30/07/13

Ou a lógica é uma batata

Dizer, como faz um texto de André Albuquerque antologiado por Lúcia Gomes no 5dias, que, no nosso "nosso país vizinho, a Espanha", "[u]ma enorme e longa acampada e as gigantescas manifestações semanais que se lhe seguiram tiveram um efeito: colocar no poder um governo ainda mais autoritário que o anterior", equivale a dizer, a menos que a lógica seja uma batata, que as greves gerais, as diversas manifestações de rua e outras iniciativas de protesto ultimamente empreendidas na região portuguesa tiveram por efeito a continuidade da actual coligação ministerial.

26/07/13

As vanguardas esclarecidas atacam de novo

A propósito de uma iniciativa de solidariedade com quatro trabalhadores perseguidos pela administração do supermercado Minipreço por terem participado na última greve geral, o glorioso sindicato CESP filiado na CGTP respondeu da seguinte forma:



Se a denúncia desta situação feita pela Gui Castro Felga faz todo o sentido, falta saber porque ainda existe gente de diferentes tendências à esquerda que pensa que é possível estabelecer qualquer tipo de aliança emancipatória com as direcções de organizações totalmente opostas a qualquer tipo de acção autónoma dos trabalhadores. Não é politicamente justificável que sectores relevantes (e aparentemente maioritários) do Bloco de Esquerda e que sectores libertários continuem a suspirar com uma aliança de esquerda com aqueles que tudo fazem para controlar e enquadrar as lutas dos trabalhadores. Certamente que existem pessoas muito estimáveis do PCP e da CGTP. Mas são quase sempre militantes de base e pessoas sem qualquer tipo de decisão sobre as orientações fundamentais das organizações a que pertencem. Mesmo na base dessas organizações são sempre excepções.

Até quando a esquerda não-leninista vai continuar na ilusão de que pode conviver alegremente com os descendentes dos cangalheiros de revoluções?

25/07/13

Aos admiradores de Chávez e à generalidade dos fidelíssimos defensores de revoluções patrióticas de esquerda…

…convirá lembrar que também por já cá tivemos disto, e que celebrá-lo não é a melhor maneira — diga sobre o "socialismo do século XXI"  S. Boaventura o que disser — de frustrar os propósitos absolutistas do capitalismo cujos arautos bem se empenham em impor a mesma "democracia carismática" nestas paragens:

Para la policía Bello es el responsable del “delito informático” de colocar en YouTube un video del ministro de Vivienda y Hábitat, Ricardo Molina. En una arenga frente al personal, Molina amenaza con despedir a los trabajadores que se manifiesten contra el Gobierno. “Me importan en lo absoluto las normas laborales”, dijo al principio de la grabación supuestamente hecha por Bello. Tras una pausa se escucharon vivas al presidente Chávez y a la llamada Revolución Bolivariana. Luego continuó con un mensaje a la oposición entre los aplausos de los asistentes: “Al personal que forma parte de nuestras instituciones y que políticamente está en la acera de enfrente. Cero beligerancia. Yo no acepto que vengan a hablar mal de la revolución y del comandante Chávez, ni a criticar a Nicolás (…)".





Vislumbrar o futuro

Num artigo de opinião que aparece na edição de ontem do jornal Público, Filipe Duarte Santos descreve como os agentes que procuram consolidar ou incrementar o seu Poder, estão a lidar com a emergência duma sociedade cada vez mais interligada, e com os enormes fluxos de informação daí resultantes. A importância que tais agentes, desde aqueles que estão formalmente associados a Estados, aos que actuam directamente em prol de interesses privados, dão ao acesso à imensa quantidade de informação produzida em cada momento torna-se óbvia, quando se constata o modo como o governo dos EUA reagiu às revelações de Edward Snowden, ou a escala do esforço colocado na tentativa de enfraquecimento duma nova lei de protecção de dados no seio da União Europeia. Este esforço, aparentemente liderado pelas empresas que gerem uma parte significativa da informação digital gerada, demonstra a falsidade das suas promessas de respeito pela privacidade dos utilizadores das suas plataformas. Em parte, tal resulta da pressão que os mais variados Estados colocam sobre essas empresas para permitir, nem que seja de modo não-oficial ("não quero saber, nem vou dificultar"), o acesso à informação existente nos seus servidores.

Independentemente das tentativas que possam surgir para impedir, ou meramente mitigar, o desenvolvimento de instrumentos de aquisição e análise de todo o tipo de informação digital, é óbvio que se revelarão completamente ineficientes. Existe uma convicção de tal modo enraizada de que mais informação equivale a mais Poder, que nenhum agente determinado em manter ou expandir o seu Poder parará perante imposições legais. O que podemos assim esperar no futuro, provavelmente não muito distante, é o aparecimento de instrumentos cada vez mais sofisticados, com vista à aquisição de dados imediatamente após a sua produção, e análise em tempo real (ou seja, suficientemente rápida para permitir uma reacção à informação colectada). Uma das áreas onde tal evolução tem ocorrido com mais rapidez é na área da especulação financeira. A quantidade de dados potencialmente relevantes para a elaboração duma reacção optimizada tendo em conta objectivos pré-definidos, e a rapidez com que esta tem de ser tomada, inevitavelmente levará ao desenvolvimento de algoritmos capazes de imitar os atributos da inteligência humana. O objectivo do super-analista será o motor mais relevante para o desenvolvimento do velho sonho, ou pesadelo, conhecido por inteligência artificial. Será então possível alocar um espião-analista a cada ser humano, incubido de vigiar e interpretar todas as comunicações digitais por ele efectuadas.

No entanto, não desesperemos. Nenhum sistema é invulnerável. E à medida que a importância atribuída à informação digital crescer, é expectável uma diminuição do esforço colocado na aquisição e controlo da informação partilhada por meios "analógicos". Se hoje cada vez mais insurreições nascem da partilha de informação por meios digitais, é provável que no futuro o seu sucesso resida na informação que é trocada fora desses meios. Preparemo-nos.

23/07/13

Porque nos faz rir Tartufo?

