos nacionalistas do eleitorado. Assim, de agora em diante o que estará em causa serão muito menos as soberanias nacionais — que em boa medida se diluíram e obrigatoriamente se diluirão mais ainda — do que a ficção nacionalista. Isto altera bastante os termos do processo e, paradoxalmente, dará um novo relevo à instância ideológica nos próximos tempos. Quanto menos o nacionalismo corresponder a uma base prática, tanto mais procurará afirmar-se no plano ideológico. 

 Nestas circunstâncias a esquerda corre um grande risco de fascização, porque sempre que o nacionalismo permeia o movimento operário, o fascismo não anda longe, qualquer que seja o nome que se lhe dê.

Sujo

O Luís Branco acha que o Rui Tavares troca de ideias de acordo com o que o põe mais a jeito para se abeirar do poder. Eu, que até estou mais próximo das ideias do Luís Branco do que das ideias do Rui, acho que a acusação de carácter que o Luís faz suja-o mais a ele, Luís, do que ao Rui.

20/04/12

Todos pela Es.Cola.A

Vamos lá, pá. Que, cá para mim, Portugal, lá me escapou o risco,  Portugal é o menos em tudo isto.  Mas a democracia — ou a fazemos nós, ou não há.

Também quero uma medalha destas!

José Rodrigues dos Santos foi eleito "Escritor de Confiança" pelas Selecções do Reader's Digest. Para chegar ao lugar cimeiro do pódio, ultrapassou Saramago e Miguel Sousa Tavares (presumo que os votantes nem saibam que o nosso Nobel já não está entre nós; de outra forma, também poderiam ter votado no Eça ou no Camões).
Nada de surpreendente: a marca de alimentos caninos Friskies também é "de Confiança" – e há muita gente com ideia de que a escrita de Rodrigues dos Santos é abaixo de cão.

PS: Note-se que os jornalistas que ficaram em 1.º e 3.º lugar são as mesmíssimas personagens, com a ilustre Judite de Sousa de permeio.

19/04/12

A lição da Es.Col.A

Se, como escreve e bem, a propósito da Escola da Fontinha, Rita Veloso, "[p]elos vistos, aos olhos dos nossos governantes, o empreendedorismo só deve ser enaltecido quando tem objectivos privados; o empreendedorismo dos cidadãos e para os cidadãos envergonha-os, pois põe em evidência toda a sua inércia naquilo para que o povo os elegeu", a conclusão é que os cidadãos que somos devemos deixar de esperar mais por bons governantes, ainda que eleitos, e assumir o encargo de participarmos directamente no nosso próprio governo. Não há melhor maneira de honrarmos — e mostrarmos que somos capazes de aprender com — o exemplo autogestionário da Es.Col.A.

Os burrocratas não podem ficar impunes

O Alto da Fontinha visto com lentes gregas...


A situação na Grécia continua a ser marcada por uma intensa conflitualidade social. As próximas eleições vão decerto permitir a expressão, na cena política, de algumas das contradições sociais e da tendência actual de radicalização. Como será também o caso nas eleições francesas, a derrota dos movimentos sociais do passado recente encontra expressão nos votos…ou na abstenção ! Numa situação em que as leis da economia capitalista são interiorizadas como determinismo, como o inevitável histórico, o sentimento de impotência colectiva alimenta a ilusão eleitoral. As alterações no espectro eleitoral e a força do partido da abstenção - que é hoje uma preocupação central dos talibãs da democracia – exprimem esta mesma impotência. A aceitação do processo de delegação de poder nas velhas forças políticas é finalmente uma medida transparente do estado de submissão dos explorados ao sistema. Incapazes de transformar a sua força colectiva em novo poder, eles só têm o poder de legitimar a monopolização do poder por uma minoria. Esta é a democracia realmente existente. Isto é, a sua própria negação, como os recentes movimentos de Indignados têm vindo a sublinhar, de forma mais ou menos radical.
Este texto (extraído de um artigo, «Burdened with Debt Reloaded. The politics of devaluation», www.libcom.org/tags/tptg) do grupo comunista antiautoritário grego Ta Paidia Tis Galarias (TPTG) expõe o estado das lutas sociais na véspera das próximas eleições. Nele, os autores sublinham os limites e as ambiguidades dos meios tradicionais de luta e dos partidos autoritários face ao poderoso ataque capitalista; as greves gerais, em particular, cerimónias de massa «pavlovianas» limitam-se a reclamar o regresso à situação precedente, que foi, precisamente, a causa do estado presente de atonia social. Para além disto, o texto menciona novas iniciativas colectivas que, timidamente e com hesitação, procuram encontrar resposta ao desastre. Elas desenham um projecto de futuro que reivindica a apropriação directa dos meios capazes de assegurar a existência colectiva sem passar pela produção de lucro e pela reprodução das relações sociais mercantis. Iniciativas que vão contra a «constante da economia capitalista que é a baixa tendencial do valor de uso» que mencionava o Guy Debord em 1967. Acções que constituem a principal inquietação dos gestores do sistema, como mais uma vez o demonstra a operação militar de mercenários do Estado português contra a Es.Col.A do Alto da Fontinha (Porto). Eles bem sabem quais são as sementes férteis! O resto é politiquice com a qual os compromissos são sempre possíveis.

