28/11/15

Humilhação e violência

A edição de hoje do jornal Público contém um artigo extremamente útil para perceber o que realmente motiva aqueles que se juntam ao Estado Islâmico (EI) com o intuito de executar actos de violência, seja onde for. A conclusão do artigo é clara: aqueles que o fazem, vêm na violência um exercício de catarse da sua raiva interior, auto-justificada com a pretensa defesa do "Islão". Colam-se à etiqueta EI para auto-engrandecerem os seus actos. Percebendo isto torna-se evidente o erro em que incorrem todos aqueles que perante actos de violência cometidos em nome do "Islão/EI", pressupõem que a motivação desses actos é o fanatismo ou fundamentalismo religioso.

É sempre a raiva, o ódio, que alimenta o exercício da violência. Mas a raiva, o ódio, nunca são gerados apenas pela percepção da existência do Outro. Esta pode, no máximo, gerar desconforto, medo, sentimentos negativos, mas defensivos nas acções que desencadeiam, ou seja, levam ao retraimento, podem originar uma fuga. A raiva, o ódio, resultam antes, na maior parte das vezes, de um dos sentimentos mais poderosos que um ser humano pode sentir: a humilhação. Neste outro artigo discute-se como a humilhação, sentida por todas as partes envolvidas num conflito, alimenta a espiral de violência. Ora, a humilhação quotidiana é uma parte integral da esmagadora maioria das sociedades existentes neste planeta. Está presente em todas as sociedades onde existem hierarquias impostas, seja através do uso da força, seja pelo condicionamento cultural e social. Em particular, as sociedades assentes no modo de produção capitalista são pródigas na diversidade dos meios utilizados para induzirem humilhação, que vão desde as acções perpetradas pelos agentes do Estado, passando pelas relações de produção/trabalho, pela valorização da propriedade e associada desvalorização de tudo o que não é quantificável, e portanto que não é passível de mercantilizar. Vale a pena ler este artigo, onde se exemplifica com um caso concreto, como a humilhação sentida em resultado do embate com o Capitalismo levou à raiva, que também neste caso se transmutou num pretenso "radicalismo religioso".

Erradicar a humilhação que produz a raiva que alimenta o conflito e a violência só é possível a partir do momento em que nos vejamos verdadeiramente como iguais, como igualmente merecedores de respeito. Uma sociedade assente neste princípio só pode ser radicalmente democrática e comunista.

França : a quém serve a guerra deles ?

  Este texto (em francês) que circula nas redes sociais é o mínimo que pode, e deve, ser dito sobre a situação pesada e dificil que vive a sociedade francesa. 
Contribuição para quém não se submete à propaganda de morte do complexo militaro-industriel e dos sinistros chefes politicos que estão ao serviço dos seus interesses, que criaram os Frankenstein que hoje trazem a guerra para casa. Com o Estado de Urgência "socialista" chegou também a repressão social e o governo pelo medo. Entre os discursos de guerra, de vingança, de incitação ao ódio e à religiosidade, um esgoto aberto de irracionalidades, a ordem deles (dixit o Sr. Valls) é clara e sem apelo : "Sobretudo não pensar!" A nossa resposta terá obviamente de ser a recusa desta lógica. Porque o que vivemos é : " A vossa guerra, os nossos mortos".


A qui sert leur guerre ?

Aucune interprétation monolithique, aucune explication mécaniste n’élucidera les attentats. Faut-il pour autant garder le silence ? Beaucoup jugent - et nous les comprenons - que devant l’horreur de l’événement, seul le recueillement serait décent. Mais nous ne pouvons pas nous taire, quand d’autres parlent et agissent pour nous : nous entraînent dans leur guerre. Faut-il les laisser faire, au nom de l’unité nationale et de l’injonction à penser comme le gouvernement ?
Car ce serait la guerre, désormais. Auparavant, non ? Et en guerre pour quoi : au nom des droits de l’homme et de la civilisation ? En réalité, la spirale dans laquelle nous entraîne l’Etat pompier-pyromane est infernale. La France est en guerre continuellement. Elle sort d’une guerre en Afghanistan, lourde de civils assassinés. Les droits des femmes y sont toujours bafoués, tandis que les talibans regagnent chaque jour du terrain. Elle sort d’une guerre en Libye qui laisse le pays ruiné et ravagé, avec des morts par milliers et des armes « free market » qui approvisionnent tous les djihads. Elle sort d’une intervention au Mali. Les groupes djihadistes liés à Al-Qaida ne cessent de progresser et de perpétrer des massacres. A Bamako, la France protège un régime corrompu jusqu’à l’os, comme au Niger et au Gabon. Les oléoducs du Moyen-Orient, l’uranium exploité dans des conditions monstrueuses par Areva, les intérêts de Total et de Bolloré ne seraient pour rien dans le choix de ces interventions très sélectives, qui laissent des pays dévastés ? En Libye, en Centrafrique, au Mali, la France n’a engagé aucun plan pour sortir les populations du chaos. Or il ne suffit pas d’administrer des leçons de prétendue morale (occidentale). Quelle espérance d’avenir peuvent nourrir des populations condamnées à végéter dans des camps ou à survivre dans des ruines ?
La France prétend détruire Daech ? En bombardant, elle multiplie les djihadistes. Les « Rafale » tuent des civils aussi innocents que ceux du Bataclan. Comme en Irak, certains de ces civils finiront par se solidariser avec les djihadistes : ces bombardements sont des bombes à retardement.
Daech est l’un de nos pires ennemis : il massacre, décapite, viole, opprime les femmes et embrigade les enfants, détruit le patrimoine mondial. Dans le même temps, la France vend au régime saoudien, pour des milliards d’euros, des hélicoptères de combat, des navires de patrouilles, des centrales nucléaires; l’Arabie saoudite vient de commander trois milliards de dollars d’armement; elle a réglé la facture des deux navires Mistral, vendus à l’Egypte du maréchal Al Sissi qui réprime les démocrates du printemps arabe. En Arabie saoudite, ne décapite-t-on pas ? N’y coupe-t-on pas les mains ? Les femmes n’y vivent-elles pas en semi-esclavage ? Engagée au Yémen au côté du régime, l’aviation saoudienne a bombardé les populations civiles, détruisant au passage des trésors architecturaux. Bombardera-t-on l’Arabie Saoudite ? Ou bien l’indignation fluctue-t-elle selon les alliances économiques de l’heure ?
La guerre au Djihad, dit-on martialement, se mène en France aussi. Mais comment éviter que ne sombrent des jeunes issus en particulier des milieux populaires, s’ils ne cessent d’être partout discriminés, à l’école, à l’embauche, dans l’accès au logement ou dans leurs croyances ? Et s’ils finissent en prison. En les stigmatisant davantage ? En ne changeant rien à leurs conditions d’existence ? En niant leur dignité revendiquée ? 
Nous sommes ici : la seule manière de combattre concrètement, ici, nos ennemis, dans ce pays devenu le deuxième vendeur d’armes mondial, c’est de refuser un système qui, au nom du profit à courte vue, produit partout plus d’injustice. Car la violence d’un monde que Bush junior promettait, il y a quatorze ans, réconcilié, apaisé, ordonné, n’est pas née du cerveau de Ben Laden ou de Daech. Elle pousse et prolifère sur la misère et les inégalités dont, année après année, les rapports de l’Onu montrent qu’elles s’accroissent, entre pays du Nord et du Sud, et au sein des pays dits riches. L’opulence des uns a pour contrepartie l’exploitation et l’oppression des autres. On ne fera pas reculer la violence sans s’attaquer à ses racines. Il n’y a pas de raccourcis magiques : les bombes n’en sont pas.
Lorsque furent déclenchées les guerres d’Afghanistan et d’Irak, nos mobilisations ont été puissantes. Nous affirmions que ces interventions sèmeraient, aveuglément, le chaos et la mort. Avions-nous tort ? La guerre de F. Hollande aura les mêmes conséquences. Il est urgent de nous rassembler contre les bombardements français qui accroissent les menaces et contre les dérives liberticides qui ne règlent rien, mais contournent et nient les causes des désastres. Cette guerre ne se mènera pas en notre nom.

