31/10/14

Sobre as reformas utópicas que pretendem « controlar » o capitalismo







Um texto crítico sobre o « Salário garantido », revendicado em Espanha pelo novo partido PODEMOS.

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Desde que Podemos tuvo su enorme triunfo electoral en las elecciones europeas la renta básica parece haber dejado de ser un tema de conversación de economistas de izquierda para convertirse en asunto de discusión política amplia. Dado el enorme desprestigio de los partidos del sistema y de los “expertos en economía” que los respaldan —muchos, si no la gran mayoría de los economistas— la gente de a pie presta cada vez más atención a quienes presentan otras ideas y a las razones a favor o en contra de esas ideas. Si algo de positivo ha tenido la crisis, es sin duda hacer que se cuestionen muchas ideas que antes se daban como indiscutibles. Que haya interés en discutir si un esquema como la renta básica es mejor o peor que una política de trabajo garantizado y que incluso sectores del PP se expresen a favor de estas medidas es sin duda indicativo de la revitalización del debate público en España.
En intervenciones recientes, Pablo Iglesias ha explicado la renta básica como una cantidad de alrededor de 600 euros al mes que recibirían todos los ciudadanos o residentes legales y que serviría para combatir la pobreza y defender la dignidad de las personas. La renta básica evitaría que se tengan que aceptar salarios miserables y por otra parte estimularía el consumo, los ingresos del pequeño comercio y la actividad económica en general. En ello Pablo Iglesias sigue en general las ideas de los teóricos de la renta básica, entre quienes en España destaca Daniel Raventós, profesor de Economía de la Universidad de Barcelona. Raventós afirma que cualquier ciudadano, “sólo por serlo, tiene todo el derecho del mundo a percibir un sueldo” o, lo que sería lo mismo, “una asignación monetaria incondicional”. Eso es la renta básica que, a diferencia de los subsidios más o menos generalizados en el Estado de bienestar, se adjudicaría a cualquier persona sin cumplir una condición previa como ser pobre o estar en el paro, simplemente por ser ciudadano o residente acreditado, independientemente de que trabaje o no. La renta básica sustituiría al subsidio de desempleo, así como a todas las prestaciones monetarias existentes, refundiéndolas en una sola, de tal forma que se unificarían las prestaciones por desempleo, jubilación, viudedad, orfandad, etc. Sin embargo, los proponentes de la renta básica también explican que en ningún caso esa renta debería reemplazar las prestaciones públicas en sanidad, educación, vivienda, etc., y quienes tuvieran derecho a prestaciones por desempleo o jubilación superiores a la renta básica se beneficiarían de mecanismos específicos para que nadie perdiera dinero con el cambio. El Estado sería perfectamente capaz de asumir el pago de la renta básica, aunque para ello habría que “evitar el fraude fiscal y hacer una buena reforma fiscal” porque los ricos “han de pagar más de lo que pagan hoy”. Para Raventós la introducción de una renta básica como la que ellos sugieren en España supondría una mejora de ingreso para el 70% de la población y un deterioro para un 15% que tendría que pagar más impuestos; el 15% restante quedaría igual, sin ganar ni perder.
El propósito de este comentario es examinar la propuesta de renta básica en el marco general de la lucha por el progreso social y las políticas de Podemos. Aunque la propuesta de la renta básica tiene ya muchos años, ahora se hace en el contexto de una crisis económica que para muchos cuestiona no solo la política económica del PP y el PSOE y la corrupción de los políticos, sino el sistema económico actual. Por ello hay que empezar por explicar las características fundamentales del mismo. Las consignas de pocas palabras sirven para agitar y son claramente necesarias en los programas electorales. En lo económico la consigna de renta básica puede cumplir ese papel. Pero la política solo es progresista si contribuye a que se entienda lo que está en juego. Las cosas complejas no pueden explicarse en tres palabras. Para palabrería hueca y demagogia de pocas frases, con los políticos de siempre sobra y basta. 

29/10/14

A luta voltou ao muro

Para quem ainda não conseguiu ler o último número da revista Análise Social:

A escrita no muro  de forma não autorizada, vulgo graffito, é uma prática antiga. Há exemplos da sua existência que remontam  à antigui- dade clássica, na Roma antiga ou em Pompeia. Comum a estas formas de expressão de índole vernacular é a recorrente veia satírica e contestatária das mensagens. A afronta ao poder e aos bons costumes tem encontrado no muro e nas formas anónimas de comunicação um reduto altamente criativo. Especialmente relevantes são os graffiti executados no espaço público, disponíveis para uma incomensurável plateia. A falta de identificação de um destinatário particular torna esta forma de comunicação ainda mais curiosa, assemelhando-se às estratégias comunicativas da pro- paganda política e da publicidade. Ao invés destas, o graffiti é executado pelo cidadão comum, geralmente na obscuridade.

Na nossa história  mais recente alguns exemplos históricos  merecem destaque, pela forma como foram marcando os nossos imaginários. Aquilo que atualmente  encontramos  impresso nas nossas cidades não pode ser apartado dessa linhagem histórica. Joan Gari, académico catalão que escreveu uma excelente obra sobre a semiologia do graffiti contemporâneo, identifica basicamente duas tradições: a europeia e a norte-americana. A europeia teria por característica principal a escrita, em forma de máxima, de natureza poética, filosófica ou política. Exemplo máximo dessa tradição seria o tipo de graffiti que emergiu durante o Maio de 68 francês. Por contraste, a tradição norte-americana está fortemente vinculada à cultura de massas e à sua iconografia pop, sendo marcada por uma expressão eminentemente figurativa e imagética.

As cidades portuguesas, principalmente os grandes centros urbanos, foram invadidas nas últimas décadas pelo graffiti de tradição norte-americana. Composto por tags, throw-ups e murais figurativos de grandes dimensões, esta é uma manifestação visual que faz hoje parte da nossa paisagem. A globalização deste formato de graffiti significa que, disperso pelo planeta, encontramos  uma  linguagem comum, com mecanismos de produção e avaliação estética idênticos. A hegemonia desta expressão mural não nos deve fazer esquecer aquela que é a manifestação mural mais marcante da nossa história recente: o mural pós-revolucionário. O período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 foi marcado por uma profusão de propaganda política que recorria ao muro como principal suporte. A iconografia de então, em que se destacavam Marx, Lenine ou Mao, acompanhados por representações colectivas do povo, do operariado ou campesinato, cedeu paulatinamente  o lugar aos politicamente inconsequentes tags.

