31/03/13

À boleia de um comentário do João Viegas


Aqui há dias, o nosso excelente e leal comentador João Viegas dizia, por outras palavras, que, opondo-nos embora à estratégia que aposta na fragmentação nacionalista e soberanista da UE e da ruptura unilateral com o euro, deveríamos deixar claro, todavia, que o euro não é, para nós, uma questão de princípio e que a UE não é, para nos, um imperativo incondicional.

Sirvo-me desta sugestão do João Viegas para explicitar, então, o que julgo estar implícito nos argumentos que tenho, a par de outros, oposto à via nacionalista e aos passos que estipula. É evidente que, se as actuais autoridades que governam a UE, confrontadas com um movimento de transformação radical, que exigisse a democratização das condições de trabalho, uma política de rendimentos igualitária, a instauração de formas de participação dos cidadãos no exercício do poder que os governa, ao mesmo tempo que a repolitização ou republicanização explícitas e democráticas da direcção da economia, etc., etc., emitissem um ultimato dizendo que ou interrompíamos o processo e voltávamos à normalidade ou seríamos expulsos da UE e da ZE, a única resposta adequada por parte do movimento em curso seria: "Expulsem-nos de onde quiserem, se forem capazes, tendo presente que, contra esse vosso ultimato, tentaremos, para sermos nós a expulsar-vos, obter a solidariedade activa da grande maioria dos cidadãos da UE e da ZE, bem como a sua mobilização em torno de objectivos semelhantes". Dito isto, convém acrescentar que, à falta de solidariedade coordenada e decidida na luta contra a oligarquia dirigente da UE, este hipotético processo de democratização instituinte (e necessariamente "anticapitalista") dificilmente poderia levar a sua avante (a prazo, com efeito, só poderia fazê-lo desencadeando ou suscitando mudanças nas relações de poder do mundo circundante).

Trata-se de uma posição que nada tem a ver com a daqueles que apresentam a ruptura com o euro e a aposta na fragmentação e reforço das fronteiras soberanistas da Europa como a via revolucionária por excelência, ao mesmo tempo que, saibam-no ou não, se limitam a propor como alternativa ao regime actual o regime de uma nova hierarquia capitalista e classista, necessariamente ainda mais musculada e anti-democrática. Se a única soberania que nos interessa é a dos cidadãos auto-governados, que, através das suas assembleias, magistrados, etc., assumam a liberdade e a responsabilidade de se darem a(s) sua(s) própria(s) lei(s), decidindo, sem legítimos superiores ou "vanguardas conscientes" que os limitem, das questões que afectam e condicionam a sua existência colectiva, acontece que a estratégia nacionalista e anti-federalista da ruptura com o euro, como primeiro passo da restauração de múltiplas independências nacionais reforçadas, parece-nos só poder conduzir — por todas as razões adiantadas noutros posts anteriores ao longo do debate — a condições ainda mais desfavoráveis do ponto de vista do poder de intervenção e acção da grande maioria dos cidadãos.

Esclarecidos esta tomada de posição preliminar e este critério geral permanente, podemos e devemos continuar a discussão sobre a UE e o euro.

O que é nacional é bom? Para quem?


«Tomando em consideração a austeridade que tem sido aplicada e tomando em consideração a via de saída do euro, importa referir que não se trata simplesmente de escolher entre dois modelos capitalistas, apesar de ser inegável qual o mais nefasto para os trabalhadores. Trata-se, também e acima de tudo, de perspectivar politicamente qual é o que permite melhores condições para que os trabalhadores se libertem dos espartilhos do nacionalismo e da fragmentação das lutas. Assim sendo, a via nacionalista preconizada pela esquerda, de um rompimento com o euro, não representa nenhum tipo de avanço das lutas sociais contra o capitalismo e muito menos qualquer tipo de articulação internacional das reivindicações dos trabalhadores.
A federalização da União Europeia não está isenta de equívocos e de problemas para os trabalhadores. Mas ela é, no quadro actualmente existente, a única via que, pressionada pelas lutas dos trabalhadores, pode desarmar o nacionalismo. A derrota da austeridade não ocorrerá pela saída do euro. Pelo contrário, só as lutas dos trabalhadores poderão dar outro rumo à federalização europeia. Tal federalização, mesmo nas condições de austeridade, tem consequências económicas menos negativas para os trabalhadores (apesar de, por si só, já serem devastadoras o suficiente) do que teria uma saída do euro (vd. aqui). E politicamente, num plano temporal mais vasto, abre possibilidades para colocar mais facilmente em cima da mesa os ataques transversais que os trabalhadores europeus têm sofrido. Portanto, dando um escopo internacional às reivindicações dos trabalhadores em todo o continente e, ao mesmo tempo, diluindo os sentimentos nacionais e nacionalistas que têm percorrido a Europa.
A esquerda nacionalista tem colocado as contradições sociais no plano ideológico da luta das nações e, portanto, mobilizando os trabalhadores contra a invasão dos “países ricos” e contra a Alemanha. Pelo contrário, a esquerda anticapitalista deverá colocar no centro da luta política a transversalidade dos ataques a que todos os trabalhadores europeus têm sido sujeitos. Portanto, colocando de modo muito nítido em cima da mesa o antagonismo dos trabalhadores relativamente às classes exploradoras de toda a Europa. A primeira perspectiva coloca a tónica numa luta entre nações ricas e nações pobres (ponto de contacto entre todos os nacionalismos) e transforma a dialéctica antagónica da constituição de um eventual «modo de produção comunista» (Bernardo 1974) contra o capitalismo, numa luta da nação portuguesa contra a supranacionalidade europeia. Assim, para a esquerda nacionalista o capitalismo seria sinónimo de uma condição apátrida e internacional, ao passo que o socialismo seria uma realidade política de matriz nacional. Inversamente, a segunda perspectiva coloca a solidariedade internacional dos trabalhadores em primeiro plano e como objectivo político crucial. Que a maioria da esquerda tenha derivado para a primeira perspectiva, isso só demonstra o sucesso que as classes dominantes têm tido. Enquanto os capitalistas aumentam o seu poder e a sua capacidade de actuação se expande em todas as escalas, a maioria da esquerda quer acantonar os trabalhadores na nação.
No caso de uma saída portuguesa do euro, acantonando os trabalhadores numa nação em condições de vida miseráveis e desarticulando os interesses globais de todos os trabalhadores europeus em nome da defesa do interesse nacional. Tomem o nome que tomarem, não é daqui que surgem os fascismos?»
O artigo pode ser lido na íntegra aqui.

Critérios "comunistas"

Pelos vistos, para Tiago Mota Saraiva e para Vítor Dias (citado por TMS), ser-se estalinista nas ideias e nos métodos, não sendo louvável, é um pecado venial, um simples "tique", compatível com a militância comunista e com a participação na vida e nas responsabilidades do PCP. Mas já criticar a estratégia que aposta na implosão da UE e na ruptura da Zona Euro, considerando-a nacionalista e autoritária, e assinalando os perigos que acarreta e a continuação do austeritarismo por outros meios que implica, é uma posição que torna quem a assume infrequentável, inaceitável como interlocutor, inimigo público ou traidor a queimar em efígie como aviso e exemplo. Como explica TMS, enquanto o raciocínio de VD aponta a mesma conclusão como inevitável, são o federalismo e a crítica da estratégia do PCP perante a Europa e a moeda única que fazem com que o João Valente Aguiar tenha "traído os seus ideais e valores de esquerda" — que são, evidentemente, os do PCP — trocando-os, horror dos horrores, pela exigência de democracia como condição necessária de qualquer anticapitalismo consequente.