Signataires :

Ludivine Bantigny, historienne; Emmanuel Barot, philosophe; Jacques Bidet, philosophe; Déborah Cohen, historienne; Laurence De Cock, historienne; Christine Delphy, sociologue; Cédric Durand, économiste; Fanny Gallot, historienne; Eric Hazan, éditeur-écrivain; Sabina Issehnane, économiste; Razmig Keucheyan, sociologue; Marius Loris, historien, poète; Marwan Mohammed, sociologue; Olivier Neveux, historien de l’art; Willy Pelletier, sociologue; Irène Pereira, sociologue; Julien Théry-Astruc, historien; Rémy Toulouse, éditeur; Enzo Traverso, historien.

25/11/15

Um Governo do PS com o apoio da esquerda -II


Finalmente, António Costa foi indicado/indigitado para liderar o próximo Governo e, neste momento, são já conhecidos os ministros que dele farão parte.
A Assembleia da República, que teve já oportunidade de aprovar importante legislação com base na maioria de esquerda aí existente, irá aprovar o programa do Governo e o Orçamento para 2016.
Este novo Governo é um Governo do PS, como aqui referi, apoiado pela esquerda parlamentar. Não é um Governo de coligação dos partidos que na AR asseguram uma maioria de esquerda.
A sua próxima tomada de posse põe um ponto final numa das mais antigas impossibilidades da política portuguesa: os partidos à esquerda do PS não integram o arco da governação. Mas, o acordo não foi capaz de acabar com outra impossibilidade tão velha como a primeira: os partidos à esquerda do PS não integram os Governos. Mesmo aqueles que apoiam politicamente, sabemo-lo agora.
Parece-me mal a permanência desta impossibilidade. Parece-me ainda pior, porque não duvido que isso resulta da mais difícil de ultrapassar de todas as barreiras: aquelas que nós colocamos a nós próprios. Ora, não precisava de ler a seguinte  frase da deputada Mariana Mortágua para saber que os partidos à esquerda não aceitaram integrar o Governo.

"(...)Aquilo que permite um acordo com estas características, mas não permite uma coligação de Governo diz respeito àquilo que nos diferencia. Estou a falar das questões europeias, do Tratado Orçamental, da dívida(...)"

Esta frase consagra a impossibilidade de o BE -  o PCP é mais imprevisível - participar num Governo, a menos que seja o "seu Governo", ou um Governo liderado pelo PCP, porque não se percebe outra forma de ultrapassar estes "constrangimentos". Parece-me que a opção mais inteligente seria integrar um Governo, o actual, trabalhando para a correção destes instrumentos de controlo orçamental que a nível Europeu determinam muito do que se faz internamente. Embora o constrangimento europeu implique muitas e diferentes "lutas" que importará travar. Há aqui uma clara demissão que aparece disfarçada de fidelidade aos princípios ou de intransigência.
Há ao mesmo tempo uma ilusão política grave. Dá-se a entender que há duas dimensões separadas na governação: a europeia e a nacional. Um erro político grave, que representa uma cedência àqueles  que dentro do BE  digeriram com dificuldades o acordo e desde sempre se opuseram à participação no Governo.
As consequências prácticas da permanência desta impossibilidade são várias. Em primeiro lugar quer isto dizer que o acordo conseguido se organiza em torno de um programa mínimo e que a forma como a governação se irá desenrolar dependerá, exclusivamente, da forma como o PS irá gerir as relações com os seus apoiantes e com as restantes entidades que, nacional e internacionalmente, interferem com a Governação. O que significa que se António Costa quiser conferir um teor mais centrista à Governação, apesar do rigoroso cumprimento do Programa Mínimo, isso não será impedido pelos que suportam o Governo a nível parlamentar.
Como refere a deputada bloquista na entrevista já aqui citada :


Uma solução contra o empobrecimento é muito importante. Legitima, por si só, o acordo. Mas, é uma solução pobre, já que ignora as restantes dimensões da política e da acção governativa. Ora, há muitas áreas em que a participação da esquerda bloquista e comunista poderia trazer vantagens ao Governo e à governação.  Um reforço da transparência,  um combate ao tráfico de influências e à corrupção. Uma despartidirização da máquina e do aparelho de Estado. Uma gestão mais transparente do Quadro Comunitário. Um maior controlo dos fundos comunitários investidos, com combate à corrupção que se organiza à sua sombra. Uma revisão da Contratação Pública, eliminando as novas formas de promoção da corrupção e do nepotismo. Essas vantagens  -resultantes da participação directa no Governo - não são substituíveis por Grupos de Trabalho, por muito que os temas a tratar sejam relevantes e devam ser discutidos. Mas, sinceramente, é necessário fazer um grupo de trabalho para analisar as questões da Política de Habitação? E será possível continuar a ignorar uma abordagem da política de ordenamento do território, que ignore a política de solos e de habitação e que ignore uma política das cidades ? Pelos vistos sim, embora isso vá ser estudado.
Bom, estas criticas não são apagadas pela existência de um Governo que coloque um ponto final nos aspectos mais nefastos da austeridade e acabe com um dos Governos mais sinistros da democracia. Mas esperemos pelo programa e pelo Orçamento para vermos melhor o que aí vem.
Há pelo menos uma sensação de alívio na sociedade e o renascer da convicção de que a esperança é possível, outra vez. A TINA recolheu aos bastidores de onde nunca devia ter saído. Saiu de cena.

 

24/11/15

O estado de emergência em França (II)

France Cracks Down on Civil Liberties, Sometimes Exceeding US's Post-9/11 Response, por Anthony L. Fisher (Reason):
France's reaction to the terrorist attacks of two weeks ago, which left 130 dead, is playing out similarly to the US's response after the 9/11/01 attacks which left 2,977 dead, but in some ways goes even further.
France Goes to War on Civil Liberties, por (Mother Jones):
The rise of a police state in France may come as a surprise to Americans old enough to remember when France stood out as Europe's greatest critic of President George W. Bush's war on terror—a spat that peaked in 2003 when, in response to French opposition to the invasion of Iraq, the House of Representatives cafeteria rebranded its French fries "Freedom Fries." (...=

SPEECH AND THE PRESS

United States: The constitutional right to free speech in the United States remained in full effect in the aftermath of 9/11. Disturbing images of people jumping to their deaths from the World Trade Center led the front pages of newspapers around the country.

France: The state of emergency law authorizes the government to "control the press" by placing restrictions on everything from radio broadcasts to movies and plays. Just after the Paris attacks, the French police prevented journalists from interviewing witnesses. In the following days, France's Interior Ministry asked social media networks such as Twitter to censor photographs of the killings and to remove keywords and posts it deemed to be pro-ISIS. Under France's expansive hate speech laws, it is a crime to insult people based on their race, religion, or sex; to deny the Holocaust; or to advocate terrorism.
The expanded powers approved on Friday give police officers an increased capacity to block websites that "encourage" terrorism. But in extending the state of emergency, parliament removed the restrictions on journalists. Lawmakers are also reportedly considering a law that makes it easier to deport radical imams.

