27/02/12

Estamos feitos gregos. E o que vai ser ?… A ementa do costume ?



Dizia o Marcel Duchamp, que se não há solução é porque não há problema! Inversamente, se há problema haverá necessariamente soluções. Soluções que preservam a raiz do problema e soluções que ultrapassam o problema. Assim é também na vida das sociedades. Tudo isto para falar da Grécia, onde se joga hoje a sorte de todos nós. O que os capitalistas nacionais e multinacionais conseguirem impor aos trabalhadores gregos, será a receita a aplicar noutros lugares. Quanto maior for a resistência social às medidas de recessão e de miséria social, maior será o empenho capitalista para as vencer. Mesmo uma vitória difícil na Grécia garantirá aos capitalistas uma vitória fácil nos lugares onde a resistência é menor ou anémica. Como é até agora o caso com o «bom povo» português, já bem massacrado. A resistência na Grécia tem sido identificada com os afrontamentos de rua, as manifestações de massa. As cenas de raiva social são apresentadas como a medida da resistência à Troika. Mas, uma vez dissipados os fumos dos incêndios e limpas as ruas das vitrinas partidas, fica o gosto azedo de um eterno recomeçar face à máquina implacável que avança. Antes e depois das manifestações, o que se passa na vida social, nas administrações, nos escritórios, nas fábricas, nas escolas ? Muitos destes lugares são hoje a cenário principal da crise social: empresas paradas, fechadas ou abandonadas pelos patrões, salários em atraso, crescente desemprego. Uma fração minoritária dos trabalhadores começa timidamente a reorganizar-se para sobreviver, imaginar ume forma alternativa de produzir a vida, criar uma vida social nova. Estas experiências, limitadas, localizadas, isoladas, são mal conhecidas. Foi primeiro um hospital ocupado, é agora um jornal em «autogestão». Neste artigo (16 fevereiro 2012) - na boa revista Diagonal, publicada aqui mesmo ao lado e cuja leitura se aconselha ao leitor, [http://www.diagonalperiodico.net/Eleftherotypia-De-un-periodico.html] -, aborda-se a experiência do jornal ocupado, mas também – e é talvez a parte mais interessante do texto - os limites do movimento social.
Estamos no limiar de algo, na fronteira entre a resistência e a ruptura. A  atitude de resistência implica o desejo de regresso a uma situação passada, às condições que nos levaram ao presente. Reivindicação inútil, pois o sistema - fundamentalmente desiquilibrado e barbaro - nunca volta atrás. O caso português é exemplar. O «bom povo» repete o que sabe fazer e o que os seus chefes lhe continuam a apontar como solução. Caminhos trilhados pelo passado, manifestações e greves oficiais e autorizadas, que hoje não podem levar a lado nenhum. Tudo bem enquadrado, sem excessos. Os espíritos limitados vêem nestas formas um sinal de força, quando se trata da fraqueza organizada. Chamam-lhe «luta de rua». Mas que luta? A maioria explorada nao tem poder no espaço da rua, que é dominado pela minoria exploradora que tem os seus mercenários bem pagos e ignora gritos e fumos. Raiva inevitável e legítima dos explorados, que é analizada e considerada como válvula de escape. Que é sobretudo recuperada pelas velhas organizações sindicais e partidárias que pensam poder assim dar força aos seus projectos. Que finalmente são o quê ? A reprodução, sob formas mais estatais, mais nacionais, acompanhado por uma dose mais forte de analgésico social, do mundo cinzento da exploração dos nossos avós. Ou seja, mais um remake do desastre humano. E mesmo esta estratégia tem, na fase actual do capitalismo, um espaço de concretização reduzido. Na Grécia, em Espanha, na Itália ou em Portugal - na periferia da Europa do capitalismo central – só a passagem da luta para formas novas de autoemancipação pode fazer mudar o medo de campo. Nada de greves passivas, feitas por minorias enquadradas enquanto a maioria fica em casa a ver a bola, nada de manifestações onde o povo é trazido de autocarro para ouvir os chefes que encenam o papel do mau da fita. Até os motins vistos na Grécia são neutralizados pelo sistema. Porque partir por partir, destruir por destruir, ninguém o faz tão bem como o próprio capitalismo !
Talvez sejam estes limites que expliquem o sentimento de impotência, a frustração e o desespero que perdura após o fumo e o barulho das manifestações, depois dos discursos dos chefes.  E que, pouco a pouco, se transforma em resignação e fatalismo. «Isto não leva a nada!». Perante a violência do ataque, há quem procure outras soluções,  greves activas, acções positivas, capazes de criar os alicerces de um novo poder baseado numa outra maneira de viver, de viver colectivamente. Acções que procuram a generalisaçao, a unificaçao, antes de mais para além das fronteiras que são as protecções naturais do patriotismo político e capitalista. Só esta opção activa pode vir a inquietar os senhores do mundo da propriedade privada. É a procura desta outra solução, que anima o Moisis Litsis e outros. Leia-se…