30/03/13

Ainda sobre a saída do euro

Ainda a respeito desta discussão, convém lembrar uma coisa: uma eventual saída do euro não é uma alternativa à austeridade; é uma diferente maneira de fazer austeridade (aliás, nos países com moeda própria a desvalorização faz parte da receita padrão das intervenções do FMI - veja-se a nossa austeridade de 83-85).

Poderemos discutir se a austeridade-via-desvalorização é melhor ou pior que outras formas de austeridade (e eu consigo pensar tanto em razões para ser melhor, como em razões para ser pior), mas para se ter essa discussão convém assumir abertamente que a ideia de sair do euro e desvalorizar o novo escudo é atingir, por outros meios, os objectivos também propostos por António Borges e Belmiro de Azevedo - baixar os salários (pelo menos em termos nominais).

Maldição da moura encantada: os defensores do projecto português que se dizem de esquerda

Não se trata aqui de defender uma guerra entre o norte e o sul. Trata-se de defender a luta dos trabalhadores do sul pela defesa da sua soberania económica e política. Os destinos dos que trabalham no Alentejo e na Margem Sul devem ser determinados por eles próprios. Não devem ser determinados pela burguesia alentejana e muito menos pela portuense. Também os destinos dos que trabalham nos Açores ou em Trás-os-Montes devem ser determinados por eles próprios. Senão for assim continuaremos a ser colonizados por uma estrutura que tem sido o eixo central da desgraça que nos acompanha há séculos.

Há gente que diz: pois, bem, então, que se juntem os povos e que tomem o poder em Portugal. Esta é a perspectiva clássica dos que acham que enquanto não estivermos todos em condições de fazer a revolução e de conquistar o socialismo devemos esperar. Ou seja, devem esperar por um conjunto de condições que muito dificilmente se darão simultâneamente entre tantos povos com características, histórias, condições objectivas e subjectivas, em cada momento, distintos. Os sábios social-patriotas acham que só quando todos marcharmos juntos é que podemos partir para a revolução, mesmo que alguns já as venham a ter antes de outros e mesmo que esses acabem por perder a oportunidade de pôr fim à miséria porque outros não o puderam fazer.






Uma resposta final e definitiva


Aí há uns dias decidi colocar um comentário num post de Tiago Mota Saraiva sobre o euro no 5 dias. O meu comentário, e que passo a transcrever de seguida, dirigia-se ao seguinte comentário do Nuno Cardoso da Silva.

Nuno Cardoso da Silva diz:
Concordo em grande parte com Louçã. Se entrar no euro foi mau, sair agora ainda seria pior. Mas isso não significa que não haja alternativas. A criação de uma união monetária apenas para os países da orla mediterrânica (incluindo a Itália) que têm problemas algo semelhantes e precisam de uma desvalorização da sua moeda que não seja nem excessiva nem contínua, podia ser uma solução. Aí sim aumentar-se-ia a competitividade sem cair num buraco sem fundo. Agora Portugal sair sozinho do euro e recriar uma moeda nacional sustentada por uma economia à beira do colapso, isso não.
·         http://1.gravatar.com/avatar/aeca95bac93858e3fb4c708b89f4cad6?s=40&d=identicon&r=GJoão Valente Aguiar diz:
Caro Nuno,
O que, até hoje, nenhum dos nacionalistas se dignou a responder é o seguinte: se a competitividade iria aumentar 30 ou 40%, de acordo com as matrizes de input-output que têm utilizado, e se, ao mesmo tempo, ocorrerá uma desvalorização de 30 a 50% da moeda, logo a importação de combustíveis, de matérias-primas, de medicamentos, de maquinaria, etc. aumentaria, pelo menos inicialmente, na mesma proporção. Logo, se os custos com importações dificilmente substituíveis como várias das matérias-primas, combustíveis, maquinaria, medicamentos, etc. iriam aumentar, e se, mesmo assim, os economistas nacionalistas ainda conseguem afirmar que Portugal ganharia competitividade então só vejo uma resposta possível. Para conseguirem tal competitividade isso só poderá ser feito à custa da maior exploração dos trabalhadores, da expansão da mais-valia absoluta e da correspondente edificação de um aparelho de Estado ainda mais repressor para conter as revoltas geradas… Aliás, um dos economistas nacionalistas chegou ontem a dizer no jornal i que seria necessária «uma liderança forte para que não houvesse turbulência»… Mais palavras para quê? Se a política que a esquerda nacionalista preconiza é assim tão benéfica para os trabalhadores para que precisariam de uma «liderança forte»?
E ainda se poderia abordar a hipótese muitíssimo provável de a banca poder falir ou sofrer elevadas perdas. A salvação da banca e dos depósitos nas condições de uma saída do euro faria o BPN parecer uma brincadeira de meninos…
Um abraço


Perante este meu comentário, o autor do post meteu a sua colherada e tratou-me de uma maneira certamente muito cordata e educada...

O zeloso camarada ouve a mensagem do Mestre Yoda-Cunhal:
"Que a Força da Pátria esteja contigo"


Tiago Mota Saraiva diz:
Oh João Valente Aguiar, vai chamar nacionalista ao raio que te parta.
Ainda há poucos anos desfazias-te em mensagens privadas sobre como um comunista devia “valorizar o legado” de Estaline ou a “experiência” da Coreia do Norte. Agora vejo que não perdeste os tiques estalinistas fazendo ataques de carácter enviesados. De facto és um tipo coerente.
Tenho a certeza que, se/quando a coisa azedar, serás dos primeiros a denunciar os teus ex-camaradas.


JVA encurralado pela luminosa argumentação de TMS. Medo!

Perante esta resposta eivada de substância política, respondi ao TMS:


Tiago,
eu até podia ter ido às campas do Stáline e do Kim Il-Sung lá rezar e deixar umas flores. Até podia ter tatuado o Lénine e o Álvaro Cunhal na testa… Como dizes, e bem, “há poucos anos”… Ora, 99% dos militantes de toda a esquerda de origem marxista, seja ela qual for, alguma vez na vida, e ao longo da história, glorificaram a URSS e os regimes socialistas… Claro que glorificamos! Todos, quase sem excepção… E daí? qual a novidade? Pior de tudo é quem depois acaba por nunca se interrogar sobre nada. Isso sim é que é grave… Mas isso parece pouco importar…
O espantoso é como tu desvias um comentário meu vocacionado para um problema económico que os nacionalistas de esquerda não respondem. Repara que tu se percebesses alguma coisa de economia ou de política até me podias ter arrumado para canto se soubesses responder ao que eu coloquei no fundamental do meu comentário: como é possível aumentar a competitividade da economia portuguesa saindo do euro, sabendo que os custos com importações de combustíveis, matérias-primas, etc. vão necessariamente aumentar? Repara que teoricamente vocês todos até poderiam ter razão. Não me parece, mas eu discuto estas coisas de um modo analítico. Bem ou mal, com mais ou menos acertos, o que importa é a atitude. Ora, tu preferiste ligar ao “nacionalista”, mas se quiseres podes chamar de patriota que é exactamente a mesma coisa. O que conta são os conceitos e não os termos… Mas se não os dominas não sou eu que te vou explicar…
O teu comentário acaba com a macacada final sobre denúncias e não sei que mais…. Eu nem tenho nada de responder e provavelmente nem vai adiantar de nada. Mas face à recorrência desse ataque vil aqui vai uma resposta final. Eu que nem sequer te conheci pessoalmente (pelos vistos, felizmente), que sei de ti o mesmo que qualquer tipo que te leia na net, que não tenho ninguém do PC nas redes sociais onde participo (precisamente para evitar essas bocas delirantes, mas, pelos vistos, nem assim diminui a paranóia da vossa parte), eu que nunca estive em nenhum organismo de direcção do PCP (nem sequer regional, apenas de… freguesia e que éramos literalmente meia dúzia) e eu é que ia denunciar??? Quem?? O quê?? Que há membros assumidos do PC que escrevem no 5 dias??? Que colei não sei quantos milhares de cartazes? Que distribuí panfletos?? Que fui um dedicado militante de base, que nunca arranjei chatices com ninguém enquanto fui militante activo e que a única coisa que me destacava dos outros era o meu interesse pela teoria marxista?? Eu que não tenho contacto orgânico com ninguém do PCP desde meados de 2008 (reuniões, pagar quotas, etc.) e que só estive entre 2008 e 2011 em duas ou três iniciativas públicas da CDU e do PCP, eu é que ia denunciar?? Mas está tudo maluco ou o quê?? E eu é que sou stalinista…
De facto, só um eventual delírio ou má fé podem explicar essa tua atitude. Se queres brincar ao Marinetti procura outro que te ature… Passar bem.