FREEDOM OF ASSEMBLY

United States: The US Constitution guarantees "the right of people to peaceably assemble"—a right that was generally respected even after 9/11. However, a 2010 Supreme Court ruling upheld a federal law that makes it illegal to offer "material support," including training and expert advice, to US-designated terrorist groups. Courts have also allowed the police to curtail the assembly rights of criminal gangs using "gang injunctions."

France: The declared state of emergency allows French authorities to close any public meeting place, including public theaters. The expanded powers approved on Friday permit police to dissolve groups or associations they believe participate in, facilitate, or incite acts that are a threat to public order. Members of these groups can be placed under house arrest.

The government has invoked the state of emergency to cancel protests and marches that were planned to coincide with the COP21 climate conference.

NATO: chão que já deu uvas?

- A França (membro da NATO) é atacada pelo Estado Islâmico

- Como a Rússia está a bombardear os grupos rebeldes sírios (incluindo o EI), a França fala em colaborar com a Rússia

- Entretanto, a Turquia (membro da NATO) abate um avião russo, que supostamente teria invadido o seu espaço aéro

Nos últimos dias, tem-se ouvido "analistas" a falarem sobre a importância da NATO, agora que a Europa está sobre ameaça terrorista; independentemente das dúvidas que se possam levantar em geral sobre o uso de forças militares convencionais para lutar contra o terrorismo, a NATO em particular parece largamente inútil no que diz respeito à luta contra o EI, já que os seus membros têm agendas largamente contraditórias no que diz respeito à Síria e arredores.

23/11/15

As condições de Cavaco

Atualização às 12:25 de 2015/11/24: seja lá o que Costa lhe tenha dito ou escrito, parece que o Cavaco lá ficou contente.

O presidente recusou-se para já a indigitar António Costa como primeiro-ministro, enquanto não forem esclarecidas as seguintes condições:
"a) aprovação de moções de confiança;

b) aprovação dos Orçamentos do Estado, em particular o Orçamento para 2016;

c) cumprimento das regras de disciplina orçamental aplicadas a todos os países da Zona Euro e subscritas pelo Estado Português, nomeadamente as que resultam do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do Tratado Orçamental, do Mecanismo Europeu de Estabilidade e da participação de Portugal na União Económica e Monetária e na União Bancária;

d) respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa colectiva;

e) papel do Conselho Permanente de Concertação Social, dada a relevância do seu contributo para a coesão social e o desenvolvimento do País;

f) estabilidade do sistema financeiro, dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa."

Algumas penso que seria fáceis de resolver - as das moções de confiança (com os 4 partidos a se comprometerem a votar a favor de qualquer moção de confiança que o governo apresente) provavelmente deveria estar no acordo desde o príncipio; a dos orçamentos há boas razões para não estar, mas o texto dos acordos poderia ser facilmente reescrito para dar a volta ao problema (estilo "o orçamento será analisado e discutido com os partidos signatários de forma a se assegurar que tenham a sua concordância"). Já a do papel do CPCS e da estabilidade do sistema financeiro, parecem-me coisas tão vagas que até poderiam ser facilmente metidas nos textos (mas o seu caráter vago tem um reverso - o PR poderia sempre dizer que o que fosse metido no texto não era suficiente).

Os grandes problemas são, portanto, o tratado orçamental e a NATO.

No que diz respeito ao tratado orçamental, parece-me que não faz sentido o BE e a CDU aceitarem-no; no fundo, o seu acordo com o PS assenta muito numa posição "nós achamos que é muito díficil romper com as políticas de austeridade dentro do tratado orçamental; mas se o PS acha que é possível, terá o nosso apoio para isso"; mas introduzir o tratado orçamental no acordo implicaria, parece-me, ter uma cláusula dizendo que os compromissos de aumento dos salários e das despesas sociais seriam suspensos ou reformulados se afinal se chegasse à conclusão que as contas do PS estavam erradas e não era possível realizá-los no quadro do tratado orçamental - o BE e a CDU aceitarem isso seria abandonarem todo o seu programa.

Quanto à NATO, não sei se não será uma falsa questão - posso estar completamente enganado, mas creio que nenhum intervenção da NATO foi sujeita a uma votação na Assembleia da República, pelo que, se assim for, não é preciso o BE e a CDU concordarem ou deixarem de concordar com essas intervenções para elas se fazerem (e a exigência de Cavaco é apenas uma forma de levantar obstáculos, pondo condições que dificilmente o BE e a CDU aceitarão).

22/11/15

O estado de emergência em França

É impressão minha ou o atual estado de emergência francês (com proibição de manifestações, possibilidade de deter pessoas sem autorização judicial, etc.) é muito mais limitador das liberdades civis que o tão criticado "Patriot Act" norte-americano pós-11 de setembro? E com a agravante que não me parece estar a levantar em França as críticas que o "Patriot Act" levantou nos EUA.

Será que, pelos vistos, nós, europeus, somos mesmo mais dados que os norte-americanos a estarmos dispostos a trocar liberdade por segurança? Poderá ser também o caso que os "líderes de opinião" tendem a ser menos críticos para com um presidente francês (e do Partido Socialista) do que seriam para com um presidente norte-americano (sobretudo se for Republicano)...

Outra coisa que me ocorre: a tal conversa do "eles odeiam-nos pela nossa liberdade" é idiota (afinal, os islamitas radicais também não são fãs de ditaduras comunistas, de ditaduras nacionalistas relativamente seculares e alguns nem gostam de monarquias absolutas islâmicas que se desviem um milímetros da linha mais radical), mas é capaz de ter uma coisa boa: leva a que se seja mais cuidadoso em restringir liberdades em nome do combate ao terrorismo, já que leva as pessoas a acharem que se se restringir muito as liberdades "os terroristas ganharam".

19/11/15

Uma crónica de antologia de Ricardo Araújo Pereira

Quem não tenha por hábito comprar a revista Visão, não deve deixar de visitar o link publicado pela Joana Lopes, para a ler na íntegra e guardar para memória futura a crónica desta semana de Ricardo Araújo Pereira. Entre os nomes dos que, juntamente com os assassinos, condenam os que ofendem a  sensibilidade religiosa daqueles, figuram "grandes nomes"  (falta, é certo, um tal Santos, particularmente emblemático de certa "esquerda" da região portuguesa, o que não tira um grama de lucidez ao texto) das nossas elites intelectuais, políticas, eclesiásticas e literárias, documentando bem a estupidez abissal com que a oligarquia governante procura — parafraseando O'Neill — perfilar-nos de medo e fazer-nos obedecer.

17/11/15

O Observador, os governos legítimos e ilegítimos e o falecido Helmut Schmidt

No seu artigo de opinião no Observador, Os disponíveis, Maria João Avillez dedica-se sobretudo a atacar a futura aliança de esquerda («esta trapalhada em que estamos, feiíssima trapalhada que as boas almas se apressam sempre a rotular de “legítima”») e ainda mais o que me parece um produto da imaginação dela - as pessoas de direita e entidades patronais que estariam a ser muito brandas na crítica a esse acordo («Basta ouvir o silêncio ensurdecedor que durante as últimas semanas envolveu todo o espaço à direita do PS para se compreender o que digo»; « basta observar como alguns mentores ou responsáveis da sociedade civil, patrões ou “concertadores sociais”, estão já disponíveis para o beneficio da dúvida senão mesmo para a fé, para, com assinalável segurança, obter a temperatura do ar que se respira.» - em que planeta MJA tem estado?); mas dedica a parte final a evocar elogiosamente o falecido chanceler alemão Helmut Schmidt.