Class struggles in a war-like situation

As general strikes have had less and less participation after 2010 at both private and public sector and precisely because of their total failure to halt the wave of institutional measures which has been imposing an unprecedented depreciation of labour power, struggles emerged on the terrain of the implementation of this devastating attack, that is the separate workplaces at both public and private sector.

*

The ‘sovereign debt crisis’ attack unsurprisingly found its immediate target at the public sector. Therefore, the workers at this sector were the first who responded against the wage cuts, the huge slashes in public spending, the dismantling of services and the dissolution of a vast amount of state entities.

Apart from strikes and demos which escalated last October, a wave of sit-in protests at town halls, ministries and public service offices by civil servants in Athens and around the country marked an unusual upgrading of struggle for this particular sector. Workers sealed off the entrance to the social security informatics directorate, as well as the entrance to the housing, interior and development ministries and to the pensions directorate of the General State Accounts Office. These militant practices, which blocked at least temporarily the ‘labor reserve’ plans of the government (whereby 30,000 civil servants were supposed effectively to lose their jobs within months) signaled the awakening of the majority of the chronically lethargic civil servants whose very existence, according to the state propaganda, now constitutes the main ‘structural problem’ of the country.

Municipal workers nationwide occupied local government offices and refuse collectors were on a ten-day protest that included a blockade of the capital’s main landfill site in northwest Athens. The municipalities undergo drastic cuts at the moment, as some of their services (starting with cleaning services) will get privatized and a part of their personnel is going to be dismissed.

On October 12, members of the GENOP union began an occupation of the printing offices of the Public Power Corporation (DEI). As part of new property tax legislation, the DEI billing department was to send homeowners bills for increased property taxes as part of their electricity bills. Although not devoid of populism -they claimed they would not cut off electricity only of those who live in abject poverty, thus undermining the aggressive character of the movement against taxes- and a macho bravado, those unionists’ action slowed down the whole process.

Capitalist crisis proves to be particularly unhealthy for proletarians as the severe cuts in all kinds of health services show: there were about 40% cuts in hospital budgets, understaffing, reported occasional shortage of medical supplies, merges or even closures of hospitals as well as mental institutions and rehabilitation centres. Health workers have responded by continuous strikes or even occupations of the Health Ministry with the last one having lasted for 15 days. An interesting struggle took place in the General Hospital of Kilkis, a town in northern Greece, for some weeks. The general assembly of all health workers (doctors included) decided to occupy the premises and started the retention of work, serving only emergencies until the complete payment for the hours worked, and the rise of their income to the levels it was before the arrival of the troika (EU-ECB-IMF), as they say. They also provided free healthcare declaring that the long-lasting problems of the National Health System (ESY) in the country cannot be solved through limited claims of the health services sector and thus they placed their special interests inside a general framework of political and economic demands against the brutal capitalist attack asking for solidarity from everybody. Though the occupation is over, the unpaid health workers continue the retention of work.

*

A series of defensive and sectional struggles at workplaces at the private sector revealed that the Greek industrial capital has already taken advantage of the new institutional framework of the ‘state of emergency’ now ruling in Greece to prop up its profitability or just transfer its own debts and losses onto the workers.

