28/10/20

O Rendimento Básico Incondicional: o problema das experiências-piloto

É frequente os defensores do RBI falarem muito das experiências-piloto, seja para sugerir que sejam feitas para ver se resulta, seja usando o exemplo das já realizadas para argumentar que o RBI funciona.

A mim, não me parece que essas experiências-piloto sejam assim tão relevantes - porque o problema principal de um RBI não é o subsídio em si: é mais ou menos "Economia Neoclássica 101" que um subsidio uniforme (portanto, sem aquele efeito "se aceitar este emprego, perco o subsidio e fico ainda pior do que estava") não tem efeitos distorcedores na economia, portanto não há nada de particularmente surpreendente nessas experiências que aparentemente demonstram que o RBI "funciona". 
 
O problema do RBI são os impostos necessários para o financiar, que, esses sim, podem ter custos económicos significativos - e para avaliar esses efeitos as experiências-piloto normalmente não interessam muito, já que (exatamente pela sua natureza de experiências-piloto) não implicam nenhum aumento significativo da despesa pública nem da carga fiscal (aliás, muitas, nomeadamente em países pobres, até são financiadas por instituições privadas), portanto nunca chegam a experimentar a parte realmente perigosa do RBI.

20/10/20

Os filmes/séries policiais na "bússola política"


Algo que me ocorreu, ainda pensando nisto.

O "Inspetor Harry" na direita autoritária não tem grande dúvida, acho.

O "Zé Gato" na esquerda autoritária admito que já seja mais forçado, mas é o melhor que arranjei - muitos episódios (e a música do genérico) têm o tom "os criminosos escapam porque são ricos e influentes e mexem cordelinhos para a polícia não lhes poder tocar", que será a mensagem que se espera de um filme policial de esquerda autoritária (enquanto a direita autoritária preferirá "os criminosos escapam por culpa dos advogados, desses leis fofinhas que fizeram e dos jornalistas que estão sempre contra a polícia"); fala também muito da pobreza e da forma como esta leva ao crime, o que reforça a parte do "esquerda"; admito que a parte do "autoritário" é discutivel - se por um lado tem a mensagem de "os bandidos safam-se sempre" e o protagonista frequentemente entra em modo "policia durão", por outro nalguns episódios os seus inimigos são grupos de "vigilantes" ou polícias que perseguem e chantageam ex-reclusos (mas por aí também o "Inspector Harry" safava-se...). Provavelmente é difícil fazer um policial "esquerda autoritária" puro: não é muito fácil conciliar as ideias "é preciso mão pesada" e "as injustiças sociais do capitalismo contribuem para o crime"; bem, é a ideia do slogan blairista "duro com o crime e com as causas do crime", mas acho difícil usar isso como inspiração artística (demasiado complexo e com demasiada nuance). Uma alternativa seriam filmes a mostrar o antigo bloco de leste a ser infestado por criminosos em consequência do fim do comunismo (eu nunca vi o "Inferno Vermelho", mas tenho a ideia que parte do enredo gira à volta da ideia que a perstroika estaria a causar criminalidade galopante na URSS - talvez este servisse como exemplo?).

"Os Anjos de Charlie" na direita libertária porque uma ideia-base da série (a começar pela narrativa do genérico) parece ser de que pessoas de grupos historicamente discriminados (como mulheres) terão mais hipóteses no mercado livre do que no setor público; e o perfil de "Charlie" (rico e com um estilo de vida libertino) também encaixa bem aí (mesmo a sua natureza de "jiggle show" parece-me algo que a direita libertária verá melhor que qualquer dos outros três quadrantes). Para reforçar a componente "libertária", junte-se alguns episódios do tipo (pegando num género bastante popular nos anos 70...) "as detetives infiltram-se em prisões para mulheres em que as reclusas são mal-tratadas pela administração". E tenho a ideia que num episódio uma das detetives até diz algo como "o Charlie não nos vai despedir porque teria que pagar mais a quem nos fosse substituir", o que parece o Gary Becker a falar da discriminação.