Leiam e riam, como de costume — já nem o Tartufo crê poder evitá-lo. Mas, de preferência e ao contrário do costume, aproveitando para tomar consciência de que o dislate que vos faz rir é o de quem fala de triunfo da anarquia e da libertinagem, de transgressão e de "investida lasciva", num momento em que nunca foi tão generalizada a expressão do propósito de fazer garantir, regulamentar, regularizar e corrigir tão exaustivamente o domínio de uma sexualidade enfim curada da irredutibilidade sem fundo e nunca idêntica do desejo, enfim posta em sossego sob a tutela dos cálculos racionalizadores da técnica e do Estado.

22/07/13

"O país conta mais"?

Os adeptos da "salvação nacional" e os zeladores dos "interesses nacionais", seja qual for a cor com que se pintem, dizem como Passos Coelho, em Vila de Rei: "Independentemente das visões ideológicas de cada partido, temos de mostrar que o país conta mais". Para os que não desistem da ideia de uma sociedade de iguais como condição da liberdade democrática, nem da liberdade primeira entendida enquanto exercício da cidadania democrática como condição de uma sociedade de iguais, o que se passa é que no país que "conta mais", ou "acima" dos interesses de cada um, nem todos contam o mesmo ou têm a mesma parte no gozo do país, pelo que a sua "saúde" — ou "salvação" que vem a dar no mesmo — não é pela união nacional, mas pela democracia que passa. E nada estão dispostos a pôr acima desse seu partido. Tal é o "país" — ou "paisagem" — que, para nós, "conta mais".

Que "aliança europeia contra a austeridade"?

Numa análise cuja leitura integral recomendo, o Frederico Aleixo escreve a linhas tantas: "É que se António José Seguro pretende uma aliança europeia contra a austeridade, uma mutualização da dívida ou um Banco de Fomento, então precisa de força negocial, necessita de parceiros". Há aqui vários problemas: o primeiro é o da vontade do PS não ter, nem merecer, qualquer credibilidade. O segundo é que, ainda que o PS estivesse empenhado numa "aliança europeia" contra a austeridade, ser-lhe-ia impossível ter nisso por parceiro uma força como o PCP, que proclama explicitamente entre os seus objectivos políticos a desagregação da UE. O terceiro é a indefinição do BE que, em matéria europeia, parece querer guardar o bolo e comê-lo: permanecer no euro e recusar as condições políticas de uma integração fiscal, orçamental e no plano dos direitos e liberdades constitucionais que lhe daria sentido.

Estes três problemas — como os Três Mosqueteiros — são quatro. O último, mas de certo modo prévio, é o seguinte: embora não possa ignorar ou alhear-se do que se passa na cena política oficial, uma aliança europeia contra a austeridade depende sobretudo do desenvolvimento de movimentos e iniciativas de base, nas ruas, nas empresas, um pouco por toda a parte, que sejam capazes de travar a ofensiva oligárquica e de contra-atacar, criando ao mesmo tempo formas de intervenção política democráticas auto-organizadas e marcando presença num espaço público, de deliberação e decisão, redefinido e alargado pela dinâmica das suas acções. Creio que é por aqui que passa o "separar das águas" a partir do qual poderemos analisar melhor quais os possíveis parceiros da democratização.

21/07/13

Helena Matos e as adopções

Helena Matos, aparentemente contra a co-adopção, escreve que "[c]onhecer a identidade dos seus pais é um direito das crianças e não um artifício legal  para que pessoas que optam por uniões estéreis possam ter a alegria de ver o nome de ambas inscrito como pais ou mães"; a respeito das "barrigas de aluguer" faz considerações semelhantes.

Independentemente da opinião que tenhamos sobre a co-adopção (ou mesmo sobre a adopção por casais homossexuais) ou sobre as "barrigas de aluguer", parece-me que o argumento de HM (o direito das crianças conhecerem a sua identidade) implicaria ser também contra a adopção tradicional (por casais heterossexuais casados).

20/07/13

Manifesto Contra o Desastroso Encerramento das Livrarias de Lisboa apresentado hoje, às 21 horas, na Livraria Sá da Costa, Rua Garrett, ao Chiado, em Lisboa

A Letra Livre acaba de editar o Manifesto Contra o Desastroso Encerramento das Livrarias de Lisboa, que, por iniciativa da Casa da Achada / Centro Mário Dionísio, será lido esta noite (20 de Julho de 2013), às 21 horas, na Livraria Sá da Costa — na Rua Garrett, ao Chiado — em protesto contra o seu encerramento, que acaba de ser decidido pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, e contra o mal maior e mais geral que esse encerramento significa.

Há poucas semanas, a Letra Livre editara já sobre o mesmo tema "uma obra fundamental de crítica do modelo editorial actual que se impôs em todo o mundo e que por cá vemos em toda a sua miséria esplendorosa": O Negócio do Livros. Como os Grandes Grupos Económicos Decidem o Que Lemos de André Schifrin, com uma introdução de Vítor Silva Tavares (tradução de Octávio Lemos e Rui Lopo, Lisboa, 2012).

Um excerto do Manifesto, que será lido esta noite:


Mercê de nebulosas negociatas que serão caso de polícia mais de o serem de tribunais, a Livraria Sá da Costa só não fechou ainda a porta porque nós, os seus 5 livreiros, a temos mantido aberta — e já lá vão 2 anos — desde que um certo «senhor» se pôs a monte deixando atrás de si todo um cenário de desolação que passa por nós — os porventura mais afectados — mas se estende também à Livraria Buchholz e bem assim às editoras Portugália e Cavalo de Ferro, casas que levaram tempo a honrar um nome e que ele praticamente desmantelou em menos de um fósforo. Que não está sozinho ao proceder assim sabemo-lo bem, como vamos sabendo da impunidade que rodeia os chamados crimes de colarinho branco, esses que engordam causídicos antes que os tribunais decidam de vez quem é que deve o quê e a quem e quanto — caso este da Sá da Costa.

(…)

Senhoras e senhores:

não estamos a acusar a FNAC, não estamos a acusar a Bertrand, mesmo se entendidas elas (e por alguns) como eucaliptos sugando a seiva do mercado de consumidores. Livrarias generalistas, com sua escala de certo modo gigantesca, ocupam o lugar que ocupam, fazem pela vida, propõem mercadorias a públicos necessariamente diversificados. Acusação por acusação, o nosso papel assenta em acusarmos — e para além do banditismo de quem arrastou a Sá da Costa à situação de falência inequivocamente fraudulenta — todo um estado de coisas que faz imperar o consumismo mais ignaro e desenfreado e mais enganadoramente «rentável» (já que não passa de fogo-fátuo sem tempo, pois, de consolidação) como símbolo eleito a soberano da Barbárie que mina, escareia, esvazia a Cidade — o espírito de uma Cidade — como lugar de civilismo civilizado. É esta a nossa acusação primordial.

