23/04/21

Se o CHEGA for ilegalizado...

Se o Tribunal Constitucional fizer o disparate de ilegalizar o CHEGA, imediatamente veremos colunistas do Observador e moções ao congresso do CDS-PP a defender a alteração do artigo 46º da constituição. E quase que aposto que grande parte das sugestões de alteração não serão para retirar a proibição de associações racistas ou fascistas, mas para alargar essa proibição a outras ideologias.

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15/04/21

Quotas para escolas em vez de para etnias (III)

Voltando à questão das quotas por escolas para a entrada na universidade, muito gente retorquiu que o que é preciso é "fazer um trabalho de base", ou que "as quotas são a fita preta do sistema", o que isso é "desistir e ir pelo caminho mais fácil", blá, blá, blá....

Talvez; ou talvez não. Regressando ao que já disse na publicação inicial, depende muito do que se considere ser o motivo para se selecionar, para a entrada na universidade, os alunos com melhores notas no ensino secundário (ou nos exames correspondentes). É que há pelo menos duas razões possíveis (ainda que não necessariamente incompativeis) para isso, mas, a meu ver, com implicações bastante diferentes no que diz respeito a este assunto.

Uma é assumir que no ensino secundário se aprendem "bases", que vão servir para se aprender melhor o que vai ser ensinado na universidade, logo fará sentido escolher os que têm melhores "bases", porque são esses que em principio vão aprender melhor na universidade. E aí, realmente as quotas para as piores escolas serão tentar tapas o sol com uma peneira, já que esses alunos provavelmente irão ter grandes dificuldades na universidade (por lhes faltarem as tais "bases").

Mas outra hipótese alternativa é achar que, na verdade, muito do que se aprende no ensino secundário pouco ou nada interessa verdadeiramente na universidade, ou talvez até seja contraproducente (p.ex., suspeito que seria mais fácil aos professores das faculdades de economia ensinarem a teoria da vantagem comparativa se os alunos não passassem o ensino secundário a aprender, em economia e história, modelos baseados na teoria da dependência e em sistemas "centro-periferia", ou que o Tratado de Methuen é a causa do atraso económico português) - e realmente já ouvi falar de professores universitário´rios que se queixam que passam os primeiros meses a ter que "des-ensinar" o que os alunos aprenderem no secundário). Para essa hipótese, o verdadeiramente interessa é escolher alunos com características pessoais intrínsecas (provavelmente uma mistura de inteligência, esforço e curiosidade intelectual) que levam a um bom desempenho académico, e escolher os com melhores notas no secundário ou nos exames é apenas porque é a melhor maneira de medir essas combinação de fatores - ou seja, o curso de Matemática Aplicada à Economia e à Gestão até poderia selecionar os seus alunos com um exame de aramaico (ou um exame em aramaico sobre formigas parasitas) que iria acabar à mesma por selecionar os melhores alunos. E, se formos por aí, as quotas já não são uma "fita preta", sem resolver o verdadeiro problema, ou uma espécie de adulteração dos resultados - será ao contrário: a existências de "boas" escolas é que é uma espécie de batota (parecida com tomar doping numa corrida), que distorce o sinal, porque aí as notas já não medem apenas aquilo que verdadeiramente se quer medir (o potencial de cada aluno), passando a estar contaminadas por um fator adicional (a qualidade da escola frequentada); e assim quotas por escola ou um mecanismo similar são uma forma de corrigir esse ruído e medir o que verdadeiramente se quer medir.

(Suponho que na realidade haja uma mistura dos dois efeitos)

E agora mais uma ideia que me ocorre (e com isto que vou escrever agora arrisco-me a ser expulso da esquerda sem sequer me fazer mais bem visto na direita): de vez em quando surgem noticias dizendo que os alunos das escolas públicas, tendo em média piores notas à entrada, depois têm melhores resultados na universidade que os oriundos das escolas privadas; uma possivel explicação para isso é que as escolas privadas sejam mesmo melhores (glup!) que as públicas, mas que o tal segundo efeito seja predominante (isto é, as características dos alunos interessem mais que as tais "bases"), o que leva a que, ceteris paribus, um aluno universitário vindo da escola pública seja mais inteligente/esforçado/interessado/etc. (já que precisou mais dessas qualidades para ter uma boa nota, exatamente por a escola não ser tão boa) que um vindo de uma privada, e por isso tenha naturalmente depois melhores resultados.

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09/04/21

Quotas para escolas em vez de para etnias (II)

Mas o que eu suspeito é que esta medida (que beneficia toda a gente que vive em zonas "problemáticas", seja qual for a sua raça) acaba por se tornar menos popular do que seria exatamente por ser apresentada como uma medida "contra o racismo".
 