[Eu já tinha começado a escrever este post quando vi um episódio em que as detetives foram ajudar um xerife de uma pequena cidade que tinha sido proibido de se aproximar de um suspeito porque o tinha agredido, ou coisa assim (não cheguei a perceber bem); isso era apresentado como um erro de que o xerife estava sinceramente arrependido, mas mesmo assim pensei se não poria em causa as credenciais "libertárias" da série; mas logo num episódio pouco depois desse "os maus" eram policias que plantavam provas para incriminar suspeitos e as detetives tiveram grandes dúvidas de consciência se deveriam denunciar alguém aparentemente envolvido em crimes sem vítima, portanto mantive a qualificação]


"Jogo de Audazes" na esquerda libertária - um grupo de vigaristas, que são contratados por pessoas que foram vigarizadas ou prejudicadas por indivíduos ricos e poderosos para os vigarizar a eles; e ainda por cima no episódio final o golpe é roubar informação secreta sobre os banqueiros responsáveis pela crise de 2008. Fundamentalmente, uma série no modelo "bons fora-da-lei que defendem os fracos contra os ricos e poderosos"; com o bónus da maior parte da série passar-se em Portland, Oregon (uma espécie de capital "antifa"?) e pelo menos alguns dos heróis parecerem-me ter um típico estilo de vida hipster.

"Rookie" - eu pus no centro, mas onde eu o associo mesmo é aquele centro-esquerda casal Clinton-Joe Biden-Kamala Harris, ao mesmo tempo culturalmente "progressista" e pró-"lei e ordem" - os bons são o departamento da polícia, mas dizendo explicitamente que a polícia é "diversa" (com muitas mulheres e minorias étnicas, e nalguns episódios refere-se mesmo o contraste entre esta nova polícia e os defeitos da velha polícia quase só de homens brancos) e por vezes até é dito que as testemunhas, mesmo que sejam imigrantes ilegais, não têm que ter medo de falar com a polícia porque é uma cidade-santuário e portanto não correm o risco de ser deportadas. E o episódio em que o personagem principal mata um suspeito é exemplar - ele é suspenso enquanto dura a investigação, os colegas comportam-se de maneira totalmente profissional com ele durante o inquérito (nem com grandes solidariedades nem grandes condenações) e no fim o inquérito concluiu que ele teve razão em disparar, acaba a suspensão e continua a sua carreira - é mensagem é claramente "a polícia moderna de Los Angeles tem um protocolo adequado e rigoroso para estas situações - nem se toleram abusos por parte dos agentes, nem os impedimos de fazer o seu trabalho"; compare-se com o típico filme/série de direita autoritária (em que o agente que teve que disparar seria apresentando como uma vítima dos advogados, da imprensa e/ou de agitadores, e os responsáveis da investigação interna apareceriam como uns cobardes que iriam, só por razões políticas, dizer que o polícia era culpado ) ou de esquerda libertária (em que os policias iriam aparecer como uma quadrilha, a se protegerem uns aos outros e até a adulterarem provas para safar o colega). E atendendo que é uma série recente (começou em 2018), aposto que estes fios narrativos não estão lá por acaso, e que a ideia é mesmo fazer uma série com polícias como heróis mas que não surja como "trumpista".

A dada altura, e pegando na ligação "Jogo de Audazes"-Portland, ocorreu-me se também não haveria uma ligação natural entre Los Angeles tanto com a "direita libertária" de "Os Anjos de Charlie" como com o "centro-esquerda" de "Rookie", na medida em que penso que é uma cidade culturalmente progressista (tipicamente californiana), mas sem o radicalismo político associado a São Francisco ou Berkeley. Mas depois lembrei-me que os filmes do inspetor Harry passam-se em São Francisco (e não, p.ex., no Texas...) portanto este determinismo geográfico não fará grande sentido, acontecendo simplesmente grande parte do audiovisual dos EUA ser produzido na costa Oeste.