’Eleftherotypia’: De un periódico griego en crisis al "diario de los trabajadores
Entrevista de F. Fafatale (Madrid),
La redacción del diario progresista griego sacó ayer el primer número de Eleftherotypia de los trabajadores y se plantea autogestionar la cabecera después de medio año sin cobrar. Moisis Litsis, redactor y miembro del comité de empresa, habla sobre la experiencia.
Eleftherotypia, que significa "libertad de expresión" en griego, es uno de los principales periódicos de Grecia, donde sus más de 800 empleados llevan casi medio año sin cobrar. Últimamente, los trabajadores de este histórico "periódico de periodistas", referencia de la información crítica de calidad, están planteándose tomar las riendas del medio y publicar Eleftherotypia de los trabajadores. [N. del E: la entrevista está realizada antes de la aparición, el miércoles 15 de febrero, del primer número del periódico]. No es el único caso en Grecia. Ni en Europa. Desde la periferia, les han llegado los casos de medios en crisis como Liberazione, en Italia y de Público en el Estado español. El periodista especializado en Economía Internacional y miembro del comité de empresa de Eleftherotypia Moisis Litsis nos cuenta su situación y anima a sus colegas griegos y europeos a dar el paso. Porque, como él dice, "si triunfamos, será una pequeña revolución, pero también una gran batalla dentro y fuera del periódico.
Diagonal: ¿Cuál es la situación actual de ’Eleftherotypia’?
Moisis Litsis: La situación es muy difícil. Llevamos sin cobrar desde agosto. En X.K. Tegopoulos (la empresa que edita Eleftherotypia), somos más de 800 trabajadores, entre periodistas, oficinas, impresores, etc. Al principio de la crisis, la mayoría de los trabajadores no tenía claro ir a la huelga porque creía en las promesas de la compañía de que iba a recibir un nuevo préstamo bancario, pese a que el préstamo estaba sujeto a condiciones similares a las que la Troïka (UE, BCE, FMI) impuso a Grecia para obtener el llamado ’rescate financiero’.
Otro factor fue el ’mito’ de Eleftherotypia, un periódico que nació en 1975, tras la caída de la ’Junta’ griega. Es uno de los periódicos más progresistas y radicales de Grecia, y sus propietarios no eran los ’clásicos capitalistas’, como otros ’barones’ de la prensa griega y de la industria mediática, que poseen además otros negocios y son personajes conocidos en el ’business establishment’. Así que los trabajadores esperaban una actitud diferente.
La compañía presentó un esbozo del llamado ’business plan’, que discutió con los bancos. Un plan realizado por la conocida compañía de inversión internacional Grant Thornton. El ’business plan’ proponía despidos ’voluntarios’, animando a irse a los trabajadores, con la promesa de que serían compensados en un futuro próximo, tras recibir el préstamo bancario. Mientras tanto, el resto de los trabajadores continuarían trabajando indefinidamente sin cobrar, hasta que los costes se redujeran lo suficiente, al menos el 50%. A pesar de todo esto, los trabajadores confiaron en una solución y siguieron trabajando sin cobrar -excepto algunos euros- y renunciaron a ir a la huelga, como muchos de nosotros planteábamos.
En noviembre estaba claro que no habría un nuevo préstamo. Las presiones políticas contribuyeron a que el banco lo rechazara, por la postura de Eleftherotypia, que fue el único periódico que criticó duramente la política de ’memorandum’ del Gobierno griego. Lo cierto es que los bancos griegos no daban nuevos créditos a ninguna compañía por el miedo al ’default’ (suspensión de pagos) de la deuda pública griega y la posibilidad de la salida del euro de Grecia.
Los trabajadores comenzaron las primeras huelgas después de que el propietario amenazara con dejar de publicar el periódico. Desde el 22 de diciembre estamos en huelga continua exigiendo nuestros salarios. La empresa se sigue negando a pagar y apeló al artículo 99 de la ley de bancarrota griega (protección de los acreedores). Los únicos ’acreedores’ a los que la compañía debe dinero son los trabajadores, a quienes se les niega a través de una excepción en los procedimientos. Con la apelación al artículo 99, los trabajadores no pueden obtener sus salarios por medios legales y corren el riesgo de ser forzados por un ’business plan’ que supone recortes en los salarios, despidos masivos, etc.

