31/03/11

Alianças para combater numa certa forma de guerra social



Estes pedidos, que parecem relevar de uma certa nostalgia pela União Nacional, levantam diversos problemas. O primeiro é que nunca há, efectivamente, consensos, pelo menos no sentido correcto da palavra, que é o de toda a gente estar de acordo. A União Nacional unia todos, menos os que excluía. E os que excluía eram muitos e tratados com a devida violência. O Bloco Central tal como existiu em Portugal, nos anos de 1983 a 1985, foi feito para aplicar uma receita de enorme violência social, que obrigou ao encerramento de fábricas e a despedimentos maciços. Por definição, as vítimas deste tratamento não fizeram parte do consenso. Portanto, aquilo a que se chamam consensos são, na realidade, alianças para combater numa certa forma de guerra social.
Luciano Amaral, Bloco nacional

Novas formas de saber-prazer

Ciclo de cinema porno-feminista? Mas xs feministas não acham todxs que a pornografia é uma forma de degradação e exploração das mulheres? Há feministas que vêem a pornografia como espaço de contra-poder, de resistência aos códigos normativos da pornografia tradicional por produzir representações alternativas, em que corpos, partes dos corpos e desejos considerados “monstruosos”, pela norma sexual e de género, têm lugar. Na pornografia feminista estão representados os órgãos que não funcionam para a norma heterossexual, os “defeitos”, o que está fora do padrão e é descartado e invisibilizado pela norma sexual - lésbicas, gays, trans, putas, travestis, drag-kings, mulheres barbudas, pessoas com deficiência, velhxs, sado-maso’s, bi’s, queer, etc. No porno feminista estes “monstros” passam a ser sujeitos de enunciação e lugares de resistência ao ponto de vista “universal” do homem branco, heterosexual, de classe média. Este ciclo é um espaço para essas práticas marginalizadas, para essas performatividades alternativas, e para construir novas formas de prazer-saber.

Algo está a mudar

Talvez o suficiente para alterar a dinâmica das eleições que se avizinham. Com manifestações esporádicas nada conseguiremos. É preciso mais.

E o povo, pá?

Portugal Uncut

A Ruptura do Ruptura/FER

Ali em baixo, alguém perguntou "nenhum blog de esquerda fala da ruptura do ruptura fer?".

Não seja por isso:
"O Ruptura/FER, a mais importante sensibilidade política crítica da direcção de Francisco Louçã, no Bloco de Esquerda, vem por este meio desmentir categoricamente as notícias postas a circular dando conta de abandono do Bloco. Bem pelo contrário, as nossas forças e militância estão concentradas na defesa de uma Moção alternativa à da direcção que dirige o BE, preconizando, isso sim, uma mudança de rumo na orientação que tem presidido ao Bloco nos últimos tempos. Ou seja, discordámos da colagem do BE ao candidato do governo Sócrates (Manuel Alegre) nas últimas eleições presidenciais, discordamos que o BE procure sempre 'juntar forças' com o PS e não com o PCP que é a nossa proposta, para romper o círculo vicioso que governa o país há mais de 30 anos entre o PS e o PSD. Quando anunciámos que vamos dar um derradeira batalha dentro do Bloco é isso mesmo que significa. A nossa moção 'Mudar de Rumo, por um BE 100% à Esquerda', já apresentada à VII Convenção do BE, a ter lugar no próximo dia 07 e 08 de Maio, quer por fim aos governos de austeridade permanente que têm vindo a castigar o povo, em nome do pagamento de uma dívida que não é da responsabilidade de quem trabalha. O que defendemos é que o BE e o PCP têm que se entender numa plataforma unitária que apresente uma alternativa política e de governo ao eterno vira o disco e toca o mesmo entre governos PS ou governos PSD. Estamos empenhados na Convenção do BE e na situação política em defesa desta orientação.

Pela Direcção do Ruptura/FER

Lisboa, 30/03/2011

Gil Garcia"

Bombardeamentos precisos?

Flying half-blind in Libya- Al Jazeera.

30/03/11

O mito do tribalismo na Líbia

Em particular para quem acredita no mito da importância do tribalismo na Líbia, recomendo a leitura deste texto publicado hoje no Guardian.

Um extracto:

"Some of those opposed to the international military intervention seem to have unwittingly taken up this call as the defining characteristic of modern Libya. This handy bit of received wisdom, however, needs to be tested against actual events. If there is any genuine tribal separatism among the democratic movement, why are they still fighting to liberate the west of the country? They now have air cover, they control oil-producing areas and have an interim government with international recognition and support.

If tribalism were at the heart of this effort, why risk it all to liberate towns in the west? Why have towns such as Misrata, Zawiya and Zintan, all a short drive from Tripoli, chosen to join the National Transitional Council – a fledgling government on the other side of the country that has so far been powerless to support them or come to their aid?

Is this a tribal act or the brave statement of people taking a stand against a tyrant in solidarity with their fellow Libyans?"

E os rituais, pá?

Entende-se a indignação do venerando Vasco Lourenço sobre a anunciada falha comemorativista do 25 de Abril neste ano e na Assembleia da República. E este entendimento tem a ver com a compreensão necessária acerca da importância do simbólico. E da sua ritualização, é claro. Que, para os militares do MFA ainda vivos, são aspectos que, naturalmente, ocupam grossa dimensão na sua prática de gratificação pela memória. E, no entanto, bem vistas as coisas, o fim das solenidades parlamentares sobre o golpe militar de derrube da ditadura não será muito mais que a abolição de um acto revivalista, esforçado mas forçado. E que, para mais, seria inevitavelmente pontuado por mais um discurso à nação de sua excelência cavaquista, sem cravo na lapela nem cheiro dele no nariz e muito menos na consciência. Mas o que talvez devesse incomodar mais Vasco Lourenço é que já quase não há partido ou sindicato, colectividade, associação, manifestação, concentração ou ajuntamento espontâneo, blogue ou página do facebook, que clame (sequer) pela "defesa das conquistas de Abril", a maioria das quais foram murchando e sem darem lugar a mais e melhor, como a boa dialéctica assim o exigia. Devido à força do sentido das realidades e porque o "comemorar Abril" foi sendo cada vez mais uma romagem de saudades do que projecto renovado para alargar as liberdades. O que representa, politicamente falando e quanto à revisitação do 25 de Abril, que já se foram muitos dos dedos e quase todos os anéis. Vire-se de página, então. Porque a nostalgia de olhar para trás também cansa.

29/03/11

Sobre a precariedade

Muitos dos ideólogos e comentadores que desvalorizam a preocupação com a precariedade laboral argumentam que isso é a ordem natural das coisas, que a era do emprego para a vida acabou, etc.

No entanto, muitas vezes são os mesmos que justificam a divisão social entre patrões e empregados com o argumento de "há pessoas dispostas a correr riscos, e outras que preferem ter a segurança de um ordenado certo ao fim do mês".

Entre as brumas da náusea

Sócrates consegue até o impensável. Que também é este cavalheiro ser ainda mais insuportável quando a caminho da oposição do que, antes, em governação contente e insensível. A forma como hoje convocou a comunicação social para celebrar más notícias na economia e nas finanças públicas, espetando dedos à responsabilidade das oposições, é prova disso. O salto de optimista de propaganda infantilizada para a pele do pessimista exaltado com bode expiatório pela trela, foi o passo agora dado por Sócrates, o da descida à náusea, a nossa.

Jean-Luc Nancy: na Líbia, é também "o que queremos viver, e como o queremos, que está em jogo"

Seguem-se alguns excertos de um texto de Jean-Luc Nancy publcado no Libération que me parece resumir bem as razões que tornam inaceitável a opção liminar e por princípio da não-intervenção na Líbia. Um aspecto fundamental para que o artigo nos chama a atenção é o seguinte: não podemos ficar de fora, porque não estamos de fora; porque a questão é também interna às nossas sociedades; porque a "não-ingerência" é falsa à partida, uma vez que "a própria Líbia, a Arábia Saudita ou a Síria, já sem falar da China e da Rússia" fazem parte do "Ocidente"; porque, enfim — e estas palavras evocarão para alguns o "estilo" de Orwell —, "é o que queremos viver, e como o queremos, que está em jogo". E, assim, digamos que a Líbia é também aqui.