Entretanto, chegamos à Sexta-Feira Santa e o TMS decide crucificar-me no altar da sabedoria imortal do marxismo-leninismo. Para isso, TMS vai repescar o mesmo argumento político cheio de densidade política e teórica: a pessoalização da crítica política.

Isto de pescar água é difícil...


Tiago Mota Saraiva diz:
João Valente Aguiar, eu não cheguei hoje a um ideal político nem parto amanhã. Tal como nunca me apeteceu muito discutir contigo quando eras um ultra-estalinista pró-PCP também não discutirei contigo quando te transformaste num ultra-estalinista anti-PCP – o facto, com o qual o Vítor Dias goza, de teres ido apagar o teu blogue (http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2013/03/um-tal-de-joao-valente-deaguiar.ht) é tão revelador …
Agora não tentes transformar isto num ódio a ex-PCP’s que não tenho. Tu, na tua 1ª fase de estalinismo, és um excelente exemplo daquilo que costumo chamar como a doença infantil dos partidos de esquerda. É uma certa forma de valorizar e engraçar com uma trupe de jovens caceteiros ultra-sectários que assim que acham que o seu brilhantismo não é integralmente reconhecido partem para ser os primeiros Anti. E isto interessa-me discutir, mas não contigo!
Não queres, certamente, que vá à procura de escritos teus da tua 1ª fase de estalinismo com ataques de carácter a malta que é, e será, minha amiga e que está, e estará do meu lado da trincheira, como o Zé Neves, o Zé Guilherme ou o Ricardo Noronha… Só para te dar alguns exemplos…
João Valente Aguiar, hoje como ontem, não tenho qualquer interesse em debater contigo o que quer que seja. E nada tem a ver com o facto de achar que te afastas-te do teu ideário – que se calhar até não te afastaste assim tanto – mas tem sobretudo a ver com o facto de achar que a forma como te vês é inversamente proporcional ao respeito a que te prestas.


João Vader Aguiar,
o Mal Absoluto da Galáxia Federal
Estes comentários do Tiago Saraiva merecem uma resposta FINAL. A única "argumentação" que o Tiago Saraiva dá a algumas das minhas críticas parte sempre do pressuposto de que eu fui sectário e estalinista enquanto militante do PCP, como se o facto de ter sido exactamente igual a 90% dos militantes do PCP só fosse um defeito por eu ter deixado de o ser... Sectários e estalinistas são os que permanecem assim uma vida inteira e nunca mudam em nada...

Se o nacionalismo é criticado é preciso cuidado,
não vá acontecer a chatice de surgir um seu contrário...

Sobre os nomes que o TMS cita. Porque raio eles são para aqui chamados? Quando TMS não tem argumentos políticos para utilizar, chama nomes à colação a ver se os amigos dele (que também são meus) vêm lavar as lágrimas do menino? Sente-se assim tão perdido que só com a citação de outros se consegue tentar valer politicamente? Para quem me acusa de ser sectário, utilizar o nome de outras pessoas que nada têm a ver com o assunto, esse sim é um belo tique sectário. Em termos políticos e teóricos, o que me interessa, como sempre foi o que mais me interessou, são sempre as tendências mais vastas e não as pessoas. Se calhar foi essa consciência mais racional e analítica que felizmente me permitiu ir questionando e, no final, romper totalmente com o PCP e com o leninismo. Aliás, a única pessoa abaixo dos 40 anos de idade que no Portugal das últimas décadas escreveu dezenas de páginas sobre a exploração económica, sobre as funções do trabalho e do capital e sobre a autonomia da classe trabalhadora e dos seus limites mínimos e máximos, teria de chegar a uma altura da sua vida e resolver a tensão existente entre os temas que eu sempre estudei por minha iniciativa e a imagem do marxismo que o PCP enuncia de uma luta entre nações. Uma pequena diferença aos olhos dos incautos, mas que é abissal, e tem repercussões totalmente díspares.

O que é parecido nem sempre se torna igual.


O TMS fala em busca de reconhecimento da minha parte. Mas o reconhecimento quem mo está a dar são pessoas do PCP…


Quem ataca o leninismo leva tau tau

Quem é que em vez de ter respondido a um comentário absolutamente normal sobre questões económicas de uma saída do euro, se passou da cabeça e transformou um assunto económico (o meu primeiro comentário) num ataque à minha pessoa? Quem é que em Julho do ano passado teve um artigo no Avante totalmente dedicado a concepções que defendo e onde a crítica mais profunda que me fizeram era a de contraporem os seus 40 anos de militância com o meu anti-nacionalismo? Onde é que eu procuro reconhecimento quando tive funcionários do PC a insultarem-me ainda estava no 5 dias (assinados pelos próprios), candidatos autárquicos da CDU, gente do PCP a assinar com pseudónimos de assassinos (como Ramon Mercader), etc. Eu é que quero reconhecimento ou o PCP é que tem militantes que se pudessem davam largas aos piores instintos humanos sobre quem simplesmente escreve o que eles não gostam? O espantoso nisto tudo é que um indivíduo como eu que aparentemente está tão errado, e que só escreveria merda e afinal desde há uns tempos para cá já teve dezenas de pessoas “à perna”… Onde há fumo, há fogo… Se eu estou assim tão errado e tenho toda esta atenção e carinho, o que fará se eu estivesse certo…

Meu Deus! E se o gajo tem razão?

Por outro lado, é ridícula essa tentativa do TMS se colar à esquerda internacionalista e autonomista. Como se no caso de um regime em que o PC estivesse no poder gajos como eu, o Noronha e outros fossemos poupados… Mesma barricada? De quem? Dos que em todas as circunstâncias históricas atacaram as iniciativas autónomas dos trabalhadores: da CGT contra a unidade dos estudantes com os trabalhadores na Renault Bilancourt, do PCI contra os militantes autonomistas e os operários de fábricas ocupadas, do COPCON chamado pelo PC para ir lembrar aos trabalhadores da TAP que há greves boas e greves más, das greves organizadas em conjunto pelo PC alemão com o partido nazi em 32, do Comintern que entregou comunistas da Pérsia, da Turquia, da Grécia ou da China aos carrascos, só para manter boas relações geoestratégicas e diplomáticas, dessa grande experiência socialista que foi a URSS e que, no final, se tornou no maior ninho mundial do neo-nazismo, etc. Um caso, dois casos, três casos, qualquer um engole e engana-se a si mesmo. Mas quando uma pessoa ganha noção de tantos e tantos casos, em tempos diferentes e com tanta frequência, como pode ficar incólume perante tudo isto? Como pode resistir a fé e a teoria dos “erros e dos desvios” perante toda a merda que foi feita em 100 anos? O TMS acha mesmo que está na nossa barricada?

