30/08/16

Era uma vez um País que ameaçava levar a Tribunal a Comissão Europeia por esta querer que a Apple lhe pagasse 13 mil milhões de euros de impostos

Como é que pode um País aceitar esta ingerência da Comissão Europeia? " Discordo profundamente da Comissão", disse o ministro das Finanças Irlandês. Um atentado contra a independência nacional, acha ele. Bravos irlandeses que não se vergam. Trata de meter a União Europeia em Tribunal. Receber treze mil milhões de euros de impostos dos nossos amigos da Apple, isso lembra a alguém? Ao Governo da Irlanda não lembra, nem querem ouvir falar disso. Treze mil milhões de euros é o orçamento anual do sistema de saúde irlandês, vejam lá o exagero desta cobrança de impostos. Isto não se faz, acham eles. Andou este povo a reformar o Estado Social durante uma década, e agora, sem mais nem menos, tomem lá 13 mil milhões de euros. E isto pode não ficar por aqui.

Adenda: A declaração de Stiglitz coloca o dedo na ferida da politica americana que aceita de bom grado a fraude fiscal levada a cabo pelas grandes multinacionais.


Ainda o Sismo em Itália.

O assunto já quase saiu de cena. Afinal já são nulas as expectativas de encontrar sobreviventes. A imprensa internacional vai abandonando o local e outras catástrofes disputam a sua atenção.
O primeiro-ministro italiano veio reconhecer uma evidência: o seu Governo, como os que o antecederam, não fazem cumprir a Lei. Os edificios não são construídos de forma a serem sismicamente resistentes. Devia ser um crime, tornou-se uma fatalidade, com que todos parecem conviver tranquilamente Mas, nesta altura, há centenas de vitimas, milhares de familiares afectados, comunidades inteiras destruídas. É necessário fazer alguma coisa. Renzi decidiu avançar com um Plano de reforço sísmico das construções. Aquilo que desde 2000 se promete, sem que nada de importante se faça. Esta inércia, ou incúria, já passou um duro teste: o sismo de Áquila. E sobreviveu, a incúria.
Em Amatrice ruiu uma escola inaugurada em 2012 e que obrigatoriamente deveria ter sido construída de forma a resistir a um sismo com esta intensidade. Ruiu!!! Espero que o Plano de Renzi não vá pelo mesmo caminho.

28/08/16

Ainda o burkini

Este post pretende ser um comentário a este artigo do Luís Aguiar-Conraria; entretanto o LA-C já declarou a sua falta de vontade em continuar a discussão, mas mesmo assim escrevo-o já que muitos dos argumentos que ele usa também são usados por outras pessoas (e, mais importante ainda, já tinha o post largamente feito a minha cabeça).

27/08/16

Sismo em Itália. O costume.

A zona central de Itália é uma zona com uma elevada sismicidade. Por outro lado muitas das localidades que aqui se localizam são muito antigas, com vários séculos de existência. Estes dois factos são conhecidos das autoridades. Há abundante investigação cientifica sobre a sismicidade da zona e muito e bom trabalho feito sobre as características do edificado e sobre as formas de reabilitar sismicamente as estruturas antigas. Provavelmente Itália será um dos países em que mais se sabe sobre esta questão.
Na questão dos sismos em Itália, como em Portugal, a cultura dominante é ainda a de enterrar os mortos e ajudar os vivos. Uma cultura de "protecção civil" que coloca as populações à mercê das forças da natureza. Por isso o primeiro-ministro Matteo Renzi veio lançar 50 milhões sobre a morte, a dor e a destruição, que fustigam as populações. Outro galo cantaria se tivesse, ele e os que o antecederam, utilizado uma parte desse dinheiro para promover a reparação e o reforço das edificações mais vulneráveis, aquelas que além das obras de fachada, boas para o turismo, necessitavam de obras de reforço estrutural e de reforço da sua capacidade resistente aos sismos.
É sempre a mesma história. Neste caso morreram quase três centenas de pessoas num país que é a terceira economia da zona euro. Centenas que, em grande parte, se teriam salvo se esse Pais utilizasse o conhecimento disponível e o dinheiro de que dispõe para preventivamente reforçar as construções.
Os italianos sabem muito sobre esta magna questão. Por cá seguimos pelo mesmo caminho, rumo ao primeiro sismo que venha colocar a nu a nossa incúria e o desprezo que nutrem os nossos governantes pela vida de todos nós. A pretexto de uma simplificação da reabilitação urbana o anterior Governo fez publicar o Decreto-lei nº 53/2014 que isenta os projectos de reabilitação da verificação do comportamento sismíco dos edificios reabilitados. O novo Governo ainda não teve vagar para olhar para isto e para mudar esta pouca-vergonha. Uma coisa é certa: se acontecer algo semelhante ao que se passou em Itália, aparecerão 50 ou mais milhões para ajudar as vitimas e a reconstrução daquilo que tiver sido destruído. A solidariedade dos nossos governantes é infinita e mede-se em milhões ...pós mortem

