29/10/18

E se falássemos um pouco de política?

"O que distingue a esquerda da direita é o caminho que escolhemos para reduzir o défice".

Declaração do Secretário Geral do PS e primeiro-ministro de Portugal, António Costa, ontem numa acção com militantes socialistas em Almada.

A direita moderada face à extrema-direita - as três fases

Fase 1 -  enquanto a extrema-direita tem poucos votos: "eles são uma espécie de socialistas; sim, eles são de esquerda como vocês"

Fase 2 - quando a extrema-direita já tem votos suficientes e uma representação parlamentar grande o bastante para afetar a formação de coligações de governo: "a culpa disto é da esquerda; a extrema-direita é uma reação contra os excessos do politicamente correto"

Fase 3 - quando a extrema-direita já é a única direita capaz de ganhar eleições: "isso de «extrema-direita» são fake news divulgadas pela comunicação social esquerdista; eles são conservadores-liberais à maneira anglo-saxónica"

28/10/18

"Os imigrantes que não se identificam com os nossos valores deveriam ir-se embora"

Esta conversa parece ter ganho adeptos à esquerda nos últimos dias.

No dia em que o Brasil vira as costas à Democracia. Acerca das razões que aqui nos conduziram.

Os diagnósticos sobre as razões que levam milhões de pessoas a escolher personagens como Bolsonaro, o obscuro deputado brasileiro adepto confesso da ditadura militar brasileira, são vários. Muitas delas serão claramente erróneas, já que pretendem ignorar as responsabilidades de quem governou em nome da esquerda, eleito para qualificar a democracia e tornar a sociedade mais justa.

Há muita gente à esquerda que relativiza e minimiza a importância que a corrupção desempenhou na degradação da situação brasileira. A corrupção que com o PT atingiu níveis brutais permitiu duas coisas: manter por mais tempo o PT no poder e impedir políticas de redistribuição efectiva da riqueza produzida. O PT associou uma corrupção estrutural -que não apenas manteve como em grandes sectores ampliou e expandiu -  com um assistencialismo quanto baste. Enquanto os grandes negócios permitiam aos poderosos, e aos seus amigos petistas da classe no poder, apropriarem-se da riqueza produzida no país, o PT, generosamente, ia distribuindo algumas migalhas pelos mais pobres sem com isso mostrar vontade de alterar a sua situação estrutural. O PT foi implacável quando foi necessário retirar os pobres do caminho para avançar com os grandes eventos. Vejam-se os grandes eventos como o Campeonato do Mundo de Futebol e a "limpeza" feita para libertar os terrenos.

O PT foi um partido que evoluiu no sentido dos partidos socialistas europeus que - abrigados sob a tenebrosa bandeira da terceira via de Blair  - escavacaram a social-democracia, liquidando os objectivos de melhorar a distribuição da riqueza, promover uma maior justiça social e igualdade, uma sociedade mais justa. Bem embalados pelas "campanhas mediáticas" de promoção das igualdades de género e de respeito pelas minorias - objectivos muito importantes mas que apenas favorecem os membros das classes favorecidas, cujos direitos são reconhecidos, sem alterar as condições de desigualdade presentes na sociedade - abandonaram os objectivos de combate às desigualdades estruturais e à sua correção.  Pelo meio foram cedendo aos ditames neoliberais colaborando na destruição do estado social ou, como aconteceu no Brasil, nunca passando este de um nível incipiente.

Por isso vale a penas escutar esta conversa entre Slavoj Zizek e Owen Jones. Na verdade Trump e Bolsonaro são consequências.  É em Clinton e em Lula -. como símbolos da corrupção do socialismo democrático - que temos de encontrar as razões para tudo estar a correr tão mal. Quem recebeu o poder das mãos do povo e não foi capaz de mudar a forma como se faz a política, continuando a fazer uma política para os poucos que gravitam em torno do poder.




27/10/18

Ler os Outros: "As quatro imposturas intelectuais da arquitectura contemporânea".

Uma boa abordagem de um autor que além do mais é arquitecto com formação na área do urbanismo. Escasseiam em Portugal este tipo de reflexões já que a "cultura" nacional, ou melhor dizendo, o acriticismo nacional disfarçado com roupagens "culturais", na área da arquitectura e do urbanismo, adopta uma linha de abordagem do tipo "life and style".