A TMN e o lixo estão a chamar por nós


Em 2005, a TMN assumiu o difícil pelouro de prozac da nação. Usando os blocos publicitários para nos reconciliar com a vida cinzenta, medíocre, apagada e mansa a que nos dizem condenados. A sua campanha de então rejubilava porque “gostamos da vida como ela é”. Com barrigas, gente triste, diarreias (foi um clássico automático o MUPI com alguém de calças em baixo devido à “comida indiana”...) e uma catrefa de temas deprimentes. Se calhar, era mesmo pelo melhor; quem nutre expectativas rasteiras arrisca-se menos a contrair neuroses quando dá de caras com a realidade. 
Agora, mesmo depois de mudada a voz do dono, continua a TMN a servir de megafone para slogans governamentais. 
A tónica passou para anúncios motivadores, aspiracionais, positivos: “Acreditamos, antes de mais, em nós, portugueses”, reza o folheto. E vai de nos gritar com rostos que supostamente provam que “ficar nos nossos lugares, imóveis, é morrer”. Começando com uma realizadora de reclamos, emigrada, que tem como cartões de visita um disparate com uma chuva de azeitonas e um teledisco em que revisita o Portugal honesto e trabalhadeiro dos pescadores, para desfrute do camone amante do very typical. Depois, seguem-se histórias de sucesso em terrenos tão distantes da vida comum quanto a pintura ou o motociclismo. 
E que dizer do spot televisivo? O colorido hiperestiloso de um país das maravilhas sob a câmara de Tim Burton, povoado por gente de olhos claros (tipicamente tuga, claro) e cenários de postal ilustrado. 

Pior do que isto só mesmo o “Hino Contra o Desperdício” que por aí anda; uma verdadeira ode à mediocridade tuga disfarçada de incentivo canoro à caridadezinha de antanho. Onde a música inenarravelmente pirosa embala os cromos do costume (só faltam o Toy e o Miguel Ângelo) num Live Aid dos pobrezinhos e o Manuel João Vieira é o único a aproveitar o momento pelo que é: uma eucaristia do kitsch salazarengo mais berrante – veja-se o entusiasmo com que ele brande um espeto com um pedaço de carne, enquanto o lindo cartaz passa de mão em mão. Nem consigo comentar a parte do “que eu não aproveito/ ao almoço e ao jantar/ a ti pode dar jeito”, pelo menos sem usar palavrões. Hinos de um lixo de país.

Rio, descola da Es.Col.A!


O povo resiste à opressão

Hoje, na Escola da Fontinha. Amanhã, por todo o lado, seremos mais.


A mentira tem resposta.

E mais outra sondagem grega

Publicada hoje na revista Epikaira, feita pela empresa VPRC - para os resultados, ver aqui [pdf, em grego] e ir à pagina 21.

Nova Democracia..............22%
PASOK............................14,5%
SYRIZA............................13%
KKE.................................11,5%
Esquerda Democrática.......10%
Gregos Independentes.........9%
Chrysi Avgi.........................5%
LAOS.................................3,5%

Troika: 36,5%; esquerda anti-troika: 34,5%; direita anti-troika: 17,5%

18/04/12

CISPA


As tentativas de controlo sobre o que passa na Internet sucedem-se. Depois dos pacotes legislativos SOPA, PIPA e ACTA, cujo processo de aprovação foi para já congelado, aparece o CISPA:

"The Cyber Intelligence Sharing and Protection Act (CISPA) would allow companies doing business in the US to collect exact records of all of our online activities and hand them over to the US government, without ever notifying us that we are being watched. No warrant, no legal cause and no due process required. To make matters worse, the bill provides the government and corporations with blanket immunity to protect them from being sued for violation of privacy and other illegal actions."

A assinatura desta petição poderá ajudar a parar também o processo de aprovação do CISPA no Congresso dos EUA.

