Nos últimos dias de Março de 1975, o jornal
Combate, já ontem mencionado pelo
João Bernardo, concluía, nos termos que a seguir se podem ler (mas o texto pode também ser consultado
aqui), um editorial que analisava os acontecimentos e traçava as perspectivas do momento. No essencial, eu voltaria a subscrever — com algumas actualizações ou explicitações terminológicas — o documento que o colectivo então publicou, e penso que é pertinente retomá-lo nas circunstâncias actuais, tendo em conta as discussões em curso neste blogue e noutros lugares sobre o nacionalismo, o capitalismo de Estado, o que pode e não pode ser uma democratização efectiva das relações de poder dominantes.
Adenda:
O João Valente Aguiar — achando, e com razão, ser difícil ler o texto do editorial que inicialmente publiquei em JPEG — acaba de me enviar a sua transcrição, que aqui "posto" em substituição da versão anterior, agradecendo calorosamente ao meu amigo o seu trabalho e solidariedade:
Significado político e económico das nacionalizações
A fase actual inaugura-se com as «grandes» nacionalizações: Bancos e Seguros.
Vimos já o contexto em que essas nacionalizações se inserem. Mas, a palavra «nacionalização» é hoje em Portugal um termo ambíguo. Significa coisas diferentes para diferentes estratos, constituindo assim uma plataforma de entendimento entre classes antagónicas.
Para os operários «nacionalização» significa, a curto prazo, garantia dos salários. Pode aparecer, portanto, como um dos objectivos práticos da luta, sem que, no entanto, se possa inferir sobre o objectivo último que visam conscientemente nas suas lutas.
Para outros trabalhadores pode significar ainda, que na sua estratégia consciente, não vão mais longe do que a luta contra a instabilidade do emprego, e que tudo o que pretendem conscientemente é continuarem assalariados, mas estavelmente.
Para outros operários «nacionalização» significa o desaparecimento do capitalismo em todo o país e a passagem da economia ao conjunto dos trabalhadores. Trata-se mais de uma aspiração, do que de uma estratégia definida. Sobretudo não colocam o problema da mediação ou não mediação entre os trabalhadores e o controlo da economia, ou seja, o problema dos gestores e da gestão não é pensado.
Para os tecnocratas e os capitalistas de Estado já existentes, significa, conscientemente, a sua expansão como classe, a realização integral do Capitalismo de Estado.
Para muitos pequenos accionistas significa a garantia dos seus capitais nas empresas em vias de falência. Inconscientes de que a longo prazo isso significa o fim do capitalismo privado satisfazem-se com a possibilidade de manterem, a curto prazo, o rendimento das suas acções.
Vemos assim que o termo «nacionalização» alia ambiguamente operários, capitalistas de Estado, tecnocratas e pequenos accionistas.
Se a «nacionalização» é hoje terreno de conciliação entre classes antagónicas é porque uma dessas opções é formulada difusamente, permitindo assim que realidades antagónicas se cubram com o mesmo nome.
Cabe aos trabalhadores desfazer esta ambiguidade desenvolvendo lutas autónomas com a simultânea criação de formas organizativas que possibilitem o desenvolvimento da democracia operária em ruptura completa com o modo de produção capitalista e que sejam a base de novas relações de produção – as relações de produção comunistas, que levam ao desaparecimento do salariato e da sociedade de classes.
Em Portugal o proletariado não está enquadrado em partidos de massas ou sindicatos (como se constata pelo desenvolvimento da luta operária, que escapa ao enquadramento dos partidos e sindicatos), apenas vê com maior ou menor simpatia alguns desses partidos, sem demasiado seguidismo. No entanto, tem demonstrado uma extraordinária confiança no Estado, e nas instâncias mais hierarquizadas e repressivas desse Estado: as forças armadas. Este é um aspecto grave da ambiguidade que reina em torno do termo nacionalização.
«Nacionalização» significa por si só Capitalismo de Estado, significa controlo do Estado de toda a vida económica e social.
Significa continuação do salariato.
Significa que uma camada destacada dos trabalhadores e não controlada por eles, a quem aqueles delegam o poder económico e social – os gestores – passam a ser os novos exploradores. São estes os interessados no Capitalismo de Estado.
O Comunismo, que os trabalhadores visam nos seus objectivos últimos, tem como base a democracia dos trabalhadores, tem como base a democracia dos trabalhadores. No comunismo os trabalhadores não delegam o poder noutras camadas sociais, exercem-no directamente, através de instituições próprias, que criam na sua própria luta.
A Democracia Operária pratica-se e desde já nas próprias lutas que hoje se travam. É na prática de luta, com formas de organização que hoje se criam, que se desenvolve a consciência dos trabalhadores pelo comunismo.
Para que o capitalismo de Estado não se confunda com o socialismo, para que estas duas realidades sejam vistas conscientemente como distintas, é necessário que o proletariado em Portugal desenvolva a sua prática de luta no sentido de experiências novas.
A alternativa para os trabalhadores não é entre capitalismo privado e capitalismo de Estado, mas entre capitalismo, de um lado, e democracia dos trabalhadores organizados autonomamente, por outro.