Fica aqui um link para um texto sobre esta questão. Actual, infelizmente.

25/08/16

Acerca do arrependimento

Confesso que quando olhei para a edição do passado domingo do Público e li a manchete da entrevista a Catarina Martins fiquei desconfiado que se tratava de uma de duas coisas: uma declaração politicamente incompetente ou, hipotese mais forte, uma manchete criativa e eventualmente  infiel ao afirmado pela entrevistada. Li e reli a entrevista - a parte não pessoal, que não me interessa sobremaneira - e devo confessar que achei o título muito ajustado ao conteudo da entrevista. A entrevistada mostrou o seu arrependimento, quase diário, por ter viabilizado a geringonça. Esse arrependimento é depois atenuado e anuladas as suas - desastrosas, digo eu - consequências pela consciência de que os dois objectivos perseguidos pelo Bloco estão a ser cumpridos:  travar o empobrecimento do país e afastar a direita do governo.
Não percebi a lógica da entrevista. A menos que a líder do Bloco tivesse sentido necessidade de mostrar distanciamento do PS, e das trapalhadas que estão a marcar -em demasia - a governação. Todos sabemos que a geringonça apenas foi possível por um conjunto de circunstâncias que a colocaram como uma inevitabilidade. Todos sabemos que nenhum dos participantes a desejava. Todos sabemos que apenas sectores minoritários em cada um dos partidos a desejava. Todos sabemos que os eleitores que a viabilizaram apenas lamentam que a geringonça não seja dirigida a três mãos, em vez de ter apenas e só António Costa no comando. Todos vamos percebendo que a travagem do empobrecimento do país, sendo real, fica muito aquém do necessário e do desejável. Todos vamos percebendo que não ter integrado o Governo foi uma solução péssima e que daí não resulta nada de bom para a qualidade da democracia e para o futuro dos portugueses.
Entretanto passados uns dias a entrevista voltou à tona, pela pena de JV Malheiros, que reflectindo sobre o jornalismo -amplamente dominado pela direita do pensamento único e defensor da liberalização/austeridade - acusava o jornal de ter escolhido um título que não prestava homenagem ao pensamento e às declarações de Catarina Martins. Fui ler a entrevista outra vez. Não percebi essa contradição entre as opções editoriais e as declarações da líder bloquista.
Entretanto, a própria sentiu necessidade de vir a terreiro defender-se dos  mal entendidos que a sua declaração suscitou. Fê-lo mantendo no essencial a declaração anterior e identificando-a com a seriedade politica que a caracteriza. "O arrependimento basear-se-á " nas dificuldades de um trabalho de maioria com partidos que têm divergências conhecidas", disse ela.
Não entendo este arrependimento. Julgo que a generalidade dos que, como eu, contribuiram com o seu voto para tornar possível a geringonça, não percebem este tipo de declarações. Recorde-se que estamos perante um Governo que resultou, como escrevi na altura, de uma vontade imensa e de um programa mínimo. Um Governo que pecou desde o ínicio pelo facto de o BE e o PCP se colocarem  fora da governação.
Face ao que se tem passado ao longo destes meses este deveria ser o arrependimento que deveria ser agora exibido.Arrependimento por não ter sido capaz de expandir o acordo, alargando os seus horizontes.  Até porque, como Catarina deveria saber, o melhor dos dois mundos não existe na politica concreta: estar firmemente envolvido no apoio ao Governo  e, ao mesmo tempo, confortavelmente na oposição, nem nas mais alucinantes comédias dos Monthy Python.