Já agora, pode ser interessante relacionar os dois assuntos, e lembrar as duas eleições (1976 e 1980) na sequência das quais Schmidt foi chanceler (numa coligação entre os seus sociais-democratas do SPD com os liberais do FDP):

1976
CDU/CSU 48,9%
SPD 42,6%
FDP 7,9%

1980
CDU/CSU 44.5%
SPD 42,9%
FDP 10,6%

Antes que alguém me diga que individualmente a CDU e a CSU tiveram, cada uma, menos votos que o SPD, noto que a CDU e a CSU têm um grupo parlamentar comum, uma "jota" comum, apresentam um candidato comum a chanceler e em cada região da Alemanha só concorre uma ou a outra, funcionando a nível nacional como, no mínimo, uma coligação pré-eleitoral permanente, se não mesmo um partido bicéfalo, fazendo todo o sentido dizer que ficaram em primeiro lugar nessas eleições (por outro lado, se quisermos mesmo contar os votos separados, terão sido os governos de Kohl em 1987 e 1994 e de Merkel em 2005 "trapalhadas"?).

Claro que se pode argumentar que MJA não diz que seja por o PS não ser o mais votado que um governo PS apoiado pelo BE e pelo PCP será uma trapalhada, logo será irrelevante quem foi ou não o mais votado nesta ou naquela eleição alemã do século passado; talvez - a direita farta-se de apresentar razões para esse governo ser "ilegítimo" (não ser liderado pelo partido mais votado, não ter sido anunciado antes das eleições, ser entre partidos que terão programas muito diferentes sobre alguns assuntos, porque os acordos serão muito limitados, porque o BE e o PCP não estão no governo, etc. etc.), saltando de umas para outras conforme é mais conveniente - mas atendendo que ela não explica o porquê da "ilegitimidade" vou assumir que é por não ser o mais votado (que me parece, apesar de tudo, ser o argumento mais popular para negar e legitimidade desse eventual governo).

16/11/15

A "esquerda sonsa" disposta a fumar, mas sem engolir

Há pouco tempo ainda, o PS dizia que, em último caso e se o resto da malta lhe passasse o charro, fumava. Agora diz que é preciso distinguir entre fumar e engolir o fumo.

António Costa foi questionado sobre se admitia uma intervenção militar contra a organização terrorista, com participação portuguesa, e recusou: “Há formas diversas que não implicam o envolvimento direto, há porventura formas mais adequadas” de “honrar os compromissos internacionais do país”, disse Costa. O ponto era sensível, visto que PCP e BE são abertamente contra qualquer intervenção militar.

A "esquerda patriótica", a "esquerda gaga" e a guerra

Como o Miguel Madeira mostrou ainda há pouco, o EI é, de facto, um Estado. Ora, acontece que esse Estado declarou em termos mais do que explícitos guerra à UE. O que nos põe perante algumas questões imediatas e claras, que podem resumir-se nas duas perguntas seguintes: Será possível travar a guerra por via política não-militar? Caso não seja possível ou não queiramos aceitar a via da negociação ou da rendição militar, que fazer na situação de guerra efectiva em questão?

A este respeito, convém reconhecer que, se as respostas dos partidos que constituíram até há pouco o "arco da governação" são vagas e erráticas — a guerra, só em último lugar; a guerra, só se não houver outra maneira; etc., sendo que não são sequer formuladas as perguntas: A guerra, como? A guerra, para quê?—  —, as da "esquerda" parlamentar são ainda mais insensatas (caso do PCP) ou vazias (caso do BE).  Com efeito, se havia quem receasse que a "esquerda patriótica" e soberanista, assumisse perante a declaração de guerra de um Estado agressor posições de apoio incondiconal a medidas de retaliação defensiva, não poderá deixar de sentir-se estupefacto perante a recusa, após uma declaração de guerra de outro Estado, de qualquer intervenção militar no estrangeiro. Dizer que a guerra declarada aos Estados membros da UE pelo EI se deve, sobretudo, à política externa norte-americana, etc., etc., não impede essa declaração de atentar contra a "nossa pátria".

As considerações gagas do BE conseguem o prodígio de não dizer coisa nenhuma: o Bloco de Esquerda recusou que a “solução” para o terrorismo passe pela “violência” e pela via militar. Contactado pelo Observador, o BE remeteu qualquer esclarecimento sobre a posição do partido para as declarações feitas este fim de semana pelos dirigentes bloquistas que estavam em Paris. Falando aos jornalistas no domingo depois de prestar homenagem às vítimas, o líder parlamentar bloquista defendeu que a “resposta ao terror” deve ser “forte, veemente, mas dentro do quadro da democracia”. Ou seja, sem violência e sem ação militar de contra-ataque (…) O mesmo disseram a coordenadora do BE, Catarina Martins, e a candidata presidencial apoiada pelo partido, Marisa Matias: que caminho tem de ser feito pela “solidariedade” e não através do “ódio”. Essa é, disseram, “a única resposta da paz e dos direitos humanos”. As dirigentes bloquistas defenderam, durante uma sessão de apresentação da candidatura de Marisa Matias a Belém, que a Europa não pode enfiar a cabeça na areia nem construir muros ou fechar fronteiras, devendo sim procurar perceber “as causas e razões destes atentados” e trabalhar para “acabar com o terrorismo”. A "resposta ao terror", "forte e veemente", será, quando muito, a constituição de um grupo de trabalho, que estude — não se sabe se em conjunto com o PS, ou não — maneiras pacíficas e solidárias de combater o agressor.

Por fim, é de notar o quase silêncio da "esquerda patriótica" e do BE sobre a questão dos refugiados e a urgência, que a guerra em curso só vem reforçar, de um acolhimento mais aberto e que vise a sua integração acelerada nos países da UE como cidadãos de parte inteira, sem guetos, nem outorgas envenenadas de estatutos identitários à parte.

O "Estado Islâmico" não é um estado nem é islâmico?

É frequente dizer-se que o autoproclamado "Estado Islâmico" não é um estado nem é islâmico. Será? Vamos ver:

- O EI tem todas as características de um Estado: controla um território (sobre qual exerce o monopólio da violência), aplica uma dado sistema legal (neste caso, uma interpretação da sharia), cobra impostos, tem até uma espécie de aparelho administrativo, etc.

- E é claramente de inspiração islâmica - a grande diferença entre o EI e a Arábia Saudita (que quase ninguém negará que seja islâmica) é que a Arábia Saudita (ou, já agora, a outra fação fundamentalista dos rebeldes sírios, a Al-Nusra) não transmite as execuções para o mundo via youtube.

Neste conversa de "o EI nem é um Estado nem é Islâmico" parece-me haver um grande desejo de negar que tanto os estados como as religiões possam cometer ou promover atrocidades.

15/11/15

"Pressão no trabalho e meritocracia"

Ontem no Expresso (Economia) com uma espécie de sondagem sobre que sacrifícios os trabalhadores europeus dizem estar dispostos a aceitar nos próximos anos; aparentemente os resultados estão divididos em 3 categorias: mais "horas de trabalho", menos "proteção social" e mais "pressão no trabalho ou meritocracia".