A impostura do espaço é a mais utilizada e os impostores apresentam-se "armados"  com uma capacidade inata para compreender e interpretar os espaços que lhes terá vindo do ... espaço. Mesmo aqueles incapazes de reflectir sobre os mecanismos de produção do espaço ou sobre a dimensão oculta dos diferentes tipos de espaço, são capazes de testemunhar a perfeita integração do mamarracho A ou B num determinado "contexto espacial", certificar que o edifício  estabelece um "perfeito diálogo" com o espaço", ou concluir que a rejeição suscitada por uma determinada proposta de organização do espaço interior das habitações resulta da ignorância irrecuperável dos seus moradores.

Tudo fruto da impostura da autoridade que é afinal a pura e dura exibição do poder. Poder adquirido junto de políticos mais ou menos ignorantes mas muito bem informados sobre o valor de mercado de cada um dos impostores e que não perdem a oportunidade para lhes prestar vassalagem.

Até porque por cá não é fácil encontrar alguém como Oriol Bohigas, o arquitecto e urbanista catalão que escreveu, no prefácio ao livro de Jordi Borja e Zaida Muxi,  "El espacio público: ciudad y ciudadanía"*, o seguinte:

"(...) Son los que mantienen que la ciudad moderna viene dada por modelos americanos en los que predomina el terreno desordenado, las acumulaciones comerciales, fuera de la ciudad, los núcleos-dormitórios sin calles ni tiendas, los strips, el dinamismo del antiurbanismo, la ville eclatée, el terrain vague y otras ideias erróneas más literarias que figurativas. No tengo nínguna duda de que esta tendencia explosiva y desordenada - discontínua - proviene de um sistema de uso del suelo impuesto por los interesses particulares del mercado por encima de las necesidades colectivas, cada vez más privadas del soporte de un control urbanístico. Lo curioso es que este hecho real ha acabado encontrando urbanistas y teóricos sociales que lo han elogiado como el auténtico sistema urbano de la modernidad, seguramente porque alrededor de toda realidad productiva- incluso las correspondientes al capitalismo liberal más salvaje - se forma rapidamente un ámbito de pensamiento justificador con gestos y argumentos que provienen - por costumbre retórica - del otro bando.
No es necesario decir que muchos arquitectos se suman a esta hipocresía general, a menudo por la necesidad de irse enrolando en los itinerarios productivos que tienen más éxito. Pero seguramente también por una razón profesionalmente más justificable y más digna: en el terreno desurbanizado, sin calles, ni preexistencias, sin identidades, es más posible hacer una arquitectura autónoma, liberada de condiciones, caprichosa hasta el infinito, es decir, una arquitectura que no tiene la obligación de responder a la realidad de una ciudad exigente. Una arquitectura grandiloquente y más fácil de proyectar. (...)".

* - Edição de 2004 da Electra de Barcelona.

17/10/18

A Península Arábica e desaparecimentos

O caso do desaparecimento do jornalista saudita Jamal Khashoggi fez-me lembrar que também desde 4 março de 2018 ninguém viu mais a sheika Latifa bint Mohammed Al Maktoum, filha do emir do Dubai. Nesse dia, o iate onde ela estava aparentemente a tentar fugir para os Estados Unidos foi abordado ao largo da Índia por uma operação conjunta das marinhas indiana e dos Emirados Árabes Unidos, e ela e os seus acompanhantes (uma amiga finlandesa e o dono do iate, um ex-espião francês com um passado algo agitado) foram levados para o Dubai. Os outros foram libertados, mas, ao que sei, nunca mais se soube nada dela.



A tirania do socialmente correto

As pessoas que costumam reclamar que "não se pode dizer nada que fica logo tudo ofendido" estão em polvorosa com o que alguém disse no Prós e Contras sobre não obrigar as crianças a beijar os avós.

10/10/18

A "normalização" do fascismo pela via eleitoral

A vitória de Balsonaro na primeira volta das eleições presidenciais no Brasil é, para dizer as coisas como elas são, a vitória de um candidato fascista numas eleições democráticas realizadas num país-continente que, até 1985, esteve sob o domínio de uma implacável ditadura militar.
Trinta anos depois da liberdade os Brasileiros, na sua maioria, parecem dispostos a apoiar um fascista, adepto confesso da ditadura e de personagens como Hitler.
Isto depois de em 2003 o PT ter chegado ao poder e Lula da Silva, o mais famoso operário metalúrgico, ter chegado à Presidência. Lula que viu Dilma Rousseff, uma antiga guerrilheira do tempo da ditadura militar, suceder-lhe na Presidência até ter sido destituída pela justiça militante que hoje domina o Brasil de braço dado com os militares.