A realidade que alguém vê numa imagem é a realidade que habita?

A sua única justificativa perante os meus argumentos é que eu sou um estalinista. Ora, ele é membro e apoia incondicionalmente um partido político que nunca fez uma análise séria do que se passou na URSS e em todos os capitalismos de Estado “socialistas” e o estalinista sou eu? Como é fácil despachar a discussão política rotulando os outros sem que isso tenha correspondência com o ideal e com as práticas dessa pessoa. Mas o estalinista sou eu e não um partido que andou décadas a fio a tecer loas a toda aquela bodega, tendo tido gente sua a viver anos e anos por lá, nunca fez uma análise do carácter capitalista daquele regime, que nunca criticou a entrega da economia e do Estado a gestores instalados nas empresas. Gestores esses que, para o PCP, só se tornaram “maus” quando perceberam que afinal já não precisavam para nada da capa “socialista” para controlar as empresas anteriormente estatais. Até lá eram grandes dirigentes do povo soviético e não sei que mais. O TMS quer enganar quem com essa conversa do estalinista? Mas alguém que seja racional compara um indivíduo como eu, que rompe com toda essa tralha, com um partido que, pelo contrário, se fosse poder fora do actual regime político português, iria reproduzir grande parte daquelas mesmas práticas? Alguém que seja racional compara um tipo como eu que entretanto deixou de seguir a fé na luz leninista (e que a seguiu apenas uns pares de anos), com um partido que mantém a perspectiva de criar mais um capitalismo de Estado repressor e economicamente arcaico? Eu é quero reconhecimento? Eu é que sou estalinista? TMS é tão incongruente sobre a minha pessoa, que se eu fosse esse vaidoso que ele traça sobre a minha pessoa então, se eu seguisse essa lógica, ou eu teria ficado no PC para arranjar qualquer lugar, ou tinha ido para outro partido qualquer com lugares de poder. Mas aqui estou eu, cientista precário, com muito orgulho a escrever nessa organização multimilionária de nome Vias de Facto… Que vaidoso que sou. Que ambicioso… Que estalinista… Ou serão estalinistas os que sabem todas ou algumas das coisas que enunciei e continuam a compactuar como se nada se passasse.

 - Senhor doutor, os meus olhinhos não me deixam ver a História. Que se passa?
- Nada de especial menina. Utilize as lentes do Comité Central.

Para terminar, abordo brevemente um assunto que tem sido dado a deturpações. Há aí uns meninos que dizem que eu teria escrito que o PCP é fascista. Totalmente falso nem eu nunca escrevi isso. Nem eu considero, de maneira nenhuma, que o PC seja fascista. O que eu escrevi sempre, e por diversas vezes, é que a saída do euro pode degenerar numa solução estatista de controlo da vida social e que, face à evolução da situação económica e social, até poderia engolir o próprio PC (e toda a restante esquerda). É esse escancarar de portas defendido cada vez mais abertamente pelo PCP, que pode induzir um risco de fascização da sociedade portuguesa. Sendo o PCP a única organização estruturada, disciplinada, etc. e que defende uma solução nacionalista/patriótica, isolacionista e de regresso a uma europa de nações divididas, o PC é a força política que, em Portugal, pode abrir a caixa de Pandora. Duvido que se a situação fosse nesse sentido de confronto político e de ódios nacionais exacerbados, o PCP tivesse capacidade para se aguentar. Pelo contrário, seria qualquer sector militar ou de extrema-direita a depois captar a situação de edificação de uma forma capitalista de Estado a seu favor. Naturalmente com a esquerda (nacionalista ou não) como vítima.

Sempre que nacionalismos tentaram concorrer entre si, o nacionalismo de direita venceu sempre, como o caso indonésio, birmanês, iraquiano, sírio, francês do pós-guerra até aos anos 90, etc. demonstraram. E quando o nacionalismo ligado a uma pretensa variante marxista inicialmente venceu, como em situações de libertação nacional, o que subsistiu ao longo do tempo foi sempre o lado nacionalista e não o marxista... O fascismo vive da sua capacidade de parasitar os erros e ambiguidades da esquerda relativamente à nação, ao capital financeiro e às classes. Isto sim é que é realmente importante discutir, mas poucos são os que se preocupam com isso.

Dentro de cada estrutura ideológica,
as possibilidades de replicar imagens e véus mistificadores é infinita.
Agarrar-se a cada imagem ou ver a estrutura global:
a diferença entre 
a crença para-religiosa e o uso da reflexividade crítica.

28/03/13

As vias federalista e nacionalista da UE


Partindo do exemplo de Chipre e do desenvolvimento da conjuntura europeia, uma primeira leitura a observar é que UE está a utilizar os “resgates” financeiros da troika e o mais recente exemplo de Chipre para soldar ainda mais os Estados periféricos à sua armadura num claro objectivo de lhes ir retirando poderes. Isso significará que uma futura aprovação de alterações nos Tratados europeus rumo à federalização ficará mais facilitada.

Se esta hipótese de um avanço da federalização for verdadeira, então os controlos de capitais que estão a ser ensaiados em Chipre funcionarão como um instrumento de reforço da classe dos gestores europeus instalados no BCE e noutras instituições europeias. O resultado será visível no controlo que as instâncias transnacionais de organização dos gestores poderão estar a levar a cabo sobre os bancos privados. Se isto for verdadeiro, teremos o objectivo de supervisão bancária europeia, os critérios Basileia III de reposição dos rácios de capital dos bancos, o plano para uma federalização europeia gradual (vd. aqui e aqui) e o caso do controlo apertado de capitais em Chipre como claros exemplos empíricos de um reforço dos gestores como classe coordenadora das condições gerais de (re)produção do capitalismo, numa tentativa clara de amarrar as tendências centrífugas dos capitalistas privados individuais e do pouco poder que os Estados nacionais ainda vão tendo.

Esta via sustenta-se na austeridade para os próximos anos. Se ela tem o carácter de continuar a prejudicar os trabalhadores em termos salariais e de vínculo de trabalho, ela é, sem margem para dúvidas, a que menos prejuízos materiais e políticos trará para os trabalhadores como tive oportunidade de demonstrar aqui. Querer comparar quebras previsíveis do PIB em quatro anos (2010-2013) na ordem dos 8-9% (como é esperado para a economia portuguesa) e que, como qualquer um sabe, já causa terríveis consequências para os trabalhadores, com uma implosão da zona euro que, em sete ou oito anos, poderia, no cenário mais dramático, atingir perdas na ordem dos 20 a 30% do produto bruto mundial (aqui), é simplesmente não ter a mínima noção do que está realmente em causa. Não se trata de escolher a austeridade. Trata-se de lutar contra a austeridade no cenário menos gravoso para os trabalhadores e que lhes pode permitir relançar novas lutas sociais despidas de preconceitos nacionais. Na actual conjuntura, a maioria dos trabalhadores portugueses, cipriotas ou gregos já vêem a causa das suas perdas de salários e de emprego como se de uma espoliação alemã se tratasse (e não capitalista, o que implica abordagens políticas completamente distintas como escrevi ontem sobre isso). Ora, os ódios nacionais que neste momento não passam de impropérios recíprocos entre trabalhadores do norte da Europa e do Sul da Europa, num cenário isolacionista e de confronto entre nações que fossem abandonando o euro, esses ódios só poderiam degenerar numa trágica impossibilidade de colocar a transversalidade da condição de classe economicamente explorada e de classe politicamente oprimida acima de todas as nacionalidades. E quem seria carne para canhão em conflitos nacionais desse tipo seriam os trabalhadores que a esquerda nacionalista diz querer defender.