À partida, isto parece-me como um estudo sobre possivel solução para o alegado problema da obesidade infantil, que refira 3 possíveis soluções: "comerem menos", "construir mais parques infantis" e "comerem vegetais e terem choques elétricos ao deitar" - não é muito claro qual a ligação entre os vegetais e os choques elétricos, e a mim também não vejo qual a grande ligação entre "meritocracia" (isto é, as pessoas terem promoções e prémios de acordo com o seu mérito, e não por serem filhos de A, amigos de B ou amantes de C) e "pressão no trabalho"; aliás, enquanto imagino que a maior parte da pessoas achem que mais "pressão no trabalho" é uma coisa à partida má (que até pode valer a pena se os resultados compensarem, mas mesmo assim é será visto como um sacrifício necessário, não como uma coisa boa), suspeito que quase* toda a gente achará que "meritocracia" é uma coisa boa (suspeito que mesmo os tais filhos/amigos/amantes achem que, em abstrato, a meritocracia é boa); ok, é verdade que numa sociedade em que se espere que as promoções vaiam para quem tem mais "mérito" haja mais incentivo para trabalhar em grande ritmo do que numa sociedade em que se está à espera que, aconteça o que acontecer, o promovido seja o sobrinho do diretor, mas não me parece uma ligação suficientemente forte para se poder juntar as duas coisas (aliás, confesso que me cheira a propaganda o associar "pressão no trabalho" a algo - "meritocracia" - que intuitivamente é considerada como positivo).

*há interessantes exceções: p.ex., Michael Young, o inventor da expressão "meritocracia", era da opinião que as pessoas na parte "de baixo" da sociedade seriam mais infelizes numa "meritocracia" do que noutra sociedade, já que nem teriam o conforto de se verem como vítimas da injustiça; creio que também Laurence Peter (do chamado "Princípio de Peter") escreveu algures que uma sociedade aristocrática tinha ao menos a vantagem que alguns cargos seriam ocupados por pessoas competentes (enquanto numa sociedade "móvel" os competentes vão sendo promovidos até ficarem num cargo em que sejam incompetentes e a sua carreira estagne a partir daí)

13/11/15

Revisão constitucional? (II)

Há uns anos Passos Coelho apresentou um projeto de revisão constitucional - sinceramente não sei se lá constava a ideia de abolir a regra de que o parlamento não pode ser dissolvido nos primeiros seis meses de mandato, mas duvido que constasse (afinal, nem na altura se falou do assunto, nem agora houve comentários estilo "esta proposta vem no sentido do que Passos Coelho defende desde...").

Nos 4 anos em que o PSD e o CDS foram maioritários, nunca apresentou uma proposta para rever a constituição nesse sentido (creio que as únicas propostas de revisão constitucional apresentadas na altura foram no sentido de integrar o Tratado Orçamental na Constituição).

Ok, é verdade que a razão e a imaginação humanas são limitadas e muitas vezes só começamos a pensar em solução para problemas quando esse problema surge. Será que é o caso? Vamos ver.

Desde para aí 3 ou 4 dias a seguir às eleições que se tornou claro que o governo PàF não iria ter apoio maioritário da AR - Passos Coelho apresentou a sua ideia de rever a Constituição na altura? Não.

Quando finalmente foi nomeado primeiro-ministro, e com tudo indicando que iria ser o governo mais rápido desde 1922, apresentou então a ideia de rever a Constituição? Não.

Quando finalmente o governo caiu e viu que não tinha mais cartas que pudesse jogar, apresentou então a ideia de rever a Constituição? Aí sim.

Assim, será que esta proposta resulta mesmo de uma posição pensada e coerente sobre como o regime deve funcionar? Ou será que é apenas uma ideia tirada da cartola em desespero de última hora, e se calhar feita mais com objetivos de propaganda (tentar encostar o PS à parede) do que propriamente por querer mesmo rever a constituição? Acho que a cronologia fala por si.

Uma nota - muita gente tem falado da impossibilidade constitucional de o presidente dissolver o parlamento nos últimos seis meses de mandato (p.ex., aqui; também este artigo de João Marques de Almeidapoderá fazer um bocadinho de sentido se for disso que ele está a falar); mas aqui o ponto principal parece-me ser a impossibilidade de dissolver o parlamento nos primeiros 6 meses a seguir a umas legislativas (mesmo que Cavaco não estivesse a acabar o mandato, não poderia dissolver o parlamento agora, e o seu sucessor também não o poderá logo dissolver - só a partir de abril, após seis meses de vida deste parlamento), logo assumo que a proposta de Passos Coelho pretenderia acabar com essa regra (não apenas com a dos últimos seis meses do mandato presidencial).

A privatização da TAP

A privatização da TAP parece um negócio cheio de aldrabices: creio que neste momento já se percebeu que afinal o Estado é que vai à mesma pagar as dívidas e que o grupo Barraqueiro não passa de um testa-de-ferro para contornar as regras europeias sobre empresas controlados por investidores de fora da UE (onde andam os defensores dos "compromissos europeus" face a esta tentativa de fugir às normas comunitárias); e creio que até é discutível que este governo ainda tivesse autoridade para proceder à privatização.

Dito isto, também não acho que a privatização seja uma grande tragédia - com a proliferação de companhias aéreas que há atualmente, fornecendo voos para as mais diversas rotas, é díficil argumentar que a TAP continua a ser um empresa de importância estratégica, necessitando de ser controlada pelo Estado (mais fácil seria defender isso para os aeroportos, p.ex.). Mas a suposta importância estratégia da TAP parece ser um dogma para todos os partidos portugueses, nas variantes "não pode ser privatizada porque a empresa tem um papel muito importante" ou "os trabalhadores não podem fazer greve porque a empresa tem um papel muito importante".

12/11/15

Os governos de coligação com a extrema-esquerda são instáveis

1938 França - O Partido Radical (apesar do nome, o mais à direita dos partidos da Frente Popular,em termos portugueses algures entre o PS e o PSD) abandona a aliança com socialistas e comunistas (com quem aqui haviam concorrido aliados às eleições de 1936) e forma um governo em aliança com a direita, sendo das primeiras medidas do novo governo revogar a legislação laboral da Frente Popular (nomeadamente as 40 horas semanais); com a nova aliança parlamentar entre os Radicais e a direita, o mesmo parlamento eleito quando da vitória da Frente Popular em 1936 virá  ilegalizar o Partido Comunista (em 1939) e finalmente a conceder "plenos poderes" ao marechal Petaín (em 1940).

Outros exemplos de como a extrema-esquerda fez cair os governos das coligações em que participou:






Revisão constitucional?

Rever a constituição no sentido de acabar com a regra de que o presidente não pode dissolver a Assembleia da República nos primeiros seis meses a seguir a uma eleição legislativa ia abrir caminho a que no futuro um presidente pudesse neutralizar o voto popular - ganham um partido que não quero? Dissolve-se o parlamento no dia a seguir? Volta a ganhar? Volta-se a dissolver! E assim durante meses ou anos (com o parlamento a reunir um dia ou dois de dois em dois meses e a ser imediatamente dissolvido), até o resultado corresponder aos desejos presidenciais.

Levando ao extremo, nem sei se um presidente que fosse acusado de cometer um crime no exercício de funções não se poderia safar usando esse expediente: nesses casos, é preciso que 1/5 dos deputados faça uma proposta de acusação contra o presidente e que essa proposta seja aprovada por 2/3, transitando a partir daí para o Supremo Tribunal. Mas e se o presidente à beira de ser acusado fosse dissolvendo permanentemente o parlamento de forma a nunca poder haver essa votação? Ok, admito que provavelmente demoraria alguns dias até o presidente poder dissolver o parlamento (até que teria que reunir o conselho de estado e isso tudo), dando tempo à AR para votar e mandar para o Suprema a acusação.