Os povos árabes estão a assinalar-nos que a resistência e a revolta comparecem de novo, e que a história avança para além da História.
(…)
Entretanto, outros Estados atacam com força os seus próprios revoltosos, por vezes com a ajuda de um poderoso vizinho árabe. Os insurrectos de Benghazi pedem auxílio: este não é simples, acarreta riscos evidentes, tanto de ordem prática como política. Medir e enfrentar este género de circunstâncias releva da responsabilidade política. Será o momento melhor para se invocarem, por atacado, os riscos colaterais e as suspeitas perante os interesses (mais ou menos) escondidos, os princípios de não-ingerência e a pesada culpabilidade de um "Ocidente", do qual nos perguntamos, com efeito, se não farão parte a própria Líbia, a Arábia Saudita ou a Síria, já sem falar da China e da Rússia?
(…)
Portanto, sim, é necessário controlar estritamente os ataques destinados a bloquear o sinistro assassino de um povo, mas, sim, é necessário atacá-lo - a ele, sem dúvida, e não ao povo. Não podemos invocar com uma das mãos a soberania que, com a outra, esvaziamos de substância e de legitimidade por todas as interconexões — as melhores como as piores — do mundo mundializado. Ao povo em causa e a todos os outros, a todos os nossos, compete fazer em seguida com que outros ou os mesmos não recomecem o jogo petrolífero, financeiro, dos armamentos, que instalara e mantivera no poder esse  fantoche, ente muitos outros. Aos povos, sim: e é, evidentemente, a nós, povos da Europa ou da América, que isto se aplica.
(…)
[Porque] é o que queremos viver, e como o queremos, que está em jogo, com uma acuidade a que não estávamos acostumados. Eis o que os povos árabes estão também a assinalar-nos.

Austeridade?


DAQUI

Não será seguramente por falta de uma esferográfica que o FMI ficará fora desta festa

28/03/11

Se não sabe por que é que pergunta?

Dei-me ao trabalho de ler, com estes que a Terra há-de comer que eu cá não vou em cremações, que se visava assegurar uma trajectória descendente do rácio de dívida pública no PIB a partir de 2013, assim como a redução do défice de 4,6% do PIB em 2011, 3% em 2012 e 2% em 2013, e que para assegurar o ajustamento orçamental estaria em curso uma implementação de medidas de consolidação orçamental para 2011 – ajustamento estrutural do défice em 5,3% do PIB – que implicariam um reforço dos mecanismos de monitorização e controlo intra-anual da execução orçamental, assim como um reforço das medidas de consolidação adoptadas como precaução adicional face aos riscos resultantes da volatilidade do contexto financeiro e económico e que, para assegurar tal ajustamento, o esforço de consolidação e monitorização em curso, agora complementado com medidas adicionais em 2011, conferia uma margem de segurança adicional para o alcance da meta de 4,6% do PIB para o défice em 2011 e contribuia para o ajustamento da trajectória orçamental em 2012 e 2013, o qual teria de ser complementado por medidas nos anos seguintes, atenta a exigência das metas assumidas.

Tais gloriosas e singulares cousas – como diria Camões – só antes as lera no Campanha Alegre do Eça naquela cena em que, interrogado sobre as suas ideias em matéria de religião, o Partido Reformista respondia:
– Economias! (...).
Espanto geral.
– Bem! e em moral?
– Economias! – bradou.
– Viva! e em educação?
– Economias! – roncou.
– Safa! e nas questões de trabalho?
– Economias! – mugiu.
– Apre! e em questões de jurisprudência?
– Economias! – rugiu.
– Santo Deus! e em questões de literatura, de arte?
– Economias! – uivou.
(...) Fizeram-se novas experiências. Perguntaram-lhe:
– Que horas são?
– Economias! – rouquejou.
(...) Fez-se uma nova tentativa, mais doce.
– De quem gosta mais, do papá, ou da mamã?
– Economias! (...)

Muito mais tarde o Coluche diria o mesmo, embora de forma diversa e em francês: Technocrates, c'est les mecs que, quand tu leur poses une question, une fois qu'ils ont fini de répondre, tu comprends plus la question que t'as posée.

EUA, onde os ricos pagam a crise... às vezes

Taxar as grandes fortunas. Obrigar os ricos a pagar a crise. Tudo boas ideias... já praticadas por vários estados americanos. Por exemplo, quase metade do IRS colectado pela Califórnia tem origem nos bolsos do 1% da população com rendimentos mais elevados. Em Nova Iorque vigora a chamada "taxa dos milionários", apontada a quem ganhe mais de meio milhão de dólares por ano.
E qual o resultado destas ideias fiscais, por certo apelidadas de comunistas por qualquer cabecita bem-pensante dos nossos PS, PSD e afins?
Funcionam mal, ao que parece. Sobretudo em tempos difíceis para as grandes empresas e para os mercados de capitais; aparentemente, os ganhos dos ricos são bastante voláteis, criando hoje buracos descomunais nos orçamentos de alguns estados habituados a um regime opulento de sangue de milionários. Esta espantou-me.

Re: Bombas humanitárias

Luciano Amaral (via O Insurgente):

Mas esta não é uma guerra humanitária. É, tal como no Iraque, uma guerra para mudar o regime, com a diferença de que os ocidentais não o reconhecem, o que torna tudo muito perigoso. Uma guerra para mudar o regime obrigaria a um compromisso, como no Iraque, em permanecer até se criarem novas instituições. Mas existiria então o custo de enviar soldados e burocratas para o terreno. Em vez disso, temos uma guerra em que o heroísmo ocidental se mede até ao último rebelde líbio morto. Porque se não é para mudar o regime, a alternativa é a mera participação numa guerra civil e a destruição da Líbia enquanto país. Pode alguém dizer que se trata de ajudar o lado anti-governamental e deixá-lo, depois, reconstruir. Mas alguém sabe quem são realmente os rebeldes, para além daqueles beduínos de que os fotógrafos tanto gostam cavalgando o deserto nas suas carrinhas pick-up? E se os bombardeamentos à distância não funcionarem, o que fazem os ocidentais? Vão-se embora, com um país a arder às costas?
A ideia que uma guerra aérea não basta, que é preciso uma intervenção terrestre começa a ganhar terreno entre os saudosos de Bush (aqui ou nos EUA). No entanto, é preciso ter patente que, por enquanto, a opinião dos rebeldes é "só queremos apoio aéreo, não tropas no terreno" (provavelmente porque não querem os "burocratas" - i.e., governantes - que LA sugere que se mande junto com os militares); na minha opinião, não é certo que os rebeldes mantenham essa posição (não me admirava que, se a sua série de vitórias militares se interromper, viessem mudar de opinião e pedir tropas ocidentais), mas mandar tropas para o meio de uma guerra civil em que, pelo menos por enquanto, todas as partes rejeitam tropas estrangeiras parece-me a receita certa para um desastre, além de ser bastante questionável no plano dos principios (um pouco como ajudar uma velhinha a atravessar a rua quando ela apenas nos pediu as horas).

De qualquer forma, quer se concorde quer não, há algumas posições sobre a Líbia que me parecem logicamente correctas, estilo:

a) A Libia não está preparada para a democracia, não nos metamos nisso

b) A Libia está mais que preparada para a democracia, não precisam de nós para nada

c) A Libia está preparada para a democracia, só precisa de uma pequena ajuda (como uma ZEA)

Já a posição "A Libia não está preparada para a democracia, e por isso o Ocidente tem que ir para lá democratizá-los" (o que me parece ser, mais ou menos, a posição de LA, se estou a perceber bem) não me parece fazer grande sentido.

27/03/11

Rony Brauman sobre a Líbia

Considerando que, na Líbia, a "exclusão aérea" deu lugar a uma guerra e a uma série de bombardeamentos "convencionais", Rony Brauman, numa entrevista publicada em português pelo esquerda.net, procede a algumas distinções importantes, acentuando que a condenação da execução do mandato das Nações Unidas — pelo menos, tal como está a ser interpretado, acrescentaria eu —, não implica que devamos cruzar os braços, desistindo de impor aos governos da UE que apoiem a luta contra Kadhafi. Como diria o Pedro Viana, a margem de acção é estreita, mas existe e pode ter um peso decisivo.

Entre a guerra e o statu quo há uma margem de acção: o reconhecimento do Conselho Nacional (órgão político dos rebeldes) por parte da França foi um gesto político relevante. É preciso continuar a apoiar militarmente a insurreição, fornecer-lhe armamento e assessoria militar para reequilibrar a relação de forças no terreno, assim como fornecer informação sobre os movimentos e os preparativos das tropas inimigas. O embargo comercial, o embargo de armas e o congelamento dos activos do clã Kadafi são outras medidas de pressão em relação às quais o regime de Trípoli não pode permanecer insensível.