Porém, nos últimos anos parece ter despontado nas paredes uma nova vontade de comunicação política. A grave crise económica e social que eclodiu em função das fortes medidas de austeridade impostas pela coligação de governo psd-cds, parece ter mobilizado os cidadãos para atuarem politicamente à margem dos mecanismos convencionais de expressão da vontade política. As grandes manifestações que se realizaram nos últimos anos, organizadas por associações e coletivos não-partidários são um bom exemplo disso. As paredes parecem, também elas, servir cada vez mais para expressar não apenas uma revolta difusa, mas para acicatar o poder político, satirizar a classe partidária e afrontar o status quo. Através de palavras, de slogans, de murais pintados a aerossol ou através da técnica do stencil, vários são os exemplos destas manifestações que pude recolher nas ruas de Lisboa. As imagens fotográficas que aqui se reproduzem visam, precisamente, retratar esta dinâmica de manifestação popular.

Ricardo Campos
Cemri-Universidade Aberta 

Ver ensaio visual aqui


27/10/14

Encruzilhadas de PODEMOS (4): o triunfo do "pablismo"

Não é necessária uma clarividência invulgar nem grande erudição teórica, mas basta pensar um momento no assunto, ou examinar serenamente a questão com olhos de ver, para se alcançar que, através de uma organização hierarquicamente centralizada, coroada por um chefe carismático, assistido por responsáveis em grande medida coptados, se poderá eventualmente derrubar um governo ou mudar de constituição, mas que o regime e as relações de poder resultantes serão tudo menos realmente democráticos, pelo menos, se não nos limitando a uma concepção representativa da democracia, considerarmos que a democracia "real" só pode instaurar-se através da generalização da participação no exercício do poder e no governo dos diversos aspectos colectivos da vida social do conjunto dos cidadãos.

É por isso que, tendo presente, por um lado, o carácter antidemocrático — que procurei documentar aqui, aqui, aqui e aqui — das medidas organizativas do "pablismo" e do regime interno que se destinam a instaurar e blindar no interior do PODEMOS, e, por outro lado, o facto de que o mesmo "pablismo" obteve na asamblea ciudadana o apoio de mais de 80 por cento dos votos, que lhe concderam "plenos poderes", resta concluir que, até mais ver, é apostar numa impossibilidade lógica e material que o novo partido possa agir de outro modo que não seja como um obstáculo à democratização e à emergência das formas de organização alternativas sem as quais essa demcratização não poderá avançar. Parafraseando um célebre aforismo de Marx, que afirmava que a liberdade do Estado é inversamente proporcional à dos cidadãos,  é caso para dizermos que o poder que o PODEMOS possa exercer só poderá ser inversamente proporcional ao da democracia.

O "coeficiente familiar" no IRS

Uma novidade neste orçamento de Estado, bastante propagandeada pelos apologistas do governo, é o "apoio à família" atravéz do "coeficiente familiar": isto é, agora, para efeitos de determinação de taxa, o rendimento de um casal com um filho é dividido por 2,3 em vez de por 2.

Mas não é de agora que as famílias com filhos dependentes têm beneficios no IRS - há muito que, por cada dependente, se deduz não sei quanto à coleta final. Haverá uma grande diferença entre os dois sistemas?

Na verdade há - no sistema de deduções à coleta, cada filho a cargo significa um abatimento fixo no IRS a pagar no fim do ano, independentemente do valor dos rendimentos (com o limite de que nunca se pode receber mais do que se pagou). Já o sistema do coeficiente familiar (em que um filho adicional reduz o rendimento base para a determinação da taxa de IRS) leva, não a uma redução em valor absoluto do IRS a pagar, mas a uma redução da taxa a pagar, o que quer dizer que redução no IRS tende a ser maior quanto maior o rendimento.

Ou seja, a implementação do coeficiente famíliar como política de "apoio à família", em vez de simplesmente aumentar o valor das deduções à coleta por dependente, representa sobretudo o apoio a um tipo especifíco de "família numerosa": aquela que vive numa casa apalaçada e que tem quase tantos apelidos como filhos.

23/10/14

"Verão árabe" na Tunísia?

Os resultados da "primavera árabe" de 2011 parecem desanimadores - a Síria, Iemén e Líbia em guerra civil, e o Egito com uma ditadura militar talvez ainda mais repressiva que o regime de Mubarak.

Mas e o país que deu início a tudo, a Tunísia? Comparada com os vizinhos, parece estar num caminho não muito mau - no próximo domingo irá haver novas eleições; não encontro referências a sondagens recentes (tirando esta, que demonstra um descontentamente com a democracia, mas não faz perguntas sobre intenções de voto), mas as que há (de julho) apontam para a coligação Nida Tounes (em termos europeus poderá ser classificada como "direita secular") ficar em primeiro, o Ennahdha (islamita) - os vencedores das anteriores eleições - em segundo e a Frente Popular (esquerda radical) em terceiro. A grande novidade aqui é mesmo, se estes resultados se confirmarem, talvez a primeira vez em que primeiro um partido islamita ganha umas eleições democráticas para as perder nas eleições seguintes, sem um golpe militar pelo meio. Provavelmente o facto de nas eleições anteriores os islamitas não terem tido maioria (e terem precisado de se coligar com dois partidos seculares) também ajudou - se não fosse isso, talvez a polarização entre o campo islamita e o secular tivesse sido maior, e talvez a crise que ocorreu com o assassínio de dois dirigentes da Frente Popular por terroristas salafitas (e que levou à demissão do primeiro-ministro islamita e à criação de uma espécie de governo de independentes) tivesse dado origem a um golpe de estado, como no Egito.

Uma explicação para o relativo sucesso tunisino poderá estar em, supostamente, ser um país mais secular do que a maior parte dos países árabes; mas creio que também poderemos contar mais dois factor: o sistema eleitoral, proporcional e ainda por cima creio que pelo método de Hare-Niemeyer, mais favorável às minorias do que o de Hondt (se as primeiras eleições tunisinas tivessem sido pelo sistema maioritário - como no Egito - ou mesmo pelo método de Hondt, os islamitas teriam obtido uma maioria esmagadora no parlamento); e a força dos sindicatos (ao contrário de países em que as únicas forças sociais relevantes são o exército e a religião).

Atenção que, embora eu refira que foi vantajoso para a manutenção até agora da democracia tunisina os islamitas não terem maioria no parlamento, não estou a dizer que o perigo viesse necessariamente de uma maioria islamita tentar acabar com a democracia - poderia também vir, como no Egito e, muitas vezes no século passado, na Turquia, das forças seculares, com medo dos islamitas, acabarem elas com a democracia.

Uma nota final - este meu post pode parecer muito "reformista": um "bom sinal" a consolidação de uma pura democracia representativa "burguesa", e em que ainda por cima a bipolarização é entre dois partidos de direita (um secular e cosmopolita e outro mais religioso e tradicionalista - na Europa, o mais parecido com isso seriam os partidos na Irlanda e na Polónia), com uma esquerda residual (bem, ao menos a FP é capaz de ter mais votos que o BE em Portugal)? Mas comparado com o que aconteceu nos outros países árabes, se calhar é o melhor que se pode esperar...