Assistimos por estes tempos à ascensão do fascismo em várias regiões do mundo. Não através de golpes militares mas apenas e só através de vitórias eleitorais. Tal como Hitler, que chegou ao poder através das eleições, Orban, e agora Bolsonaro,  utilizaram  a via eleitoral para triunfar sobre os poderes decrépitos e corruptos que se especializaram em defraudar as expectativas da maioria da população.

A corrupção endémica, que o PT não apenas não combateu como até reforçou, não é um mal menor. É o caminho mais curto para a ascensão dos poderes ditatoriais. É um pretexto para que figuras menores, como Bolsonaro, ascendam ao poder, deixando as rédeas livres aos juízes - como Moro - e aos militares, que estão loucos por voltarem a dispor do poder e que aproveitam a degradação da democracia petista para violarem, no caso dos juízes, a separação dos poderes. O "povo" que vota Bolsonaro parece juntar sob o mesmo conjunto de interesses, aqueles que aspiram pelo regresso aos tempos em que os seus privilégios eram a lei e aqueles que se queixam - justamente - por o PT não ter promovido o fim da desigualdade extrema, que no Brasil é ainda mais chocante do que deste lado do Atlântico. O que torna ainda mais terrível a opção de voto que estes últimos fizeram, já que parece terem escolhido o caminho mais curto para regressarem ao passado tenebroso.

A via eleitoral tem um potencial enorme para todos os fascistas deste mundo. As políticas da responsabilidade social e da confiança, que não são mais do que políticas austeritárias, deixam  a maioria de fora da distribuição da riqueza e constituem a mais eficaz madrassa de recrutamento dos novos fascistas. Aumentos dos funcionários públicos em 5, 10 ou 15 euros, incapacidade para redistribuir de forma justa a riqueza produzida, como tem sido a regra por cá, com as esquerdas reunidas, criam condições para mais cedo do que tarde também irmos por aí. Até porque, como disse Cravinho recentemente, a corrupção é um mal endémico e um grande problema nacional relativamente ao qual existe um alargado consenso [isto digo eu]; não existe corrupção, apenas prácticas menos avisadas.

PS - dou como adquirido o facto de na segunda volta se verificar o triunfo do candidato fascista. O candidato do PT, o senhor Haddad, que aparece em campanha com o ar festivo de quem está a assistir a um enterro - o seu - teve a peregrina ideia de, logo após a confirmação da passagem à segunda volta, ter ido visitar Lula à prisão.


08/10/18

A CIDADE EM RECONSTRUÇÃO

Junto com a edição de Outubro do Le Monde Diplomatique pode ser adquirido o livro "A Cidade em Reconstrução. Leituras Críticas, 2008-2018" cuja edição é da responsabilidade da Outro Modo - Cooperativa Cultural. Esta obra recolhe contribuições de vários autores que durante este último decénio reflectiram sobre temas que vão da "Produção Social do Espaço Urbano Português - Tendências e Desafios", ao "Turismo,Gentrificação e Expulsão", passando pelas "Vulnerabilidades e Resistências em Contextos Urbanos Informais", pela "Habitação Pública. Políticas e Dinâmicas" e pela "Cidade Vivida". Os investigadores do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa e membros da Habita - Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade, André Carmo, Eduardo Ascensão e Ana Estevens, organizaram a obra para a qual contribuem com textos da sua autoria.

Realizou-se, entretanto, no passado sábado, na Casa da Achada, a apresentação do livro, para a qual fizeram o favor de me convidar - tive a companhia da Professora Isabel Raposo, da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa e da Rita Silva, dirigente e fundadora da Habita, figura destacada da luta pelo direito à habitação na cidade de Lisboa - a que se seguiu uma conversa sobre a magna questão da habitação na cidade com a participação da Maria de Lurdes Pinheiro, dirigente da Associação do Património e População de Alfama, do António Brito Guterres, investigador do DINAMIA/CET -ISCTE, e da arquitecta e cenógrafa, Ana Jara, entretanto empossada como vereadora substituta na Câmara de Lisboa, em representação do PCP.