23/08/16

O "burkini"

Parece-me que neste assunto, todos os lados se estão a esquecer da diferença entre discordar de uma coisa e proibir isso. Os defensores da proibição dizem coisas como "é um sinal de submissão das mulheres ou de proselitismo religioso, logo deve ser proibido"; alguns críticos contra-argumentam que é uma tradição cultural, que até há pouco tempo muitas mulheres em Portugal vestiam roupas muito parecidas, etc. e que portanto deve ser legal. Pouca gente parece concordar com a minha posição - que o burkini está realmente associado a uma ideologia opressiva de submissão feminina (a filosofia subjacente é de que a mulher só se deve mostrar ao marido), mas que quem o quiser usar deve poder usá-lo, desde que não prejudique terceiros (tal como acho que consumir heroína é uma péssima opção de vida, mas que quem o quiser deve ter esse direito).

Quanto ao argumento usado pelas cidades francesas que o proibiram, que ia contra o laicismo, não me parece fazer grande sentido - laicismo é o Estado ser laico, não cidadãos privados terem que ser "laicos" em público (mesmo anteontem vi crianças sikhs na Praia da Rocha, tomando banho com aquele barretinho que usam sempre - também irá contra o laicismo?).

22/08/16

Angola e Venezuela

Vital Moreira escreve que "[d]esignar Angola - onde existem eleições regulares internacionalmente validadas, direito de oposição, etc. - como uma "ditadura" é pelo menos um exagero. Maior exagero seguramente do que designar como "democracias" as autocracias populistas de esquerda da Venezuela e outras semelhantes na América Latina".

Como a Freedom House qualifica Angola e a Venezuela:

Angola

FREEDOM STATUS: 
Not Free
AGGREGATE SCORE: 
24
FREEDOM RATING: 
6.0
POLITICAL RIGHTS: 
6
CIVIL LIBERTIES: 
6
TREND ARROW: 

Angola’s civil liberties rating declined from 5 to 6, and it received a downward trend arrow, because as the economy deteriorated, the government increased its repressive measures, including the persecution of journalists, young political activists, and certain religious groups.
[quanto maior o valor do índice, menos liberdade há: o mínimo é 1 - como Portugal - e o máximo 7 - como a Arábia Saudita]

Venezuela

FREEDOM STATUS: 
Partly Free
AGGREGATE SCORE: 
35
FREEDOM RATING: 
5.0
POLITICAL RIGHTS: 
5
CIVIL LIBERTIES: 
5

An opposition coalition, the Democratic Unity Roundtable (MUD), won a dramatic victory in parliamentary elections on December 6, overcoming the ruling party’s intimidation and continued manipulation of the electoral environment. With a turnout of over 74 percent, voters gave the opposition a tenuous supermajority in the National Assembly. The electoral authorities generally presented the results in a timely manner, and both sides of the political divide accepted the overall outcome, though court challenges against the victories of some opposition candidates were pending at year’s end. The new lawmakers were set to take office in January 2016.

The December elections took place in a context of deep economic crisis. Shortages of basic goods, massive devaluation of the Venezuelan currency, and unchecked inflation were widely considered to be the main causes for social protests that took place throughout the year.

Conclusão - ambos são maus, mas Angola é pior que a Venezuela.