Eu percebo que alguns meninos gostem de chamar IV Reich à Alemanha. Mas para além de uma ignorância total sobre os mecanismos rácicos e genocidas do regime nazi e que, do ponto de vista político e económico, nada tinham a ver com a actual UE, esse tipo de argumentos só serve para que os tipos reaccionários como o actual Ministro das Finanças alemão se façam de vítimas de perseguição nacional. Se a esquerda que perde tempo com os reaccionários da Merkel e do Schauble, se preocupasse mas é em fazer tudo por tudo para estabelecer contactos com forças políticas e movimentos sociais europeus que lutem contra a austeridade numa base democrática e europeísta, os resultados seriam muito mais frutíferos. Longe vai a perspectiva de que as políticas aplicadas pelas instituições de poder eram políticas de classe e não o resultado do indivíduo A ou B. E longe vai a perspectiva de que os momentos de refluxo das lutas sociais seriam momentos de reflexão de erros passados e de preparação de uma nova fase de lutas. Ao inverso, hoje a maioria da esquerda e dos seus militantes preferem ser tomados pelo nacionalismo e preferem o desespero de se atirar para o proteccionismo e para soluções isolacionistas, em vez de irem reflectindo racionalmente, e através de iniciativas europeias de luta, possíveis respostas às encruzilhadas que se vão colocando.

Por conseguinte, a via federal terá menos prejuízos materiais do que a via nacionalista, pois é a que, na pior das hipóteses, mais rapidamente poderá restabelecer as condições de recuperação económica. A não ser que surja a muito curto prazo uma desejável movimentação social internacional dos trabalhadores que rompa com as vias nacionalista e federalista, a verdade é que a via federalista é a única das duas vias actualmente em equação que permitirá que os fluxos de crédito internacional e de expansão dos investimentos directos de base internacional possam ser retomados a curto-médio prazo. O que significa que entre as duas vias capitalistas que estão em cima da mesa, esta é a única que poderá relançar a economia europeia na base dos mecanismos da mais-valia relativa. O mesmo é dizer que do ponto de vista das condições materiais dos trabalhadores seria a única que poderia prevenir a catástrofe económica e humana que os nacionalistas preconizam e que apontei acima.

Mas, como sempre, não se trata de escolher entre capitalistas mas de escolher entre as alternativas que podem ser mais funcionais para um avanço futuro das lutas dos trabalhadores. Por isso, do ponto de vista político, a federalização da União Europeia é a única via que permite colocar as reivindicações dos trabalhadores numa base realmente internacional, contribuindo para a unificação da sua condição social e estrutural de classe social explorada. Perante um quadro institucional federal e único na União Europeia, o interlocutor político directo das reivindicações concretas dos trabalhadores colocar-se-ia inevitavelmente num plano europeu. Nesse sentido, o plano nacional perderia relevância. Isto traria dois bons pontos de partida para futuras lutas europeias. Por um lado, e sendo optimista, seria possível que os nacionalismos se pudessem esbater ou eventualmente perderem importância política. Por outro lado, os trabalhadores europeus teriam plena noção que uma luta contra quaisquer medidas que os prejudiquem teria de ser colocada obrigatoriamente no espaço europeu. Isso significaria que o que os uniria politicamente seria a sua condição de classe e não a sua nacionalidade. E, ao mesmo tempo, isso poderia facultar a compreensão de que perante a organização transnacional dos capitalistas, só a sua solidariedade igualmente transnacional poderia abrir portas a uma outra sociedade.

Nesse sentido, o comentário que o leitor João Viegas colocou no post imediatamente abaixo do Pedro Viana faz todo o sentido do ponto de vista político. Reproduzo um excerto que me parece precioso: «O que penso, é que é falacioso acreditar que os trabalhadores têm algo a ganhar com a inversão do processo de integração económica, ou que é possível voltarmos a uma Europa de pequenas nações que vivem de costas voltadas umas para as outras. Isto é que é irrealista e, em Portugal, temos a obrigação de saber que o "orgulhosamente sós" não leva a lado nenhum». Como é que grande parte da esquerda perdeu sequer este bom-senso saudável de que nos fala este leitor? É inacreditável que a esquerda que se diz anticapitalista hoje esqueça em absoluto que os mais importantes momentos de luta do passado decorreram em ondas internacionais de lutas: 1917-23; 1948-56; 1964-75. E, não por acaso, fora de contextos de crise económica.

Quando a esquerda nacionalista que tenho vindo a criticar confunde capitalismo com o que é internacional, cosmopolita e “apátrida” e o socialismo com a defesa da nação e com a própria pátria, então se calhar eu próprio até estarei errado em chamar essa esquerda de nacionalista. Na verdade, ela transformou-se na ponta esquerda de um campo comum nacionalista, o que politicamente ainda é mais grave. Se, por si só, nenhuma via capitalista resulta necessariamente em possíveis lutas sociais autónomas dos trabalhadores, a via nacionalista, porque compartimenta a classe trabalhadora em nações e a agrega a sectores capitalistas de um determinado país, é que não as desenvolverá de certeza absoluta. Muito pelo contrário. Nunca como hoje, a luta contra o capitalismo começa na luta contra o nacionalismo.

p.s. Quando uma pessoa de direita como João Miranda tem uma dose consideravelmente superior de bom-senso sobre questões muito concretas relacionadas com o euro do que a esquerda patriótico-nacionalista, então só posso concluir que é o irracionalismo que está a definir o quadro ideológico dessa esquerda. Não se trata aqui, como é evidente, de defender o mesmo projecto político da direita, mas de aferir o real impacto de uma saída do euro sobre os trabalhadores que essa esquerda diz defender. Que as propostas da direita liberal sejam desenvolvidas em torno da austeridade, nada de surpreendente. Mas quando as propostas da esquerda patriótica ultrapassam largamente pela direita os efeitos nefastos sobre as condições de vida, os empregos e os salários dos trabalhadores, então algo de muito perigoso pode germinar a partir dessa esquerda.