Wikileaks - "The Global Inteligence Files"

LONDON—Today, Monday 27 February, WikiLeaks began publishing The Global Intelligence Files – more than five million emails from the Texas-headquartered "global intelligence" company Stratfor. The emails date from between July 2004 and late December 2011. They reveal the inner workings of a company that fronts as an intelligence publisher, but provides confidential intelligence services to large corporations, such as Bhopal’s Dow Chemical Co., Lockheed Martin, Northrop Grumman, Raytheon and government agencies, including the US Department of Homeland Security, the US Marines and the US Defense Intelligence Agency. The emails show Stratfor’s web of informers, pay-off structure, payment-laundering techniques and psychological methods, for example:

"[Y]ou have to take control of him. Control means financial, sexual or psychological control... This is intended to start our conversation on your next phase" – CEO George Friedman to Stratfor analyst Reva Bhalla on 6 December 2011, on how to exploit an Israeli intelligence informant providing information on the medical condition of the President of Venezuala, Hugo Chavez.

The material contains privileged information about the US government’s attacks against Julian Assange and WikiLeaks and Stratfor’s own attempts to subvert WikiLeaks. There are more than 4,000 emails mentioning WikiLeaks or Julian Assange. The emails also expose the revolving door that operates in private intelligence companies in the United States. Government and diplomatic sources from around the world give Stratfor advance knowledge of global politics and events in exchange for money. The Global Intelligence Files exposes how Stratfor has recruited a global network of informants who are paid via Swiss banks accounts and pre-paid credit cards. Stratfor has a mix of covert and overt informants, which includes government employees, embassy staff and journalists around the world.

The material shows how a private intelligence agency works, and how they target individuals for their corporate and government clients. For example, Stratfor monitored and analysed the online activities of Bhopal activists, including the "Yes Men", for the US chemical giant Dow Chemical. The activists seek redress for the 1984 Dow Chemical/Union Carbide gas disaster in Bhopal, India. The disaster led to thousands of deaths, injuries in more than half a million people, and lasting environmental damage.

Wikileaks prepara novas revelações?

No twitter da organização:

25/02/12

O Tempora, o mores!

O que merece reflexão não é tanto o facto de o PCP ter votado contra a adopção de crianças por casais não-heterossexuais. É, sobretudo, o facto de em torno de uma questão desse tipo vermos assumidos militantes, simpatizantes, companheiros de jornada e assim por diante tomarem publicamente posição contra o voto parlamentar do PCP. Ou, dito de outro modo — e deixando para outra ocasião a discussão que seria desejável retomar do que deveria ser uma regulação jurídica democrática da adopção, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e outras afins — o que vale a pena sublinhar é o facto de ser em torno da questão da adopção, e não da política de alianças do partido, do seu leninismo, das suas concepções e práticas organizativas, do modo como se relaciona com o exterior, da definição do socialismo e das suas vias, etc., etc. que a disciplina "centralista democrática"— que reserva para o interior do PCP e para os "lugares próprios" dentro deste — parece quebrar-se, suscitando o emergir da afirmação pública de divergências. Mais significativo, com efeito, do que a quebra do centralismo democrático leninista, é o facto de esta suceder a propósito de questões a que o "leninismo" não pode dar relevância essencial — e/ou para as quais é, se assim se preferir, a referência "leninista" que não tem relevância maior.

23/02/12

História, Memória e Violência no Século XX

É já amanhã, e continua no sábado, o colóquio História, Memória e Violência no Século XX, que, com outros colegas, organizo na FCSH, à Avenida de Berna. O programa encontra-se aqui. Aproveito ainda para dar conta do lançamento-debate do livro O PASSADO, MODOS DE USAR, da autoria de Enzo Traverso, no sábado, às 18h30, na Casa da Achada, e com a presença do próprio Traverso.

Zeca Afonso [2-08-1929/ 23-02-1987]

José Afonso (Aveiro, 2 de Agosto de 1929 — Setúbal, 23 de Fevereiro de 1987)

22/02/12

Ainda sobre o "quadro nacional"

Leitor assíduo e comentador ocasional que sou do blogue Politeia  e de JM Correia Pinto, sinto-me sempre um pouco desconcertado pelo que me parece ser o seu argumentário anti-federalista — tanto mais que me sinto próximo de alguns dos motivos mais fortes das suas reflexões políticas de âmbito mais geral, podendo aqui destacar, apenas a título de exemplo, o post que o meu presente interlocutor recentemente publicou sobre As Limitações da Democracia Representativa.

Assim, acabo de ler mais um post seu, cheio de observações justas e perspicazes, mas que, na parte final,  tenta justificar a prioridade quase exclusiva do "quadro nacional" nos termos seguintes:

É por isso que não faz qualquer sentido criticar a União Europeia e os seus líderes, como alguns tanto gostam de fazer, por não terem uma política para a Europa ou por a sua liderança ser fraca. De facto, nunca como hoje a Europa, a tal Europa a cuja pseudo-união pertencemos, teve uma política tão determinada, tão obstinada como a que actualmente está sendo posta em prática por todo o continente. E nunca a Europa, a tal Europa que existe desde 1958, teve uma liderança tão forte como a que hoje está sendo exercida. Uma liderança em que a vontade de um só país, acolitada pelos habituais aliados e pela fraqueza de aliados de ocasião, se impõe sem restrições a todos os países, salvo porventura a Inglaterra cuja secular sabedoria sempre soube pô-la sempre a coberto de qualquer tipo de hegemonia continental.