Diga-se que a formulação de Vital Moreira é um pouco complexa - ele parece dizer que considerar Angola uma ditadura é um exagero maior do que considerar a Venezuela uma democracia (ou seja, que Angola está mais longe de ser uma ditadura do que a Venezuela de ser uma democracia); de qualquer forma, não parece ser essa a opinião da Freedom House (que considera Angola como "Not Free", significando que Angola pode ser considerada uma ditadura, enquanto a Venezuela é "Partly Free", significando que está a alguma distância de ser uma democracia; ou dizendo de outra maneira - a diferença entre Angola, com um rating de 6, e uma ditadura absoluta - o rating 7 - será de 1 ponto, enquanto a Venezuela, com um rating 5, está a 4 pontos de distância de ser uma democracia; de qualquer forma, chamar "democracia" à Venezuela seria um exagero maior do que chamar ditadura a Angola).

16/08/16

Erosão do consenso democrático?

Há dias, no Observador, João Carlos Espada falava sobre o que ele considerava ser a erosão do consenso democrático na América:
Em 1995, apenas 16% dos americanos nascidos na década de 1970 acreditavam que a democracia era um “mau sistema político” para o seu país. Em 2011, essa percentagem subia para 24% entre os “millenials” (nascidos depois de 1980, portanto em idades semelhantes aos do grupo anterior medido em 1995). (...)

No mesmo período, a percentagem de pessoas que acha melhor “ter especialistas, em vez de governos eleitos, a tomar decisões para o país” cresceu de 39 para uns surpreendentes (ou mesmo escandalosos) 49%.
João Carlos Espada continua o seu artigo:
Em qualquer caso, no imediato, o artigo parece ajudar a explicar o intrigante espectáculo até agora oferecido pela campanha presidencial norte-americana.

Como é possível que o Partido Republicano de Abraham Lincoln, Dwight Eisenhower e Ronald Reagan tenha deixado que massas ululantes nomeassem Donald Trump — que nunca foi um Republicano — como seu candidato presidencial? Como é possível que o Partido Democrata de Franklin D. Roosevelt, Harry S. Truman e John F. Kennedy tenha deixado que massas ululantes quase nomeassem Bernie Sanders — que nunca foi um Democrata — como seu candidato presidencial?

15/08/16

Ler os Outros. "Le Corbusier e a direita radical e revolucionária"

Sobre a ligação do arquitecto e urbanista Le Corbusier ao fascismo, um artigo de opinião do "Historiador da Arquitctura", António Rosa de Carvalho. Contrariando a visão oficial da historiografia o autor defende que
A imagem de Le Corbusier da cidade futura tecnocrática, higiénica e modernizante era a concretização numa imagem arquitectónica concreta, na linha daquilo a que Sorel chamava a “Cité Française” como projecto da Sociedade futura, da Revolução Fascista".
(Sobre o mesmo tema ler aqui e aqui)

Adenda: António Rosa Carvalho, no artigo aqui citado, persegue uma leitura da ambiguidade que caracterizará a posição politica de Corbusier, à luz das ambiguidades que caracterizam a, pretensa, origem marxista do fascismo.
A este propósito, determinada por declarações de J.Rodrigues dos Santos, decorreu uma polémica nas  páginas do Público de que assinalo estes artigos - aqui e aqui - de autores  que recusam esta persepctiva.



10/08/16

Incêndios. Catástrofe ou Politica Catastrófica? (actualizado)