(…)

17/07/13

Assim se vira o feitiço da "salvação nacional" contra os feiticeiros "patrióticos de equerda"

Como era de prever e houve quem avisasse que tenderia a passar-se, o social-patriotismo que hegemoniza a esquerda parlamentar e sindical da região, com a sua insistência na defesa  do "nosso país" e na "salvação nacional", alimentou a palavra de ordem e o lema nacionalistas a cujo brado, à sua direita, se prepara novo assalto contra as condições de existência e as liberdades fundamentais dos assalariados e a grande maioria dos cidadãos comuns dos quais essa mesma esquerda se reivindica esclarecida intérprete e representante por excelência.

É curioso que seja Pacheco Pereira, que , não raras vezes, terá levado água ao moinho "soberanista",  a fornecer agora, nos termos que lhe são próprios e à luz das suas próprias preocupações, a seguinte descrição clara q.b. do processo em curso:


… É o caso da classificação das actuais conversações, pactos, entendimentos acordos, seja lá o que for e o que der, como sendo de "salvação nacional".  

Este tipo de classificações são meta-políticas em democracia, prendem mais do que libertam, impedem a discussão, impõem caminhos únicos e estiolam o espaço público. O país pode de facto precisar de um acto de emergência, de uma aliança excepcional, de entendimentos sem precedentes, de uma diferente exigência temporal nos acordos entre partidos, mas não pode ser encerrado num acto de "salvação nacional" que, por assim se classificar, se coloca à margem do debate e do escrutínio democrático. Na realidade, o verdadeiro objectivo deste processo é minimizar o papel das eleições no processo democrático, colocando os portugueses e a soberania do voto popular sob a tutela de acordos  que, ao usarem a grandiloquente expressão de "salvação nacional", diminuem a democracia. Na verdade, quem é que pode estar contra a "salvação nacional"?

Autonomia: uma ideia radical

Autonomy: an idea whose time has come, é um dos textos mais interessantes que li nos últimos tempos. Publicado há algumas semanas atrás por Jerome Roos na revista ROAR, nele se tenta demonstrar que as características dos movimentos insurreicionais, que têm aparecido em diferentes partes do mundo, sugerem que os pressupostos da Autonomia estão hoje mais difundidos do que nunca. O que poderá permitir a emergência, a breve prazo, dum movimento global capaz de iniciar uma reconfiguração radical do modo como nos relacionamos colectivamente.

Alguns extractos que gostaria de salientar:

 

16/07/13

António Costa reivindica a "autonomia do exercício do poder político" dos representantes sobre os representados

Ou leia-se o que o Filipe Nunes Vicente já disse sobre o assunto:


A Câmara de Lisboa, presidida por António Costa, avançou com um recurso para o Tribunal Constitucional para travar sentenças judiciais que obrigam à divulgação de um documento interno da autarquia intitulado "Obras Públicas Municipais - Sobre o Estado da Arte", elaborado em 2011 pelo vereador Fernando Nunes da Silva, eleito pelo movimento Cidadãos por Lisboa", noticia hoje o jornal "Público".

O documento em causa, apenas relevado parcialmente, foi inicialmente remetido à Comissão para a Promoção das Boas Práticas da Câmara de Lisboa e apontava falhas às práticas de contratação de empreitadas em vigor nos serviços da autarquia, nomeadamente número reduzido de concursos públicos face aos ajustes directos.

O "Público" solicitou o acesso ao documento, mas sempre sem sucesso, apesar de uma deliberação positiva da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) - entidade que funciona junto da Assembleia da República - e de duas posteriores decisões judiciais também no mesmo sentido.

A câmara avançou agora para o Constitucional por considerar, segundo o "Público", que a obrigatoriedade de divulgar este tipo de documentos "abre caminho a que todas as decisões políticas e documentos que as corporizam fiquem sujeitas ao escrutínio público e, eventualmente, judicial, o que irá conduzir, inevitavelmente, à diminuição/perda da autonomia que deve caracterizar o exercício do poder político".

A proposta de conversações do BE

No momento em que proclama: "A agenda do Bloco de Esquerda para estas rondas de negociação é clara: o Bloco empenha-se na construção de um governo de esquerda que termine a austeridade e o memorando, que consiga a  reestruturação da dívida, mobilizando os recursos bancários,  financeiros e fiscais necessários, e que recupere o rendimento perdido pelas pessoas" — não seria talvez pedir demasiado ao BE que, deixando de preferência cair outras considerações do autor, nomeadamente sobre a direcção/representação partidária dos movimentos sociais, tivesse presente a seguinte passagem do texto que há dias o esquerda.net publicou de um militante do Syriza, Loudovikos Kotsonopoulos:

"Nesta passagem, a ligação entre a crise económica e a democracia torna-se clara como o cristal. Um famoso lema da esquerda sustinha que o que socialismo não é possível num só país. O que tem de ser complementado por um novo lema. A democracia não é possível dentro dum país. É sobre esta premissa que a estratégia da Esquerda Europeia deve ser construída. Os povos da Europa devem entender que para preservar a democracia nas suas nações devem seguir o caminho da democracia ao nível das instituições da UE. Para este efeito, todas as partes envolvidas na Esquerda Europeia devem adotar princípios simples e elementares comuns sobre como as instituições da UE se devem tornar democráticas".

Com efeito, se o português da tradução é lamentável, a ideia continua a ser clara e saudavelmente realista: a democratização capaz de resistir à ofensiva oligárquica, pondo fim às políticas de austeridade e conduzindo, entre outras coisas, à recuperação do "rendimento perdido pelas pessoas", ou será, para começar, europeia — ou, para acabar, não será. Ao que, sem dúvida, conviria, contra a histeria de várias campanhas soberanistas e nacionalistas em curso, acrescentar que, por outro lado, a única força à altura de impor no terreno a democratização das instituições só poderá ser a de movimentos democraticamente auto-organizados de cidadãos suficientemente activos e generalizados para constituírem dispositivos de controle e contrapoder democráticos efectivos, sendo que à falta destes a invocação de "governos de esquerda" mais ou menos salvíficos não produzirá mais do que cortinas de fumo ou ilusões desmobilizadoras.

