17/11/15

O Observador, os governos legítimos e ilegítimos e o falecido Helmut Schmidt

No seu artigo de opinião no Observador, Os disponíveis, Maria João Avillez dedica-se sobretudo a atacar a futura aliança de esquerda («esta trapalhada em que estamos, feiíssima trapalhada que as boas almas se apressam sempre a rotular de “legítima”») e ainda mais o que me parece um produto da imaginação dela - as pessoas de direita e entidades patronais que estariam a ser muito brandas na crítica a esse acordo («Basta ouvir o silêncio ensurdecedor que durante as últimas semanas envolveu todo o espaço à direita do PS para se compreender o que digo»; « basta observar como alguns mentores ou responsáveis da sociedade civil, patrões ou “concertadores sociais”, estão já disponíveis para o beneficio da dúvida senão mesmo para a fé, para, com assinalável segurança, obter a temperatura do ar que se respira.» - em que planeta MJA tem estado?); mas dedica a parte final a evocar elogiosamente o falecido chanceler alemão Helmut Schmidt.

Já agora, pode ser interessante relacionar os dois assuntos, e lembrar as duas eleições (1976 e 1980) na sequência das quais Schmidt foi chanceler (numa coligação entre os seus sociais-democratas do SPD com os liberais do FDP):

1976
CDU/CSU 48,9%
SPD 42,6%
FDP 7,9%

1980
CDU/CSU 44.5%
SPD 42,9%
FDP 10,6%

Antes que alguém me diga que individualmente a CDU e a CSU tiveram, cada uma, menos votos que o SPD, noto que a CDU e a CSU têm um grupo parlamentar comum, uma "jota" comum, apresentam um candidato comum a chanceler e em cada região da Alemanha só concorre uma ou a outra, funcionando a nível nacional como, no mínimo, uma coligação pré-eleitoral permanente, se não mesmo um partido bicéfalo, fazendo todo o sentido dizer que ficaram em primeiro lugar nessas eleições (por outro lado, se quisermos mesmo contar os votos separados, terão sido os governos de Kohl em 1987 e 1994 e de Merkel em 2005 "trapalhadas"?).

Claro que se pode argumentar que MJA não diz que seja por o PS não ser o mais votado que um governo PS apoiado pelo BE e pelo PCP será uma trapalhada, logo será irrelevante quem foi ou não o mais votado nesta ou naquela eleição alemã do século passado; talvez - a direita farta-se de apresentar razões para esse governo ser "ilegítimo" (não ser liderado pelo partido mais votado, não ter sido anunciado antes das eleições, ser entre partidos que terão programas muito diferentes sobre alguns assuntos, porque os acordos serão muito limitados, porque o BE e o PCP não estão no governo, etc. etc.), saltando de umas para outras conforme é mais conveniente - mas atendendo que ela não explica o porquê da "ilegitimidade" vou assumir que é por não ser o mais votado (que me parece, apesar de tudo, ser o argumento mais popular para negar e legitimidade desse eventual governo).

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