Mas, mesmo assim, continua a parecer-me um sitio como a Califórnia dos anos 70 (que votou tanto em Reagan e na proposta 13 como em Jerry Brown para governador e ainda com muitos ecos da contra-cultura e da "New Age") era mesmo o local ideal para produzir uma série como "Os Anjos de Charlie".

19/10/20

MAS vence eleições bolivianas

Aparentemente, o candidato do MAS venceu as eleições com maioria absoluta - muito mais do que lhe atribuíam as sondagens durante a campanha eleitoral (mas atenção que ainda estamos também a falar de sondagem à boca das urnas, não do resultado final - mas é provavelmente impossível haver uma reviravolta e a atual presidente não-eleita já saudou Arce, o candidato do MAS, como vencedor).

16/10/20

Os heróis das séries policiais - polícias ou detetives privados?

Li em tempos no Twitter algo em que nunca tinha pensado, mas realmente parece ter alguma verdade - que as séries policiais dos anos 70/80 tinham como heróis detetives privados, e agora é tudo alguma variante de um departamento oficial da polícia. O autor até associava isso ao clima pós-Guerra do Vietname, em que por um lado havia uma desconfiança face às autoridades, e por outro "ex-combatente" era um background realista para os detetives privados.

Bem, pelo que eu me lembro, mesmo nos anos 70/80 a maior parte das séries policias eram tendo a polícia ou algo parecido como heróis ("Columbo", "Força de Intervenção", "Automan" - embora aí fosse um polícia largamente agindo à margem da organização, e que acho que nem tinha autorização para investigar - "Balada de Hill Street", "Miami Vice", "Os Profissionais", "Dempsey e Makepeace", "Crónica do Crime" e os nossos "Zé Gato" e "Uma Cidade como a Nossa"); mas também havia muitas à volta de detetives privados, como "Os Anjos de Charlie", "Devlin Connection", "Crime, Disse Ela", "Wolf", os "clássicos" ("Sherlock Holmes", "Poirot", os telefilmes do Perry Mason) ou os muito peculiares "Modelo e Detetive" e "Duarte e Cª".

Hoje em dia as séries policiais parecem andar todas à volta de polícias profissionais ("CSI", "NCIS", "Rookie", "Comissário Montalbano") ou então a variante (que já me parece um género em sim mesmo) "homem civil um bocado excêntrico ajuda mulher-polícia nas suas investigação, frequentemente com UST à mistura" ("Castle", "Perception", "Einstein", "Harrow", "Forever"), em que de qualquer maneira os heróis trabalham para a policia, com ou sem distintivo. A única série que me ocorre em que os heróis são algo parecido com detetives privados é "The Catch"* (em que, na minha opinião pessoal, os "maus" parece-me muito mais carismáticos que os "bons", mas enfim...).

A respeito disso, alguém comentou no meu Facebook que a "era dos detetives privados é anterior. Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Raymond Chandler. Os 70 já são um período de transição com os polícias rebeldes, Dirty Harry e Shaft à cabeça." (já agora, eu diria que o Zé Gato também tenta assumir esse papel), mas isso não afeta muito o sentido da transformação, apenas os detalhes da cronologia (mas já põe em causa a teoria da ligação ao Vietname).

Ou seja, nessa área não parece haver grande hegemonia ideológica neoliberal (a menos que sigamos a, aparentemente contra-intuitiva, teoria do Mises segundo a qual a glorificação do detetive privado face à polícia oficial seria resultado da mentalidade anticapitalista).