[Vamos lá ver, se para estragar o meu post, se na segunda-feira não se põem aos tiros uns com os outros]

ATUALIZAÇÃO (16:46) - afinal começaram já hoje

22/10/14

Declaração de interesses

Para a próxima Convenção do Bloco de Esquerda sou apoiante da moção E (Pedro Filipe Soares); eu em principio não irei escrever posts no blogue relacionados com as eleições internas do Bloco, mas se por acaso escrever algum, ficam já informados de qual a minha posição.

21/10/14

Encruzilhadas de PODEMOS (3)


El equipo de Pablo Iglesias ha optado por seguir la línea que han defendido este fin de semana, apostando por presentar una propuesta integral, que deberá ser votada en bloque. Dicho de otro modo, quien decida apoyar el proyecto del líder de Podemos tendrá que votar sus modelos político, ético y organizativo juntos; o los tres, o ninguno.
Esto implica también que quienes voten un documento ético, político u organizativo de cualquier equipo, no podrán apoyar el del grupo de Iglesias, Claro que Podemos.


Se não há maneira ou via de credibilizar e provar um processo de transformação radical, ou de democratização efectiva das relações de poder que reproduzem a economia política governante e o seu Estado, substituindo-as pelo autogoverno dos cidadãos organizados, que não passe, e não tenha de começar, por actualizar nas formas de luta, acção e organização a participação e a direcção igualitárias que se propõe como objectivo generalizar — então, as soluções organizativas e o regime interno (monolitismo, concentração das decisões, secundarização das assembleias nos intervalos entre congressos, exaltação da figura do secretário-geral, etc., etc.) que Pablo Iglesias, Monedero e outros estão a procurar impor ao PODEMOS são por si só um obstáculo mais do que suficiente, a não ser destruído, à participação governante dos cidadãos cuja defesa e desenvolvimento o PODEMOS afirma ser o seu propósito último. Vêem e fazem mal os que, dentro e fora do PODEMOS, por "eleitoralismo" ou outras ilusões tácticas, subestimam o alcance da "eficácia" antidemocrática do "pablismo" — e pior ainda vêem e fazem os que a toleram ou secundam como necessidade transitória de meios ao serviço de fins ou tarefas históricas superiores. Caminante, no hay camino, se hace camino al andar.


Em defesa do Secretário de Estado do Ensino Básico

Corre por aí que o motivo da demissão do Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário terá sido devido a uma acusação de plágio. Se fosse esse o caso, acho que seria uma demissão profundamente injusta, na medida em que plagiar até me parece estar de acordo com a linha pedagógica preconizada pelo ministro.

Para explicar melhor o que quero dizer, convém desfazer o que penso ser em parte um equívoco acerca de Nuno Crato: é frequente dizer-se que ele ficou famoso combatendo o "facilitismo" na educação. Confesso que não li os livros dele; mas lia quase sempre os artigos dele no Expresso, e não me parece que ele ocupasse muito tempo a falar do "facilitismo". O que ele criticava sobretudo (e que designava por "eduquês") era o "construtivismo", a teoria de que os alunos aprendem melhor se descobrirem por eles próprios do que se forem explicitamente instruídos (nomeadamente em matemática a pedagogia construtivista que o ensino deve basear-se mais em apresentar problemas para os alunos descobrirem a solução do que em ensinar explicitamente como resolver os exercícios).

Em oposição a essa teoria, Nuno Crato frequentemente vinha com argumentos como "se estiverem à procura de um sitio numa cidade que não conheçam, é melhor perguntar o caminho do que andarem às voltas" ou citava estudos demonstrando que grupos de trabalho em que os membros recebem instruções para copiar os métodos melhor sucedidos funcionam sempre melhor de que grupos em que os membros recebem instruções para serem "originais"; outro aspeto importante da sua argumentação é que as questões para os alunos resolverem devem ser puramente matemáticas em vez de "problemas" (isto é, nos testes deveria-se perguntar "resolva a equação: 120*X = 300 -90*X" em vez de "Lisboa de Portimão estão a 300 kms de distância; na mesma altura, um carro parte de Lisboa para Portimão a 90 km/h e outro parte de Portimão para Lisboa a 120 km/h; quanto demoram até se cruzarem?").

A mim, até nem me parece haver grande ligação entre "construtivismo" e "facilitismo"; para falar a verdade, e pegando na minha experiência de 16 anos de aluno e alguns meses como professor, até suspeito que a maior parte dos alunos acharão a "pedagogia construtivista" MAIS DIFÍCIL do que a "tradicional" (suspeito que muita da fama de "inimigo do facilitismo" de Nuno Crato deriva de na imaginação popular "pedagogia tradicional = exigência; novas pedagogias = bandalheira", logo se alguém faz nome a defender a pedagogia tradicional contra modernices é automaticamente visto como um defensor do "rigor" contra o "facilitismo").

Bem, e o que tem isso a ver com o Secretário de Estado? É que, de certa forma, um plágio mais não é do que levar o anti-construtivismo às últimas consequências (em vez das ideias construtivistas e românticas de que um texto deve ser o produto das reflexões e ideias pessoais do autor).

20/10/14

Encruzilhadas de PODEMOS (2)

Sob o título de "El Pablismo" (de Pablo Iglesias), Juan Carlos Escudier aproxima os papéis políticos de Felipe González e de Pablo Iglesias, alertando para a eventualidade de uma repetição da integração do PSOE por parte de PODEMOS. A tese é que, não havendo embora desfecho predeterminado para a trajectória de PODEMOS, a perspectiva de triunfo do "pablismo" acabe por equivaler a uma via tão antidemocrática como aquela a que o "felipismo" (de Felipe González) iniciou e que as sucessivas direcções do PSOE procuraram, com inegável êxito, aprofundar. Aqui fica o link para a tribuna de Escudier e um breve excerto da sua argumentação:

Lo peor de la amenaza de Iglesias no es tanto que [no caso de o seu documento-guia não ser adoptado] él se aparte para dejar paso a los vencedores, sino su premonición de que una dirección colegiada hará imposible el triunfo electoral. Es un todo o nada. El mensaje a las bases es realmente envenenado: sólo yo puedo conduciros a la victoria, sólo yo puedo ganar a Rajoy y a Sánchez, y si me apoyáis no me pongáis obstáculos y que sean los perdedores quienes se echen a un lado porque si no dejarán de ser la “gente honesta” que aparentan.
La votación se ha convertido de esta manera en un plebiscito sobre el liderazgo de Pablo Iglesias. A Felipe González le salió bien la jugada pero ni el mus es una ciencia exacta ni la historia, por muy circular que sea, ha de repetirse necesariamente.