27/03/13

As lições de Chipre

O desenvolvimento da situação cipriota permite retirar, desde já, várias conclusões. E duas delas são particularmente pertinentes do ponto de vista da discussão em curso sobre a permanência (ou não) de Portugal na zona euro: (1) a União Europeia estava disposta a deixar falir os bancos e o Estado cipriota (o que muito provavelmente levaria à saída deste da zona euro), caso este último não tivesse aceite a solução proposta pela troika CE/BCE/FMI (com a benção do governo alemão), como se tornou claro pelas ameaças vindas do BCE, durante a semana passada, e as duríssimas negociações que tiveram lugar no último domingo entre a troika e o governo cipriota; (2) o resto da população europeia assistiu o tudo no mais absoluto silêncio, ciente de que estamos perante a completa aniquilação da economia cipriota, e do bem-estar da população local (o que se está a passar, a um nível macro, na Grécia e um Portugal será um piquenique perante o que espera os cipriotas). Portanto, da constatação (1) se deduz que a ideia de que amanhã um governo de Esquerda pode ir ter com a troika e exigir o que quer que seja é pura fantasia. Mesmo que se argumente que Portugal tem associado um "risco sistémico" para a zona euro mais elevado do que Chipre, donde o Estado português teria maior capacidade negocial, tal ignora que as acções da troika não se regem apenas por considerações estritamente "racionais" (de maximização do seu interesse próprio), mas são também (ou mesmo principalmente) guiadas por estados emocionais (ou seja, mesmo que a troika reconheça que a eventual falência do Estado português e/ou saída da zona euro poderá ter consequências graves para a integridade desta última, não aceitará ceder - substancialmente, e em pontos fulcrais, "perdendo a face", perante o que seria efectivamente visto como uma chantagem). Igualmente inverosímel, como se deduz da constatação (2), é a crença de que a situação cada vez mais dramática em vários países da periferia europeia vai gerar um movimento de indignação e solidariedade trans-europeu, com a inclusão das classes trabalhadoras dos Estados que até agora menos têm sentido o impacto da crise. Onde estão as manifestações, as greves de solidariedade? Se acontecerem apenas quando também a crise atingir esses Estados com a magnitude com que está a atingir os "Estados sob assistência", então muito antes já terão ocorrido revoltas populares nestes últimos, efectivamente tornando inviável a sua permanência no seio das actuais estruturas europeias. Admitindo que serão inevitáveis revoltas populares (mesmo que apenas através do voto, como já esteve prestes a acontecer na Grécia) se as "condições de ajustamento" impostas aos "Estados sob assistência" não forem fortemente aliviadas; revoltas essas que poderão desembocar em regimes de características autoritárias, independentemente de se caracterizarem como de Esquerda ou de Direita; uma das questões que se deveria então colocar é se a probabilidade de tal nefasto desfecho não aumenta quanto mais forem adiadas, por exemplo em nome duma putativa transformação federal das estruturas europeias, tentativas locais de abordar o problema com que os estados europeus periféricos se defrontam. Nomeadamente, e sem tomar partido por essa via, interrogo-me se o adiamento da saída do Estado português da zona euro não estará a aumentar a probabilidade de instauração dum Estado autoritário após tal saída ocorrer, devido à continua degradação da situação económica e social, que retira margem de manobra a uma recuperação económica pós-euro sem uma forte atitude proactiva por parte do Estado e radicaliza mais e cada vez em maior número sectores da população, fazendo crescer o anseio por soluções vistas como capazes de instaurar a estabilidade e previsibilidade cada vez mais ausente das vidas duma parte crescente da população. Dito por outras palavras, o apreço dos portugueses pela conceito de Democracia degradada-se a "olhos vistos". Neste momento talvez ainda seja suficientemente forte para constituir um obstáculo considerável a qualquer tentativa de instauração dum regime autoritário pós-euro. Mas não acredito que tal predisposição (para a defesa da Democracia, mesmo que na sua limitada versão actual) dure muito mais tempo.

26/03/13

Nacionalismo, euro e classes


A leitura que os nacionalistas (vd. aqui e aqui) têm feito deste gráfico parece-me enviesada em vários aspectos. E demonstra como uma análise precipitada e unilateral tem por detrás consequências ideológicas muito mais profundas.

Por um lado, porque fazem crer que o euro apenas teria beneficiado a Alemanha. Ora, entre 2001 e finais de 2005, o desemprego cresceu de modo muito vincado precisamente na Alemanha... De facto, em 2008, as taxas de desemprego na zona euro, na França e na Alemanha eram muito idênticas e só com a crise de 2008-09 as taxas de desemprego começam a divergir. Ora, foi a crise económica e financeira, a maneira como cada país reagiu à crise e as diferentes estruturas produtivas que, articuladas no seu conjunto, despoletaram a disparidade que se tem verificado. Espantoso como em vez de defenderem uma convergência das políticas económicas e das estruturas produtivas da zona euro - o que criaria mais emprego e modernizaria a economia - os dois interlocutores acima citados acabam por só querer ver do euro o que lhes interessa. Goste-se ou não, o euro não começou em 2008. Quando a taxa de desemprego foi superior na Alemanha entre 2001 e 2008 também não vivíamos todos no euro e a economia alemã já não era nessa altura a mais poderosa economia da zona euro? Mais clarividência exige-se!

Por outro lado, as interpretações nacionalistas destes dados são aterradoras. Lendo o que o Nuno Serra e o Tiago Saraiva escreveram sobre o assunto fica-se com a impressão de que a diminuição do desemprego na Alemanha terá sido conseguida à custa do aumento do desemprego da França e da restante zona euro... Ou seja, colocam na concorrência entre trabalhadores a determinação da taxa de desemprego. Ou se se quiser, o euro estaria a servir uns trabalhadores (os alemães e os nórdicos) contra os outros todos... Não me parece inocente que a escolha de ambos tenha sido um gráfico sobre desemprego, uma dinâmica macroeconómica que afecta acima de tudo os trabalhadores e que, consciente ou inconscientemente, acaba por colocar trabalhadores alemães de um lado (os beneficiados), e trabalhadores do resto da Europa do outro (os prejudicados). Temos assim uma cisão provocada pela própria esquerda nacionalista que introduz um factor nacional de diferenciação numa condição de exploração económica que é transversal a todos os trabalhadores. Dá-se assim a substituição da discussão em termos de classes exploradas e classes exploradoras para a dinâmica de nações exploradas e nações exploradoras. Pode ser parecido para os mais desatentos, mas existe uma diferença colossal. Enquanto a dinâmica de classe estrutura todas as dimensões sociais e laborais a partir da exploração económica de que todos os trabalhadores são alvo dos capitalistas, a dinâmica nacionalista perspectiva a exploração em termos dos trabalhadores e dos patrões de um país que, em conjunto, explorariam, os trabalhadores e os patrões de outro(s) país(es). Em resumo, em vez de explicar dinâmicas socioeconómicas a partir de vectores da mesma natureza, o nacionalismo passa a explicar as dinâmicas socioeconómicas a partir de factores de ordem político-territorial.

Ora, para se ter uma ideia um tanto ou quanto diferente vale a pena verificar os custos unitários de trabalho entre Portugal e a Alemanha. Se as bases de funcionamento da economia capitalista descritas pelo Marx não são mais audíveis pela própria esquerda que se reivindica do marxismo, então ao menos que se atente no facto de a evolução dos salários dos trabalhadores na Alemanha, em termos de custos unitários do trabalho (que mede a relação entre os custos nominais do trabalho e o nível real de produção, em termos de ganhos de produtividade), ter sido inferior à registada em Portugal. Partindo de uma base 100 em 2005 verifica-se que os custos unitários na Alemanha em 2011 estavam em 105,3 e que nos anos de 2006, 2007 e 2008 chegaram mesmo a diminuir, face ao valor inicial, até aos 98,0, aos 97,2 e aos 99,4. Inversamente, em Portugal, para uma base própria de 100 verificou-se uma subida praticamente ininterrupta até 2011. Neste último ano, o nível atingido cifrou-se nos 106,6 e chegou mesmo aos 109,0 em 2009 (ver aqui). O que isto demonstra é que no caso alemão os salários foram crescendo e acompanhando a produtividade. Aliás, nalguns anos a própria produtividade cresceu acima do ritmo dos salários. Inversamente, em Portugal, a tendência dominante foi para que os salários subissem a um ritmo superior à produtividade. Nesse sentido, em termos do rácio entre o volume despendido em capital variável e o volume de mercadorias produzidas, a tendência foi claramente no sentido de cavar um fosso maior entre os trabalhadores alemães e as empresas onde trabalham. Ou como a esquerda de outros tempos gostava de falar, a taxa de exploração é maior sobre os trabalhadores alemães do que sobre os trabalhadores portugueses. Mas porque falo aqui de uma dinâmica social e económica como a exploração, e que os nacionalistas apenas concebem no plano moral ou territorial?