Outra sondagem grega

Da televisão Alpha TV (artigo original; tradução; artigo no Ekathiremeni):

Nova Democracia....................22,3%.....110 deputados
PASOK..................................17,8%.......48 deputados
Gregos Independentes...............9,9%........26 deputados
SYRIZA...................................9,8%........26 deputados
KKE.........................................9,7%....... 26 deputados
Esquerda Democrática..............8,6%.........23 deputados
Chrysi Avgi...............................5,7%.........15 deputados
LAOS......................................3,9%..........10 deputados
Verdes......................................3,1%...........8 deputados
Aliança Democrática (liberal).....3%..............8 deputados

Troika: 43,1% (166 deputados); esquerda anti-troika: 31,2% (83 deputados); direita anti-troika: 19,5% (51 deputados)

[Via Phantis e Keep Talking Greece]

Segundo o Keep Talking Greece, os indecisos preferem os Gregos Independentes (dissidentes anti-troika da ND), a SYRIZA (o "Bloco de Esquerda" local) e a Esquerda Democrática (mais ou menos algo equivalente a uma "Politica XXI" que tivesse abandonado o BE); não percebi se os números apresentados já levam isso em consideração.

15/04/12

Miséria da Zoofilia

Está tudo muito certo — digo-me eu, que não penso que a caça seja um desporto a proibir ou desencorajar, e antes gostaria de ver o seu exercício democratizado ao mesmo tempo que objecto de uma regulamentação propriamente republicana e razoável. Sim, caçar elefantes, ou outra espécie em vias de extinção, pagando embora — ou ainda por cima — a peso de ouro tão vicioso privilégio, é ser sequaz da bestialidade mais alarve. Dito isto, não posso negar que gostaria de ver reclamar a abdicação do rei de Espanha, ou ilustrar a iniquidade inegociável do regime monárquico, por meio de razões que se esforçassem por ser um pouco mais republicanas, e continuassem a valer no caso de Juan Carlos ser pessoalmente tão austero como Gandhi, ou um protector dos animais tão extremoso como, por exemplo, Heinrich Himmler ou o próprio Hitler.

We are the 99%

Ou os 99,9%:
Some Individuals of our Countrymen, by the Smiles of Providence or some other Means, are enabled to roll in their four–wheel'd Carriages, and can support the Expence of good Houses, rich Furniture, and Luxurious Living. But, is it equitable that 99, or rather 999 should suffer for the Extravagance or Grandeur of one? Especially when it is consider’d, that Men frequently owe their Wealth to the Impoverishment of their Neighbours.
 [Carta publicada no New York Gazette, em 1765]

Resposta ao João Rodrigues

O João Rodrigues ficou chateado com o meu artigo. Mas eu acho que ele não tem razão. Que fazer? Comecemos pelo essencial e deixemos o acessório para o fim. O João Rodrigues acha que exagero na crítica ao seu patriotismo. A mim parece claro que a política defendida pelo João Rodrigues assume um pendor cada vez mais patriótico e cada vez menos internacionalista. Por que entendo as coisas assim? Porque vejo o João a propor uma desglobalização, quando eu sempre pensei que o problema era a globalização mercantil e não simplesmente a globalização. Desmercantilizar a globalização, claro que sim, mas desglobalizar é uma palavra de ordem muito diferente. E é uma palavra que se arrisca a por tudo no mesmo saco, o movimento de mercadorias e o de pessoas, o livre-cambismo e o cosmopolitismo, a globalização neoliberal e o internacionalismo de classe. Infelizmente o internacionalismo do João Rodrigues é cada vez mais uma forma de mediação entre sentimentos nacionais e não uma forma de ler e agir no mundo transversal a esses sentimentos. Ao internacionalismo do João poderíamos chamar um internacionalismo nacionalista. É pelo menos neste sentido que leio a sua proposta para que em vez de internacional passemos a escrever inter-nacional, isto dito entre vivas aos hinos nacionais e à soberania nacional, que me parecem querer continuar em França, via Mélenchon, o ido projecto alegrista que animou o João e os seus colegas de blogue. (Embora deva dizer que a candidatura de Mélenchon é evidentemente bem mais interessante do que a de Alegre, o que ainda assim deveria evitar histerismos personalistas que não têm cabimento em qualquer projecto de esquerda que se preze, ao contrário do que parece querer demonstrar o Nuno Teles).