19/10/14

Encruzilhadas de PODEMOS


La asamblea de Podemos ha aprobado hoy cinco resoluciones que constituyen un esbozo de programa electoral. Cinco textos sobre economía, educación, sanidad, corrupción y vivienda entre los que se encuentra una propuesta de auditoría y reestructuración ordenada de la deuda que suaviza la idea inicial de la formación.
Esta resolución, que sentaría las bases de un proyecto macroeconómico, ahonda en los argumentos de la reestructuración en lugar de un impago a secas de las partes consideradas “ilegítimas” como figuraba en el programa electoral de los comicios europeos del 25 de mayo. “El objetivo no es no pagar la deuda”, subraya el documento defendido por la economista Bibiana Medialdea, de la misma manera en la que ya lo ha señalado en alguna ocasión el propio Pablo Iglesias en las últimas semanas. La idea del impago parcial se mantiene, aunque de forma difusa, puesto que el verdadero objetivo consiste ahora en reordenar la deuda para recuperar un nivel de endeudamiento más sostenible.
“Podemos intentar promover en Europa y, especialmente, en el marco de los países periféricos, un proceso de reestructuración ordenada de deuda”, se lee en una de las cinco resoluciones, votadas, en su conjunto, por casi 40.000 simpatizantes y avaladas por el congreso abierto de Podemos.
(…)
“El objetivo no es no pagar la deuda”, concluye la resolución para fijarse la meta de “recuperar un nivel de endeudamiento y una senda de sostenibilidad de la misma que posibilite la recuperación de los niveles de bienestar de la población”.


Se, em termos de propostas organizativas e concepção do "movimento", as diferenças que opõem, em PODEMOS, Iglesias e Monedero ("tres secretarios generales no ganan las elecciones a Pedro Sánchez y Mariano Rajoy, y uno sí"  a Echenique e Teresa Rodríguez ("unas elecciones no las gana un secretario general, ni tres, ni cien: las gana la gente"), fazem temer o pior,  a verdade é que o destino e a definição de PODEMOS estão longe de estar decididos, e é, apesar de tudo, uma notícia significativa que uma das resoluções que a assembleia da organização adoptou em vista da elaboração de um programa eleitoral substitua ao anti-europeísmo sumário e, digamos assim, soberanista (anti-europeísmo "bolivariano" e afim do que entre nós propsera na área de influência do PCP) que, até às últimas semanas, pareciam uma sua tara congénita, uma posição sobre a questão europeia e a UE mais próxima da do Syriza. A ver vamos…

17/10/14

Miguel Sousa Tavares e os árabes

A respeito disto, confesso que logo na altura estive para fazer um post com clips musicais de Paul Anka e da Shakira, excertos de filmes com Omar Sharif, e capas de livros de Ralph Nader e de Nassim Taleb (depois desisti da ideia porque, pelo contexto, MST estava a falar de países árabes, não de árabes vivendo - e muitos nascidos - no Ocidente).

Por outro lado, se calhar quase todos os destacados artistas, cientistas e intelectuais a nível mundial vivem no Ocidente, mesmo que sejam de origem chinesa, indiana ou árabe.

[O Steve Jobs acho que não contará, já que a sua origem árabe - pelo lado paterno - é puramente biológica, tendo sido adoptado e criado por uma típica família americana "anglo-saxónica"]

15/10/14

14/10/14

Re: Portugal tem impostos a mais?

No Blasfémias, João Miranda discorre sobre se Portugal tem ou não impostos a mais; a dada altura escreve:

Portugal tem impostos a mais para a maioria da população?

Não. A maioria da população não paga IRS.

Porque é que, neste género de discussões, se costuma ir sempre buscar o IRS? Afinal, o principal imposto (em termos de receitas) é o IVA, logo qual é a grande relevância do IRS para avaliar se a maior parte das pessoas paga muitos ou poucos impostos?

13/10/14

Uma história de violência


Trata-se de uma história subterrânea, arredada para as notas de rodapé e feita por protagonistas anónimos, que nos fala de tempos e lugares diferentes, ligados por um fio vermelho que vai dos operários conserveiros de Setúbal em 1911 aos trabalhadores rurais alentejanos em 1962, dos trabalhadores da TAP reprimidos pelo COPCON em 1974 aos manifestantes que enfrentaram a polícia nas ruas do Porto em 1982. Feita de problemas, acontecimentos, sujeitos e representações que desafiam uma imagem pacificada do passado e nos confrontam com outro século XX português, ela desloca o seu olhar das peripécias dos governantes para as experiências e motivações dos governados, destacando as situações em que a violência foi evidente e em que a sua natureza de acontecimento histórico se apresentou incontornável e decisiva. Torna-se então possível pensar o funcionamento quotidiano de normas, comportamentos e relações sociais à luz dos procedimentos disciplinares e dos dispositivos de controlo que têm o aparelho repressivo do Estado como derradeiro suporte, questionando termos como «autoridade», «legitimidade», «proporcionalidade» ou «operacionalidade». Pensar a repressão não apenas (ou não tanto) naquilo que ela tem de excepcional e de excessivo – no sangue que faz correr, na dor que provoca, no encarceramento, deportação ou morte em que redunda –, mas antes na sua prática institucionalizada, na sua natureza de monopólio legítimo da violência, nos efeitos que produz ao nível dos comportamentos, na distinção que estabelece entre o que é permitido e o que é interdito, implica deslocá-la da margem para o centro e fazer dela um ângulo de observação privilegiado. A história dos subalternos é uma história de violência.

Está disponível no Passa Palavra o artigo que escrevi para o número 3 da Imprópria, revista da Unipop

12/10/14

Esperança e Desespero toma Curdos enquanto Kobane resiste


Com jatos de combate sobrevoando e ferozes embates eclodindo entre a polícia turca e manifestantes curdos, Joris Leverink traz informações do Curdistão.
O editor da ROAR, Joris Leverink, está no Curdistão do Norte na fronteira entre Turquia e Síria para noticiar sobre a batalha de Kobanê e a luta curda pela autonomia democrática. Esta é a primeira de uma série de relatos em primeira mão que serão publicados ao longo dos próximos dias.