Bloco propõe negociação imediata ao PS e ao PCP para discutir governo de esquerda


15/07/13

Sobre a limpeza social na Grécia

A campanha, batizada de Operação Zeus, teve início em Agosto de 2012 na capital Atenas, tendo posteriormente se alargado a outras cidades. Milhares de pessoas de nacionalidade não europeia foram então sujeitas a inquirições, identificações e detenções. Em Outubro do ano passado, 487 imigrantes foram detidos num só fim-de-semana. Segundo os dados recolhidos pela ONG Human Rights Watch, de Agosto de 2012 a Fevereiro de 2013, 85 000 cidadãos não nacionais foram conduzidos a esquadras da polícia grega.

Ler mais aqui.

13/07/13

Mandar os gestores para o caralho?

O post abaixo do Zé Nuno Matos revela um aspecto essencial no funcionamento do capitalismo: a transformação da força de trabalho numa mercadoria produtora de valor económico e que oscila de acordo com as necessidades de investimento (ou de desinvestimento) das empresas. Dito de uma maneira mais simples, a transformação dos trabalhadores num instrumento descartável e totalmente disponível para as necessidades das empresas.

E esse é um aspecto que tanto ocorre em empresas financeiras como em qualquer outro tipo de empresa. Por isso, o mesmo mecanismo opera tanto no sector financeiro como nos sectores industriais ou dos serviços. Neste sentido, quando alguém – e tanto à esquerda como na direita mais extrema não têm sido poucos… – critica unicamente a gula da banca, mas deixa incólume este mecanismo fundamental que o Zé Nuno muitíssimo bem enunciou, isso significa muito simplesmente que não há qualquer crítica de fundo ao capitalismo nem ao modo como se estrutura a vida em sociedade nos últimos 200 anos.

Para muito boa gente pode não parecer, mas são bem mais importantes o relato e a condenação da transformação da vida das pessoas num instrumento de valorização (ou desvalorização) do capital, do que discutir as reformas antecipadas dos políticos, ou a perda da soberania nacional (*). Não é só todo um mundo de diferença entre a crítica global ao capitalismo e a crítica a formas muito particulares de capitalismo. É o projecto político e de humanidade que se defende: enquanto a crítica à exploração económica implica a ruptura com a subordinação do conjunto dos governados a uma camada ínfima de governantes, a circunscrição da crítica à “finança”, à “corrupção”, à “ocupação estrangeira/alemã” ou à vida dos políticos só serve para viver na ilusão de que a exploração e a opressão podem ser mais palatáveis.

Ver o desemprego, a precariedade, as dificuldades quotidianas das vidas de todos os trabalhadores como o resultado da prática estrutural de uma classe social capitalista implica a necessidade de uma alteração estrutural de todo o modo de produção do viver social contemporâneo. Pelo contrário, colocar a esperança na resolução do desemprego e da precariedade laboral na esperança da substituição de umas elites de gestores por outras pretensamente menos corruptas só servirá para relançar e renovar todo o mesmo circuito de injustiças e de opressões.

Por conseguinte, efeitos tão concretos, tão dramáticos e tão profundos na vida dos trabalhadores como o desemprego ou a precariedade são derivados de uma realidade estrutural e supra-individual que só é abstracta e pretensamente etérea para os que praticam a preguiça intelectual. E para os que ainda aspiram a ser parte de uma elite – vermelha, laranja, rosa, castanha ou incolor – de gestores que mantenha o edifício de pé.


Alterar fachadas não muda os alicerces.


(*) Não deixa de ser sintomática e mesmo patética a resposta (ou, para ser mais correcto, a ausência de respostas) que a esquerda tem desenvolvido a propósito do nervo central do capitalismo acima descrito. Enquanto a esquerda anda preocupada com a perda da soberania e com a cedência de poder aos «novos colonialistas», as empresas continuam impunemente a fazer o que bem lhes apetece no plano em que a contemporaneidade se decide: nas relações de trabalho, no emprego, na transformação da vida das pessoas no que melhor lhes aprouver. A soberania hoje está acima de tudo nas empresas. Enquanto não for contestada, os capitalistas continuarão completamente confortáveis no desenvolvimento das suas práticas económicas de alocação das vidas dos trabalhadores às necessidades de valorização do capital.

12/07/13

Um gestor do car**ho

Estava a ver uma reportagem sobre a atribuição do prémio de melhor banqueiro do ano ao gestor financeiro Horta e Costa pela revista financeira britânica Euromoney . À semelhança de grande parte das análises económicas, a peça não era mais do que um chorrilho de conceitos fixes e bué proativos. Os resultados do LLoyds Bank foram ótimos porque existiu muito trabalho de equipa, esforço e dedicação. E tal e tal. Quando, de repente, se ouve a palavra «despedimentos». Fui ler a notícia do Público e, de facto, se tivermos paciência de a ler até ao último parágrafo, encontramos a referência "à subida dos recursos e à contínua melhoria dos custos". Por fim, e porque a «contínua melhoria dos custos» cheira mal, fiz uma pesquisa na net. E encontrei isto:

Britain’s four biggest banks will have eliminated about 189,000 jobs by the end of this year from their peak staffing levels, bringing employment to a nine-year low amid a dearth of revenue. More cuts may follow. Royal Bank of Scotland Group Plc, HSBC Holdings Plc, Lloyds Banking Group Plc, and Barclays Plc will employ about 606,000 people worldwide by the end of 2013, according to data compiled by Bloomberg. That’s 24 percent below the peak of 795,000 in 2008 and the least since 2004, when they employed 594,000 globally. “The continuing cost-cutting announcements you’ve been getting reflect an incredibly difficult revenue environment and that’s new,” said Simon Maughan, an analyst at Olivetree Securities Ltd. in London. “The big bulky mass layoffs, such as they were, are probably gone, but that’s not to say staff numbers wont drift lower because it’s a struggle to grow the top line.”

Despedir pessoas. Que imaginação do car**ho. 


11/07/13

Banalizar a violência

Este pequeno documentário



sobre o crescente frenesim securitário promovido pelo Estado grego, ajuda a perceber melhor a perseguição em curso a todos aqueles que são etiquetados como párias, já aqui descrita. O objectivo é a banalização da repressão, do uso da violência extrema pelo Estado. Para que, quando esta tiver de ser exercida num cenário de insurreição, o hábito minimize a indignação e o apoio que daí poderia advir.