Aqui, é importante notar que nem os deputados portugueses do BE, Miguel Portas, Marisa Matias e o independente Rui Tavares, nem eu próprio nos diferentes posts que escrevi sobre o assunto, escrevemos que uma intervenção em defesa dos insurrectos deveria ser o tipo de intervenção criticado por Braunam: quando muito, e no que se refere à "exclusão aérea", adiantámos que, a ser levada a cabo, deveria limitar-se a ser isso mesmo e não assumir a feição de um conflito "clássico". Pelo meu lado, tal como Rony Brauman insisti desde o início na necessidade de, não nos resignando à "Europa realmente existente", reivindicarmos o reconhecimento dos organismos provisórios coordenadores da revolta e o apoio militar, como a "aliados", aos resistentes que se batem contra Kadhafi. Daí, a insistência que pus em distinguir entre uma intervenção dos governos da UE — intervenção arrancada a ferros às oligarquias europeias — e uma operação da NATO, bem como na exclusão de soluções que implicassem a ocupação e administração da Líbia por forças estrangeiras. Ou retomando a conclusão de um post de há dias:

1. Que o apoio aos insurrectos líbios não exceda o mandato das Nações Unidas e sirva efectivamente para os ajudar a abreviarem os dias da ditadura na Líbia — escapando às perspectivas de entrada no país de forças terrestres de interposição ou (co-)administração "provisória". Assim, uma vez garantida a no fly zone, a intervenção internacional deve limitar-se a manter a vigilância, abstendo-se de outras acções de combate. O que não obsta a que nós, aqui, devamos continuar a exigir dos governos da UE e da própria UE que apoie o campo dos insurrectos na guerra civil em curso (meios logísticos, armamento, assistência médica e sanitária, etc.).

2. Que o "governo transitório" da resistência a Kadhafi assuma uma identidade mais clara e apresente o seu programa mínimo, comprometendo-se com a garantia das liberdades e direitos fundamentais. Este aspecto é, de resto, fundamentalmente urgente para viabilizar as pressões sobre a UE no sentido de um apoio "aliado", e que não se lhes substitua, aos que lutam contra Kadhafi .

A Síria atingiu o ponto de fervura

Parece que na Síria foi atingido o ponto de fervura. O povo deixou de ter medo do regime.

26/03/11

A "zona de exclusão aérea" sobre a Líbia e os tanques voadores

Tem-se comentado muito que os tanques do regime líbio destruídos pela NATO já não vão voar.

Formalmente, essa observação é infundada, mas é certeira politicamente.

É formalmente infundada, porque a Resolução 1973 da ONU autoriza, não apenas o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea, mas a tomada de "todas as medidas necessárias para proteger as populações civis", o que incluirá destruir tanques em ofensiva; aliás, sobretudo desde a invenção da artilharia, qualquer operação militar representa grave risco para os civis na vizinhança, pelo que a resolução dá legitimidade para qualquer acto dirigido contra forças militares em acção.

Mas politicamente essa critica está correcta - o que foi vendido às opiniões públicas foi uma "zona de exclusão aérea"; o que as petições que andavam a circular falavam era de uma "zona de exclusão aérea"; o argumento frequentemente utilizado era "é preciso neutralizar a força aérea de Khaddafy para ser uma luta justa e equilibrada" - em momento algum se falou em fornecer uma força aérea aos revolucionários (que é o papel que os aviões ocidentais estão a desempenhar). Ou seja, independentemente das vantagens que esta intervenção possa ter (e eu admito que para os líbios o resultado seja positivo), começou com uma fraude politica.

Dilema eleitoral

Sim, é possível que esta sondagem esteja a sobrestimar o nível actual de apoio ao PSD. Mas, a tendência dificilmente é fictícia: tomando como correcta a caracterização que o Zé Neves faz do PS, a substancial subida do PSD e estagnação de CDU e BE, relativamente ao apoio que obtiveram nas eleições legislativas de 2009, sugere que o eleitorado de centro que habitualmente vota PS transferiu-se em massa para o PSD, enquanto que os eleitores de esquerda que em regra votam PS mantêm o seu apoio a este partido. A confirmar-se nas próximas eleições, esta situação só poderá ter uma leitura pós-eleitoral para os dirigentes do PS: temos de tornar as nossas politicas aindas mais centristas, para mais facilmente re-obter o apoio eleitoral perdido, até porque os nossos eleitores de esquerda parecem aceitar resignadamente qualquer política por nós defendida. Este último eleitorado estará, portanto, perante um dilema nas próximas eleições: se mantiver o seu apoio ao PS estará efectivamente a empurrar as políticas do partido para a Direita. Por isso, deixo desde já um apelo para que avaliem muito bem as consequências do vosso voto. Ele será determinante na atitude que o PS tomará perante um governo PSD+/-CDS.

25/03/11

A repressão em apuros no Médio Oriente

Convém mantermos a cabeça fria, mas o facto é que a repressão parece conhecer dificuldades e perder eficácia em vários países do Médio Oriente. E tanto a liberdade de acção como a margem de manobra dos regimes contestados são cada vez mais limitadas.

Na Síria ou na Jordânia, no Bahrein ou no Iémen, a conquista das liberdades e direitos fundamentais é uma batalha de desfecho ainda indeciso — como, de resto, em certo sentido, acontece nos países, como a Tunísia e o Egipto, onde a revolta popular conseguiu derrubar os ditadores locais. Com efeito, fazer cair um ditador ou uma ditadura não garante necessariamente a extensão dos direitos e liberdades.

Mas, por um lado, o exemplo tunisino e egípcio anima a revolta que eclode nos outros países da região, e, por outro, o exemplo da Líbia, com o ditador amigo do Ocidente desautorizado e atacado pelos seus aliados de ontem, faz com que os regimes repressivos ainda no poder só por desespero possam encarar embarcar num golpe de força como o tentado por Kadhafi. Uns por saberem que correm o risco de uma intervenção autorizada pelas Nações Unidas; outros porque prevêem que os seus patronos habituais, depois de terem decidido intervir na Líbia, não os autorizarão a recorrer abertamente aos grandes meios.

As perspectivas poderiam, portanto, ser piores. Mas isso não nos deve fazer esquecer que, no que de nós depende, nas regiões europeias, o grande passo em frente, tanto do nosso ponto de vista como numa perspectiva global, seria a emergência de um movimento de democratização efectiva capaz de se constituir como alternativa às relações de poder dominantes.

Da acção missionária

Este belo post da Ana mostra-o bem. As potências coloniais sempre acarinharam os seus missionários. E, na Europa, a sabedoria da Igreja foi mãe da dos Estados. Assim, há uns tempos já que Ratzinger, ainda antes de ser papa, inspirava o Vaticano a declarar estas paragens terra de missão evangelizadora. É agora a vez do seu soberano braço secular "continental" a tratar como terra de missão da palavra financeira dos "mercados".

A Queda de Um Anjo

Sócrates, atacado de amnésia retrógrada, interroga-se em Bruxelas como é que foi possível fazerem isto ao país.
Conta-se pelos corredores que, ao ouvir o pungente desabafo, a senhora Merkel, num momento raro de comoção maternal, limpou-lhe uma lágrima ao canto do olho e... deu-lhe mais um beijinho.

De Espanha

O Bruno Carvalho indigna-se pelo facto do Daniel Oliveira considerar que o Estado espanhol é uma democracia, mas poderia começar por perguntar por que o próprio PCP, já para não falar no PCE, também consideram o Estado espanhol uma democracia. E, já agora, por que razão, tanto um como outro partido, não defendem a independência do País Basco. Sou completamente favorável a que a população que vive no País Basco seja consultada acerca do modo como se pretende organizar politicamente enquanto comunidade. E sou mais favorável ainda a que se denunciem as violências a que o Estado espanhol submete vários militantes e activistas da causa independentista. Mas não encontro nenhum motivo suficientemente forte pelo qual possamos considerar a necessidade de defender a democracia em Portugal (o que singnifica admitir que ela existe, mesmo que sob ataque) e para que em Espanha coloquemos em causa a própria existência de democracia. Outro debate seria questionarmos a impossibilidade de falarmos de democracia no quadro do capitalismo ou do Estado, mas isso, de novo, não difere em nada o caso espanhol do caso português ou de outro que o valha.

24/03/11

A Esquerda-Merkel

Não sou dos que fazem questão de dizer que o PS não é de esquerda. Diria que é de centro-esquerda, identificação que, aliás, os próprios dirigentes do PS muitas vezes preferem à simples designação esquerda. Mas que dizermos quando os socialistas recorrem às declarações de Merkel como argumento de autoridade?