por Joris Leverink, em 10 de Outubro de 2014

Depois de alguns dias no Curdistão do Norte, tendo falado com várias pessoas e visto e ouvido mais do que minha cabeça é capaz de razoavelmente processar, chegou a a hora de compartilhar algumas observações e experiências. Dois dias atrás, na terça-feira, 7 de Outubro, curdos por toda a Turquia, mas especialmente na região sudoeste do país, tomaram as ruas em protesto contra o papel da Turquia no massacre que ronda Kobanê. A proporção e intensidade dos protestes são sem precedentes (ao menos desde da violência nos anos 90), assim como a reação do Estado. A opinião compartilhada pela maioria das pessoas que encontrei nos últimos dias é de que esse é o começo de um novo levante curdo.
Antes de qualquer coisa, o que precisa ser deixado absolutamente claro é que os curdos não estão protestando em exigência de uma intervenção militar da Turquia, como foi apresentado em diversos centros de mídia convencionais. Ao contrário, os manifestantes — tanto curdos quanto simpatizantes — exigem o fim do apoio velado da Turquia ao ISIS, e que a fronteira em Kobanê seja aberta para deixar os refugiados saírem e a ajuda humanitária e as armas entrarem.  Todas as pessoas com quem falei em Diyarbakir, Urfa, Suruç e nos vilarejos na fronteira concordam em uma coisa: o ISIS não poderia ter crescido o tanto que cresceu e conquistado o tanto que conquistou de Rojava se não fosse o apoio material, financeiro e logístico recebido pelos extremistas pelo Estado Turco.
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Cabo Verdeanos agredidos pela PSP na Reboleira


Quatro cidadãos de Cabo Verde foram - na noite de nove para dez de Outubro - detidos na zona da Reboleira, quando se preparavam para festejar o aniversário de um deles e enquanto se reunia o grupo de amigos com quem haviam combinado encontro para a comemoração.
O carro patrulha não gostou da expressão de contentamento do grupo, parece, e interveio, tendo atirado ao chão o aniversariante – um agente da polícia de Cabo-Verde, curiosamente -  emporcalhando-lhe o vestuário, pondo-lhe um pé sobre o pescoço, lesionando-lhe o ombro, porque este, tendo chegado ao local onde a policia portuguesa interpelava os amigos – um dos quais português e branco, que por isso não foi detido – perguntou o que estava a acontecer.
O auto de notícia diz que os polícias haviam sido chamados por causa do barulho que o pequeno grupo estaria a fazer – sendo certo que passava das dez da noite – mas convirá confirmar se de tal queixa existe registo, porque o grupo não estava a fazer barulho e, se o estivesse, teria talvez bastado dizer que o não fizessem, ou que saíssem dali.
Levados para a esquadra foram separados e, pouco depois, levados até para esquadras diferentes (Carnaxide, Alfragide e Queluz) foram agredidos selvaticamente durante o período de detenção. O polícia Cabo-verdeano foi chamado polícia de merda, um electricista foi forçado a urinar nas calças por impedimento de ir à casa de banho com torção dos braços atrás das costas de forma a obrigá-lo a dobrar-se, tendo também sido esbofeteado no ouvido em que  - como prevenira - sofria de surdez crónica e esbofeteado por modo a que a pressão do ar no ouvido o deixasse, como deixou, perto do desmaio. Foi também pontapeado no joelho, como de resto ocorreu igualmente ao detido levado para Queluz. E tratavam-no como cão, chamando-lhe “boby”.
Durante toda a noite foram mantidos sem a possibilidade de qualquer telefonema – embora no auto de notícia os polícias tenham escrito que lhes facultaram o uso de telefone, mas que todos recusaram -  e só de manhã com a apresentação em Tribunal, pelas dez horas da manhã, foram desalgemados e puderam telefonar, o que fizeram imediatamente, pedindo assistência por advogado que prontamente acorreu às instalações judiais de Alfragide.
Um dos detidos – pai de três filhos - estava de tal modo perturbado pelo que sofrera que chorou de indignação durante o seu depoimento perante a técnica de justiça.
Se a tremenda cena é chocante, a inscrição em auto de pretensa notícia de eventos que simplesmente se não produziram, como modo de legitimar um exercício de puro sadismo racista, torna-se incompatível com qualquer confiança pública nas instituições. De notar, aliás que se fez constar em auto que os detidos tinham estado indiciados por práticas delituais anteriores, o que, tanto quanto se conseguiu apurar, é completamente falso pelo menos relativamente ao electricista e ao polícia cabo-verdeano (ignorando-se se quanto aos outros dois há algum registo criminal activo, ou se haverá apenas aqueles registos policiais em regra completamente abusivos).
Esta conduta – excessivamente frequente dos homens da PSP quanto a cidadãos africanos, ou de origem africana  - é incompatível com a dignidade do Estado, com os Direitos dos Cidadãos, com as boas relações da comunidade portuguesa com os países africanos de expressão oficial portuguesa e, evidentemente, é incompatível com a sensibilidade do homem médio.
O sadismo não é uma expressão de normalidade e de saúde mental, como é bem sabido.  
E não deixa de ser igualmente sabido que a Dignidade do Homem é intangível, ou, nos termos da Constituição Portuguesa, que a integridade moral e física dos cidadãos é inviolável.
Uma das consequências desta situação é o conhecimento que circula, que valeria a pena procurar recolher e verificar da factualidade casuística que lhe possa ser correspondente, de que a determinação de algumas das vítimas de actos deste tipo em reclamar justiça junto de tribunais significa imediatamente ou após o veredicto que confirma o mau comportamento policiais, a repetição, eventualmente mais drástica, de violência policial contra as vítimas. Obrigando estas a disporem-se a entrar numa guerra de guerrilha com polícias desconhecidos mas brutais, que podem aparecer em qualquer altura das suas vidas, sem aviso.

SOS Prisões

11/10/14

Uma questão (im)pertinente que o Passa Palavra levanta…

… é a que, publicada sob o título "A Esquerda Nacionalista ao Espelho", aqui reproduzo na íntegra:

«Numa definição rápida», escreveu Oswald Mosley, «o Capitalismo é o sistema pelo qual o capital usa a Nação para os seus próprios fins. O Fascismo é o sistema pelo qual a Nação usa o capital para os seus próprios fins. A empresa privada é autorizada e encorajada desde que coincida com o interesse nacional. A empresa privada não é autorizada quando entra em conflito com o interesse nacional». Não será que estas palavras do principal dirigente fascista britânico nos meados da década de 1930 (em Fascism. 100 Questions Asked and Answered, Londres: British Union of Fascists, 1936; disponível aqui) reflectem como um espelho o programa adoptado hoje pela maior parte da esquerda, tanto na rua como nos gabinetes?

Erbakan e a batalha de Kobane

Isis in Kobani: Turkey ignores Kurdish fury as militants close in on capturing the town, por Patrick Cockburn (The Independent):
If Kobani falls to the fighters of Isis there will be a surge of violence across Turkey. The 15 million Turkish Kurds will blame the Turkish government for enabling Isis to capture the Kurdish enclave by denying its defenders reinforcements, weapons and ammunition. (...)