O Matthew Yglesias tem falado muito disso no blogue dele: que a esquerda norte-americana moderna (e pelo vistos também a europeia), perante propostas que são boas para TODOS os desfavorecidos, tem o hábito de defendê-las enfatizando que beneficiam os negros e as minorias (e que, portanto, quem se opõe a elas é objetvamente racista); mas que provavelmente essas propostas seriam mais populares se os seus defensores NÃO enfatizassem o ângulo racial e falassem só de pobres e ricos (exemplo).
 
Afinal, por norma há mais pessoas nas classes "baixa" e "média-baixa" do que pessoas de minorias étnicas.
 
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Quotas para escolas em vez de para etnias (I)

Quando vi só o resumo ("Plano contra o racismo prevê quotas para acesso às universidades), pensei "péssima ideia - deveriam fazer quotas por escolas, não por raças", mas afinal parece que vão fazer as quotas da maneira correta (por escolas): "Plano contra o racismo prevê quotas para acesso de alunos de escolas desfavorecidas às universidades".

O que escrevi há uns anos sobre o assunto (Sugestão: quotas para escolas em vez de para etnias):

"De qualquer maneira, muita gente irá objetar a esta proposta com a conversa do "mérito", mas basta ver a atenção com que se olha para os rankings escolares divulgados anualmente ou as guerras para conseguir ter os filhos colocados em certas escolas para se concluir o desempenho escolar não depende apenas do mérito individual (aliás, as pessoas que estão sempre a falar do "mérito" parecem-me ser também as que mais importância dão aos rankings escolares, numa contradição aparente), ...

Ainda a respeito do "mérito", algo que implicaria uma reflexão é qual o porquê de atribuir as vagas na universidade aos alunos com melhores notas; parece óbvio e intuitivo, mas exatamente por isso se calhar ninguém pensa seriamente qual é o motivo para tal. Eu consigo imaginar pelo menos 3 motivos, que têm implicações diferentes:

a) Escolher os melhores alunos porque estes têm mais bases e portanto vão ter melhor desempenho no curso e na vida profissional posterior. Se o motivo for esse, aí faz efetivamente sentido escolher os alunos com melhores notas.

b) Escolher os melhores alunos porque estes provavelmente são mais inteligentes e/ou mais esforçados e/ou mais interessados e portanto vão ter melhor desempenho no curso e na vida profissional posterior. Esta explicação difere da anterior porque não requer que o que os alunos aprenderam no secundário tenha alguma utilidade real na licenciatura/mestrado/profissão, é apenas uma maneira de selecionar os mais inteligentes/esforçados/interessados (para medir inteligência ou esforço nem será necessário que a matéria do secundário tenha alguma coisa a ver com a matéria da licenciatura, mas acho que para medir interesse já o será). Se o motivo for esse (avaliar mais a personalidade do candidato do que os seus conhecimentos) aí faz todo o sentido um sistema de dê prioridade aos alunos de meios em que é mais difícil ter bons resultados escolares: quase por definição, para um aluno de uma "má" escola conseguir um 18 num exame, precisa de mais esforço/inteligência/motivação do que um de uma "boa" escola (e se não for assim, quer dizer que os pais que andam a pagar fortunas para os filhos ficarem numa "boa escola" privada ou a meter cunhas para eles ficarem numa "boa escola" pública estão a ser vítimas de uma burla em larga escala).

c) Escolher os melhores alunos é uma forma de levar os alunos no secundário a se esforçarem (e os país a obrigá-los a esforçarem-se) e a aprenderem o que lhes é ensinado - mesmo que grande parte não vá para a universidade, o que aprenderam vai ser útil tanto a eles como à sociedade em geral (e atenção que com "útil" não me estou a referir apenas ao aspeto económico). Mas aí também não vem mal ao mundo se se introduzir um sistema qualquer de compensação a quem venha de meios desfavorecidos, já que o entrar ou não na universidade continua, naquilo que o individuo pode controlar, a depender do seu esforço..."

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04/04/21

O Covid-19 e as outras patologias

 É um facto que praticamente toda a gente que morre com covid tem outras patologias; mas não é claro o que é que os que estão sempre a insistir nisso querem dizer:

a) que, para quem não tenha comorbidades, o perigo de morrer de covid é quase nulo e que só está em risco quem tenha também outras doencas?
ou

b) que para toda a gente o perigo de morrer de covid é quase nulo e mesmo os mortos com covid morreram por causa das outras doenças, não do covid?

É que são duas coisas completamente diferentes.

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