Portanto, a conclusão parece cada vez mais óbvia: somente no quadro nacional será possível romper com esta dominação, propondo-se, quem o fizer, arrostar com as consequências imediatas, que não serão fáceis de suportar, de um acto pioneiro que acabará por ser recompensado tempos mais tarde.

Ora bem, se tivéssemos de renunciar à federação democrática e/ou à democratização federalista das instituições e governo (económico e político) da UE pelo facto de essas instituições serem oligárquicas, autoritárias, pseudo-democráticas, etc., teríamos, então, de renunciar também ao "quadro nacional" como campo de batalha pela ruptura com a dominação. Com efeito, não se compreende que razão se oporia, na mesma ordem de ideias, a que escrevèssemos:

"É por isso que não faz qualquer sentido criticar Portugal e os seus líderes, como alguns tanto gostam de fazer, por não terem uma política para Portugal ou por a sua liderança ser fraca. De facto, nunca como hoje Portugal, o tal Portugal a cuja pseudo-unidade nacional pertencemos, teve uma política tão determinada, tão obstinada como a que actualmente está sendo posta em prática por todo o país. E nunca Portugal, o tal Portugal que existe desde 1143 [????], teve uma liderança tão forte como a que hoje está sendo exercida. Uma liderança em que a vontade de um só governo, acolitada pelos habituais aliados e pela fraqueza de aliados de ocasião, se impõe sem restrições a todos os territórios regionais, salvo porventura a Madeira cuja secular sabedoria sempre soube pô-la sempre a coberto de qualquer tipo de hegemonia continental.

"Portanto, a conclusão parece cada vez mais óbvia: somente no quadro regional será possível romper com esta dominação, propondo-se, quem o fizer, arrostar com as consequências imediatas, que não serão fáceis de suportar, de um acto pioneiro que acabará por ser recompensado tempos mais tarde".

Suspeito que, logicamente, o passo seguinte seria, mediante uma ou duas estações intermédias, descer do "quadro regional" à célula familiar, até, por fim, concluirmos com Stirner que o único verdadeiro terreno de luta seria o individual, com exclusão ou subordinação de todos os demais. Pois, porque não?

A polémica Daniel Oliveira X Luis Fazenda

Metendo-me na discussão sobre a Islândia entre o Daniel Oliveira e o Luís Fazenda, parece-me que o grande factor a assinalar na experiência islandesa é como a mobilização popular (por pelo menos 3 vezes) fez o governo vergar - primeiro, quando obrigou o governo de centro-direita a se demitir (posso estar errado, mas penso ter sido a primeira vez  nos últimos 30 anos que um governo da Europa ocidental foi obrigado a demitir-se por protestos populares), e depois quando rejeitou, por duas vezes, em referendo, o acordo que o novo governo de esquerda havia negociado para o pagamento aos investidores do IceSave.

É que dá-me a ideia que grande parte da divergência entre LF e DO é que um diz algo como "a situação islandesa não é tão boa como a pintam - o governo continua a fazer uma política contra os trabalhadores e as coisas boas que aconteceram foi por pressão popular, não por vontade governamental" e o outro contra-argumento que o governo islandês tem realmente tomado algumas boas medidas; mas ambas as posições parecem-me assentar no mesmo pressuposto, que o que interessa é ter um governo que faça uma boa política (sendo que a diferença entre LF e DO é que o primeiro acha que a Islândia não tem um governo desses e o segundo acha que, dentro do possível, já tem). Mas, mais importante do que ter "bons governos", não será alterar a relação entre os governos e os governados?

Por outras palavras, podemos ver a situação em que um governo supostamente de esquerda faz acordos com os representantes da banca internacional, que depois são rejeitados em referendo como um "menos" ("aquele governo não é verdadeiramente de esquerda; faz cedências tão gravosas que até leva a referendos contra a sua política"); mas também a podemos ver como um "mais" ("mesmo com um governo supostamente de esquerda no poder, o povo não se deixa adormecer e continua a ter forças para derrotar as políticas que lhes querem impor"). Eu prefiro o segundo ponto de vista.

19/02/12

Literatura e Cidadania

O belo post do Neves sobre a natureza "principesca" — leia-se "oligárquica", "classista" ou "hierárquica" — dos regimes representativos ou de "democracia indirecta" e das respectivas camadas dirigentes incita-nos a colocar a questão das condições da conquista de um exercício governante da cidadania activa por parte da grande maioria dos homens e mulheres comuns que somos, e que nos vemos hoje privados, precisamente pelos mecanismos da representação e da profissionalização da política,  da participação igualitária e responsável no nosso próprio governo.