O direito ao corte de cabelo

Um qualquer jornal ou site economicista publicou a seguinte notícia, relativa à reivindicação de um subsídio mensal destinado ao corte de cabelo por parte do sindicato dos trabalhadores da Carris . Ora, essa reivindicação é completamente justa. Um dos critérios que atualmente preside à seleção de um trabalhador é a «boa apresentação». Noutras palavras, o aspeto de uma pessoa tornou-se num elemento da condição laboral, a ser avaliado (e, logo, determinado) pelo gestor e/ou pelo patrão. Por conseguinte, e uma vez que são estes últimos a definir o que é um corte de cabelo apropriado, é neles que deve recair o seu pagamento. Tal como acontece com a secretária ou o computador. Ou, em alternativa, a transformação do corpo do trabalhador em mercadoria passa a ser proibida. 

10/07/13

Solidariedades de classe

"O Presidente da República exigiu esta quarta-feira dos líderes políticos um "acordo de médio prazo entre os partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento com a União Europeia e com o Fundo Monetário Internacional, PSD, PS e CDS” assente em “três pilares”, a saber, eleições antecipadas para Junho de 2014, apoio dos três ao governo que se mantiver em funções até lá e apoio dos mesmos ao Governo futuro".

Se, como parece forçoso concluir, Cavaco condiciona o seu beneplácito à antecipação das eleições a partir de Junho de 2014 à celebração de semelhante "compromisso entre os três partidos ["do arco da governação"] que assegure a governabilidade do País, a sustentabilidade da dívida pública, o controlo das contas externas, a melhoria da competitividade da nossa economia e a criação de emprego", é caso para dizer que a "salvação nacional" em que aposta reteve bem a lição da JP Morgan, e faz suas as exigências por ela professadas — a saber: que as liberdades e direitos democráticos são um entrave à optimização da racionalidade capitalista e a uma política que garanta a prioridade da sua economia.

Assim, nunca deploraremos demais que a esquerda oficial — da do "arco da governação" à "revolucionária" — continue a ser impedida, senão pela sua "natureza de classe", pelo seu modelo classista de pensamento e organização, de, tirando disso as consequências que se impõem, fazer sua a ideia de que só a extensão da democracia, a começar pela democratização das próprias fileiras, poderia abrir caminho a uma alternativa anticapitalista, em vez de se limitar a exigir outro governo, que deixará intacta e confirmará a  distinção (classista) entre governantes e governados, que continuará a expropriar-nos do exercício efectivo do governo dos cidadãos, tanto na esfera política oficial, como na esfera, não menos política, da ordem económica estabelecida.

JP Morgan: a súmula da super-classe

No seguimento das menções de Mario Machaqueiro e Daniel Oliveira a este relatório, vale a pena ler esta descrição da importância do JP Morgan Chase para a classe capitalista transnacional, também conhecida por super-classe, e da qual retiro a conclusão:

"To sum: it should be clear, from the evidence, that the leadership of JPMorgan Chase is not an isolated group of individuals involved in finance and exclusively relegated to the banking world, but a highly networked and influential group consisting of central figures in the global plutocracy – referred to as the “Transnational Capitalist Class” – with significant economic, social and political power. To refer to JPMorgan Chase simply as “a bank” is like referring to the United States as just “a country.” A geopolitical force unto itself, and a conglomerate embedded within a transnational network of elite institutions and individuals, JPMorgan Chase goes beyond the financial indicators. Put simply, it is one of the most powerful banks in the world."

Este artigo é o quarto que é escrito por Andrew Gavin Marshall, no âmbito duma série cujos títulos descrevem perfeitamente o objectivo pretendido com a sua divulgação:

Global Power Project, Part 1: Exposing the Transnational Capitalist Class

Global Power Project, Part 2: Identifying the Institutions of Control

Global Power Project, Part 3: The Influence of Individuals and Family Dynasties

Global Power Project, Part 4: Banking on Influence with JPMorgan Chase

09/07/13

Indonésia: a próxima insurreição?

Indonesia – a Southeast Asian archipelago that is home to the largest Muslim population on Earth – is a key global hot spot for corporate plundering, worker exploitation, land grabs and environmental devastation. Simultaneously, the country is becoming a tinderbox for militant labour unrest, peasant rebellion and indigenous resistance. After 500 years of domination by imperial powers, the population of Indonesia is organizing and resisting the ‘new order’ of global corporate colonization. Much like Brazil and Turkey, Indonesia has been praised by the imperial powers as a “model democracy” and the IMF hails its progress as an “emerging economy.” The illusions of Turkish and Brazilian state-capitalist ‘democracy’ have been revealed by massive urban uprisings. The conditions are present for Indonesia to become home to its own national uprising, the only question may be: what will be the spark?

O PREC egípcio

Estabilidade é a palavra de ordem para todos aqueles que detêm o Poder. E no Egipto grande parte do Poder, nomeadamente em termos económicos, está nas mãos do topo da hierarquia militar. Não espanta por isso que esta tenha tentado manter a estabilidade do sistema sócio-económico, apoiando Mubarak até ao ponto em que a revolta popular ameaçava atacar os alicerces desse sistema. Tendo depois tentado influenciar directamente a governação através do SCAF - Supreme Command of the Armed Forces, até que se deu conta que a oposição crescente na rua às suas directivas e brutal modo de actuação estava a erodir a sua legitimidade social, o que ameaçava o seu Poder económico. Permitiu então eleições, mas apenas quando teve a certeza que quem muito provavelmente as ganharia, a Irmandade Muçulmana, se comprometia a manter intocável o sistema que tão bem tem servido o topo da hierarquia militar. E a Irmandade Muçulmana diligentemente fez aquilo a que se tinha comprometido, ao ponto de incluir várias cláusulas na Constituição, que escreveu praticamente sozinha, com o intuito de solidificar o Poder militar (como o julgamento de civis por tribunais militares). Mas não cumpriu com a principal exigência da hierarquia militar: assegurar a estabilidade social e económica. A prova final foram as gigantescas manifestações convocadas pelo movimento Tamarod (Revolta). Era preciso assegurar, mais uma vez, que o sistema não era posto em causa, sacrificando as suas marionetas. Mas, muito dificilmente, este golpe militar conseguirá assegurar a estabilidade sócio-económica tão ansiosamente desejada por quem ambiciona lucrar com ela. E à medida que isso se tornar claro, a hierarquia militar provavelmente irá concluir que precisará do espectro duma guerra civil para adquirir a legitimidade popular necessária para avançar com a instauração do estado de sítio, reprimindo brutalmente toda e qualquer manifestação de dissidência. Não me espantará por isso a multiplicação de incidentes que sirvam para passar a ideia que sem um Poder absoluto, o Egipto mergulhará numa guerra civil.