A situação de calamidade em que o País se encontra mergulhado é a consequência natural de uma politica errada seguida ao longo de décadas. Os sucessivos Governos do PS e do PSD/CDS demoliram estruturas, muitas vezes centenárias, que tratavam da floresta e do território e apostaram todos os recursos no combate aos incêndios.  Destruiram tudo o que havia no Estado e recorreram ao Mercado para lidar com o problema e resolvê-lo. Fomentaram negócios milionários que se organizaram em torno do "cluster dos incêndios", como os empreendedores gostam de dizer. Negócios com uma perspectiva de crescimento e uma sustentabilidade que naturalmente mostrou ser inversamente proporcional à sustentabilidade da floresta  cujos incêndios ... visam apagar.
O escândalo atingiu tal dimensão que se torna inevitável começar a falar de prevenção e de ordenamento. Adivinho que virão aí, "abordagens integradas", "novas metodologias de actuação", uma "nova visão sobre a floresta" e o conjunto habitual de "lenga-lengas" que justificarão a legislação que permitirá definir a nova área de negócios, que emergirá desta catástrofe.
Qualquer cidadão percebe que a situação actual é o resultado de uma opção politica que tem merecido um amplo consenso no Governo da República Portuguesa. Qualquer cidadão medianamente informado percebe que para alterar a situação actual é necessário mudar de politica.
Para obter resultados é em primeiro lugar necessário mobilizar as competências técnicas e cientificas disponíveis. Infelizmente, na sociedade portuguesa, há muito que o Saber deixou de significar Poder. É necessário apostar no conhecimento e retirar protagonismo ao compadrio e ao tráfico de influências.
Em primeiro lugar o actual Governo deverá ter a coragem de vir a público reconhecer os erros cometidos ao longo das últimas décadas e assumir a necessidade de os corrigir. É necessário reconquistar a confiança dos cidadãos. Importa por isso que sejam tornados públicos os dados relativos às sucessivas decisões politicas que foram tomadas, os custos que elas envolveram e os seus principais beneficiários. Depois é necessário recuperar os serviços públicos que durante décadas mostraram como a prevenção é o único caminho viável.
Para começar o  que aqui se escreve é bastante esclarecedor.
Há muito conhecimento disponível sobre a questão da floresta. O que não tem havido é capacidade politica para valorizar esse conhecimento.

NOTA. No meio deste combate desigual contra os incêndios emerge pelo seu heroísmo a figura do Bombeiro. Apesar dos avultados meios mobilizados para o combate, apesar dos ajustes directos para aquisição de meios, os Bombeiros prestam este serviço com base em salários próximos do salário mínimo e com graus de precariedade chocantes. Ninguém toma medidas para dignificar a sua actividade.

ACTUALIZAÇÃO (18.08.2016) -  Sobre esta magna questão dos incêndios sucederam-se ao longo da última semana as mais esperadas e costumeiras declarações. No meio do fumo, que muitas vezes dificulta a compreensão dos factos, destaco duas pelo seu particular significado. A entrevista do Ministro da Agricultura, Capoula Santos, pela sua genuína defesa do status mais do que pelo carácter inovador das suas propostas. Defesa do status corporizada na sua frase de síntese "Não há sistema preventivo que valha nos incêndios". O artigo de opinião/ carta aberta do antigo Presidente do Instituto de Conservação da Natureza, o arquitecto paisagista, Henrique Pereira dos Santos. São antigos e fortes os laços que tecem a dura e combustível realidade.
  

O Galpismo e a ética politica.