Presidente da Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos Santos, apelou (…) a um “governo de salvação nacional” (…) composto por todos os partidos parlamentares com excepção do Bloco de Esquerda

Lá que isto dá que pensar, dá. Mas é o quê, ao certo, que importa discutir.

Presidente da Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos Santos, apelou esta quarta-feira a um “governo de salvação nacional” que poderá ser composto por todos os partidos parlamentares com excepção do Bloco de Esquerda.

Alexandre Soares dos Santos, presidente não-executivo (chairman) da Jerónimo Martins, defende um “governo de salvação” composto por PS, PSD, CDS e “eventualmente” o PCP. O Bloco de Esquerda deve ficar “completamente excluído” deste governo, já que, segundo Soares dos Santos, só se limita “a criar a confusão, a injectar ódio na sociedade portuguesa e nunca apresenta completamente nada”.

A palavra socialismo



A palavra socialismo
Como está hoje mudada
De Colarinhos a Texas
Sempre muito aperaltada

Sempre muito aperaltada
Fazendo o V da vitória
Para enganar o proleta
Hás-de vir comigo a glória

O Willy Brandt é macaco
O Giscard é macacão
O capital parte o coco
Só não ri a emigração

De caciques e de bufos
Mandei fazer um sacrário
Para pôr no travesseiro
Dum cura reaccionário

Não sei quem seja de acordo
Como vamos terminar
Vinho velho vinho novo
Viva o Poder Popular

Concentração e Abraço de Solidariedade pelo Vale e Linha do Tua


Dia 27 de Março, pelas 15h na Foz do TUA, iremos juntar-nos para um Abraço ao Tua e intencionamos expressar o nosso descontentamento em relação à decisão política de avançar com a construção da barragem no Tua que implica a submersão do Vale e destruição da Linha do Tua.
Sabendo que esta barragem irá afectar, de modo irremediável, a qualidade de vida das pessoas que vivem na Região de Trás-os-Montes e Alto Douro, perpetuando o abandono desta região do país e a falta de perspectivas de futuro para a sua população surgimos em defesa da Linha e Vale do Tua e censuramos a construção da barragem devido a todas as consequências negativas que acarreta. Para além de defender o interesse público, queremos impedir a descaracterização do Património Natural e Paisagístico do Vale do Tua e o Património Mundial do Douro Vinhateiro classificado pela UNESCO.
É necessário realçar que os impactos da construção desta barragem são graves: viola a Directiva Quadro da Água; implica a submersão da linha ferroviária e de centenas de hectares de vinha e olivais que fazem parte da Região Demarcada do Douro, afectando irremediavelmente a Agricultura e a base económica da região; e impede a ligação ferroviária à Linha do Douro.
Defendemos uma política justa e participativa e queremos uma vez mais demonstrar que a construção da barragem do Tua é um erro político que deve ser corrigido pela sociedade civil. Assim expressamos o nosso descontentamento por políticas que levam à exclusão das pessoas que vivem no interior do país e apelamos a todos os cidadãos conscientes da negligência política em relação à região de Trás-os-Montes e Alto Douro a manifestarem-se contra a construção da barragem na Foz do Tua e contra o desaproveitamento das Linhas Férreas, do Turismo, da Agricultura e do Comércio Local. É de conhecimento público que a construção da barragem no Tua é um erro político que irá criar uma instabilidade social, cultural e económica cada vez maior que não pode avançar porque irá agravar a crise política e económica que Portugal atravessa.
Acreditamos que a região de Trás-os-Montes e Alto Douro tem um potencial único que deve ser desenvolvido. É nosso dever preservar a herança cultural, ecológica, arquitectónica, histórica e humana da Linha do Tua que existe há mais de 123 anos e pode ser reactivada, promovendo o Turismo e possibilitando a deslocação diária de pessoas que vivem entre Bragança, Mirandela e Tua. Por isso queremos que o Governo reconheça a importância da Linha e Vale do Tua a nível regional, nacional e internacional e que reconheça que um projecto de requalificação desta linha trará maiores benefícios a Portugal.
Por tudo isto, dia 27, queremos mostrar que “Há Vida no Tua” e apelámos a todos a participar no Abraço de Solidariedade com as pessoas que vivem na Região de Trás-os-Montes e Alto Douro e que dependem deste Bem Comum. Além do Abraço, vamos organizar uma caminhada ao longo de parte da linha, bem como outras actividades durante o dia.

Portugal, 24 de Março de 2011
As Direcções Nacionais
Associação dos Amigos do Vale do Rio Tua, Campo Aberto, COAGRET, GAIA,
Movimento de Cidadãos de Defesa da Linha do Tua, QUERCUS

The Butterfly and the Boiling Point


É o título de um texto escrito por Rebecca Solnit, no qual se reflecte de forma eloquente sobre a imprevisibilidade da revolução, a propósito dos movimentos revolucionários em curso no Médio Oriente e Norte de África.

Um extracto:

"When a revolution is made, people suddenly find themselves in a changed state -- of mind and of nation. The ordinary rules are suspended, and people become engaged with each other in new ways, and develop a new sense of power and possibility. People behave with generosity and altruism; they find they can govern themselves; and, in many ways, the government simply ceases to exist. A few days into the Egyptian revolution, Ben Wedeman, CNN’s senior correspondent in Cairo, was asked why things had calmed down in the Egyptian capital. He responded: “[T]hings have calmed down because there is no government here," pointing out that security forces had simply disappeared from the streets."

A Frente do Alterne

23/03/11

Da queda do governo à democratização das lutas e à transformação do regime

Há mais de um mês, publiquei o post que aqui republico quase sem alterações (assinaladas por rectos), porque me parece que a sua pertinência neste momento talvez ganhe contornos mais precisos, podendo contribuir para um debate que, esboçado embora aqui e ali, tarda em alargar-se e aprofundar-se.

1. No interior do BE, provavelmente, e, com toda a certeza, na área mais vasta a que se dirige e que o potencia, há [uma divisão fundamental, entre os] que, se não o pensam até ao fim, agem pelo menos como se o problema fosse termos um melhor governo e os que apostam — implicando isso, como indico adiante uma extensão urgente da acção à escala da UE, etc.. — numa orientação, a assumir desde já, ainda que a sua plena concretização possa parecer remota, a exigência de outra forma de governo, de poder político, de funcionamento económico, que ponha na ordem do dia uma mudança de regime, a ruptura ou "reforma revolucionária" (chamem-lhe como quiserem, contanto que a terminologia não sirva só para aumentar a confusão) de uma democratzação consequente, insituinte de novas relações de poder.

A opção pela segunda alternativa implica desde já, não o abandono completo e sumário do chamado "plano institucional", mas a adopção e extensão de formas organizativas democráticas radicais que efectivamente revolucionem o regime das lutas ou do fazer política dominante. Do mesmo modo, exigiria, no que se refere ao BE ou outros movimentos que surjam na mesma área, uma redefinição profunda das prioridades e temas da agenda política.

Dito isto, não se trata de uma perspectiva maximalista, no sentido de equacionar a cada momento todas as questões em termos de "tudo ou nada". E endereça-se não apenas aos que prevêem que os fins propostos tenderão a implicar uma mudança global brusca e discreta, mas aos que, achando pouco verosímil que a mobilização maioritária dos cidadãos inseparável dos objectivos propostos (o autogoverno político, uma economia política democrática, a participação governante igualitária, etc.) possa ser instantânea, nem por isso desistam de organizar de acordo com eles a sua acção e propostas imediatas.

2. Esta alternativa não coincide exactamente com a que se traça [neste] post [do Pedro Viana] entre os que entendem, no que se refere à cena política instituída, que afastar a presente liderança do bloco central é clarificador e cria melhores condições de luta, e os que entendem que a substituição deste governo por um governo do PSD ou do PSD-CDS, ou do PSD-PS, seria uma derrota da "esquerda".
Com efeito, não se segue automaticamente da primeira opção a assunção da perspectiva da orientação do combate político e social para a mudança de regime e da forma de governo. Longe disso. A verdade é que entre os partidários da moção de censura encontramos gente com pesadas responsabilidades na profissionalização e reprodução da divisão do trabalho político que a alternativa que tracei começa por pôr em causa, e é possível que alguns daqueles que privilegiam a democratização efectiva das relações de poder existentes e de um regime alternativo das lutas vejam com maus olhos a apresentação da moção de censura.