Acontece, deixando por agora de lado outros aspectos não menos importantes, que uma das condições sine qua non da alternativa da cidadania governante é, evidentemente, a produção/formação social de cidadãos activos, ou, por outras palavras, de indivíduos que, para se governarem colectivamente como iguais, terão de possuir, cada um deles, a capacidade de pensar, propor, deliberar e decidir por sua conta e risco, responsavelmente e pela sua própria cabeça, nos diversos planos das suas condições de existência.

Pois bem, é precisamente ao nível decisivo da paideia, entenda-se: da criação/educação/formação, de um tal tipo de indivíduo que a frequentação das letras e das artes da leitura representa um momento decisivo — necessário, ainda que radicalmente insuficiente — da socialização que, a partir da cria humana, faz o cidadão capaz de reclamar, como condição do seu consentimento de governado, nada menos do que a plena participação no seu próprio governo.

Algumas das razões que "legitimam", como diria a Silvina Rodrigues Lopes, a literatura deste ponto de vista político — recusando ao mesmo tempo a subordinação ancilar da literatura aos ditames de qualquer instância de condução exterior — são o tema desta reflexão de Gustavo Martín Garzo que me parece suscitar umas quantas questões pertinentes acerca das condições culturais da autonomia. Assim, aqui deixo um excerto e o link para o conjunto do artigo:

Walter Benjamin dice que uno de los problemas del mundo actual es la pobreza de la experiencia. “Así como fue privado de su biografía, escribe Giorgio Agamben glosando al autor alemán, al hombre contemporáneo se le ha privado de su experiencia: más bien la incapacidad de tener y transmitir experiencias quizás sea uno de los pocos datos ciertos de que dispone sobre sí mismo”. La banalidad de nuestra vida se confunde con la banalidad de gran parte de la cultura y el mundo que nos rodea. Viajamos sin descanso, acudimos a museos y exposiciones, leemos libros que compramos precipitadamente en las librerías de aeropuertos, estaciones y grandes almacenes, para abandonar al momento en cualquier rincón, asistimos a grandes eventos deportivos, pero nada de esto tiene el poder de cambiarnos. Regresamos de nuestros viajes cargados de fotografías que nada significan; las lecturas pasan por nuestra vida como las hojas vanas de los calendarios; abandonamos las salas de los museos tan ciegos y somnolientos como habíamos entrado; y pasamos de unas historias a otras sin que ninguna deje en nuestros labios unas pocas palabras que merezca la pena conservar. Para enfrentarnos a ese vacío, nos hemos rodeado de expertos, comentaristas y guías de todo tipo que nos dicen cómo debemos comportarnos. Hay guías turísticas, de lectura, guías sobre cómo enfrentarnos a nuestros fracasos sentimentales. Si vamos a una ciudad, nos explican los itinerarios que tenemos que seguir; si entramos en un museo, los cuadros ante los que debemos detenernos; en nuestra vida afectiva, cómo evitar el sufrimiento; si se trata de nuestros hijos, cómo comportarnos para que nos dejen dormir. Todo debe ser fácilmente sustituible, nuestras lecturas, nuestros amantes, las ciudades que visitamos, las salas de los museos. Los hombres y las mujeres actuales viven sin apenas poner límites a sus deseos, y sin embargo pocas veces han tenido menos cosas que contarse. La ausencia de relatos define su convivencia, y la política actual es el ejemplo más visible de esta dolorosa carencia. La crisis de la cultura del relato oculta, una crisis más honda: esa pobreza de la experiencia de que habló Benjamin. Y la experiencia tiene que ver con la palabra y el relato, pues vivir es encontrar cosas que contar y compartir: el cuento de nunca acabar. La literatura es el trabajo de la ostra: toma un instante en apariencia banal y lo transforma en algo que tiene el poder de revelar lo que somos. Por eso dice Proust que “la verdadera vida, la única vida realmente vivida es la literatura. Gracias a ella se nos revela el mundo. Sin la literatura, nuestra propia vida nos sería desconocida”.

A queda dos príncipes e dos seus conselheiros

o meu artigo no i, na quinta-feira passada.

Em Portugal, por estes dias, enquanto uns aguardam desesperançados a chegada dos ventos gregos da crise, outros, mais esperançados, vão aspirando os ventos gregos da revolta.

Mas há ainda quem esteja noutro cumprimento de onda. E se esfalfe em tentativas atrás de tentativas para salvar o sistema de representação política. Dou dois exemplos recentes, um de direita, outro de esquerda.