Há uma outra questão importante no post do João Rodrigues que gostaria de comentar. O título do post é “Nem nada”, em referência ao título do meu artigo “Nem Crise Mundial, nem Solução Patriótica”. É um título, o do João, que é feliz enquanto sound-byte e os títulos também são isso, por certo que o são. Mas enquanto programa de argumento, é mau. É mau, em primeiro lugar, porque revela uma concepção enfraquecida do que possa ser criticar. O João Rodrigues parece exigir que eu, para criticar, tenha uma alternativa concreta a oferecer. Temo que o João esteja a aplicar a mim o tipo de argumento que os Camilos Lourenços tantas vezes aplicam ao próprio João Rodrigues e que no fundo reza assim: “falam mal do capitalismo mas não têm alternativa”. Ora, o que o João parece presumir, tal como o Camilo Lourenço e afins pressupõem em relação ao João, é que criticar é simplesmente dizer mal. Presumem que a crítica não é em si mesmo construtiva. Eu não vejo a crítica como uma simples denúncia e por isso não creio que ela seja menos construtiva do que as alternativas concretas que o João vai propondo. Depois, há aqui um segundo problema, tão grande, se não maior, do que o primeiro. É que o João Rodrigues só pode presumir que eu não procuro alternativas concretas porque ele entende que isso só se faz do modo como ele o faz. E que modo é esse? Intervindo num partido enquanto dirigente ou no espaço publicado enquanto intelectual. Eu também já fui um pouco assim e se calhar ainda sou. Mas já não acredito em alternativas concretas pré-fabricadas e creio que isso é coisa que devemos dispensar liminarmente, pelo menos no quadro de uma política democrática, defina-se como revolucionária ou como reformista. Prefiro mil vezes ouvir o João Rodrigues em detrimento do Camilo Lourenço, mas não reduzo a questão das alternativas concretas ao modo como o João entende o que possam ser lutas contra-hegemónicas.

Não vejo o meu próprio papel como o de alguém que por escrever num jornal ou ser especialista nisto ou naquilo tem mais responsabilidade em propor alternativas concretas do que os outros cidadãos. Esse papel “responsável” é o que o João Rodrigues vem assumindo, no quadro de uma sua leitura do que será um projecto contra-hegemónico. Que leitura é esta? O João dá grande importância ao confronto entre o que ele considera serem os intelectuais. A sua maneira de ver a ascensão do neoliberalismo é a esse respeito muito clara. Ele concede muita importância ao pensamento de alguns autores que há décadas terão começado a construir um programa ideológico que hoje é finalmente aplicável (a narrativa do João para a ascensão do neoliberalismo é mais complexa do que isto, claro, mas sublinha muito – em demasia, diria eu – este ponto). Eu acho que a história do neoliberalismo, não dispensando essa dimensão intelectual da história do pensamento económico e político, e devendo ser uma história das ideias, deverá sê-lo dirigindo a problemática das ideias não apenas (ou primeiro) aos intelectuais como Hayek e demais. Deverá ser também uma história social das ideias. E em consequência (ou como causa) acho que um projecto contra-hegemónico não passa tanto por criar os futuros Hayeks de esquerda mas por agir e pensar a acção política e o pensamento político aquém e além da “responsabilidade” de dirigentes e "pensadores" (e por isso não tenho simpatia nenhuma pela estratégia educação popular de Mélenchon, que o Nuno Teles tanto aprecia, mesmo se também eu votaria em Mélenchon caso pudesse votar nas eleições francesas).

Finalmente, a questão menor, que, porém, parece ser a única que verdadeiramente empertigou o João Rodrigues. Acha o João que eu deveria ter nomeado individualmente os economistas que dirigem a edição portuguesa do “Le monde diplomatique” e não simplesmente ter referido o grupo de economistas do “Le monde diplomatique”. Tudo bem. Se o João entende que isso é importante para tornar o debate mais interessante, passarei a fazer como ele manda. Seja como for, não creio que esta questão seja motivo para tanto azedume. Depois, bom, depois diz o João Rodrigues que engano os leitores ao afirmar que há uma linha dominante dessa publicação que é determinada por esses economistas quando na verdade existirá uma pluralidade de pontos de vista de esquerda expressos no jornal em questão. Sim, é claro que há outros economistas a escrever no jornal em questão (por regra o jornal tenta ter uma pessoa do PS, uma do PCP e outra do BE, parece-me), mas creio também (de facto, não fui contar) que o João Rodrigues e o Nuno Teles são os autores mais regulares do jornal e que em grande medida (foi a expressão que utilizei no artigo) marcam a linha política da publicação. Não há é qualquer problema nisto, pelo menos para quem não faz parte do jornal. Devo até dizer ao João Rodrigues e ao Nuno Teles que um dos motivos porque continuo a pensar comprar o jornal é justamente o facto de saber que aí encontro publicada, muito provavelmente, a opinião destes meus bons amigos economistas. Com os quais tantas vezes discordo mas que sempre tento acompanhar de perto.