O ponto original da discussão no Twitter, ocorrida no auge das grandes manifestações de maio/junho nos EUA contra o racismo e a brutalidade policial, era que as séries televisivas atuais, ao porem os policias "oficiais" (em vez de detetives privados) como heróis, contribuíam para que o público não contestasse abusos de autoridade feitos pela polícia (e começou com alguém a sugerir que se fizesse uma série tendo defensores oficiosos como heróis - o mais parecido com isso é capaz de ter sido o "Perry Mason"). Mas eu suponho que isso não acontecerá muito com as séries que seguem o modelo do "whodunnit" (como "CSI" ou "Castle"), em que ao longo do episódio vão surgindo suspeitos que tudo indica que são os culpados e minutos depois descobre-se que são inocentes e o suspeito principal passa a ser outro - afinal, se alguma coisa, acho que essas séries até tenderão a reforçar nos espetadores a ideia que todos devem ser considerados inocentes até prova em contrário, e a ter pouca simpatia por ideias como "dar-lhe umas chapadas para ele confessar".

* Entretanto lembrei-me também do "Sherlock", mas isso é para aí um episódio por ano...




14/10/20

O Bloco, o PCP e o orçamento

As notícias dos últimos dias parecem indicar que estão a ser mais difíceis as negociações do governo com o Bloco do que com o PCP, no que diz respeito ao orçamento; ainda é demasiado prematuro para se poder concluir isso, mas mesmo que assim seja, também não me parece surpreendente - mas muita gente parece estar surpreendida com isso (veja-se, p.ex. este artigo no ZAP: "No meio deste impasse, o PCP admite todos os cenários, manifestando uma postura mais aberta a um sim e um discurso bem menos bélico do que o do Bloco, ao contrário do que seria de esperar").

Por qualquer razão (décadas de propaganda da Guerra Fria?), parece-se ter criado a "sabedoria convencional" de que o PCP é sectário, radical, etc.

Mas olhe-se para o historial das alianças de esquerda envolvendo os Comunistas - tanto na Frente Popular espanhola (leia-se Orwell, p.ex.) como na Unidade Popular chilena, eram os respetivos PCs que representavam o papel de "adultos da sala", e o parceiro radical normalmente era algum partido de "esquerda alternativa" (num nicho similar ao que o BE hoje ocupa em Portugal), como o POUM em Espanha ou o Movimento de Ação Popular Unitária no Chile (e não era raro mesmo sectores dos respetivos PSs ultrapassarem os Comunistas pela esquerda; p.ex., em França com o comunista Thorez em 1936 a dizer "é preciso saber acabar uma greve" e do outro o então socialiste Maurice Pivert a dizer que "tudo é possivel aos audaciosos").

Ou seja, não me parece haver nenhuma razão para "ser de esperar" que um acordo seja mais fácil com o BE de que com o PCP.

06/10/20

Somos e fomos todos fascistas? (1)

Parece ser o que Ricardo Dias de Sousa alega neste artigo no Observador, "Agora somos todos fascistas".

A mim parece-me que ele está simplesmente usando "fascismo" quase como uma palavra genérica para dirigismo estatal (ou pelo menos, para dirigismo estatal mantendo a propriedade privada dos meios de produção), o que, a ser assim, se calhar tornaria "fascistas" a maioria das sociedades existentes nos últimos milhares de anos, com um hiato no século XIX e princípios do XX (bem, excluindo, a ter existido, o "modo de produção asiático", já que aí o estado também era suposto ser o proprietário das terras; mas o chamado "MPA" provavelmente nunca foi mais do que a mesma coisa que o feudalismo europeu visto por um prisma "orientalista").

Um aparte (que não tem diretamente a ver com o texto de Ricardo Das de Sousa, mas acho que acaba por ter indiretamente): porque é que, quando se fala de Mussolini, cita-se muito mais vezes o "tudo no estado, nada contra o estado, nada fora do estado" do que o "abaixo o estado em todas as suas formas e encarnações: o estado de ontem, o de hoje e o de amanhã; o estado burguês e o estado socialista" ou "Nós somos liberais em economia mas não somos liberais em política"? Se se dizer que é porque a primeira (de 1925) é posterior à segunda (de 1920) ou à terceira (de 1921), isso não impede muita gente de ir buscar coisas ainda mais antigas (como o programa dos "Fascios" de 1918 ou a sua militância socialista até 1915) para fazer a exegese do fascismo....