Começamos pela tentativa de direita, provavelmente a mais ousada dos últimos tempos, que a muitos terá parecido, por isso mesmo, a mais patética, sem que por isso, acrescento eu, seja risível. Refiro-me aos esforços levados a cabo pelos recentes signatários de um abaixo-assinado destinado a reclamar o regresso da monarquia. Face à quebra de popularidade do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, personalidades como Gonçalo Ribeiro Telles, Pedro Ayres de Magalhães ou Miguel Esteves Cardoso entenderam oportuno colocar no nosso horizonte de poder a figura de Dom Duarte. O que me parece importante sublinhar nesta proposta não é a questão do regime, se república ou se monarquia. Ou melhor, esta proposta de regresso à monarquia deve ser lida como mais um contributo para a actual tendência em curso de defender o sistema representativo a todo o custo, se preciso for contra o princípio de que é necessário os governantes serem seleccionados pelo voto popular. Em Itália e na Grécia, é já nesse cenário que vivemos, com a sorte ou o azar de ser um tecnocrata e não um nobre senhor a tutelar os destinos do país.

À esquerda, o caminho para salvar o sistema de representação política parece outro. Trata-se de procurar reinventar a oferta partidária de modo a dar novo ânimo ao sistema político representativo. Mais concretamente, trata-se de corrigir o que se considera ser o desequilíbrio fundamental do sistema representativo português. Que desequilíbrio é esse? Segundo o cientista político André Freire, um dos mais empreendedores activistas desta tentativa de salvar o sistema à esquerda, o desequilíbrio consiste no facto de nunca se ter conseguido fazer à esquerda o que se faz à direita: se PSD e PP formaram e formam governos, PS e PCP (ou, mais recentemente, BE) desunem-se mais do que se unem. Esta disparidade empurra o sistema invariavelmente para o centro em que agora corre o risco de se afundar. A solução para evitar o naufrágio que é avançada pela esquerda de Freire e alguns outros passa por conseguir um governo de coligação de esquerda. Neste sentido, desenvolvem-se esforços, como gostam de dizer os próprios esforçados. Os mais hercúleos nesta tarefa são os 5 ou 6 ex-militantes do PCP que fazem uma associação política chamada Renovação Comunista e que decidiram agora reunir com a direcção do Partido Socialista para procurar soluções de convergência à esquerda. A estes esforços somam-se ainda cronistas como Daniel Oliveira, que parece (e que me corrija se estiver a ser injusto) alimentar a esperança na formação de um novo partido à esquerda, algures entre o PS e o BE, porventura liderado por uma figura bem mais credível do que Dom Duarte, mas que, curiosamente, se perpetuou no poder por um tempo suficiente para fazer inveja a alguns reis: Manuel Carvalho da Silva.

Entendamo-nos: não tenho nenhum respeito pela tentativa monárquica de salvar o sistema de representação mas creio que a esquerda comete um erro semelhante. Que erro? Recusar a hipótese de o sistema representativo não ter salvação e de ser necessário começar a construir novas instituições políticas, obrigatoriamente democráticas e, ainda assim, ou por causa, apartadas dos princípios de representação que nos têm governado ao longo do século XX, em ditadura como em democracia, em monarquia como em república. Em vez de falarmos apenas da crise do sistema representativo, poderíamos começar a perguntar se o sistema representativo não é, ele mesmo, a crise. Essa pergunta tem sido feita pelos movimentos sociais que no último ano e meio têm feito o seu caminho um pouco por todo o mundo. E onde não há (é uma constatação mas também um desejo) nomeação de reis como Dom Duarte ou eleição de príncipes como Carvalho da Silva, nem paciência para os seus conselheiros.

17/02/12

Luis Rainha, 18 Palavras Difíceis, Lisboa, Tinta da China, 2012


Hoje, 17 de Fevereiro, vou estar, pelas 21 horasa, na FNAC do Chiado, incumbido da tarefa impossível de tentar apresentar em coisa de dois quartos de hora os contos do livro 18 Palavras Difíceis, editado pela Tinta da China, do intrépido e leal factual-viandante Luís Rainha. A amizade e a admiração são as únicas atenuantes que posso alegar para tal temeridade. De qualquer maneira, aqui fica a recomendação, a quem não puder estar na dispensável apresentação desta tarde, de que não perca, seja como for, o essencial: ou seja, a leitura e as lições da arte do conto tal como — isto é, diria Borges, "com a seriedade com que uma criança brinca"— o Luís a joga.