Um bom debate, com casa cheia, com intervenções que nos mostram uma realidade que, como dizia o Chico Buarque a propósito da "dor da gente", não sai nos jornais. Histórias de luta e de resistência em curso na cidade de Lisboa, contra o exercício do poder autocrático dos que são eleitos para, como autarcas, exercerem o poder em defesa dos seus concidadãos, e optam por os ignorar.
 A velha história, já ressequida e requentada, dos que, para lá das proclamações mais ou menos retóricas,  apostaram todos os trunfos em ceder o passo ao Mercado, anulando ao limite a intervenção pública, demitindo a Administração de exercer a sua função de garante dos direitos sociais, mesmo aqueles que estão, supostamente, protegidos pela Constituição, como acontece com o direito à Habitação.

Volta a ser tempo de escutar Sérgio Godinho a recordar-nos que só há Liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação. Entretanto, vale a pena ler o livro já que, apesar da passagem do tempo, como tive oportunidade de dizer na minha intervenção, a actualidade de cada um dos textos não foi erodida. Talvez porque a cidade que está a ser "reabilitada" não seja aquela cidade que todos os diferentes autores gostariam de ver reconstruída. Uma cidade para todos.

05/10/18

Coerência entre a teoria e a prática

Os apoiantes ou militantes do  PSD e do CDS aproveitarem o feriado do 5 de outubro para, no fim de semana prolongado, irem viajar (ficando num alojamento local propriedade de um bloquista).

04/10/18

É pá Mário, não abuses, pá! Não deites tudo a perder, tem calma pá. Olha o Novo Banco, o dinheiro não dá para tudo, pá!

Governo avalia aumentos de 10 euros para todos os funcionários públicos

Mário Centeno descobriu a Quadratura do Círculo. A explicação, aguardada pela comunidade cientifica, vai ser apresentada junto com o Orçamento para 2019. Centeno vai financiar o aumento de 10 euros - ou outra enormidade da mesma ordem de grandeza - para todos os funcionários públicos com a continuidade de facto do congelamento das carreiras dos mesmos ... funcionários públicos. Com destaque para os professores, que são as vitimas mais conhecidas da paixão que o PS alimenta, há décadas, pela educação. A isso acresce o downgrade nas carreiras dos funcionários públicos licenciados antes de Bolonha. Sobra muito dinheiro para aplicar no Novo Banco ou noutro qualquer elemento sistémico da nossa desigualdade estrutural.


03/10/18

Ler os Outros: "Corrigir a desvalorização das ‘licenciaturas pré-Bolonha""

Um artigo do Engenheiro Sebastião Feyo de Azevedo sobre a "desvalorização das licenciaturas pré-Bolonha",  que foi concretizada pelo Governo Português.

Desvalorização é a opção do articulista, que se entende, dadas as regras de urbanidade que caracterizam a intervenção pública da Ordem dos Engenheiros e dos seus dirigentes. Eu acho, no entanto, que aquilo que o Estado Português fez tem outro nome: GAMANÇO. 

É disso que se trata. O Estado, como se fosse um Estado totalitário - e em muitas situações é-o, de facto -, resolve, ditactorialmente, desqualificar centenas de milhares de licenciados - cujas licenciaturas foram obtidas em universidades públicas, em cursos reconhecidos como de elevada qualidade e com provas dadas no exercício das suas profissões - transformando as suas licenciaturas em bacharelatos.

Um Estado que resolve apagar dois anos da formação universitária de centenas de milhares de pessoas - e mesmo assim favorecendo algumas formações em detrimento de outras, caso das engenharias - pode ser considerado um Estado democrático?

Há coisas que se fazem em Portugual que deixam qualquer um arrepiado. Suspeito que este tipo de violências não provocam qualuer arrepio a António Costa.

Declaração de Interesses: Sou licenciado em Engenharia Civil, ramo de Estruturas, pelo IST, desde 1981. Sou por isso Licenciado  em Engenharia Civil, pré-Bolonha. Sou  Mestre em Planeamento Regional e Urbano pela Universidade Técnica de Lisboa, desde 2005, isto é pré-Bolonha.