Pode-se dizer que há outros paises em que logo pouco depois de haver eleições o parlamento pode ser dissolvido e volta-se a fazer outra eleição (veja-se o caso grego de 2012, com eleições em maio e junho); mas esses são regimes parlamentares, em que o processo de formação do governo e de dissolução antecipada é largamente automático (p.ex., na Grécia após as eleições o líder do partido mais votado é encarregue de formar governo; se não conseguir passa ao líder do segundo mais votado; se este não conseguir passa ao terceiro; se este também não conseguir o parlamento é dissolvido) e em que portanto não há margem para um chefe de estado dissolver um parlamento recém-eleito só porque assim o decidiu (pondo de outra maneira - num sistema semi-presidencialista o presidente tem mais poderes que num sistema parlamentar, logo tem também que ter mais limites ao exercício desses poderes).

Os acordos PS/BE/PCP/PEV

Muita gente anda a reclamar de os acordos que o PS estabeleceu com o BE, o PCP e os verdes não preverem à partida compromissos como os "aliados" do PS votarem favoravelmente os orçamentos.

Vamos lá recordar-nos do processo de como eram feitos os orçamentos neste governo - a dada altura havia um Conselho de Ministros que começava de manhãzinha e se prolongava até de madrugada; no dia seguinte anunciava-se que já havia uma proposta de orçamento (que normalmente dava entrada na Assembleia da República na segunda-feira à noite) - ao longo desses dias, is surgindo notícias na comunicação social (vindas das tais "fontes próximas de fulano") dando algumas pistas do que viria no orçamento, e também referindo "lutas" entre os vários ministros, com uns a quererem uma coisa e outroa outra, e com compromissos de última hora.

Ora, se o processo de elaborar um orçamento é complicado e leva naturalmente a negociações acesas entre os membros do governo e, nos governos de coligação, entre os vários partidos, como é que o BE, o PCP e o PEV poderiam concordar já em votar a favor do orçamento de 2017 ou do de 2018 (orçamentos esses que ainda ninguém - a começar pelo próprio PS - tem uma ideia minimamente detalhada sobre o que vai aparecer)?

Pode-se dizer que neste governo o CDS, mesmo com as tais negociações até madrugada que haveria, tinha o compromisso de votar favoravelmente o Orçamento; mas há aqui uma diferença - o CDS estava no governo, logo o Orçamento final que fosse apresentado na AR já teria sido aprovado pelo CDS, por intermédio dos seus ministros. O BE, o PCP e o PEV não estão no governo, logo não faria grande sentido assumirem já o compromisso de nos próximos quatro anos votarem automaticamente a favor de qualquer orçamento que o governo do PS lhes pusesse à frente; o que o acordo diz (que o orçamento deverá ser negociado entre os vários partidos signatários) parece-me razoável num acordo deste género (é verdade que também poderia dizer "O BE (PCP) (PEV) assume o compromisso de votar a favor do orçamento proposto pelo governo, e o PS e o seu eventual governo assumem o compromisso de só apresentarem na AR um proposta de orçamento com que o BE (PCP) (PEV) tenha previamente concordado, mas isso é praticamente a mesma coisa que dizer que o orçamento vai ser negociado).

Dito isto, acho que na parte das moções de censura faria sentido que estivesse definido que BE, PCP e PEV votariam contra qualquer moção de censura apresentada para derrubar o governo PS, em vez de terem incluido esse tópico nos assuntos que deverão ser "negociados" (alguém acredita que se o PSD ou o CDS apresentarem um moção de censura ao governo e o BE, o PCP e/ou o PEV votarem a favor - ou até se absterem - o acordo na prática vai à vida, mesmo que formalmente BE, PCP e PEV não estejam obrigados a votar contra?)

Um Governo do PS com o apoio da esquerda -I

Depois da aprovação da moção de rejeição do programa do Governo da PàF está em marcha a tomada de posse de um Governo do Partido Socialista, liderado por António Costa. É isso que vamos ter: um Governo do Partido Socialista. Governo tornado possível pelo histórico processo político que permitiu juntar à mesa - ainda que em mesas separadas, como se veio a verificar ao longo do processo - PCP, PEV  e BE, com o ex-membro do arco-da-governação, o PS.
Para quem sempre defendeu os entendimentos à esquerda e as vantagens políticas de os partidos da esquerda serem capazes de estabelecer compromissos, este momento é um momento histórico. Pela primeira vez um governo terá a sua legitimidade ancorada num compromisso político que envolve toda a esquerda parlamentar. Compromisso que, não sendo total, foi escrito com letras suficientes, com as palavras certas, para ser capaz de aguentar as tormentas da legislatura.

A base política para este acordo é uma vontade imensa e um  programa mínimo.
[O carácter antidemocrático da nossa direita, de grande parte dela, para retomar a formulação de Freitas do Amaral, ficou mais uma vez à vista no escarcéu que fizeram perante a simples e cristalina normalidade democrática. Parecia que tinha sido declarada a República Bolchevique de Portugal.] Uma vontade imensa de derrotar a direita radical e de salvar Portugal do retrocesso e da degradação social. Um programa mínimo com medidas de carácter redistributivo, essencialmente de devolução dos rendimentos retirados, capaz de constituírem uma resposta eficaz à emergência social com que os portugueses se confrontam. Nada que se possa desvalorizar depois da devastação austeritária promovida por Passos e Portas. Um programa que ensaia um conjunto de medidas fiscais com impacto real na vida das pessoas, como acontece com a proibição das penhoras das casas de habitação ou com a promessa de limitar o saque fiscal a que Portas e Passos submeteram os portugueses. (Saque fiscal a que cinicamente chamaram "melhoria da eficácia da máquina fiscal", eufemismo que adocica o puro e duro abuso do poder).  Ou a retoma da ideia da cláusula de salvaguarda no IMI, um paliativo importante face ao terror que o IMI constitui, na sua versão actual.  Mas, mesmo assim, um programa mínimo.
Um programa incapaz, por si só, de determinar que o próximo Governo rompa de forma clara com aspectos essenciais da política seguida até hoje. Mas, claramente, uma ajuda importante nesse sentido.

Ora, parece evidente a qualquer um, que o que mudou no relacionamento entre as esquerdas é que todas elas mudaram. Mudou o PCP, célere a reagir à ultrapassagem pela esquerda concretizada pelo BE,  e a marcar politicamente o tempo que se seguia; mudou o PS, incapaz de mobilizar uma nova maioria a partir de uma posição excessivamente centrista, que percebeu ser a aliança à esquerda o único caminho para recuperar o pé perdido, e os mais de oitocentos mil portugueses que, em 10 anos, lhe viraram as costas; mudou o BE, que, reforçado com votantes vindos de todo o lado, percebeu ter sido a disponibilidade manifestada pela porta-voz para o diálogo - no célebre debate com António Costa -  que tornou o partido merecedor dos votos de tantos portugueses, tendo decidido avançar  para o dialogo e o compromisso. Todos mudaram.

Por isso faz todo o sentido admitir que António Costa, ao longo destas semanas, não apenas se disponibilizou para o compromisso à esquerda - é o primeiro, primeiro- ministro socialista, cuja eleição foi assegurada pela unidade das esquerdas - como terá redefinido um conjunto mais ambicioso de objectivos de política interna e sobretudo europeia, que aposte na reconfiguração da Europa, para possibilitar um longo período de transformação progressista do nosso país. A transitividade das dependências, do estilo, "Merkel manda em Sigmar Gabriel que por sua vez manda em António Costa", talvez não se aplique de todo, neste caso.