Manuel António Pina e a "sinização"

Manuel António Pina tem sido um dos observadores mais atentos ao processo de "sinização" em que apostam cada vez mais as fracções mais aguerridas da oligarquia europeia — com particular destaque para os seus capatazes políticos e ideólogos da região portuguesa. Sim, o processo de "sinização" remete para a República Popular da China e o seu modelo de "sociedade harmoniosa", bem como para a sua experiência histórica presente, na qual, também neste país, há quem vislumbre um regime empenhado no esforço de construir uma alternativa ao capitalismo.

Vale, sem dúvida, a pema ler estas "Notícias da China na Europa" — a sua mais recente crónica sobre o assunto, no JN:

Um indivíduo não eleito, que ocupa um cargo administrativo nomeado não se sabe (mas imagina-se) por que critérios, impede um autarca eleito de, em representação dos cidadãos de uma determinada cidade, visitar uma instituição pública dessa cidade.

Adivinhe o leitor onde se passou o episódio, exemplar de respeito pela Democracia representativa: na Coreia do Norte (dando crédito à noção de Democracia de Bernardino Soares e admitindo que na Coreia do Norte haja eleitos)?, em Cuba?, no Irão?, no Portugal salazar-marcelista? Não: foi em Portugal, desde há 38 anos "um Estado de Direito democrático", onde "os actos do Estado e (...) outras entidades públicas dependem da sua conformidade com a Constituição".

O que se passou foi que o presidente da Câmara de Lisboa ia já a caminho da Maternidade Alfredo da Costa para a visitar quando recebeu um telefonema da direcção desta instituição informando-o de que o administrador regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo a proibira de receber o autarca, sob pena de processo disciplinar. Mais: segundo a RTP, todos os clínicos da Maternidade estão proibidos de falar com a comunicação social, isto num país cuja Constituição garante que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio (...) sem impedimentos nem discriminações".

Pelos vistos não foi só em matéria laboral que já chegamos à China.

Continuando com as sondagens gregas...

Sondagem publicada pelo jornal Tipos tis Kiriaki, realizada pela empresa Pulse RC, aparentemente entre 9 e 11 de Abril :

Nova Democracia..........21,5%
PASOK.........................15,5%
KKE.............................11,5%
SYRIZA........................11,5%
Gregos Independentes.....9,5%
Esquerda Democrática....9%
Chrysi Avgi.....................5%
LAOS............................3%
Verdes...........................3%

[Artigo no referido jornal; tradução do Google]

Troika: 37%; esquerda anti-troika: 35%; direita anti-troika: 17,5%

Neste momento, alguns leitores já se estarão a perguntar qual o porquê desta série de posts, com sondagens gregas quase dia sim, dia não; bem, parte da razão é que eu estou sem energia quase nenhuma para escrever posts que impliquem um esforço mental prolongado; assim, postar resultados de sondagens gregas é a maneira que arranjei de continuar a "produzir" algo para os leitores do Vias enquanto a inspiração não regressa...

13/04/12

Como diria o Quincas Borba "Ao vencedor, as batatas"


Palavras para quê? São artistas portugueses.