O texto de Ricardo Dias de Sousa parece conter duas teses: a primeira é de que a planificação europeia no pós-guerra teria sido, na sua essência, "fascista"; a segunda é que no final dos anos 60 terá aparecido um novo tipo de marxistas, e que na sua rejeição do marxismo ortodoxo e do establishment do pós-guerra, acabar por, à sua maneira, ser também "fascistas".

Somos e fomos todos fascistas? (4)

Concluindo esta conversa, eu diria que há efetivamente alguma coisa em comum entre o fascismo e os estados sociais da Europa pós-guerra, nomeadamente a defesa de alguma espécie de estado social, a busca de um sistema menos liberal que o capitalismo do século XIX mas menos intervencionista (e mantendo a propriedade privada dos meios de produção) que o marxismo, e a colaboração entre o estado, os sindicatos e o patronato - mas diferem radicalmente na questão do líder autoritário versus democracia bastante negociada, e largamente também na do conforto material versus vida heróica e gloriosa.

Se comparada com as versões mais extremas da "nova esquerda", o fascismo tem algumas semelhanças na parte de um certo anti-materialismo (os esquerdistas dizem que são contra o "consumismo" e não contra o "materialismo", mas isso é em parte semântica) - uns em nome das virtudes heróicas e militares, outros em nome do trabalho criativo e da auto-expressão (parece muito diferente - ou talvez o oposto, para quem esteja habituado a filmes com o argumento "o pai quer que o filho vá para os fuzileiros, mas ele quer seguir Belas-Artes" - mas ambas as atitudes têm em comum a ideia de que a atividade humana deve ser motivada por algo "superior" a ganhar dinheiro e de recusa da supostamente monótona vida "burguesa"), mas a oposição é ainda maior no que diz respeito a questões de respeito pela autoridade ou por hierarquias (que a nova esquerda tendia a rejeitar ainda mais do que os democratas do pós-guerra), ou do pessimismo histórico dos fascistas (que tendem a ver a civilização sempre à beira do colapso e a necessitar de ser salva por heróis) versus o utopismo da nova esquerda (dada a acreditar que a sociedade sem qualquer espécie de opressão ou frustração está ao virar da esquina).

Agora, eu há muito tempo que ando a pensar numa teoria (em parte uma versão alterada e aprofundada do "gráfico de Pournelle"), que um dia hei de pôr num post, dum esquema bi-dimensional, sendo uma dimensão romantismo vs. iluminismo (sim, sim, esta oposição é muito contestável), e a outra coletivismo vs, individualismo (outra oposição muito contestável...), havendo uma grande tendência para alianças na diagonal (iluminismo-coletivismo e romantismo-individualismo de um lado, romantismo-coletivismo e iluminismo-individualismo do outro); neste esquema, o fascismo é uma variante de romantismo coletivista, o estado social de iluminismo coletivista e a "nova esquerda" já entra um bocado no romantismo individualista (o liberalismo fica no iluminismo individualista). E por isso quem for especificamente à procura, consegue encontrar semelhança do fascismo tanto com o estado social-democrata como com a "nova esquerda".

Somos e fomos todos fascistas? (3.4)

E agora vamos finalmente ao que interessa nesta sub-serie (os outros posts "3.x" foram apenas preâmbulos, acerca de pontos circunstanciais). Continuando com Ricardo Dias de Sousa:

Somos e fomos todos fascistas? (3.3)

Continuando com o artigo de Ricardo Dias de Sousa, falando, parece-me, da "nova esquerda":
Não eram conscientes que ao rejeitar o modelo soviético, abraçavam o socialismo fascista.
No contexto, fico sem perceber muito bem se ele se está a referir explicitamente aos grupos terroristas que refere atrás, ou à "nova esquerda" em geral. Se se está a referir aos primeiros, eu confesso que alguns nem percebo muito bem se, em termos de modelo de sociedade, tinham alguma diferença face ao modelo soviético. Mas, se se está referir à "nova esquerda" em geral, nomeadamente à que rompeu mais coerentemente com o modelo soviético, também não me parece que tivessem muito a ver com o "socialismo fascista".