3. Pessoalmente, creio que, não devendo sobrestimar-se excessivamente [este aspecto], a luta pela democratização e a democratização da luta e da acção política quotidianas terão, apesar de tudo, melhores condições na situação clarificada que resultaria do derrubamento do actual governo. Depois da queda deste (ou sendo esta adiada), espera-nos, em meu entender, um período relativamente prolongado durante o qual a transformação do regime, a instauração de formas alternativas de poder político central, não será imediatamente possível. O que não quer dizer que a influência política do que as defendem tenha de ser menor ainda do que é hoje, ou não possa crescer e produzir efeitos profundos e sensíveis, fazendo recuar a ofensiva oligárquica, num quadro em que o governo seja assumido mais declaradamente pelo chamado bloco central.

Ou seja, como já disse num comentário (que passo a transcrever com algumas modificações de redacção) a um post do Zé Neves sobre este tema, é verosímil que a recomposição político-partidária explícita do bloco central permita clarificação e desenvolvimentos significativos:

"(…) é possível que a área do PS e o próprio partido conheça algumas convulsões, recomposições, rupturas, libertando energias que terão repercussões na área do BE e imediações. Por outro lado, a oposição ao novo governo sairá reforçada e isso criará condições para que o combate deixe de ser fundamentalmente por outro governo, para reivindicar mudanças de regime - sendo que aqui se terá de jogar a cartada europeia: formular com outras formações e forças da UE uma carta de reivindicações e princípios 'constitucionais', repolitizando explicitamente a economia política vigente contra o neoliberalismo e a oligarquia financeira e promovendo a participação democrática dos cidadãos, etc, etc.


"É também razoável apostar que, sem governos com cosméticas de 'esquerda', o campo da cidadania democrática possa sair reforçado e exercer uma influência muito maior do que até ao momento no curso das coisas. A oligarquia conservará no imediato o governo, mas poderá ser abalada e forçada a recuar.


"Claro que nada disto é automático ou geometricamente demonstrável. Só pretendo mostrar que a queda de Sócrates não será necessariamente uma catástrofe maior ou causadora de mais estragos do que a sua eternização e do que a aquiescência ao seu argumento de que não pode ser de outro modo.Tudo dependerá das orientações da acção democratizadora e da capacidade de proposta e de extensão dos terrenos de luta para além das fronteiras e das formas de organização habituais".

A esquerda em Portugal nas próximas eleições

Existindo eleições, talvez não fosse má ideia que CDU e BE reunissem um conjunto de independentes, de sindicalistas a especialistas vários, e conseguissem esgalhar um conjunto de ideias fundamentais (não é preciso ser aquela coisa patética das 365 ideias do Passos Coelho) que poderão servir de base a um programa de governo.

Este pacto incidiria sobretudo nas questões chamadas de económico-sociais, isto é, que se situam no terreno do PEC. É nesse terreno que é necessário hoje mostrar que há uma outra alternativa.

Eu sei que tanto PCP como BE têm várias propostas já elaboradas e que já avançaram inúmeras alternativas, mas tratar-se-ia de chegarem a uma síntese mínima e de darem um novo fôlego à ideia de uma alternativa de esquerda.

Este processo extravasaria, necessariamente, o espaço de ambos os partidos, congregando inúmeros descontentes com o PS e outra tanta esquerda sem-partido. Isto não tinha que se traduzir em listas conjuntas entre ambos os partidos - situação hoje por hoje inviável e nem sequer a mais "lucrativa" em termos eleitorais - mas apenas e só num momento de campanha partilhado pelos dois partidos e por um conjunto de eleitores.

PCP e BE têm perto de 20% de votos reunidos e isso, por si só, é força suficiente para pensar numa futura maioria.

LEFT caucus

É hoje apresentado publicamente o LEFT caucus — nome em que left significa "esquerda", mas é também sigla de liberté, égalité, fraternité, toujours. O LEFT caucus é um grupo de deputados europeus, que, pertencendo a diferentes partidos, "tradições políticas" e nacionalidades, decidiram reunir-se numa plataforma comum, propondo-se como um fórum de "coordenação de políticas de esquerda" ao nível do Parlamento Europeu. A sua criação ficou a dever-se a uma iniciativa dos portugueses Rui Tavares (Esquerda Unitária/Bloco) e Ana Gomes (Socialistas) e os alemães Jan Albrecht (Verdes), Franziska Keller (Verdes) e Helmut Scholz (Esquerda Unitária), o francês Sylvie Guillaume (Socialistas), o espanhol Raül Romevia i Rueda (Verdes) e o grego Kríton Arsernis (Socialistas).
O site do LEFT cacus pode ser visitado clicando aqui, e o Rui Tavares tem no seu blogue um post, "LEFT caucus — coordenar alternativas de esquerda no Parlamento Europeu", visando dar conta e razão da iniciativa. Finalmente, a carta de intenções da plataforma pode ser lida aqui.

A discutir

Ligação directa para este post do Ricardo Paes Mamede. Não que assine por baixo, mas gostei de ler.

... e eu já estou a ver os habitantes das grutas a correrem à pedrada os recenseadores do INE

Ficam assim excluídos do conceito de pessoa sem-abrigo:
· As pessoas a viverem em edifícios abandonados;
· As pessoas que, não tendo um alojamento que possa ser classificado de residência habitual, no momento censitário estavam presentes em alojamentos colectivos como hospitais, centros de acolhimento com valência residencial, casas de abrigo, etc…
· As pessoas que, apesar de não terem uma residência habitual, no momento censitário se encontravam em alojamentos de amigos ou familiares;
· As pessoas a viverem em abrigos naturais, por exemplo grutas.


Uma pergunta. E não se pode, por exemplo, exterminar os tipos que pensam e escrevem estas coisas?
[cheguei ao conhecimento de tão extraordinários conceitos aqui]

22/03/11

Happy few

 Passeando pelos blogs de direita, sente-se que paira no ar o cheiro a poder. Afiam-se facas, escolhem-se cadeiras, esconde-se a custo o entusiasmo. É bem certo que se trata de um poder cada vez mais falido mas, para quem anda a atravessar o deserto desde 2005, o futuro não pode esperar. Temos ouvido  falar muitas vezes, ao longo dos últimos dias, de "interesse nacional", "sentido das responsabilidades" e "patriotismo" , termos que não enganam.  Cheira a poder, mas também a epílogo. Talvez seja a última oportunidade para assistirmos tão tranquilamente ao espectáculo da alternância. Vai ser preciso nascer duas vezes para voltar a vê-los tão entusiasmados.

Frankly, it was in the face!


O célebre comunicado que o PSD elucubrou em Inglês saiu assim com um propósito claro e singelo: impedir que o inimigo, o quase-engenheiro perito em Inglês Técnico, o conseguisse descodificar e entender.

Iniciar a Luta Final

A minha posição em relação aos ataques em curso é esta: sou contra. Sou contra o ataque do regime líbio aos revoltosos. E sou contra o ataque de outros regimes ao regime líbio. Mais ainda: não sou mais contra um ataque do que sou contra o outro. Isto é, não estabeleço prioridades tácticas com base no pressuposto de que é mais urgente derrubar Khadaffi do que não apoiar Obama ou vice-versa. Não se trata, aqui, de reclamar uma posição pacifista. Trata-se de não escolher entre, por um lado, a oposição do regime líbio ao imperialismo norte-americano e, por outro, a oposição de revolucionários líbios ao regime líbio. É tão urgente acabar com a ditadura de uns como é combater o imperialismo de outros.

Havia um princípio que dizia: “nenhuma guerra entre as choupanas, nenhuma paz com os castelos”. O lema foi actualizado para a época contemporânea na fórmula “nenhuma guerra entre povos, nenhuma paz entre classes”. Em inglês diz-se "no war but class war". Em qualquer dos casos, das choupanas de ontem aos castelos de hoje, eis um excelente ponto de partida para construirmos um programa político para lidar com o que se passa na Líbia como com o que se passa na Conchichina. Por certo que sei (ainda não estou louco) que a guerra civil líbia não é simplesmente uma guerra entre classes e que a guerra da ONU contra o regime líbio não é simplesmente uma guerra entre Estados nacionais. Por certo que sei que provavelmente estamos perante uma situação que nos obrgia a traçar uma diagonal sobre aqueles pares de opostos: a guerra civil líbia tem uma dimensão étnica que a torna impensável enquanto expressão pura do conflito entre classes (ou entre ricos e pobres, ou ditadores e democratas) e a guerra da ONU ao regime líbio tem uma dimensão política que a torna impensável enquanto expressão pura de um conflito entre povos. Este livro seminal ajuda-nos a perceber, aliás, que encontramos sempre mais situações híbridas do que situações facilmente arrumáveis num ou noutro extremo daquela oposição.