16/02/12

Sobre a reactivação do quadro nacional e a resistência à ofensiva da oligarquia europeia em vias de "reichização" acelerada

No momento em que é possível que o governo alemão, secundado por alguns outros, esteja a encarar seriamente a medida de forçar a Grécia a abandonar o euro e o seu lugar na UE, devemos ver que uma tal saída da Grécia, de Portugal ou de outro país não porá fim à sua dependência da grande oligarquia dirigente europeia, encabeçada pelo governo alemão. A menos que se pense que a alternativa é a criação de relações preferenciais com a China, ou uma plena exposição, radicalmente desprotegida, à globalização hegemónica, ou não sei que fantasias  do tipo "cooperação com Angola", a dependência frente a uma Europa "reichizada" manter-se-á, e provavelmente agravada, após a saída do euro. Provavelmente agravada, porque, no novo quadro, essa dependência deixará de ser temperada pela participação na UE dos países "corridos".
É por isso que, embora subscrevendo em grande parte, o que JM Correia Pinto escreve no seu post "Infelizmente não somos a Grécia", entendo que vale a pena retomar aqui as observações que deixei na respectiva caixa de comentários:


Caro JM Correia Pinto


substancialmente de acordo com a maior parte das coisas que diz, deixe-me, no entanto, voltar a levantar a recorrente questão da suficiência ou insuficiência de uma resistência de regresso ao quadro nacional.
Pode ser o governo alemão quem lidera politicamente o processo, mas a ofensiva contra os direitos e liberdades, a aposta na precarização e no crescimento das desigualdades, etc., etc., é de toda a grande oligarquia europeia. E o problema é que a esta será bastante mais fácil adoptar a "táctica do salame" e enfrentar, uma a uma, uma de cada vez, as resistências que se isolem no seu quadro nacional, do que neutralizar a emergência de uma rede europeia democrática, que contra-ataque simultânea e continuadamente em várias frentes. Isto não quer dizer, sem dúvida, que nós aqui, os gregos ali, os outros acolá, nos diversos países e regiões, não ajam também por conta própria. Quer dizer, sim, que, enquanto, no conjunto da zona euro e da UE, a cada nova medida antipopular da grande oligarquia europeia, não começar a opor-se não só a luta dos seus destinatários nacionais imediatos, mas a de movimentos de cidadãos em toda a Europa, que se insurjam em Portugal ou em França, em Espanha ou na Bélgica, na Irlanda ou na própria Alemanha, contra o que se passa, por exemplo, na Grécia — a grande oligarquia europeia, com o governo do Reich alemão no comando, explorará as divisões nacionais para reinar. É o que tem feito e o que vai continuar a fazer, se a deixarem. E não vejo nada melhor, nem como defesa nem como contra-ataque, do que a afirmação instituinte de uma cidadania europeia activa e solidária, capaz de impor as rupturas institucionais profundas que V. tão bem tem mostrado serem condições de uma democratização efectiva.


Abraço

Hamza Kashgari

No dia do teu aniversário, direi que gostei em ti do rebelde, que foste sempre uma fonte de inspiração para mim, e que não gosto do halo de divindade que te rodeia. Não rezarei por ti.


No dia do teu aniversário, encontrar-te-ei em qualquer lado para onde me vire. Direi que gostei de certas coisas em ti, que há outras que odiei, e muitas que nunca compreendi.


No dia do teu aniversário, não me inclinarei diante de ti. Não beijarei a tua mão. Apertar-ta-ei antes, como se faz entre iguais, e sorrir-te-ei como tu me sorris. Falar-te-ei como a um amigo, não mais.

Pode ler-se aqui que, devido a estes três tweets considerados blasfemos, publicados no dia 4 de Fevereiro último, na véspera do dia celebrado como sendo o do aniversário de Maomé, Hamza Kashgari, um jovem autor de crónicas e escritor saudita corre o risco de prisão perpétua, ou de condenação à morte.

A história passa-se na Arábia Saudita, como ontem, hoje ou amanhã, se passou, está em risco de passar a qualquer momento e passará, no Irão. Pelo menos, se as coisas continuarem por este andar, como parece que tende a ser o caso. Conclusão provisória: que, entre os dois, escolha o diabo ou quem está pronto a vender-lhe a liberdade, a igualdade e a justiça — esse "primeiro tema da reflexão grega", no dizer de Sophia.

E, enquanto o vaivém da patada da besta não lhe chega, quem não saiba de meios melhores, pode visitar esta página da AI — e dar o nome ao manifesto.

A batalha entre os "descomplexados competitivos" e os "preguiçosos autocentrados"

Uma observação acerca da disputa entre Pacheco Pereira e o resto da aldeia dele: não faço a mínima ideia do que é que o tal Manuel Forjaz escreve aqui no Público em resposta a JPP, mas por norma desconfio logo que quem se autodefine como "empreendedor" (em vez de como, p.ex., "industrial", "comerciante", "agricultor", "editor", promotor imobiliário", etc., etc.; "empreendendor" cheira-me a quem vive de expedientes/jogadas...); e, fazendo uma busca no Google, há muitas referencias ao "dinamismo" de Forjaz, à sua capacidade de motivar os outros, à sua "vontade de viver", aos cursos de formação e discursos motivadores que ele dá, mas é dificil encontrar alguma coisa a falar do produto inovador (ou mesmo não inovador) ou da novas estratégias de negócio que ele criou ou implementou...