Desde que eclodiu o escândalo da participação dos Secretários de Estado na operação de "apoio público à selecção nacional  de Futebol" que em França perseguia o título europeu, que se sabia terem tido os Secretários outras ilustres companhias. O presidente da Câmara de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas, e o seu colega de Santiago do Cacém, o independente* eleito pela CDU, Álvaro Beijinha, foi agora divulgado, participaram também na mesma operação de apoio público, na criativa formulação de Augusto Santos Silva, o bombeiro de serviço para apagar/conter os efeitos deste pequeno incêndio estival. No caso de Sines, além do Presidente terá viajado o vice-presidente, e Presidente da Concelhia do PS (?), Fernando Ramos.
Como se sabe, a GALP não é uma instituição de solidariedade social. Trata-se da mais poderosa empresa a operar em território nacional. Como se sabe, a actividade da GALP colide com questões muito sensíveis relacionadas com o ambiente, o direito à saúde, o direito ao bem estar, os direitos constitucionais dos cidadãos residentes nas áreas afectadas pela sua actividade.
Politicamente mexe com a questão da memória e do esquecimento, na formulação de Milan Kundera. A GALP promove o "esquecimento activo" para manter o seu poder intacto, inatacável.  Como se sabe a GALP não "convocou" para a operação de apoio público à selecção nacional os autarcas de Freixo de Espada à Cinta, ou de nenhures. Escolheu os autarcas cujos concelhos são afectados positivamente, e negativamente, pela presença da refinaria da empresa e pela sua operação. A parte negativa da afectação é o problema ambiental na área de Sines. Um não problema para a generalidade do País, incluindo a classe jornalística, e para toda a classe politica. Uma velha luta da GALP contra aqueles que ao nível local exigem que a empresa respeite os valores ambientais e que protestam contra os elevados níveis de poluição. Luta sempre vitoriosa por parte da empresa. Os programas de "esquecimento activo" nos quais se inscreve esta criativa operação de "apoio público" aos nossos heróis, têm sido um sucesso.
A GALP não perde uma oportunidade para mostrar que todos não somos de mais para apoiar a nossa selecção, e, muito menos, para promover o esquecimento e obnubilar a memória. Será que se pode falar de ética (aqui e aqui) quando não há memória?

* - erradamente referido inicialmente como sendo militante do PCP.

08/08/16

Tailândia "aprova" constituição feita pelos militares

Thailand votes in favour of military-backed constitution (The Guardian):
Thailand has overwhelmingly voted to accept a new military-backed constitution, despite fears among critics that it will undermine the power of the next elected government. The Election Commission of Thailand released its “unofficial” results just hours after the polls closed on Sunday.


With 90% of the votes counted, about 61% of voters had backed the new charter – the country’s 20th constitution since 1932. A 55% turnout fell well short of the 80% the commission had forecast, falling short even of the 57% who voted in the country’s last referendum in 2007. (...) 
Having taken power in a 2014 coup, Thailand’s interim, military-backed National Council for Peace and Order (NCPO) had presented the referendum as a major step on its roadmap to “fully functioning democracy”. 
It claims the new constitution will enhance the ability of the next government to fight against corruption, while ensuring that the current programme of reforms will not be cut short. However, rights groups say the constitution extends too much power to the unelected NCPO, meaning its influence would remain well past its interim tenure. 
The NCPO, which toppled the government of Yingluck Shinawatra in a coup in May 2014, has stifled the media and banned political gatherings. Ahead of the referendum, political rallies and open discussion about the constitution were banned, and criticism of the draft was made punishable by 10 years in jail. The targeted suppression of no vote campaigners resulted in what Amnesty International called “excessive, unnecessary and unjustifiable restrictions.” (...) 
Yingcheep Atchanont, a member of the ad-hoc Referendum Watch Network, told the Guardian that while it had concerns, no major voting irregularities had been witnessed by the group. “We have [received] a lot of reports, but they are mostly small things.”

Imagino que muita gente (incluindo eu) considere que, antes de um referendo, ser proibido (e punido com 10 anos de cadeia) criticar a proposta que vai a referendo, seja por si uma grande "irregularidade"...

Informação complementar:

Thailand constitutional referendum: all your questions answered (The Guardian)

Thailand’s new constitution and electoral system (Fruits and Votes)

03/08/16

Billy Bragg, o FMM de Sines e o Brexit.