All this week there have been protests and riots in every Turkish city where there are a significant number of Kurds. Twenty-two people have been killed in the fiercest street clashes that Turkey has seen for years.
Smoke rises from bonfires in the streets with the police generally relying on pepper spray and water cannon while angry Kurds hurl stones and Molotov cocktails.

The month-long siege of Kobani has become part of the Kurdish national legend like the killing of 5,000 Kurds with poison gas at Halabja by Saddam Hussein in 1988.


Six provinces in south-east Turkey have been placed under curfew. There are signs of an anti-Kurdish and pro-Islamist backlash with Turkish police shouting Isis slogans as they charge Kurdish demonstrators. Antagonisms have spread beyond Turkey into Europe with a pro-Isis crowd in Hamburg attacking Kurdish protesters with knives.

The Turkish general staff stirred nationalist passions by claiming that Kurds have burnt Turkish flags. President Recep Tayyip Erdogan said openly that Isis and the Kurdistan Workers’ Party (PKK), the Kurdish movement that has fought for Kurdish self-rule since 1984, are much the same. He said: “It is wrong to deal with them differently, we need to deal with them jointly.”

The Turkish authorities have been as good as his word. The US is launching air strikes to save the Syrian Kurdish militants holding Kobani from Isis attack, but when five of these crossed the border into Turkey they were seized by the Turkish army which described them as “separatist terrorists”. (...)

Writing in al-Monitor Amberin Zaman says that the reason why the authorities are so unconcerned is because “Erdogan and his AKP disciples view Kobani as an opportunity rather than a threat”. This opportunity is not to win popularity among the Kurds by rescuing Kobani, but to exploit a moment of maximum Kurdish weakness when they are under threat from Isis.

When Salih Muslim, a leader of the PYD, met Turkish officials in Ankara last week he reportedly asked for Turkey to allow anti-tank weapons to be delivered to Kobani to stop the tanks captured by Isis from the Iraqi and Syrian armies. The Turks said they would only allow this if the PYD denounced President Bashar al-Assad, joined the anti-Assad rebels, dissolved their local administrations running the Syrian Kurdish cantons and gave power to other Kurdish parties.

A Syrian Kurdish observer said that “they were also asked to break their connection with the PKK which is impossible because they are a branch of the PKK. The Turks must have known they would be turned down.” Turkey’s priority is evidently to abolish the Syrian Kurd statelet as a bad example of self-determination which might strengthen the Kurds in Turkey.

08/10/14

Jacques Rancière: sobre algumas falácias que "o ódio à democracia" inspira

Eu não diria, como Jacques Rancière, que a democracia não é (não pode ser) uma forma de governo, nem sugeriria que o seu lugar é intrínseca e exclusivamente exterior às instituições, embora me pareça também que não há instituições democráticas definitivas, ou instituições que possam garantir a democracia, dispensando a actividade democráticas instituinte dos cidadãos que, justamente, o movimento da "democracia real", tal como a caracteriza Rancière,  só pode tender a instituir como igualmente governantes. Dito isto — e acautelando que há outros pontos deste texto (que aqui "linko" a partir do Brumas da Joana Lopes), bem como do livro La haine de la démocratie nele citado (e, já agora, no conjunto das teses centrais de Rancière), que mereceriam um debate em profundidade, a que não posso proceder agora —, a entrevista assinalada pela Joana mostra claramente o abismo que separa as "oligarquias liberais" dominantes, como lhes chamava Castoriadis, ou os "Estados de Direito oligárquicos" (Rancière)  que nos governam do exercíco, igualitário e comum por definição, de qualquer poder democrático ou da acção homóloga que o vise nas — e em alternativa às — actuais condições de divisão do trabalho político, sendo que nestas, evidentemente, a divisão política do trabalho e o regime de direcção política de toda a esfera económica ocupam um lugar central.

07/10/14

Trabalho: dignificação ou democratização?

Não é preciso subscrever tudo o que diz Miguel García Duch — nem todos os pressupostos em que parece basear-se — para considerar que vale a pena ler com atenção este seu Trabajo no es dignidad. O texto tem o mérito de se opor frontal e salutarmente ao econimicismo tacanho da "esquerda" liderada por várias camadas intermédias de gestores candidatos a governantes dos outros e a seus protectires privilegiados, cujas propostas, além de autoritárias por natureza (tal é o destino de todo o econimicismo), primam pelo restauracionismo da "economia real", esquivando qualquer alternativa que corresponda à sua efectiva democratização.


La llamada revolución de 1848 acababa de concluir. En el convulso París de mediados del XIX se estaba a las puertas de lograr una de las primeras conquistas obreras generalizadas: la jornada laboral de 12 horas para mujeres, hombres… y niños. Deberíamos esperar algo más, hasta 1919, en el caso español hasta 1936, y al Gobierno de Léon Blum en el caso francés, para que la actual jornada laboral de 8 horas se fuera generalizando a golpe de huelgas sangrientamente reprimidas. Y después, nada.

La lucha por la reducción de la jornada de trabajo abarcó y configuró gran parte de la lucha del movimiento obrero hasta la segunda mitad del siglo XX. Desde la pionera regulación del trabajo infantil lograda por el cartismo inglés, hasta la generalización de la actual jornada de 40 horas semanales. Después, tras el fracaso del 68 y algunos tímidos intentos de implantar la jornada laboral de 35 horas, con la llegada de la ofensiva del mando neoliberal parece haberse hecho algo inamovible la jornada semanal de 40 horas, como modo de integración social. Hoy, en el siglo XXI, ya no “eres lo que comes” como reza el apotegma: hoy eres lo que trabajas.

El trabajo en jornadas de 8 horas es la base material para la sociedad plegada al tiempo, llamada a configurarse en tercios. El día se define así: un tercio para ocio, un tercio para dormir, un tercio para trabajar. Ese es el mantra de las sociedades occidentales.

Un buen empleo garantiza ser alguien en el mundo del anonimato individualizado: no solo proporciona renta con la que poder sobrevivir, también estatus. El desempleo de largo plazo, especialmente en la tradición protestante, es fuente de estigmatización social y culpa: si no trabajas es porque no sirves, eres inútil, o porque no te esfuerzas lo suficiente en encontrarlo, pasando a formar parte del cuerpo social de los vagos. Pobres e inútiles perezosos.

Hasta el otrora ocioso burgués, que encontraba en no trabajar un modo de ostentación, se ha transformado hoy en el hiperactivo financiero que permanentemente conectado se integra compulsivamente en un trabajo que nunca logra abandonar del todo. Pero el capitalismo no entiende de quietud, su lenguaje es el del constante movimiento, la semiótica del desarrollo continuo.