Na tabela seguinte que retirei daqui, verifica-se como a taxa de crescimento dos salários nominais (A) foi sempre superior à taxa de crescimento da produtividade (B).

  1995  1996  1997  1998  1999  2000  2001  2002  2003  2004  2005  2006
   A      6,7   9,0   3,8   4,3   4,0    6,9    5,2    3,8    3,2    3,3    3,3    2,6
   B     5,8   3,6   2,4   2,6   3,1    1,8    0,2    0,1   -0,7    1,0    0,2    0,2

Fonte: Olivier Blanchard, «Adjustment within the euro. The difficult case of Portugal», Portuguese Economic Journal, vol. 6, nº1, 2007, págs. 4-5.
Ora, neste cenário importa também referir que a perda de competitividade da economia portuguesa advém muito mais da sua baixíssima produtividade que, de acordo com dados retirados daqui, rondará os 30% da produtividade irlandesa e cerca de 40% da produtividade alemã. Refira-se ainda que, de acordo com os dados do Eurostat coligidos no link anterior, entre 1999 e 2011 a produtividade portuguesa média aumentou cerca de 11%, ao passo que a alemã aumentou em 16,5%, mesmo sabendo que a sua base de partida já era superior à portuguesa. Por conseguinte, é dos diferenciais de produtividade que surgem grande parte das discrepâncias económicas e laborais dentro da zona euro. E se parte dos diferenciais de produtividade derivam da evolução da zona euro, importa perceber então:

1) porque a esquerda nacionalista sempre tão afoita a criticar a UE e o euro, raramente critica os capitalistas portugueses pela sua contínua aposta num modelo de baixa produtividade? Aliás, se até um economista da área do PCP como Eugénio Rosa lembra que até Junho do ano passado mais de 6.600 milhões de euros de fundos europeus para formação, aumento da competitividade tecnológica, etc. não foram utilizados, então porque a crítica política sobre a baixíssima produtividade da economia portuguesa só se confina à UE e não se alarga aos principais culpados dessa situação, os capitalistas portugueses? Nesse sentido, se algumas das críticas à UE e ao euro são justas, no sentido em que a UE não conseguiu contrabalançar o modelo económico de partida português, importa que elas assumam a igual responsabilidade dos capitalistas portugueses na manutenção de um modelo português pouco produtivo e sem uma recomposição tecnológica do seu parque industrial. Uma esquerda que se funda na crítica quase exclusiva a um sector dos capitalistas, ainda por cima, colocando a tónica no facto desses capitalistas serem alemães ou norte-europeus e não por serem.. capitalistas, então essa esquerda só pode ter como ambição uma aliança nacionalista entre os trabalhadores e sectores industrialistas e exportadores dos capitalistas portugueses. Nomeadamente, com alguns dos mesmos que até hoje mais têm contribuído para o atraso estrutural dos índices de produtividade da economia portuguesa;

2) porque um país como a Irlanda conseguiu, no quadro do euro, aumentar a produtividade em cerca de 41%, para o mesmo período entre 1999 e 2011 e de, em 2011, ter uma produtividade 22% superior à alemã, quando a sua base de partida, em 1999, era praticamente a mesma. Deixando de fora a questão da banca irlandesa, importa lembrar que o euro forte não foi nunca um problema para a contínua evolução positiva do sector produtivo-industrial irlandês. Nesse sentido, o euro valorizado actuou sobre uma condição estrutural produtiva já existente e desenvolveu em espiral a tendência que já estava imanente. No caso português, não conseguiu aproximar os índices de produtividade do resto da Europa. No caso irlandês, exponenciou uma base muito mais sólida. Por conseguinte, onde a esquerda deveria reivindicar (e nunca reivindicou) a existência de transferências compensatórias dirigidas especificamente para o desenvolvimento tecnológico das zonas mais desfavorecidas e menos apetrechadas tecnologicamente da UE, a esquerda nacionalista prefere colocar o problema numa ficcional exploração entre nações. Se esta fosse real como afirmam os nacionalistas, então a Irlanda não poderia ter crescido no quadro do euro, pois este estaria apenas destinado para favorecer a Alemanha (e eventualmente mais um ou dois países).

Do ponto de vista económico, o modelo que a esquerda nacionalista apresenta de aposta na desvalorização monetária será concretizado à custa de um aprofundamento ainda maior da exploração dos trabalhadores e de uma aposta nos mecanismos da mais-valia absoluta, como defendi aquiaqui aqui aqui. Mas a crítica da esquerda anticapitalista não se pode circunscrever ao plano económico, apesar deste ser o seu ponto de partida.

Do ponto de vista político, o modelo económico que a esquerda nacionalista defende beneficiará exclusivamente determinados sectores exportadores nacionais e o novo Estado que pretendem construir com «uma liderança forte para que não houvesse nenhuma turbulência», de acordo com a limpidez de pensamento que sempre caracteriza o economista Jorge Bateira. Em simultâneo, ao erigirem outras nações como responsáveis de uma dinâmica totalmente derivada de processos classistas, os nacionalistas portugueses estão a contribuir para colocar trabalhadores contra trabalhadores, ao mesmo tempo que amarram os trabalhadores nacionais aos objectivos de determinados sectores das classes dominantes. Dentro deste triângulo a) de transformação da luta de classes numa luta entre nações, b) de divisão nacional dos trabalhadores europeus, c) e de aliança nacional entre trabalhadores e capitalistas, o que daqui germinar não será certamente uma alternativa de esquerda. Pelo contrário, são ingredientes imanentes a uma fascização da sociedade portuguesa. Como alguém escreveu há dez anos atrás, e com toda a razão, «não se pode fazer a crítica do fascismo em geral se não o reconhecermos como um nacionalismo de base proletária» (Bernardo, 2003: 217). Mesmo que venham posteriormente a ser tragicamente engolidos pelos nacionalistas mais à direita, é deste tipo de fascização que sectores nacionalistas de esquerda contribuirão para lançar se o seu projecto de saída do euro vencer.

Sobre Guy Debord e a vanguarda que "esteve por detrás dos protestos do Maio de 68 em França"

Ficamos a saber por uma peça informativa do Público sobre Guy Debord que este foi um dos membros da vanguarda que "esteve por detrás dos protestos do Maio de 68 em França". Mas talvez continue a valer a pena interrogarmo-nos sobre as condições históricas da retaguarda que reboca "por de frente" esta inovação político-conceptual.

A esquerda mansa, a esquerda forte e o euro

Leio no 5 Dias que um «discurso de esquerda manso» implicaria uma defesa do euro e que uma força política e social para romper com a troika teria de rejeitar o euro e de nacionalizar a banca. Analisemos estas duas variáveis na actual conjuntura, começando com pequenos apontamentos sobre a saída do euro.