Foto da autoria de Mário Pires 

A actuação de Billy Bragg, a abrir a última noite da 18º edição do Festival de Músicas do Mundo de Sines, foi um momento raro. Não apenas por se tratar de um músico quase sozinho no palco,  recorrendo apenas à  sua guitarra e às suas palavras.  Mas, sobretudo, pelas palavras cantadas e pelas palavras ditas. Bragg é um velho músico inglês que se destacou no período que antecedeu a ascensão de Margaret Thatcher, e do neoliberalismo que ela impôs à Inglaterra no início dos anos oitenta do século passado. Apoiou a famosa greve dos mineiros cuja derrota foi decisiva para o reforço do poder da Dama de Ferro.
Em Sines, Bragg deixou clara qual a sua posição sobre o Brexit, ele que tinha assinado um artigo de opinião em que identificava os promotores do referendo com os libertarianos que dominam a politica americana e europeia. A classe operária será a primeira vitima desse voto, denunciara. A destruição do que resta do estado social é, para ele, a agenda escondida do projecto Brexit. Em Sines confirmou o seu desagrado com as escolhas feitas pelos seus concidadãos. E teceu as comparações oportunas com o Trumpismo crescente do outro lado do Atlântico. São notórias as semelhanças entre o seu discurso e o de Corbyn, o actual líder do Labour.
Gostei sobretudo -além da música- do que disse sobre os males do mundo e em particular sobre o cinismo. O cinismo que leva muitos, a grande maioria, a conformarem-se e a adaptarem-se, impedindo as mudanças de que o mundo necessita.
Não deixa de ser curioso que o tenha feito vem Sines e no FMM. Esse festival que se transformou à escala local, e mesmo à escala nacional, num grande evento, e numa ocasião para celebrar, uma vez por ano, a cidade ocasional [no sentido em que Francesco Indovina se referiu a essa preversa relação] Aquele que foi conceptualizado como um momento para intervir na cidade e ajudar na sua transformação, autonomizou-se do seu contexto politico-social. A cidade é apenas o cenário da intervenção e o suporte para a alocação de recursos financeiros e humanos necessários para viabilizar o evento. A ocasião - repetida ano após ano - não é para a cidade, mas para aqueles - empresários, técnicos, etc - que colaboram na sua realização. Talvez por isso o FMM seja o testemunho festivo dessa degradação da condição urbana do centro histórico da cidade, do seu abandono, da sua desertificação, da sua transformação no local do cenário que não precisa de ser construído.
Talves por isso seja justo considerar que o FMM se transformou, sob a liderança autocrática da anterior gestão municipal, num momento de festivalização da vida urbana que, como disse Walter Benjamim a propósito da estetização da politica, mais não fez do que tentar ajudar a esconder o carácter retrógado, vazio, do projecto politico que tinham para oferecer. Projecto construído com base no poder pessoal reforçado de uma pequena oligarquia agressiva, antidemocrática e servil ao chefe todo-poderoso.  Um eucalipto que ajudou a secar tudo à sua volta.
Mudar isto dá trabalho e obriga a mobilizar competências e vontades várias. Implica querer restaurar na cidade a defesa do interesse público como o objectivo central da politica. Não se resolve, infelizmente, com ajustes directos ou com o fim do FMM,  ou com os messiânicos regressos ao passado. Esse passado negro de caciquismo, autoritarismo e autismo politico, tudo devidamente embrulhado num palavreado de esquerda. Tão pouco se resolve mantendo tudo na mesma. É preciso acabar com o cinismo dominante, reforçado recentemente com a despolitização da vida autárquica. Afinal tudo não passa apenas e só de uma questão de contas e de números, uma inevitabilidade entre muitas outras.
Billy Bragg deixou o alerta: o cinismo impede-nos de fazer as mudanças que são necessárias, torna-nos incapazes para as tarefas que as pessoas resolveram atribuir-nos. Quem sabe se o FMM não cumpriu aqui -uma vez em muitos anos -  a sua função de promotor da mudança de que há muito se tinha depojado.

Declaração de Interesses - fui vereador da CM Sines durante 8 anos e  membro da A.Municipal nos quatro anos anteriores, entre 1989 e 2001. Apoiei, enquanto vereador, o lançamento do FMM e a sua continuidade, do que não me arrependo. São públicas as minhas criticas sobre a cidade e a sua gestão urbanística e politicó-cultural.Quem quiser saber mais pode ver aqui.

PS - porque será que os jornalistas que escrevem sobre o FMM não deixam claro aos seus leitores que viajaram a expensas da organização? Este alerta apenas se aplica aos que beneficiaram dessa condição e que não a esclareceram nos trabalhos que assinaram.