Mas se o diagnóstico confronta-nos com o hibridismo entre classe e nação, é também possível encontrar situações de claro antagonismo. Os deputados que recusaram votar em apoio aos créditos de guerra, no contexto da I Guerra Mundial, são a esse respeito, hoje ainda, protagonistas de um gesto exemplar. E mesmo que assim não fosse, diria que qualquer posição política terá que ser fundada na hipótese "no war but class war" (classe ou outro nome qualquer que sinalize uma fractura social entre quem tem e quem não tem, que se diz que pode e quem se diz que não pode, quem é e quem não é).

Isto tudo para dizer que tenho acompanhado os argumentos do Miguel Serras Pereira, do Rui Tavares, do Rui Bebiano, do Pedro Viana e do Daniel Oliveira sobre este assunto. São argumentos diversos, mas que talvez partilhem esta ideia: a guerra da ONU contra o regime é necessária para que na Líbia continue a ser possível o conflito entre a ordem de Khadaffi e a revolução em curso. Quem os critica, como o Nuno Ramos de Almeida, argumenta, entre outras coisas, que o meio necessariamente conduzirá a outro fim. E eu concordo com esta crítica. Uma coisa é abdicarmos de um moralismo pacifista (como o que o Rui e o Daniel por vezes utilizam na hora de criticar os anarco-autónomos que atiram pedras à polícia…) que diz que se queremos a paz teremos que ser sempre pacíficos. Outra coisa é recorrermos à guerra para impormos a paz. Isto é, não sou a favor que deixemos de pensar os meios necessários para chegar aos fins, mas acho que não é admissível uma situação em que os meios contradizem os fins.

É tempo de condenar sem reservas os bombardeamentos em curso. Tanto os bombardeamentos do regime líbio sobre populações, como os bombardeamentos de regimes estrangeiros sobre populações. Quem não condena terá que necessariamente dar início a uma discussão sobre o facto de as 60 ou 600 vítimas provocadas pelos bombardeamentos dos regimes estrangeiros “compensarem” ou não as 600 ou 6000 vítimas provocadas pelos bombardeamentos do regime líbio. Quem for por aqui, não trilhará os mesmos caminhos anteriormente explorados pelos defensores do conceito de “danos colaterais”?

À esquerda temos que saber construir uma relação mais virtuosa entre meios e fins. Para esta relação, é importante libertarmo-nos de dois tipos de posicionamento, que assim classificaria: o anti-imperialismo dominante, que contra toda e qualquer forma de acção supranacional vem falar da soberania nacional (é aquilo para que tendem muitas posições próximas do PCP, mas também, surpreendentemente, um certo trotsquismo como o dos nossos amigos da Rubra); e um voluntarismo universalista, como o que, para acabar com as nações, propõe simplesmente fazer tudo como se elas não existissem. No caso concreto, o problema do anti-imperialismo dominante é que parece privilegiar o combate à guerra contra o regime líbio em detrimento do combate à guerra do regime líbio contra os revoltosos. No fundo, o que lhe interessa é combater o mal do mundo que são os EUA. O problema do voluntarismo universalista, por sua vez, é que não pondera devidamente os riscos de partilhar o mesmo avião que as forças imperialistas. Para ele, não se deve perder a oportunidade de acabar já com Khadaffi, mesmo que isso implique correr o risco de fortalecer Obama.

Ora, é tão perigoso o socialismo que partilha a linguagem soberanista-patriótica com o centrismo e com a direita (do patriotismo eterno de Alegre ao patriotismo emergente de Louçã, intemediados pelo patriotismo consolidado de Jerónimo e Francisco Lopes), como o internacionalismo que apanha ou dá boleia ao imperialismo. Sendo que aqui para nada nos interessam as intenções; por certo que Louçã e Jerónimo não cairão nunca nos pecados do nacionalismo dominante e por certo que o Rui Tavares e o Miguel Serras Pereira jamais estarão do lado dos imperialistas. Que fazer? Discutir, discutir, discutir, sempre. Do meu ponto de vista, com um pressuposto unitário: do Rui Tavares ao Francisco Louçã, do Daniel Oliveira à Rubra, do Serras Pereira (de cujas posições me encontro mais próximo) ao Jerónimo, existe ainda muito em comum. Trata-se de fazermos deste "ainda" um "já". De preferência sem ser aos gritos. Não que gritar faça mal, mas porque torna-se difícil perceber, nesse registo, se estamos a ter uma discussão simplesmente moral ou se estamos a ter uma discussão moral e política, que é o que interessa.

E, se querem uma acha para a fogueira, diria que precisamos, sim, de um internacionalismo autónomo em relação às dinâmicas estatais, seja dos Estados anti-imperialistas seja dos Estados imperialistas.

Um internacionalismo fiel a um voluntarismo universalista, mas apoiado num movimento político e social de classe (ou multitudinário, ou populista, ou o que queiram que sinalize uma fractura social), autónomo da força dos Estados.

E um anti-imperialismo, sim, mas um anti-imperialismo que sabe que os Estados anti-imperialistas são anti-imperialistas face ao exterior na medida em que são imperialistas em relação às suas sociedades. Que destas emanem revoltas como a que assistimos na Líbia, é muito do que podemos desejar. E já agora que esses ventos cheguem ao norte do Mediterrâneo.

Bombas humanitárias?

Há quem descubra hoje, com grande comoção, que a vida pode ser complexa. Que, mesmo face a assuntos que em nada influenciamos enquanto indivíduos, por vezes não conseguimos chegar a certezas confortáveis. E nem vemos forma de aplicar as fórmulas que ainda há dias funcionavam sempre.
Uma intrusão na Líbia não era à partida desejável mas acaba por ser bem-vinda.
Um estado é soberano, mas a tal “responsabilidade de proteger” pode mesmo ultrapassar muitas outras considerações.
Já houve ocasiões que pediam intervenções similares? Já; mas isso agora é entrave para todas as acções, por mais justificadas que pareçam?
Kadafi é um déspota irracional? Certo, mas não é líquido que não disponha do apoio de muitos líbios.
A zona de exclusão aérea parecia uma medida justa e prudente, no entanto agora dá mostras de ser uma camuflagem para ataques a favor de um dos grupos em guerra.
Esta manifestação de força também funciona como um aviso a países pouco aquiescentes aos interesses ocidentais, como o Irão; mas outros governos com vontade de esmagar a dissensão popular terão agora mais dados em que ponderar.
O civilizado “Ocidente” busca um controlo apertado dos recursos petrolíferos do país? Mas não era o mesmo ditador sanguinário visto ainda há semanas como um simpático e útil parceiro de negócios?

A questão líbia no contexto das revoltas populares em curso no Médio Oriente

Não é verosímil que a vaga das revoltas no Médio Oriente acabe tão cedo. Na Siria, Bahrein, Arábia Saudita, Irão, etc., os seus efeitos começam a inculcar nos ditadores apreensões cada vez mais visíveis, ainda que, nalguns casos, aqueles as "racionalizem" através da evocação do risco de intervenções estrangeiras, para não confessarem que é a acção e a manifestação das forças populares nos seus próprios países ou nos países vizinhos aquilo que realmente os abala. O que se passa no Iémen, como podemos ler em El País, merece toda a nossa atenção:



Pois bem, sucede que estes "desenvolvimentos" não podem razoavelmente deixar de ser tidos em máxima conta na avaliação do que está em jogo na Líbia.

Digamos que, neste momento, o reforço da extensão das revoltas e as suas perspectivas de sucesso evitando riscos de guerras civis, requer

1. Que o apoio aos insurrectos líbios não exceda o mandato das Nações Unidas e sirva efectivamente para os ajudar a abreviarem os dias da ditadura na Líbia — escapando às perspectivas de entrada no país de forças terrestres de interposição ou (co-)administração "provisória". Assim, uma vez garantida a no fly zone, a intervenção internacional deve limitar-se a manter a vigilância, abstendo-se de outras acções de combate. O que não obsta a que nós, aqui, devamos continuar a exigir dos governos da UE e da própria UE que apoie o campo dos insurrectos na guerra civil em curso (meios logísticos, armamento, assistência médica e sanitária, etc.).