Para o Tiago Mota Saraiva e para os economistas nacionalistas que cita na caixa de comentários do seu artigo, uma desvalorização da moeda seria tão boa, tão boa que todos eles se esquecem que no dia a seguir a uma saída do euro passaríamos todos a pagar mais 30, 40 ou 50% (dependendo do grau de desvalorização cambial) em produtos tão inócuos para a economia como combustíveis, maquinaria e matérias-primas... Mas como os economistas nacionalistas nos garantem a pés juntos que a desvalorização cambial no final do primeiro ano resultaria num aumento de competitividade de 30 ou 40%, então cabe perguntar o seguinte. Tendo em conta que os custos que referi acima naqueles produtos e bens importados iriam aumentar necessariamente em dois dígitos, e tendo em conta que a competitividade iria pretensamente aumentar no valor que referem, então resta-me concluir que os ganhos de competitividade seriam feitos à conta e à custa dos salários e do emprego dos trabalhadores. Sabendo todos nós desde o Marx que só existem meios de produção (objectos de trabalho e instrumentos de trabalho) e força de trabalho para determinar a relação económica fundamental do capitalismo, então se os custos iriam aumentar em parte significativa dos objectos de trabalho (combustíveis, matérias-primas, bens de origem agrícola para transformação, etc.) e dos instrumentos de trabalho (maquinaria) importados, e se a competitividade ainda assim iria aumentar, então os efeitos só poderiam ocorrer fundamentalmente sobre a força de trabalho... Ou então não vão gastar um chavo em maquinaria moderna o que é um raciocínio muito elegante, mas que não aumenta em nada a produtividade do trabalho. Se calhar a ideia até é essa... Poupar nos salários, apostar em indústrias intensivas em trabalho e exportar barato... Tenho muitas dúvidas que fosse uma alternativa muito consistente e, na melhor das hipóteses, sequer diferente do actual modelo económico imposto pela troika... Próximo do modelo económico salazarista do pé-de-meia sê-lo-ia com certeza.



Entretanto, se Portugal sai do euro é bom lembrar que isso de saída controlada não existe e que em pouco tempo a banca portuguesa ia à falência. Iupiiii, cantariam os nacionalistas. Tudo bem para eles, pois entraria em jogo a nacionalização da banca. Os grandes capitalistas teriam zarpado e a esquerda nacionalista deste país não iria ter qualquer efeito sobre eles e sobre as suas fortunas... Ora, só é pena que os mesmos que criticam a situação actual quase exclusivamente a partir dos gastos do Estado português com o BPN, não tenham a mesma coerência discursiva de dizer aos trabalhadores que se a banca falir, será o Estado - e o dinheiro dos impostos dos trabalhadores (sim, porque, nessa altura, os capitalistas já estarão noutras paragens) - a pagar não apenas o BPN, mas a CGD, o Millenium, o Banif, o BES, o BPI, etc. O que implicaria uma injecção maciça de dinheiro para salvar os depósitos dos trabalhadores e de muitas empresas. O que inevitavelmente elevaria a inflação acima das expectativas actualmente optimistas dos nossos estimados nacionalistas. Ou então, outra possibilidade, deixariam todos os depósitos bancários torrarem. O que seria muito bonito de se ver mas duvido que as empresas que fossem à falência e que os trabalhadores que perdessem as suas poupanças achassem piada à coisa...

Nessa altura, quando os trabalhadores completamente depauperados e os pequenos empresários falidos se lançarem conjuntamente em torno de uma grande coligação patriótica e anti-monopolista contra os nossos "revolucionários" nacionalistas, e tendo como líder um militar ou uma personalidade carismática e populista, certamente que uma tragédia macabra como a que ocorreu no Chile de Allende ou na Indonésia de Sukarno voltaria a colocar-se. Depois dos bravos patriotas de esquerda terem salvo a pátria das garras do IV reich alemão, seria a vez da pátria pagar o retorno com a fúria de uma "nação em cólera", condição sine qua non de um qualquer fascismo. Por isso quando falo na possibilidade de uma saída do euro patrocinada pelo PCP e pela restante esquerda nacionalista resultar no seu contrário, podendo mesmo devorar os que hoje rejubilam com a via da saída do euro, não se trata de um mero entretenimento teórico. Se algo existe enquanto potencialidade é porque se pode desenvolver como tal, se determinadas circunstâncias se cumprirem... Na concorrência entre nacionalismos, o de origem mais à esquerda acaba sempre devorado pelo de direita. Ou transforma-se no seu contrário. Que os fautores dessas iniciativas não tenham disso consciência, ou pior, que disso não queiram ter consciência, então é porque a ideologia já afogou totalmente todo o tipo de racionalidade e de razoabilidade que ainda pudesse subsistir.


25/03/13

Excerto de uma troca de mails com o João Bernardo: "De quem era este programa?"


O João Bernardo enviou-me, num mail particular, o seguinte texto, propondo-mo como uma espécie de adivinha:

“(…) De quem era este programa?

— to introduce capital punishment for defrauders of public funds;
— to confiscate the fortunes of these defrauders;
— to bring to justice all politicians who have acted against the country;
— to forbid politicians to take part in the Administrative Council;
— to expel all foreign exploiters from the country;
— to declare the territory of [...] as the inalienable and imprescriptible property of the [...] Nation;
— to make all elected officials work honesty;
— and to institute a central administrative authority. (…)”

Respondi que não sabia, embora achasse que, datando decerto de entre as duas guerras, bem poderia provir de algum grupo da “direita revolucionária” francesa ou das bandas do que viria a ser o nacional-socialismo — apesar de se poderem encontrar, mais tarde, posições semelhantes entre grupos que apoiaram De Gaulle, quer no maquis, quer no exílio. Passo a transcrever a chave do enigma e algumas observações com que o João Bernardo a acompanhou — de momento é quanto basta.

“Este programa interessou-me porque podia ser reproduzido ipsis verbis pela actual extrema-esquerda portuguesa. Se fizeres uma figura geométrica com os três pontos que enunciaste, o resultado fica no meio, sobretudo se conhecermos as propostas de um dos órgãos coordenadores da resistência francesa, o Comité Général d'Études, que estudava com muito interesse as tendências corporativistas de Vichy. Os pontos que transcrevi são as medidas políticas enunciadas por Codreanu no seu primeiro discurso ao parlamento, em Dezembro de 1931. Por um lado, no campo da economia, o movimento legionário do Codreanu era ainda mais radical do que a direita revolucionária de Paris. Por outro lado, no campo do racismo, era ainda mais místico do que o nacional-socialismo germânico. A bem da verdade, o Mircea Eliade nunca teria conseguido entender tão bem a história das religiões se não tivesse feito parte do movimento de Codreanu. Ao menos isso. Mas o que me impressiona em todo este período é 1) a desculpabilização do capitalismo e a atribuição das responsabilidade à corrupção dos políticos e 2) a noção de que os aspectos económicos nefastos são só do capital financeiro (cosmopolita, na visão social; judaico, na visão racial). Não há nada que eu leia que não reforce isto. Lembro-me sempre do Bardèche, quando escreveu que existem hoje «milhares de homens que são fascistas sem o saber» e que «desde que a palavra "fascismo" não seja pronunciada, não faltam os candidatos ao fascismo». Outro dia gozaram o primeiro-ministro por estar a ler uma biografia do Salazar. Que ignorantes! Deviam gozá-lo era se ele estivesse a ler uma biografia do Sinel de Cordes. Se o Vias de Facto publicasse os artigos que o Salazar escreveu no Novidades aquando da campanha que conduziu contra as negociações encetadas pelo Sinel para obtenção de um empréstimo internacional, tenho a certeza de que os comentários seriam entusiásticos”.