12/04/12

Ben Bella

Pontos negativos:

- O regime autoritário que implantou

- A repressão contra a minoria berbere

Pontos positivos:

- O seu papel na solidariedade internacional com vários movimentos de libertação (incluindo portugueses)

- A sua tentativa de criar um socialismo autogestionário

- Creio que, apesar de tudo, era menos autoritário do que o regime seguinte

- A sua "segunda vida politica", depois de ser libertado, que não foi propriamente um caso de sucesso mas que foi, por regra, do "lado bom"

Nem Crise Mundial Nem Solução Patriótica

(o meu artigo no i desta quinta-feira)

Há um pequeno grupo de quatro ou cinco economistas de esquerda cujo trabalho é importante acompanharmos por estes dias de crise. A melhor forma de o fazermos é seguindo a edição portuguesa do Le Monde Diplomatique, publicação que tem assumido uma linha política em grande medida determinada por aqueles economistas. Hoje em dia essa linha passa sobretudo pela defesa da seguinte ideia: uma saída pela esquerda da actual crise implica uma tomada de posição patriótica.

A hipótese desenvolve-se em cinco passos. 1) A globalização actual é uma máquina de produção de desigualdades nacionais à escala do mundo e de desigualdades sociais no interior de cada nação. 2) Deveremos por isso tomar distância em relação a essa máquina global, deixando o euro e adoptando uma moeda própria, com todas as possibilidades de política financeira e económica que daí resultam. 3) Estas possibilidades podem ser aproveitadas de modo a que, forçados pela privação resultante da desconexão parcial com o sistema mundial, desenvolvamos capacidades novas que julgávamos perdidas, para este efeito adoptando-se uma política industrial activa. 4) Ao mesmo tempo, acrescente-se, será possível irmos combatendo a desigualdade social no interior da nação, combate importante para elevarmos os níveis de confiança interpessoal da comunidade nacional e, também, para a própria regeneração da economia por via do consumo interno. 5) Finalmente, poderemos, atingido um certo nível de crescimento económico, regressar ao sistema mundial, talvez até tornando-o um pouco mais justo.

Esta é, creio, uma proposta interessante, desde logo porque tenta romper com a tendência em que boa parte da esquerda tem vindo a ser, nas actuais circunstâncias, aceleradamente atolada: a contínua defesa de direitos continuamente perdidos de luta em luta até à perdição final.

Mas é também, ainda assim, uma proposta que deve ser recusada sem qualquer hesitação.

Se me é permitido atalhar caminho, e correndo o risco de estabelecer uma comparação injusta para os nossos economistas de esquerda, diria que devemos recusar a proposta por motivos não muito diversos dos que nos levam a resistir ao argumento do governo de Passos Coelho segundo o qual as actuais políticas de austeridade são apenas medidas sacrificiais que, no futuro, e uma vez saldada a dívida, permitirão ao país recuperar a sua soberania e reactivar a democracia entretanto suspensa por ordens externas.

Em ambos os casos há uma desistência em relação à actualidade política europeia.

Passos Coelho desiste porque despolitiza a Europa obedecendo-lhe caninamente: para Passos Coelho, da Europa surgem apenas ordens que ele terá que cumprir, não se lhe ocorrendo participar politicamente no espaço europeu, por exemplo discordando do que diz ser-lhe imposto, por exemplo.

Já a proposta dos nossos economistas de esquerda acaba também por fazer acreditar que o espaço europeu não é mais susceptível de intervenção política, refugiando-se eles, por isso, no espaço nacional. Não s refugiam, note-se, por terem desistido da política em favor da economia, como Passos Coelho, mas porque querem – e bem – retomar a política como factor que determina a economia. O problema está em que desprezam a possibilidade de uma política económica europeia combater o desemprego, a desigualdade e a pobreza. Dirão os nossos amigos economistas que tal política europeia é uma utopia, mas não há nenhum motivo – pelo menos para quem não tenha uma crença nacionalista que o anime – para julgar que o tamanho dessa utopia seja menor porque a imaginamos apenas aplicável a Portugal. Se o ministro das Finanças de Portugal tem tantos laços de afinidade com o ministro das Finanças alemão, não há nenhum motivo para que os trabalhadores portugueses e as suas organizações não se irmanem com os seus congéneres da Alemanha.

E mais uma sondagem grega

[Em inglês; em grego]

Nova Democracia.............19%
PASOK............................14,5%
SYRIZA...........................13%
Esquerda Democrática......12%
KKE................................11%
Gregos Independentes......11%
Chrysi Avgi........................5%
LAOS................................3%
Verdes...............................3%

Resumo: troika - 33,5%; esquerda anti-troika - 39%; direita anti-troika - 19%.