2. Que o "governo transitório" da resistência a Kadhafi assuma uma identidade mais clara e apresente o seu programa mínimo, comprometendo-se com a garantia das liberdades e direitos fundamentais. Este aspecto é, de resto, fundamentalmente urgente para viabilizar as pressões sobre a UE no sentido de um apoio "aliado",  e que não se lhes substitua, aos que lutam contra Kadhafi .

Estas duas condições, entre outras, poderão, com efeito, dissuadir outros regimes ditatoriais de apostar na cartada de fazerem guerra aos seus próprios povos e contribuir para desfazer a ameaça de vermos emergir na região pseudo-soluções do tipo iraquiano ou afegão, prevenindo a multiplicação das intervenções internacionais e dos riscos que acarretam. A nós, no que de nós aqui depende, compete-nos tê-lo presente e agir em conformidade.

21/03/11

A revolta abala a ditadura e divide as forças armadas no Iémen

Tres generales yemeníes desertan y se ponen del lado de los manifestantes
Decenas de oficiales del Ejército exigen la dimisión del presidente y envían sus tropas para proteger a los manifestantes.- El ministro de Defensa responde que los militares y la policía apoyan a Salé

Los acontecimientos se precipitan en Yemen en los últimos días y el presidente, Ali Abdalá Salé, se está quedando solo en su intento de conservar su poder. El punto de inflexión fue la muerte de 52 manifestantes a manos de la policía la semana pasada, que hoy ha tenido nuevas consecuencias negativas para Salé: tres altos cargos del Ejército han decidido desertar para enviar a sus tropas a proteger a los manifestantes y han exigido la dimisión del presidente. A ellos se han unido decenas de oficiales, el líder de la principal tribu del país y los embajadores en Siria, Arabia Saudí y Jordania
.

Jean-Luc Mélenchon: " Há que vergar o tirano antes que ele vergue a revolução"

Como contributo para o debate em curso sobre os acontecimentos na Líbia, aqui ficam algumas passagens de uma entrevista de Jean-Luc Mélenchon, cuja tradução e comunicação agradeço ao Rui Tavares.

Em entrevista ao Libération, o eurodeputado do GUE/NGL, candidato presidencial francês e copresidente do Parti de Gauche, que com os comunistas franceses faz parte da Frente de Esquerda, responde às seguintes perguntas sobre a Líbia.

Porque apoia os ataques aéreos na Líbia?

A primeira questão que temos de nos colocar é a seguinte: há um processo revolucionário no Magreb e no Médio Oriente? Sim. Quem faz a revolução? O povo. É pois decisivo que a vaga revolucionária não seja quebrada na Líbia. Bastaria que Kadhafi ganhasse para que a mensagem passasse a ser: "aquele que bater durante mais tempo e com mais força no seu povo durante uma revolução, ganhou". Ora isto seria um sinal desastroso, uma vitória da contra-revolução! A minha posição é constante: sou partidário de uma ordem internacional garantida pelas Nações Unidas.

Mas conhecemo-lo bastante mais crítico contra as intervenções militares… porque votou favoravelmente, por exemplo, a resolução no Parlamento Europeu?

Esta resolução, apresentada pelos socialistas, os verdes, uma parte da direita e assinada pelo presidente do meu grupo [GUE/NGL], Lothar Bisky, membro do partido alemão Die Linke, pedia à Comissão Europeia que estar pronta caso houvesse uma decisão da ONU. Votei sim por essa razão. Aprovo a ideia de que há que vergar o tirano para o impedir de vergar a revolução.

No seu campo nem toda a gente é favorável a esta intervenção. Os comunistas em particular têm denunciado o risco de uma escalada…

Claro que há o risco de um escalda, mas antes disso temos o risco de um massacre! Aprovo então o mandato da ONU, mas não mais do que isso. Sou contra uma intervenção em terra. Não estamos em guerra contra a Lìbia. Peço-lhe que compreenda: a última palavra não pode pertencer à força contra a revolução! E quais são as alternativas? Não é com comunicados que se pode abater um ato ou destruir um tanque! Se a Frente de Esquerda governasse a França, teríamos ficado a ver a revolução líbia estrebuchar como os nossos antecessores ficaram a ver os revolucionários espanhóis morrer? Não. Interviríamos directamente? Não. Teríamos ido à ONU pedir um mandato. Exatamente o que foi feito.

A sua posição não é coincidente com a sua oposição à Guerra do Golfo, em 1991, às intervenções no Kosovo e no Afeganistão…

Há uma diferença fundamental! Todas essas guerras se fizeram através de uma decisão unilateral da NATO. No caso presente, pelo contrário, a intervenção faz-se com mandato da ONU. Ora isso é decisivo: não há ordem internacional sem passar pela ONU.

No caso da Líbia, você concorda com o direito de ingerência…

Não. O direito de ingerência não existe e eu espero que nunca venha a existir. O que conta, para mim, é a referência ao dever de protecção da sua população por parte de um governo. Kadhafi dispara sobre a sua população. Em nome do dever de protecção, a ONU pede para intervir.

Ainda sobre "intervenções estrangeiras"

Não tenho nada - muito pelo contrário - contra individuos irem combater ao lado de uma revolução num país estrangeiro com que simpatizam (como Byron na Grécia, Orwell em Espanha ou Guevara em Cuba).

Já tenho muitas dúvidas quando são Estados a fazer isso.

Poderá argumentar-se que tal é uma posição é um pouco irracional - afinal, se um individuo pode violar a soberania nacional de outro país, porque não um Estado? No fundo, pode-se dizer que um Estado não passa de milhares-ou-milhões-de-individuos-agindo-em-conjunto. Na verdade, creio que há algumas diferenças significativas (e talvez faça um post sobre isso) - uma das mais importates é a diferença que representam em termos de precedente -, mas reconheço que á capaz de ser uma opinião mais intituitiva que racional.

"Ingerência humanitária" - o exemplo ruandês

Um argumento recorrente nas polémicas sobre as "ingerências humanitárias" costuma ser "não acham que a comunidade internacional devia ter feito algo no Ruanda?".

Algo que é esquecido é que a "comunidade internacional" interveio no Ruanda - mal a situação começou a aquecer, a França mandou as suas tropas. E há fortes indicios que essa intervenção francesa contribuiu para o genocidio: no melhor dos casos, as forças francesas, ao interporem-se na "frente de batalha", atrasaram o avanço da "Frente Patriotíca do Ruanda", dando tempo às milicias pró-governamentais para completarem a "limpeza"; no pior, há alegações que militares franceses terão cooperado activamente com o massacre.

Ou seja, o genocodio ruandês não foi um simples caso de "africanos a matarem-se uns aos outros enquanto o mundo não ligou nada" - a intervenção "neo-colonial" fez provavelmente as coisas serem piores.

Sobre a guerra em curso na Líbia e em Portugal


Não tenho ainda muito claras as ideias acerca do que se está a passar na Líbia, mas assim de repente já tenho uma opinião formada sobre o que se está a passar numa série de blogs em Portugal. 
Acho que ninguém dispõe de informações suficientes para afirmar, com toda a certeza possível, que estes bombardeamentos terão este ou aquele efeito, que esta intervenção seguirá este ou aquele curso, que a resolução do Conselho de Segurança da ONU corresponderá ou não aos interesses do "povo Líbio". 
E, porque assim é, seria extremamente avisado (se não mesmo razoável) que cada um expusesse os seus pontos de vista sobre a questão - inevitavelmente desinformados e eventualmente equivocados - sem acusar os que pensam de outra maneira de coisas tão bonitas como ser: hipócrita, amigo de ditadores, objectivamente pró-imperialista, insensível ao sofrimento alheio, bronco, obtuso, fascista, filo-islamita, islamofóbico e outras coisas que tais.
Digo isto sem qualquer motivação particular, mas com a firme convicção de que o "povo líbio" terá tudo a ganhar se, neste recanto da Europa, algumas dezenas de pessoas que publicam as suas opiniões em blogs o fizerem com um pouco mais de razoabilidade e ponderação. Porque é apenas disso que se trata, enquanto a história se escreve noutras paragens: publicar a nossa opinião num blog. Nenhuma vida se perde ou se ganha devido ao que nós aqui escrevemos. Sei que custa a aceitar este facto, mas talvez seja útil relembrá-lo, uma vez que, nos últimos dias, quase se poderia julgar que a linha da frente do conflito na Líbia passou pelo meio dos nossos teclados. Para o bem e para o mal, não é esse o caso.