Para saber como o Governo vai mudar a vida de todos nós, temos que esperar em primeiro lugar pelo programa que o PS vai apresentar à Assembleia da República, e depois pela governação.
Gostaria de ter escrito neste post que Portugal vai ter um Governo que resulta de uma coligação pós eleitoral dos três partidos que suportam politicamente o Governo. Em que todos os partidos comprometidos se envolviam a fundo nas responsabilidades governativas, na construção das respostas políticas de todos os dias.  Não foi essa a vontade dos protagonistas e foi pena, acho eu. Mas essa reflexão fica para depois.

11/11/15

"O eleitorado quis..."

Sobretudo em eleições em que nenhum partido tem maioria, é frequente alguns comentadores falarem em variantes "o eleitorado quis um governo que faça compromissos". Ontem há noite, na SIC, a conversa do Miguel Sousa Tavares e do Marques Mendes era de que, ao terem tirado a maioria à PàF mas dando-lhe mais votos que o PS, os eleitores pretendiam que Passos Coelho permanecesse a liderar o governo, mas que tivesse que negociar com o PS.

Mas acho que isso não faz sentido - num sistema em que cada eleitor vota num e num só partido, e com voto secreto (sem portanto saber que impacto exato o seu voto vai ter na relação de forças entre partidos) não se pode dizer que os eleitores "decidem" não dar a maioria a um dado partido - uns eleitores votam num partido, outros noutro, e o resultado agregado pode ser não haver uma maioria, mas não o é porque os eleitores tenham tomado a decisão de que não queriam uma maioria: simplesmente aconteceu assim.

Se tivessemos um sistema eleitoral em que cada eleitor tivesse direito a 100 votos, pudesse-os distribuir pelos vários partidos como quisesse, e a votação total fosse o resultado da média (ou da soma, vai dar ao mesmo) das votações individuais, poderia fazer sentido dizer que os eleitores tinham decidido "não dar a maioria" (já que aí poderia haver mesmo pessoas na cabine de voto a tomar a decisão "vou dar 38 votos à PàF e 32 ao PS, porque quero um governo do Passos Coelho sem maioria"); é realmente possível que, no dias antes das eleições, famílias ou grupos de amigos se reúnam a combinar algo como "Queremos que a PàF ganhe sem maioria, portanto vamos fazer assim: eu, o Pedro e a Luísa votamos na PàF, o Joaquim e o cunhado dele votam no PS e a Paula vota na CDU" mas duvido muito que tal aconteça.

O que tenho 99% de certeza que se passa é que quem votou na PàF quisesse que a PáF ganhasse com maioria, e que quem votou no PS também quisesse que o PS ganhasse com maioria; atenção que o BE e a CDU são casos mais complexos: alguns dos seus eleitores concerteza gostariam que esses partidos tivessem a maioria, mas grande parte vota nesses partidos pensado simplesmente "temos que dar força aos pequenos para que «eles» [os grandes partidos, o governo, o "sistema" em geral, etc.] não possam fazer tudo o que querem" - suspeito até que alguns eleitores do BE ou da CDU nunca votariam neles se houvesse possibilidade de eles virem a liderar um governo.

Ou seja, acho que não existe nenhuma opção no boletim de voto que possa realmente ser interpretada como um voto a favor de um governo da PàF dependente do apoio do PS - votar PàF é votar num governo da PáF, votar PS é votar num governo do PS e votar BE ou CDU é sobretudo votar num governo fraco que tenha que negociar (poder-se-á perguntar se não seria exatamente isso o tal governo PáF dependente do PS, mas custa-me a acreditar que os eleitores do BE ou da CDU tenham votado nesses partidos com o objetivo de terem como resultado um governo de acordo PàF/PS; parece-me muito mais lógico assumir que preferem um governo PS dependente do BE e da CDU).

10/11/15

"Mercados" contentes com queda do governo?

Econnómico: 17:21 (...) Juros da dívida de Portugal aliviam em todos os prazos em mercado secundário depois da aprovada a moção de rejeição ao programa de Governo. A dez anos, a 'yield' alivia 5 pontos base, para 2,774%.

Tenho certeza que não há qualquer ligação entre uma coisa e outra, mas imagine-se que tinha sido ao contrário...

"Cariz político"

Governo: Centenas protestam em frente à AR contra moção de rejeição (Económico)
(...)A ação de protesto, convocada nas redes sociais, foi organizada pelo líder do CDS de Monforte, Mário Gonçalves que, à Lusa, explicou que a ação "não tem qualquer cariz político" e que nasceu de um movimento "voluntário e espontâneo" nas redes sociais.

O exemplo perfeito de uma manifestação que sem "qualquer cariz político" - uma manifestação organizada por um dirigente partidário e tendo como tema apoiar um governo contra as moções de rejeição da oposição.

Suponho que se o assunto da manifestação não fosse essa questão totalmente não-política (a escolha do governo e do primeiro-ministro) mas fosse alguma coisa como aumentos salariais nalguma empresa, ou contra despedimentos, aí sim, já seria catalogada como uma manifestação feita com fins políticos.

07/11/15

Programático versus Político.

Nos próximos dois dias aquilo que hoje é dado por adquirido poderá tender, rapidamente, a tornar-se uma impossibilidade. No entanto, aquilo que permite esta aproximação ao climax deste processo político - a tomada de posse de um governo apoiado politicamente por toda a esquerda - foi, sabemo-lo bem,  a quebra da mais antiga impossibilidade existente na política portuguesa: o diálogo e a aliança politica entre as esquerdas.
Mas talvez não. Talvez o acordo programático - que António Costa revelou esta noite ao País - possa dar lugar a um acordo político sólido e duradouro. O que até ao presente momento ainda não aconteceu, por não estar ainda fechado o acordo político entre PS e PCP. Como são duros os caminhos do compromisso. Como é surpreendente a existência de um compromisso programático  já firmado à mingua de um igualmente firmado compromisso político.
Há uma decisão tomada de que não gosto particularmente e que pode comprometer a solidez e a durabilidade do acordo: a não participação do PCP e do BE no futuro Governo. Parece uma medida acordada para satisfazer uma exigência mínima do ainda Presidente da República - e das instâncias europeias -  e reduzir a sua margem de obstrução. Mas, ao mesmo tempo, não é despropositado pensar que as pressões políticas contra o acordo, existentes sobretudo em sectores do PCP, impeçam essa solução tão "engaged". Até porque, recusando-se o PCP a integrar o Governo, o BE fica sem condições de o  fazer. Esta impossibilidade para estabelecer um único acordo e um Governo tripartido, mostra-nos que o campeonato à esquerda do PS vai continuar a determinar aquilo que estes partidos podem ou não fazer. Mostra que entre eles, digam o que disserem, a competição está acesa . Talvez mais acesa do que nunca. Mas, o tempo é de exaltação da unidade, de todas as formas de que a unidade se reveste.
Do ponto de vista da "protecção do emprego, dos salários e das pensões", para utilizar a formulação repetida sistematicamente pela líder bloquista, as negociações deram passos muito importantes. A entrevista de Costa revelou-nos isso mesmo. Medidas calendarizadas para uma concretização no prazo da legislatura, umas mais rápidas - como a reposição dos salários dos funcionários públicos, logo ao longo de  2016 -  outras ao longo dos quatro anos. Medidas que devolvem a milhões de portugueses parte dos rendimentos que lhes foram saqueados pela coligação e pela Troika. Esse reforço do rendimento terá um impacto real na economia, haverá sobre isso poucas dúvidas. Muito desse rendimento reflectir-se-á na vida de milhares de pequenas e microempresas e gerará emprego e aumento das receitas fiscais e da segurança social.
Falta-nos perceber como o compromisso incide, se é que incide, nas formas como o Governo se propõe aumentar a receita do Estado sem recorrer ao lugar comum dos últimos quatro anos: penalizar o factor trabalho. Como vai o Governo começar a demolir os mecanismos de produção da desigualdade ? Apostando certamente no crescimento da economia, como sempre defendeu o PS. Todos os Governos comprometidos com a austeridade apostaram, do ponto de vista retórico, no crescimento. Com resultados inversos dos pretendidos, como sabemos. Faltou sempre responder à pergunta mais difícil: como será possível promover esse crescimento? Que mudanças serão promovidas para o possibilitar? Sabemos muito pouco sobre as respostas previstas para esta questão. O programa do PS não era deste ponto de vista muito animador. Esperemos que alguma coisa tenha sido "modelada", digamos assim.
Haverá muita coisa a fazer. Parece-me mal que o BE e o PCP não tenham querido participar mais de perto na gestão política desse processo e na sua definição. Mas, mesmo assim este é um tempo de esperança e de mudança.