Somos e fomos todos fascistas? (3.2)

Continuando com o artigo de Ricardo Dias de Sousa, na parte do novo marxismo dos anos 60:
Surgem na Europa vários grupos terroristas de esquerda como as Brigate Rosse em Itália, o Baader-Meinhof na Alemanha, o Provisional IRA na Irlanda, ou a ETA em Espanha. A componente nacionalista nestes grupos é evidente.

Somos e fomos todos fascistas? (3.1)

Agora vamos ao segundo ponto do artigo de Ricardo Dias de Sousa - a sua caracterização da esquerda surgida nos anos 60.

Para começar, vou pegar num ponto que até não tem exatamente a ver com a questão do "fascismo", mas é uma questão que até me interessa particularmente:
A partir de finais da década de 60, os intelectuais marxistas a Ocidente, confrontados com a falência definitiva do modelo soviético em Praga, deixaram de se interessar tanto pelos escritos da madurez do autor – o Marx materialista – para redescobrir os escritos da juventude – o Marx idealista, o Marx hegeliano, romântico, alemão.

Somos e fomos todos fascistas? (2.5)



Somos e fomos todos fascistas? (2.4)

Ainda pegando no artigo de Ricardo Dias de Sousa,
As diferenças eram tão ténues, que o paradigma do Estado do Bem-Estar, o modelo austro-escandinavo, foi implementado na Escandinávia por sociais-democratas e na Áustria por democratas-cristãos. Ambos com mais esqueletos fascistas na administração do que gostariam de admitir.

Somos e fomos todos fascistas? (2.3)

Um ponto especifico que Ricardo Dias de Sousa refere de semelhança entre os estados sociais do pós-guerra e o fascismo é "lugares nos conselhos de administração para sindicatos"; isso pode efetivamente ter sido parte do programa de 1919 dos "Fascios Italianos de Combate", mas pouco ou nada disso foi na prática implementado durante o tempo em que Mussolini esteve no poder (talvez nos 2 anos finais, na "República Social Italiana" - a "República de Saló" -, tenha havido algumas medidas nesse sentido, mas na prática é duvidoso que algo tenha ocorrido, até porque a "República Social Italiana" era largamente uma fantasia).

Somos e fomos todos fascistas? (2.2)

Continuando o post anterior, a maior semelhança aparente entre o fascismo e os estados sociais da Europa do pós-Guerra parece ser mesmo a política de concertação social (e, pelo menos no caso dos democratas-cristãos, essa politica talvez possa ter algum ADN comum com o corporativismo fascista, no sentido de em ambos se poder encontrar alguma influência do catolicismo social, e também do "nacionalismo integral" estilo Ação Francesa, que valorizavam as associações profissionais e a negação da luta de classes), de pôr o estado, os sindicatos e as associações patronais à mesma mesma para negociarem salários, férias, reformas, etc.