Em Portugal a situação não é muito diferente. No seguimento das desavenças entre algumas das suas marionetas, a oligarquia cá do burgo mergulhou na análise de cenários, tentando identificar qual lhe garantia maior probabilidade de estabilidade para o sistema que a mantém. Aparentemente optou pela solução que maiores garantias dá de cumprir tal objectivo a curto prazo. Brincando com o fogo, talvez se queimem.

Estes artigos são particularmente esclarecedores sobre a situação no Egipto:

In Egypt, the real regime still has to fall

What Led to Morsi's Fall—and What Comes Next?

Egypt Descends Into "Spiral of Violence and Retribution" After Morsi’s Ouster

08/07/13

Antes sós no inferno que acompanhados no paraíso por camaradas assim

Não sei o que é mais grotescamente deprimente e revelador do reaccionarismo puro e duro que tomou conta de boa parte dos funcionários e controleiros ideológicos que se reclamam da "esquerda da esquerda" — se

(1) os anátemas de que foi alvo, ao melhor estilo estalinista (de resto, um dos intervenientes no processo não se coíbe de recomendar a Arménio Carlos que o assuma sem complexos), Raquel Freire, que incorreu no desvio ou acto de sabotagem de ter criticado publicamente a convocação de uma manifestação da CGTP para as 15 horas da tarde no passado sábado (6 de Julho),  obstinando-se em não ter sequer "a humildade de imaginar que quem […] teve de tomar [as responsabilidades de convocar a manifestação], também queima as pestanas a pensar em soluções" — se

(2) as proclamações de inocência e os protestos patéticos de fidelidade à bandeira dos seus detractores, que Raquel Freire lança, corroborados pela invocação de relações pessoais com "o Álvaro", que talvez os "camaradas" ignorem que era muito lá de casa, e de antecedentes familiares que atestam uma "limpeza de sangue" a toda a prova, mas esquecendo-se que tudo isso, aos olhos dos ditos "camaradas" ou "companheiros de jornada", sempre vigilantes, só agrava as suas culpas e só pode tornar mais nefanda a sua traição.

Como lutar contra a austeridade tendo o devido cuidado com as imitações

Não me interessa aqui discutir o acerto ou desacerto da análise que Frederico Aleixo consagra no 5dias ao episódio da nomeação de Paulo Portas para o cargo de vice-primeiro ministro. Importa-me sublinhar a conclusão límpida do autor do post quando afirma que, quanto àquilo que Paulo Portas e o governo remodelado poderão fazer, "[t]udo dependerá dos movimentos sociais, da onda de contestação e da ofensiva popular não só aqui mas em toda a União Europeia". É que, embora Frederico Aleixo, talvez dilua um pouco a nitidez da conclusão ao somar-lhe outras considerações, relevando de níveis de análise menos fundamentais, a verdade é que, excepto no caso de uma erupção generalizada que não parece iminente, tudo o que qualquer governo — seja o de Passos Coelho e Paulo Portas, seja o eventualmente resultante de uma nova maioria parlamentar, seja o de uma improvável iniciativa presidencial — poderá fazer, para adoçar a austeridade ou para a combater com um mínimo de eficácia, "dependerá dos movimentos sociais, da onda de contestação e da ofensiva popular não só aqui mas em toda a União Europeia", o que indica bem que, será tendo em vista a federação e a generalização dos "movimentos sociais" e da "ofensiva popular" ao nível europeu que a luta pela democratização deverá ser travada, denunciando como "divisionistas" e reaccionárias, no sentido próprio do termo,  palavras de ordem como a reconquista da "independência nacional", ou soluções como o isolacionismo, que quer fazer passar por revolucionária a solução de agravamento austeritário que seria a saída unilateral (e não há outra possível) da zona-euro. Por outro lado, estas mesmas considerações — embora Frederico Aleixo talvez aqui pense de outro modo — mostram o beco a que conduzirá a grande maioria dos cidadãos portugueses permitir que direcções partidárias e sindicais continuem a orientar o essencial das acções de luta para a realização de eleições antecipadas, na perspectiva de uma maioria parlamentar de "esquerda", e, sobretudo, a conferir a objectivos análogos prioridade sobre a "auto-organização popular", os "conteúdos sociais" e a criação de formas de intervenção colectiva democraticamente renovadas e alternativas.

Gato escondido com o rabo de fora

A popularidade na actual esquerda de termos, convertidos noutras tantas palavras de ordem, como "relançamento da economia", "criação de emprego", "crescimento", etc., e coroados por uma celebração idolátrica do trabalho, é reveladora do modo como essa esquerda perdeu toda a capacidade de formular qualquer alternativa de democratização quer à actual divisão política do trabalho, quer à divisão do trabalho político que a acompanha. Assim, deixando de contestar a natureza hierárquica e classista profunda da economia governante, tanto ao nível da repartição dos rendimentos e da organização quotidiana da produção, como ao nível da direcção geral desta, da definição das suas orientações e do seu sentido, a actual esquerda limita o seu projecto à ambição de desempenhar uma melhor gestão da mesma empresa e renuncia por completo ou opõe-se no essencial a qualquer política verosímil de democratização radical das relações de poder e do exercício político deste capaz de afirmar e aplicar em formas consistentes de acção política os princípios de liberdade e de igualdade que a legitimariam e distinguiriam, conferindo-lhe razão de ser. E, quando procura, através dos grandiloquentes termos rituais da "revolução" e do "anticapitalismo", esconder as suas concepções e práticas hierárquicas de gestão económica e governo político, a sua insistência irreprimível no "direito ao trabalho", assemelha-a ao proverbial gato escondido com o rabo de fora. Vai sendo tempo de o sabermos ver.

Inverno árabe?

Parece estar a ocorrer um massacre no Egito.