[Via Phantis]

Como o nosso governo dá razão a Lenine...

É verdade que várias gerações de portugueses viveram à sombra das garantias do Estado. Acreditaram que este seria uma “pessoa de bem”, “de direito”; capaz de administrar a justiça e zelar pelos desvalidos, redistribuindo parte do que exigia aos mais afortunados. Imagine-se que a confiança na providência ia ao ponto de lhe confiarem o bem-estar na doença e na velhice. 
Mas não era para menos: nas suas origens, o Estado existia por graça divina, tendo esta legitimidade sobre-humana dado depois lugar à miragem de uma entidade neutra que velaria pela liberdade de todos, com o “interesse nacional” a tudo justificar. Isso até ao dia em que uma conveniente crise internacional pôs nas mãos de uns poucos a oportunidade de devolver o Estado à sua real condição: a de ferramenta de domínio na luta de classes. 
O Estado português é hoje um dispositivo que retira a maior verba possível a quem trabalha, sacrificando-a no altar na estabilidade dos mercados e das instituições financeiras. Nos estilhaços desta ofensiva jazem os danos colaterais do costume: os doentes, os pobres, os desempregados, os velhos, as crianças. “Custe o que custar” – todo um programa em quatro palavrinhas. 
Bens supérfluos como a noção de dignidade mínima do cidadão... ei-los tragados pela nova configuração do nosso mundo: um gigantesco formigueiro onde só temos é de aceitar cada sacrifício suplementar sem fazer ondas. Quem não suportar esta nova ordem que fuja para o estrangeiro ou para debaixo de um comboio.

11/04/12

Venham mais cinco para a camarada Joana do Brumas!



E obrigado pelos que já cá cantam…

A caminho do autoritarismo

Alguns dias após o Alexandre Abreu concluir no último parágrafo destes três textos publicados no Ladrões de Bicicletas que

"(..)a crise financeira teve lugar em 2007-08 mas a crise económica está ainda em curso – e é uma crise estrutural, a crise terminal do actual regime de acumulação, que tenderá a tornar-se cada vez mais evidente por via da agudização dos conflitos entre as diferentes forças sociais. Conflitos esses cujo palco inicial consiste, como é já bem visível, nas questões em torno da dívida (da questão do (in)cumprimento à questão da migração da dívida do sector privado para o sector público), mas que, inevitavelmente e a prazo, se deslocará para o cerne do problema (a divisão do produto social e a democraticidade da super-estrutura). Para o bem ou para o mal, “mais do mesmo” não resultará. Aquando da crise análoga anterior, na década de ’70, o campo progressista foi derrotado, talvez vítima do seu próprio sucesso anterior. Desta vez, as condições são muito diferentes, mas o embate não será menos decisivo."

aparecem sinais evidentes (via Brumas), e bem próximos de nós, de que o novo regime de acumulação (de Poder, ainda e para já no âmbito do sistema Capitalista), será caracterizado pelo autoritarismo: terminada a ilusão do consumo alimentado a crédito e da "democracia" representativa, deixará de ser possível esconder o aumento da expoliação do produto do trabalho necessário para repôr as taxas de acumulação anteriores à crise e a impossibilidade de mudar o sistema económico-social dentro da "Lei", do que resultará um aumento da conflitualidade social, apenas passível de ser contido pela via do aumento da repressão judicial e policial. Do autoritarismo ao fascismo será apenas um passo, dado quando e onde quem detém o Poder achar necessário colocar uma parte mais significativa da população a vigiar e reprimir a maioria revoltada.

News from the twilight zone

A ninguém passa pela ideia que os insurrectos sírios sejam malta integralmente recomendável ou que não se entretenham também com as suas ocasionais violações de direitos humanos. Mas fazer tábua rasa de tudo o que organizações como a HRW nos relatam do que se vai passando na Síria... já é coisa de malucos: «Depois de terem sido obrigados a bater em retirada pelo exército sírio, os grupos armados responsáveis pela violência no país apostam nos atentados terroristas». Além da Coreia do Norte, não imagino outro local onde um artigo sobre a situação síria pudesse começar assim. Só mesmo no Avante!