06/11/15

Re: Acabou a austeridade

José Manuel Fernandes pelos vistos está indignado por o suposto acordo PS/BE/PCP só repor os cortes salariais aos trabalhadores do estado que ganharão mais que 1500 euros:

"Mas a cereja em cima do bolo do fim da austeridade é a reposição, já em 2016 mesmo que faseada, dos cortes nos salários da administração pública. De toda ela? Não: só da que ganha mais de 1500 euros."

De novo, esta é daquelas situações em que hesito entre a parvoíce ou má-fé (mas neste caso inclino-me mais para a má-fé) - se atualmente só os trabalhadores do Estado que ganham mais que 1500 euros têm cortes (pelo menos nominais), como é que JMF queria que os cortes (não-existentes) a quem ganha menos que 1500 euros fossem repostos? De facto nos primeiros meses de 2014 os trabalhadores que ganhavam entre 600 e 1500 euros também foram sujeitos a cortes, mas esses cortes foram anulados pelo Tribunal Constitucional (graças, exatamente, à reclamação interposta por um grupo de deputados do BE, do PS e do PCP).

Ok, além dos cortes explícitos houve montes de outras medidas (congelamento das subidas de escalão, sobretaxa do IRS, etc.) que contam como cortes implícitos e essas afetaram também quem ganha menos que 1500 euros, mas ao que consta também está a ser negociado uma suavização (ou eventualmente mesmo o fim) dessas medidas (e, de qualquer maneira, pelo contexto do artigo do JMF, em que ele parágrafo a parágrafo vai abordando as várias medidas de austeridade, dá-me a ideia que na passagem em questão ele se está a referir mesmo ao corte explícito dos salários dos trabalhadores do Estado, não ao corte implícito que resulta do conjunto das medidas de austeridade).

Porque é que, neste caso (ao contrário deste) eu digo que suspeito de má-fé? Porque o artigo parece-me escrito de uma maneira destinada a dar a impressão que houve cortes aos salários de todos os trabalhadores do Estado mas que só se vai repor aos que ganham mais, mas mantendo a escapatória de, se for confrontado com o facto que só quem ganha mais que 1500 euros tem cortes, poder argumentar que com "cortes" se está a referir à austeridade em geral (ao contrário do João Marques de Almeida, que cometeu um erro tão sem escapatória possível que de certeza foi mesmo por engano).

Uma nota final - se se confirmarem os rumores de um aumento para 600 euros do salário mínimo [atualizado - afinal não se confirmam: o aumento será ao longo dos 4 anos], isso representará para muitos trabalhadores do Estado com baixos rendimentos um aumento salarial superior (em termos relativos) à reposição de 10% que vão ter os que ganham mais que 3.165 euros (p.ex., um Auxiliar de Acção Médica que ganhe 505 euros iria ter um aumento de 18,8% - 95 euros por mês).

Um blogger de direita que até gosto muitas vezes de ler

O Helder Ferreira d'O Insurgente (já agora, se comparado com outros blogues da mesma área, como o Blasfémias ou o 31 da Armada, O Insurgente até me parece dos menos alinhado com o governo).

04/11/15

"Rendimento Básico Incondicional", "Rendimento Social de Inserção" e "Complemento Salarial" - hipótese de um entendimento mínimo?

Em primeiro lugar, para quem não saiba bem a diferença entre os três, ver aqui ou (numa versão mais complexa) aqui (o "complemento salarial" é o que eu nos posts chamei "estilo EITC").

Apesar das polémicas entre os defensores de cada um dos três modelos, talvez haja uma coisa em que possam concordar; atualmente, por cada euro de rendimentos do trabalho auferido por beneficiários do RSI, são descontados 85 cêntimos no valor do subsídio; e se esse valor for reduzido (p.ex., para 75 cêntimos), de forma a que o ritmo a que o RSI desce à medida que o rendimento familiar aumenta seja menos acentuado?

- Os defensores do sistema RSI poderiam ser a favor, já que significaria à mesma mais dinheiro para grande parte dos beneficiários do RSI

- Os defensores do sistema RBI também poderiam ser a favor, já que é um passo no sentido de universalizar a prestação (no fundo, se o desconto por euro recebido descesse para 0 cêntimos, o RSI tornaria-se algo quase igual a um RBI)

- os defensores do sistema EITC/Complemento Salarial também poderiam ser a favor, já que esse aumento dos subsídios seria canalizado exatamente para os trabalhadores com baixos salários, que é suposto serem os destinatários do "complemento"

Agora, uma potencial objeção - uma medida dessas não poderá ter exatamente a mesma objeção que eu aqui faço ao Complemento Salarial, que se pode converter indiretamente num subsídio ao empregadores (pelo efeito de aumentar a oferta de trabalho e assim fazer baixar os salários)?

Depende do que estivermos a comparar - um RSI em que se desconte 75 cêntimos por cada euro ganho poderá levar a uma maior oferta de trabalho do que um RSI em que se desconte 85 cêntimos por euro (digo "poderá" por causa dos dois possíveis efeitos contraditórios que refiro no fim deste post), logo a salários mais baixos; mas nunca serão mais baixos do que num sistema em que não exista RSI (pelo contrário, dependendo dos moldes em que for desenhado, um sistema de EITC/Complemento Salarial, poderá levar mesmo a salários mais baixos do que haveria se o estado não fizesse nada).

Opinião: "Viver não é só respirar"

Um artigo de Jorge Falcato, agora eleito deputado pelo BE, ele que foi gravemente ferido pela polícia em 10 de Junho de 1978, quando se manifestava no Largo Camões contra uma comemoração do 10 de Junho promovida pelos nazis. Manifestação na qual foi assassinado o estudante de Medicina, José Jorge Morais, militante da UDP.
Uma reflexão sobre a necessidade de uma política de vida independente para os cidadãos portadores de alguma forma de deficiência, em que se desmascara o habitual argumento de que o problema está na falta de recursos.
"Com os mesmos recursos é possível fazer mais e melhor. Não há desculpas.  conclui Falcato no seu artigo.