A minha opinião sobre o que se passa nesse país - parece-me haver uma divisão em 3 campos: os herdeiros do antigo regime, os islamitas e os "democratas seculares" (estes últimos ainda poderiam ser subdivididos em esquerdistas e liberais), e nenhum deles tem força decisiva.

Um sistema politico e eleitoral disfuncional, em que passaram à 2 volta das presidenciais dois candidatos que, em conjunto, tiveram só 48% dos votos na primeira, também não ajudou.

07/07/13

João Valente Aguiar publica no Passa Palavra a segunda parte da sua análise sobre o PCP e a ameaça nacionalista

Se, como escrevia há dias o colectivo do Passa Palavra, "jogar toda a luta política no destino que se dê ao actual governo é uma aposta errada, porque se insere unicamente num desejo de renovação das elites no interior da classe dominante. São ingénuos os que crêem que um qualquer governo de esquerda poderá sequer minorar a austeridade. Só um vasto movimento internacional de base, auto-organizado pelos trabalhadores em torno das suas necessidades prementes e concretas, poderá criar condições para uma real alternativa emancipatória", digamos que a segunda parte do artigo que, também no Passa Palavra, o João Valente Aguiar agora publica,  ajuda a compreender, ao mesmo tempo que mostra como a via assim proposta para vencer a austeridade é radicalmente enganadora, a lógica mais vasta em que se inscrevem as razões que levam o PCP — e, a seu reboque, os adeptos de uma ou outra versão de salvação nacional por via do reforço da soberania do Estado português — a tentar imprimir a todas as acções que promove ou em que participa um cariz tão acentuadamente eleitoralista…  

Aqui fica uma passagem da segunda parte do artigo do João:



Para desgraça da esquerda e dos trabalhadores, os capitalistas já andam a preparar uma união bancária e uma unificação gradual e progressiva das instituições e dos poderes ao nível europeu. E a esquerda, em vez de transnacionalizar as lutas e ultrapassar as fronteiras na organização de classe, pelos vistos prefere andar entretida a difundir ainda mais o nacionalismo nas suas hostes. Se um dia, uma qualquer Frente Nacional fascista açambarcar as regiões de maior votação do Partido Comunista e se, um dia, a esquerda perder a luta nas ruas contra o avanço de uma aliança fascizante entre a polícia e uns quaisquer coxinhas, veremos nessa altura a esquerda clamar contra o surgimento de um inimigo que só é inesperado porque foi alimentado precisamente pelos que nessa altura serão agredidos pela criatura que ajudaram a criar à sombra das suas costas. Todas as acções políticas têm consequências profundas que escapam quase sempre aos olhares mais superficiais e litúrgicos. Só o mergulho da esquerda no tanque do nacionalismo a impede de ver o seu próprio papel na nacionalização da classe trabalhadora.

(…)

Entretanto, de modo a expandir a discussão, penso que não estarei a ser deselegante se transcrever as palavras que um amigo e notável intelectual me enviou sobre o assunto:

«Não acho, sinceramente, que se corra o risco de o PCP se tornar poder em condições de ditar o que quer que seja. Posso estar muitíssimo enganado, mas o dado de fundo das últimas duas décadas do PCP era a perda de influência em todos os sectores laborais à excepção do funcionalismo público. O problema é mesmo levarem água ao moinho nacionalista, banalizarem certas ideias e, num futuro eventualmente não muito distante, perderem sectores importantes da sua militância para um projecto autoritário mais consequente e com mais hipóteses de triunfar, que evite todos os traços exteriores do fascismo para desenvolver com sucesso os seus aspectos estratégicos: Desvalorização cambial, agravamento da mais-valia absoluta, aumento da repressão e reforço da intervenção económica do Estado e da acção repressiva do Estado».

O que este amigo comentou parece-me constituir um ponto de contacto entre o que eu e o José Nuno escrevemos e que é bastante profícuo para uma crítica consequente e correcta da esquerda nacionalista. Mais do que discutir se o PCP será ou não poder, ou em que condições, é a compreensão do seu potencial de difusão de temas e de propostas que podem ser apropriadas por um projecto mais à direita e que, no final das contas e do processo, podem redundar num novo fascismo. Que naturalmente não teria essa designação e que muito provavelmente afogaria em sangue as fileiras da esquerda nacionalista. Na concorrência entre nacionalismos, o que se situa mais à esquerda dificilmente resiste às investidas do seu competidor mais à direita, resultando quase sempre na necessidade da sua aniquilação ou, na melhor das hipóteses, da sua secundarização.

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05/07/13

A legítima defesa das liberdades fundamentais na UE requer que os seus cidadãos lhe imponham a concessão do estatuto de refugiado a Snowden

Os principais considerandos que justifiam a exigência enunciada no título deste post são os que — independentemente do maior ou menor apreço que nos mereçam algumas das referências apontadas como exemplares, ou das reservas que possam merecer-nos Wikileaks e Repórteres sem Fronteiras Assange e Deloire formulam neste artigo publicado em El País:


El 12 de octubre de 2012 la Unión Europea recibió el Premio Nobel de la Paz por “su contribución a la promoción de la paz, la reconciliación, la democracia y los derechos humanos en Europa”. Así, Europa debe estar a la altura y demostrar su voluntad de defender la libertad de información, cualesquiera que sean los temores a las presiones políticas de su mejor aliado, Estados Unidos. Ahora que Edward Snowden, el joven estadounidense que reveló la existencia del programa de vigilancia mundial PRISM, pidió asilo a una veintena de países, los Estados de la Unión, principalmente Francia y Alemania, deben darle la mejor acogida, bajo cualquier estatus. Pues si Estados Unidos sigue siendo uno de los países del mundo que ponen en lo más alto el ideal de la libertad de expresión, la actitud que adopta respecto a los “informantes” mancilla claramente la Primera Enmienda de su Constitución.

Desde 2004 el relator especial de las Naciones Unidas para la Libertad de Opinión y Expresión, el representante de la Organización para la Seguridad y la Cooperación en Europa (OSCE) para la Libertad de los Medios de Comunicación y el relator especial de la Organización de Estados Americanos (OEA) para la Libertad de Expresión hacían un llamamiento conjunto a los Gobiernos para proteger a los “denunciantes” (whistleblowers) frente a “sanciones legales, administrativas o laborales siempre que hayan actuado de ‘buena fe”. Se definía a los denunciantes como “aquellos individuos que dan a conocer información confidencial o secreta, a pesar de que tienen la obligación oficial, o de otra índole, de mantener la confidencialidad o el secreto”. En 2010 la Asamblea Parlamentaria del Consejo de Europa sostuvo: “La definición de revelaciones protegidas debe incluir todas las advertencias de buena fe contra diversos tipos de actos ilícitos”. La resolución 1729 pedía que las leyes cubrieran “a los denunciantes de los sectores público y privado, incluidos los miembros de las fuerzas armadas y los servicios de inteligencia”.