Vergonhoso

É este texto do Tiago Mota Saraiva. Intelectualmente desonesto. Onde escreve mentiras como a "(...)"comunidade internacional", decidiu tomar parte por um lado bombardeando algumas cidades(..)". E que "(...)há poucas semanas, num processo de revolta substancialmente diferente do que sucedeu na Tunísia, no Egipto, e acontece no Bahrein (onde a "comunidade internacional" apoia a repressão), na Síria ou no Iémen, iniciou-se uma progressiva tomada pela força de cidades e regiões por opositores ao regime de Kadhafi.(...)". Esqueceu-se que a razão porque os revoltosos pegaram em armas foi porque a repressão do regime de Kadhafi foi muito mais brutal e assassina do que a feita por todos os outros regimes mencionados?! Que cidades e regiões foram tomadas pelos rebeldes pela força? Quem é que primeiro utilizou todos os meios militares ao seu alcance para sufocar manifestações contra Kadhafi?! Defende por acaso Tiago Mota Saraiva que quem é atacado deve abrir o peito às balas? Ou que a Ordem, qualquer Ordem, deve ser mantida a todo custo?

Escreve ainda "Uma das características fundamentais da Guerra Justa é a clareza com que se pretende definir os dois campos opostos: O Bom ou o Mau, o Deus ou o Diabo, o lado da Paz ou o lado do Terrorismo." Pois parece-me que Tiago Mota Saraiva devia saber enfiar a carapuça que tão bem caracterizou: não parece ter qualquer dúvida que a "comunidade internacional" é o lado Mau, lado do Diabo, o lado do Terrorismo.

Como muitos outros continua a bater na tecla da hipocrisia. Hipócritas são também aqueles que efectivamente afirmam que no lugar dos revoltosos líbios estariam dispostos a deixarem-se matar e às suas famílias, mesmo que tal pudesse ser evitado através da intervenção de terceiros. Afirmem-no abertamente se forem capazes. Hipócritas.

E insiste na tecla do interesse da "comunidade internacional" em dominar os recursos naturais líbios quando sabe muito bem que o regime de Kadhafi há muito que tinha colocado a exploração dos recursos naturais líbios maioritariamente nas mãos de empresas ocidentais, tendo recentemente iniciado a privatização de um levado número de empresas estatais líbias. A argumentação de que o controlo dos recursos naturais libios está por detrás da presente intervenção da "comunidade internacional" na Líbia não faz qualquer sentido, e é indigna de alguém minimamente inteligente.

Sugiro ao Tiago Mota Saraiva a leitura deste texto, se quiser aprender como se argumenta de modo inteligente, coerente e intelectualmente honesto contra o intervencionismo, em particular no conflito em curso na Líbia.

O Mal dos Outros e o Bem dos Nossos

Depois de ler este post do Daniel Oliveira, concluo duas coisas.

Por um lado, quem é contra o regime líbio, mas também contra a intervenção militar da “comunidade internacional” (pensemos de modo aleatório num exemplo... sei lá, o Francisco Louçã), está a ser cúmplice do regime líbio. Como escreve o Daniel, “não se pode saudar, durante semanas, a vitória de egípcios e tunisinos contra a tirania e a coragem de sírios, iemenitas ou sauditas, dar-lhes força para continuarem a desafiar os seus tiranos, e depois esperar sentado pelo massacre dos povos”.

Por outro lado, o Daniel também diz: quem votou a favor de uma intervenção militar como a que está em curso (pensemos de modo aleatório num outro exemplo... sei lá, o Rui Tavares) não é responsável pelos efeitos que essa decisão provoca: “Quem, por exemplo, à esquerda, no Parlamento Europeu, defendeu o que veio a ser a resolução da ONU, não cometeu nenhum erro. Cumpriu uma obrigação política e foi coerente com as posições que teve no passado em relação ao Iraque, a Timor, ao Darfur ou à Palestina. Não poderá ser responsabilizado por atropelos à resolução da ONU, muito clara nos seus propósitos”.

Ou seja, quem não faz, de tudo é culpado; quem faz, de nada é culpado.


Por fim, o título do post do Daniel não tranquiliza. Diz-nos que é para ser ao contrário do Iraque, mas o Iraque também era para ser ao contrário do Iraque. A mim parece-me, sim, que existem outros modos de intervenção que não o que está em curso. E que este, representando uma tentativa de lutar ao lado dos revoltosos, representa também uma tentativa de substituir a luta dos revoltosos.

Ps - Se isto está certo, então talvez seja justificado que o Daniel corrija esta sua afirmação: “Apesar de algumas - poucas - reticências à criação da zona de exclusão aérea, a resolução, em que os "verdes" tiveram um papel central, só contou com a oposição da extrema-direita e de uma minoria do GUE (grupo onde estão os comunistas e os partidos mais à esquerda)”. Com efeito, e se o link acima referido estiver correcto, foram 14 os deputados do GUE que votaram contra e 11 os que votaram a favor. Sendo que, se não estou em erro, deputados como o Miguel Portas e a Marisa Matias (que votaram a favor da resolução na generalidade) votaram contra o artigo referente à zona de exclusão aérea, o que ainda torna mais necessário que o Daniel corrija o que escreveu.


20/03/11

O nosso fado é mesmo isto...


Quais Deolindas, quais enrascanços, qual carapuça. O meu povo é feliz é assim.

Falar claro

Pois, Luís, o problema é sempre, como outro Luís dizia há dias, a falta de imaginação. Suponho que há gente que ainda não procedeu ao exercício simples de perguntar que posição teria sobre a guerra civil líbia, caso estivesse na pele, não de espectador televisivo, mas de militante ou cidadão democrata empenhado, em território líbio, no derrubamento da ditadura de Kadhafi.

Um adversário consequente da ditadura de Kadhafi saberia que, dada a situação de guerra civil criada no país, na sequência da repressão brutal dos protestos, seria irresponsável por parte dos revoltosos não apelarem ao auxílio internacional, deixando Kadhafi desencadear à vontade o inferno e o pesadelo prometidos aos seus opositores.

Saberia também que essa intervenção ou ameaça dela, para ser minimamente eficaz, não poderia excluir por princípio o recurso a meios militares, embora — para ser uma resposta ao pedido de apoio dos insurrectos e equivaler ao seu reconhecimento como titulares do "governo legítimo" do território — tivesse de ser coisa diferente de uma ocupação do país e definir limites estritos às acções de combate a empreender ("exclusão aérea", por exemplo, fornecimento de armas e abastecimento logístico, etc.).

Saberia, por fim, que qualquer declaração de apoio à revolta, que excluísse à partida e por definição a acção material e o apoio efectivo aos insurrectos, seria puramente retórica ou um exercício de hipocrisia, equivalendo ao reconhecimento do regime de Kadhafi como — apesar de tudo — representante legítimo da Libia.

Finalmente, não compreenderia muito bem que se possa afirmar

1. ser legítimo, como escreveram Miguel Portas e Marisa Matias, "que a comunidade internacional impeça, por meios militares, qualquer tentativa de bombardeamento das cidades sublevadas pela força aérea do ditador. Se a situação se degradar e Kadafi optar pelo massacre da insurgência e das populações civis, esta possibilidade não deve ser posta de lado" porque "há momentos em que o pseudo-pacifismo de quem nunca foi pacifista se confunde perigosamente com a defesa do ditador. Esta atitude não é mais nem menos cínica do que a dos governos europeus que, debitando loas aos Direitos Humanos, apoiaram durante anos a clique de Kadafi" - mas, ao mesmo tempo,

2. sustentar — como faz, depois da decisão das Nações Unidas, Miguel Portas, e parece ser a posição "oficial" do BE — que deve ser excluída “qualquer intervenção militar, incluindo a medida que lhe pode abrir as portas: a zona de exclusão aérea” - sendo indubitável que Kadhafi optou, desde antes da decisão das Nações Unidas e não por efeito desta, "pelo massacre da insurgência e das populações civis".

Quantos mais civis morrerão no solo, para que se imponha a tal "exclusão aérea"?

Vamos lá salvá-los, nem que seja preciso matá-los.

Depois de queimados, ficam todos "africanos"

A imprensa francesa, num frenético esforço para embelezar as bombas despejadas pelos seus compatriotas na Líbia, não se poupa. A oeste de Benghazi, os jornalistas jubilam com o panorama: «Des chars éventrés, des canons d'artillerie calcinés, mêlés à des cadavres de combattants africains». Mesmo na morte pelo fogo que chove do céu, há lugar para vítimas de primeira e de segunda (os supostos mercenários "africanos"); mesmo que todo aquele país faça, afinal, parte de África.