Desde que el capitalismo se imbricó con la forma histórica fabril y su mecanización asociada, está en guerra contra el trabajo asalariado que él mismo hizo nacer. Que las primeras formas sindicales estuvieran asociadas a la quema y destrucción de maquinaria que “robaba el trabajo” no es ningún tipo de casualidad histórica, es la forma más pura y primaria para visibilizar este conflicto inmanente. Cuanto mayores son nuestras capacidades técnicas para liberarnos de la escasez, más superfluo se muestra el pensar que trabajar 8 horas diarias es y será el modo en el que integrarse en la sociedad hasta el fin de los tiempos.

Al concluir el siglo XIX, las horas medias trabajadas en Estados Unidos superaban las 60 semanales, en 1970, a finales de la dorada época fordista, rondaban ya las 40 y hoy están por debajo de las 35. En Europa la tendencia es si cabe más extrema aún: en el año 2013 la jornada laboral media en países como Holanda y Alemania apenas superaba las 25 horas (OECD Employment Outlock); en el caso de este último país, las horas trabajadas totales han disminuido en los últimos 40 años casi una quinta parte y en el caso de la industria manufacturera son menos de la mitad (EUKLEMS).

Entendido así, el fenómeno de los minijobs cobra una nueva dimensión, no solo como intento de precarizar masivamente la fuerza de trabajo, sino como movimiento desesperado para intentar adaptarse a un nuevo marco crecientemente tecnificado y flexible, donde la integración generalizada en largas jornadas de trabajo y empleos fijos durante años tienen un peso relativo cada vez menor.

La dificultad para conseguir el casi olvidado pleno empleo en las condiciones tradicionales no es ningún tipo de castigo divino, más bien al contrario: es consecuencia de haber hecho las cosas maravillosamente bien en términos de desarrollo de la técnica.

«Eu não sou racista, mas...»




Pensar Lisboa -O que menos gosta em Lisboa?
Raquel Varela - Da invasão de turistas, hostels, fast food, mercearias asiáticas, lojas de chineses, do iva e da lei das rendas. Não é racismo, qualquer dia Lisboa tem tudo menos Lisboetas, que são expulsos para os subúrbios.

Espero vir a ter mais vagar para escrever tudo aquilo que penso e que sinto sobre este assunto. Por enquanto, acho que vale a pena relembrar simplesmente o que se escreveu há uns anos quando outra tia reaccionária se lembrou de afirmar coisas semelhantes. Daqui a poucos meses este país tolerante e de brandos costumes terá como primeiro-ministro um cidadão de origem asiática. Certamente que teremos todos e todas muitas razões políticas para o criticar, sem ter a necessidade, como fez há pouco tempo Arménio Carlos relativamente a Selassié, de sublinhar semelhante origem. A julgar pelas piadinhas que por aí alastram, inclusivamente entre pessoas de esquerda, há muitas razões para estar pessimista a esse respeito.

A batalha de Kobane

Pelas noticias, neste momento luta-se rua a rua em Kobane (ou Ayn al-Arab).

Se, como todo indica, o Estado Islâmico derrotar as milicias curdas, teremos simultaneamente uma vitória do obscurantismo religioso e também um reforço objetivo do papel do imperialismo ocidental na zona (já que passarão a ser a única força capaz de fazer frente ao Estado Islâmico).

Pelo contrário, se (infelizmente contra as probabilidades) as "Unidades de Proteção Popular" conseguirem repelir o ataque, teremos uma vitória militar (que não deixará de ter reflexos políticos) de um movimento de esquerda, empenhado na igualdade entre os sexos, na democracia participativa e vagamente autogestionário. Seja qual for o resultado, terá com certeza reflexos importantes na evolução política do Médio Oriente nos próximos anos.

É verdade que podem ser levantadas muitas reservas aos combatentes curdos - desde a sua relação muito ambigua com a ditadura de Assad, até ao paradoxo de um grupo comunista ortodoxo se ter convertido ao "socialismo libertário" porque... o lider (aprisionado) assim o decidiu; mas tal não afeta o essencial - se em todos os conflitos formos procurar por um lado quimicamente puro para tomar partido, ficaremos sempre "em cima do muro".

06/10/14

As greves na China e o espectro da revolução


 
Em 2010, uma vaga de greves de trabalhadores migrantes percorreu as fábricas exportadoras da costa leste da China. Essa luta provocou aumentos salariais generalizados e despoletou um debate à escala global acerca do fim do modelo de trabalho barato. Ao longo dos últimos vinte anos, esse modelo transformou a China na "linha de montagem do planeta". Irá isso alterar-se agora? A agitação urbana e rural colocou o capital chinês e estrangeiro, bem como o Partido Comunista, sob pressão. O regime está a reestruturar o aparelho repressivo e de controlo social para assegurar o seu domínio. Os processos de migração e proletarização alteraram as vidas das pessoas. Abriram novas oportunidade, incluindo para as mulheres. As condições de vida melhoraram, mas os trabalhadores (e os camponeses) na China esperam muito mais. Que formas assumirão as suas lutas? Como é que são organizadas? E poderão elas conduzir a uma transformação fundamental a nível político e social, na China e não só?

Ralf Ruckus é um investigador independente de assuntos laborais e passa a maior parte do seu tempo na Alemanha, Polónia e China. Colabora com o colectivo Gongchao (http://www.gongchao.org/) e traduziu, editou ou escreveu diversos textos acerca da condição e das lutas dos trabalhadores migrantes, questões de género e processos de composição de classe na China, em publicações como Sozialgeschichte-Online, por exemplo. Co-traduziu e editou livros como Beverly Silver: Forces of Labor. Workers' Movements and Globalization since 1870 (2005); Pun Ngai/Li Wanwei: dagongmei. Female Workers From China's World-Market Factories Tell Their Stories (2008); Pun Ngai, Ching Kwan Lee et al.: The Second Generation Takes Off – Migrant Labor, Gender and Class Composition in China (2010); Pun Ngaiet al.:   (2013); e Hai Ren et al.: Strikes in the Pearl River Delta – Workers's Resistance in China's World-Market Factories (2014).


6 de Outubro  18h00
Sala Multiusos 2, piso 4, Edifício I&D, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (Av. de Berna, 26)
Grupo: Poder, ideias e cultura

[O seminário decorrerá em inglês/the working language will be English]

05/10/14

A propósito do Congresso do Livre

A propósito do Congresso do Livre e da chave que Rui Tavares propõe para a uma "esquerda a governar junta", recordo aqui o que o segundo ainda recentemente escreveu, falando da necessidade de superar uma situação em que "metade da esquerda só quer goveernar", enquanto a outra metade "só quer não governar", acrescentando que a solução passa por uma esquerda que "queira saber porquê governar e sobretudo para quê governar".