Con excepción de los aficionados a la caza del hombre que lo acusan de ser un traidor a la patria y de los sofistas que enredan el debate en argucias jurídicas, ¿quién puede cuestionar seriamente la calidad de denunciante de Edward Snowden? El exinformático permitió que la prensa internacional —The Washington Post, The Guardian y Spiegel— diera a conocer un programa de vigilancia de decenas de millones de ciudadanos, especialmente europeos. Blanco de un dispositivo que atenta a la vez contra su soberanía y sus principios, los países de la Unión Europea le deben a Snowden sus revelaciones, claramente de interés público. El joven no puede ser abandonado en una zona internacional del aeropuerto de Moscú sin que esto signifique para los países europeos un abandono de sus principios y de una parte de la razón de ser de la Unión Europea. Sería inconsecuente poner el grito en el cielo a niveles diplomáticos y abandonar al autor de estas revelaciones.
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«Em Portugal vai mudar alguma coisa?»

Um artigo polémico, mas assertivo, publicado pelo colectivo do Passa Palavra sobre os buracos sem fundo e sobre os cheques em branco do messiânico governo de esquerda. Ficam alguns excertos que me parecem mais significativos.



«Quando a esquerda limita o seu alvo à constituição de um governo de esquerda e, acima de tudo, quando considera essa via como possível de reverter o quadro de austeridade está a ser demagógica. Nada temos contra o alívio das condições de vida dos trabalhadores. Mas é ilusório pretender que um governo de esquerda, por si só, será a variável independente que irá reverter a austeridade e trará o crescimento económico, o emprego e a melhoria da situação dos trabalhadores. A demagogia não existe no vazio. Ela é expressão dos interesses dos candidatos a gestores que pululam à esquerda.
Mas discutamos brevemente o que realmente significaria um governo de esquerda. E aqui duas questões se levantam.
Em primeiro lugar, como é que o conjunto da esquerda à esquerda do PS pensa poder constituir governo? No actual cenário parlamentar português só é possível constituir governo integrando o PS num governo. Ora, como este partido considera que o Memorando de Entendimento com a troika é para cumprir e que a austeridade vai continuar, como é que a esquerda lidará com esta questão?
Em segundo lugar, mesmo que fosse possível criar um governo empenhado na reversão da austeridade, como seria isso possível a partir de um único país, ainda por cima quando o Estado português não tem meios de se autofinanciar? E aqui entra o nó górdio do nacionalismo, para o qual o Passa Palavra não se tem cansado de chamar a atenção. Uma economia minúscula, endividada e pouco produtiva como a portuguesa não conseguiria lidar com a pressão das instituições europeias e escapar à austeridade. Qual o caminho desse governo português de esquerda? Ou se renderia aos termos do possível e se limitaria a negociar pequenas moderações à austeridade e, nessa situação, muito pouco se distinguiria do PS. Ou tentaria uma fuga em frente e o abandono da zona euro surgiria como o horizonte a considerar. Ora, como procurámos repetidamente demonstrar em vários artigos publicados neste espaço (aquiaquiaqui e aqui), uma saída do euro representaria um autêntico desastre económico e social para as condições de vida dos trabalhadores, agravando muitíssimo a austeridade. E, por inerência, representaria o funeral de qualquer veleidade autonomista da classe trabalhadora por anos e anos.
(...)
Não há que ter medo da realidade. Derrotar um governo é sempre positivo nos instantes seguintes à sua queda. Mas após os dez segundos iniciais de felicidade, se não houver lucidez e espírito crítico e se essa queda não derivar de lutas massivas dos trabalhadores, então as mesmas práticas, as mesmas políticas e os mesmos princípios de organização da vida em sociedade reproduzir-se-ão no governo seguinte. Derrotar um governo e colocar um outro governo, que de esquerda só levará o nome e fornecerá um novo fôlego de legitimidade à continuação da austeridade, servirá a prazo para desanimar milhares e milhares de trabalhadores e de activistas que colocaram as suas melhores energias e expectativas numa falsa solução.
A aposta da luta política contra o actual governo dos capitalistas não é errada por criticar a austeridade. A panaceia da batalha eleitoral para a formação de um governo de esquerda é um erro por não ver a austeridade como continuação da exploração económica por meios políticos e fiscais. O problema de fundo não é a austeridade, é a exploração. E, de imediato, é errado dar a prioridade à luta eleitoral relativamente à construção de um movimento de base.
A este título, conforme descrevemos na segunda secção deste artigo, são colossais as diferenças com o Movimento Passe Livre, um movimento social alicerçado em relações horizontais e no questionamento directo de um assunto concreto que tanto afecta a vida da classe trabalhadora. E que ao mesmo tempo é também uma bandeira de luta que atinge um aspecto estrutural do capitalismo: a sua política de urbanização e de fragmentação espacial da classe trabalhadora.
Neste sentido, jogar toda a luta política no destino que se dê ao actual governo é uma aposta errada, porque se insere unicamente num desejo de renovação das elites no interior da classe dominante. São ingénuos os que crêem que um qualquer governo de esquerda poderá sequer minorar a austeridade. Só um vasto movimento internacional de base, auto-organizado pelos trabalhadores em torno das suas necessidades prementes e concretas, poderá criar condições para uma real alternativa emancipatória».

02/07/13

Não se arranja para aí um Eduardo Nevoso...

... que divulgue em público (talvez num site da internet) os contratos dos famosos swaps? Eu até admito que os contratos que a nova ministra assinou não tenham problema nenhum; mas é difícil averiguar isso quando:

a) não se sabe o teor desses contratos

b) não se sabe o teor de (quase?) nenhum dos contratos de swap que as várias empresas públicas estabeleceram

c) creio que ainda ninguém (ou fui só eu?) percebeu exactamente qual o mecanismo pelo qual esse contratos se revelaram fonte de prejuízos