No entanto, há uma diferença fundamental, que nalguns aspetos até inverte o significado real de processos que formalmente parecem similares: o autoritarismo fascista, com a arbitragem obrigatória (ou algo muito parecido com isso) e a proibição das greves (não digo que isso por vezes também não acontecesse nalguns casos da Europa do pós-guerra, mas numa versão muito mais branda). E porque isso muda tudo? Porque um sistema de concertação social com direito à greve e em que sindicatos e associações patronais têm longas negociações até chegar a um acordo muito provavelmente dá mais poder ao "trabalho" do que teria num mercado livre; em compensação, num sistema em que as greves estão proibidas, e em que as negociações entre sindicatos e patrões funcionam mais na base de cada parte apresentar as suas exigências, e se não chegarem rapidamente a acordo, o representante do estado decide como vai ser, até pode dar à parte patronal mais poder que num mercado livre (se conseguirem que o estado se ponha do lado deles - mas há vários aspetos do sistema fascista que, por mais acima das classes digam que sejam, os acabam por levar mais para o lado do "capital" do que do "trabalho") - para um exemplo de como a política laboral da Alemanha nazi desequilibrou as relações laborais a favor do capital, ver o post de "pseudoerasmus" Nazi political economy.

Somos e fomos todos fascistas? (2.1)

Vamos então por partes, começando pela primeira tese de Ricardo Dias de Sousa:
"Quando a velha ordem democrática liberal foi restabelecida, o liberalismo já estava morto. Os americanos insistiram em eleições e a Igreja Católica aceitou o repto, patrocinando os partidos democratas-cristãos. Os partidos políticos, esses, organizaram-se em torno de velhos liberais, como Adenauer, Churchill, Blum, ou De Gaspieri. Eram homens nascidos noutro século, insuspeitos de simpatias fascistas, mas que lideravam hordas de jovens planificadores sem grande empatia pelo liberalismo dos seus maiores. A democracia salvou as aparências. Era o grande atestado de não-fascismo dos novos regimes. As opções políticas com chances de vitória nas urnas eram, essencialmente, duas: sociais-democratas à esquerda e democratas-cristãos à direita. Curiosamente, os resultados eleitorais seguiram, grosso modo, as velhas linhas divisórias do Tratado de Vestfália: os democratas-cristãos venceram nos países católicos e os sociais-democratas nos protestantes. Ambos, esquerda e direita, protestantes e católicos, brandindo os tais programas de planificação centralizada a que o eleitorado se acostumou antes da guerra. As diferenças eram tão ténues, que o paradigma do Estado do Bem-Estar, o modelo austro-escandinavo, foi implementado na Escandinávia por sociais-democratas e na Áustria por democratas-cristãos. Ambos com mais esqueletos fascistas na administração do que gostariam de admitir." (...)

"A partir da década de 80, quando finalmente [os socialistas]começaram a ganhar, decidiram, também eles, refugiar-se no intervencionismo fascista: Miterrand, Craxi, González, Soares e Papandreou, de quem se esperavam revoluções quando eleitos, rapidamente meteram o socialismo na gaveta. Os partidos socialistas converteram-se na primeira barreira  contra o comunismo na Europa Ocidental. A amnésia de uns europeus que preferiam olhar para o futuro fez o resto. No processo, as pessoas foram convenientemente esquecendo que o fascismo era o Estado intervencionista."

"Na vertente económica, a principal diferença entre as duas planificações socialistas, a fascista e a comunista, era a obsessão comunista com quotas de produção. [negrito meu - M.M.] Os fascistas perceberam o fracasso soviético. Criaram grandes empresas públicas, mas grande parte da economia era gerida indirectamente, através de agências de supervisão e intervenção. Depois da guerra, o ímpeto planificador e intervencionista ganhou alento, embora com diferentes matizes: a França, mais influenciada por socialistas e comunistas, nacionalizou as principais indústrias, a Alemanha deixou a produção essencialmente em mãos privadas e o Reino Unido, que chegou tarde à febre planificadora através do governo trabalhista, foi o que mais se aproximou da planificação soviética. Como consequência, ali, o racionamento durou até meados da década de 50 para muitos bens essenciais."

04/10/20

Representações

É frequente em eleições legislativas dizer-se "Votem no partido X para Fulano ir para o parlamento, porque é preciso lá alguém da nossa cidade/sub-região/região/etc. para defender os nossos interesses específicos (e ele é o único num lugar potencialmente elegível)".

Mas parece que isso já não vale para outros agregados que não os geográficos.