O "porquê" e o "para quê" estão muito bem, mas o Rui Tavares esqueceu-se do "como".  Como parece ter esquecido, na circunstância, que os grandes objectivos históricos da "esquerda" e da própria democracia requerem igual liberdade para todos, o que significa que requerem igualmente, para todos os cidadãos, igualdade de poder.  Se se tivesse lembrado daquilo que esqueceu, o Rui teria de dizer que o "como" de um governo democrático implica não a eleição de um governo da "esquerda junta" maioritária, mas o exercício pelos cidadãos do poder de governar — ou seja, a sua participação igualitária nas deliberações e decisões dos "porquês" e "para quês" comuns, enquanto condição da igual liberdade de todos.

02/10/14

A tragédia e a farsa




Quando leio este artigo do Daniel Oliveira não deixo de me recordar da sua autoria, em conjunto com Jorge Costa, deste documentário. Batizado «Nasceu uma Estrela», o filme descreve o surgimento e crescimento do Bloco de Esquerda. Mais do que isso, descreve uma forma de se fazer política, com todas as suas inovações e com todos os seus conservadorismos, próprios de uma máquina. Mas sim, é verdade, Daniel Oliveira saiu do Bloco e, quiçá, poderá vir a ingressar noutro partido político. Porém, esta coisa da entrada e saída dos partidos funciona um pouco como o título do dito texto: primeiro em tragédia, depois em farsa.

01/10/14

Que a terra lhe seja pesada

 
Morreu mais um membro da extensa galeria de notáveis combatentes pela liberdade patrocinados pelos serviços secretos de Franco, um desses heróicos filhos da pátria responsáveis por ataques bombistas, pilhagens e linchamento de comunistas. Escusado será interrogarmo-nos onde estava ele no dia 25 de Abril, uma vez que estava abertamente do lado dos poucos e derradeiros fascistas empenhados na defesa do seu regime. Alpoim Calvão ficou também conhecido por ter concebido uma operação militar contra a Guiné Conakri, unanimemente condenada pela ONU e que contribuiu para o derradeiro isolamento político do Estado Novo no início da década de 1970. Mário Tomé escreveu aqui quanto baste sobre o sinistro operacional de Spínola. Mas não há como ir à entrevista que em tempos lhe fez Maria João Avillez para dar conta da sobriedade com que um canalha fala de si próprio.
- Disse à pouco que o MDLP se desmembrou a partir de Novembro. Mas, até lá, que participação vossa houve no 25 de Novembro?
– Aliámos o povo do Norte, já que a rapaziada do Alentejo andava na euforia da Reforma Agrária.
- Quem é o povo do Norte?
– É toda a gente, desde a Igreja a milhares de pessoas…
- O Cónego de Melo, de Braga?
– Sim, o Cónego Melo foi uma pedra-chave em toda esta movimentação.
- Quem incendiou as sedes do PC no Norte?
– Havia já algumas movimentações no terreno. Por exemplo, havia um pirata chamado Paradela de Abreu, mas que era um pirata útil. E a ligação do seu movimento – Maria da Fonte – connosco era feita pelo engenheiro Jorge Jardim, por quem eu tinha consideração e admiração. [...] Gerou-se assim uma vaga de fundo em que uns entravam pelo rés-do-chão e outros saíam a voar pelo primeiro andar. [...]
- Que aconteceu ao MDLP depois disso [25 de Novembro]?
Fomos fechando a loja devagarinho… mas continuando a falar uns com os outros. Simplesmente havia sectores mais radicais do MDLP a murmurar que «afinal ficava tudo na mesma. Que alguns deles continuavam com mandatos de captura», etc. O resultado foi que alguns destes elementos entraram numa espécie de autogestão difícil de travar… Apareceram aí umas bombas que ninguém mandou pôr…
- Já depois do 25 de Novembro?
– Sim. Antes disso podem dizer que fui eu quem as mandou pôr, a todas, que eu não desminto.

  Do Fundo da Revolução, Edições Público, Lisboa, 1994



Re: o PODEMOS

Acerca do artigo anterior do Miguel Serras Pereira, tendo que dizer que a minha percepção do entusiasmo com o PODEMOS é muito diferente (admito que o facto de eu viver muito longe dos principais centros de debate político em Portugal possa turvar a minha visão, sobretudo acerca de assuntos que não fazem as primeiras páginas dos jornais).

Em primeiro lugar, nem me parece que o entusiasmo com o PODEMOS seja algo específico da esquerda nacionalista: esse entusiasmo parece-me vir muito mais da esquerda que já não sabe se é pró- ou anti-europeísta (isto é, Bloco de Esquerda e grupos próximos) do que da esquerda assumidamente "patriótica" e pró-saída da UE (PCP, MRPPP, etc.).

E em segundo lugar, independentemente de qual seja a verdadeira forma de organização do PODEMOS, a minha percepção da percepção (ok, isto - "a percepção da percepção" - é capaz de já ser um bocado "meta") dominante sobre o PODEMOS é que os seus entusiastas (e também alguns dos seus críticos) vêem-no como uma democracia direta radical, não como uma "vanguarda ultra-centralizada" (note-se que eu não estou a dizer que o PODEMOS seja uma democracia direta radical e não uma vanguarda ultra-centralizada - nem é assunto que tenha estudado a fundo - apenas que é essa a percepção dos seus fãs portugueses). Diga-se, aliás, que o artigo do Adolfo Piñedo me levanta algumas reservas, já que em larga medida me parece uma n-ésima revisitação do clássico argumento contra a democracia direta ("sem representação as decisões são tomadas no calor do momento, sendo os decisores facimente manipulados pelos cabecilhas").

Ainda a respeito do entusiasmo pelo PODEMOS, creio que também se deve a ser talvez a primeira junção entre dois polos de descontentamento social que se têm manifestado na Europa na última década:

a) por um lado, temos os novos partidos de esquerda radical (em pelo menos dois subtipos: partidos criados pela fusão de várias organizações de "extrema-esquerda", como o BE português, o Partido Socialista Escocês, A Esquerda luxemburguesa, a Aliança Vermelha-Verde dinamarquesa ou o SYRIZA grego; ou cisões da ala esquerda de partidos ligados à Internacional Socialista, como o Partido da Esquerda francês ou o WASG alemão - este último entretanto fundido com os ex-comunistas do Leste)

b) por outro lado, partidos anti-classe política, com raízes em movimentos de protesto "espontâneos" e frequentemente entusiasmados com ideias estilo "democracia eletrônica" - entre estes podemos contar o Amanhecer islandês, o nado-morto Partido X em Espanha, o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo, ou até certo ponto os vários "partidos piratas"; a maior parte desses partidos acabaram por enveredar numa linha política completamente errática, por vezes até com inclinações reacionárias

Bem ou mal, o PODEMOS conseguiu criar a ideia de ser a sintese entre essas duas "oposições", combinando um claro programa de esquerda com uma atitude pró-democracia direta.