[Note-se que eu não conheço o homem de lado nenhum, nunca tinha ouvido falar nele e não faça ideia se ele fez verdadeiramente algo de útil e marcante; estou apenas falando da primeira impressão que me causa]

Um milhão


Um milhão de pessoas em Portugal não encontra trabalho. Muito menos são necessários para começar uma revolução.

15/02/12

Não me aguentei [e os crentes que se preparem...]

«Governo PSD/CDS prepara encurtamento da Páscoa: Jesus Cristo morre crucificado e ressuscita no mesmo dia, acabou-se a Sexta Feira Santa e a Última Ceia passa a lanche ajantarado.»

14/02/12

Kropotkin


No dia 8 de Fevereiro de 1921, morreu Petr Kropotkin. Como aqui foi relembrado, Kropotkin necessita de ser re-lido numa época em que a teoria política que ajudou a desenvolver, o anarquismo, renasce na prática quotidiana da revolta contra o sistema político e sócio-económico hegemónico.

13/02/12

Antes que seja tarde

Com a Grécia, o diretório europeu deveria aprender que está a pôr em risco não apenas a União, o euro e a economia europeia, mas as democracias na Europa escreve o Daniel Oliveira, num post em que há vários juízos de facto que merecem o meu acordo. Mas o problema é que o directório europeu, o governo do Reich e os arquitectos da sua política oligárquica expansionista, bem como os seus aliados, não só sabem que é isso que estão a fazer, como o que querem, na realidade, é acabar com as veleidades democráticas que entravem ou atenuem a sua hegemonia cada vez mais soberana. Estamos perante uma vontade exacerbada — e talvez suicida, mas isso é outra questão — de liquidar as garantias de inspiração democrática que, na sequência de lutas seculares, ainda limitam o governo oligárquico do capitalismo na Europa, ainda o obrigam a reinar constitucional e representativamente, ainda não permitem a corrupção absoluta das liberdades e direitos fundamentais que o seu poder absoluto tem por condição.

É isto que é preciso compreender: a resistência ao "directório europeu" sob a condução do governo do Reich terá de ter, desde já e abertamente, a Europa por arena. Se não soubermos começar a ripostar aqui, quer dizer em toda a Europa, à continuação da ofensiva em curso na Grécia declarando-nos e assumindo-nos como alvos seus que somos — porque os alvos da ofensiva são a enorme maioria das mulheres e homenscomuns da Europa — talvez acordemos demasiado tarde, ou caiamos sem ter sequer tido tempo para acordar, na condição servil de uma mão de obra cada vez mais desqualificada num mercado do trabalho cada vez mais soberano, integrada por súbditos administrados ou geridos, no quadro de um despotismo "liberal" institucionalizado, pelo poder hierárquico e ad legibus solutus de um capitalismo que se proclamrá a si próprio como único legislador constitucional e única fonte legítima de direito.

Quem diz "a Grécia", não só, mas também diz "Portugal"

Será assim tão difícl de entender que, sem um levantamento de rancho generalizado que afirme, sem descurar a luta a travar na própria região alemã, a força de uma cidadania eurpeia comum capaz de fazer recuar na região da UE a oligarquia do Reich e os seus satélites e cúmplices, ainda que prejudicados na repartição do bolo — então, os protestos populares gregos por mais decididos que sejam e por mais que logrem uma ou outra forma de restauração da "soberania nacional" estão, segundo todas as probabilidades, condenados a sucumbir às mãos da soberania imperial do Reich e/ou à acção militar e policial da oligarquia pátria?

E quem diz a "Grécia", não só, mas também diz "Portugal"…

12/02/12

Είμαι με Grec


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E aqui está um comentário do Nelson Anjos que muito me honra postar

O texto referido no título foi enviado pelo Nelson Anjos para a caixa de comentários do meu post Uma última saída: exportar as reivindicações e as lutas, e reza o seguinte:

Caro Camarada Miguel

Com certeza que um dia destes passarei pela tua rua e baterei à tua porta. Gostaria contudo, antes, deixar claro que continuo a privilegiar a palavra na praça pública, em detrimento da palavra clandestina (?), ou mesmo privada (?), enquanto isso for possível e muito embora o ruído existente, como primeira arma de combate pelo resgate do território de cidadania por parte dos cidadãos organizados, que se vai mantendo usurpado pela casta política.

O ruído – inimigo histórico da engenharia das telecomunicações – tem sido possível levá-lo de vencida através da utilização de várias técnicas. Cito algumas a título de exemplo: diversidade, redundância, técnicas de modulação, códigos adaptados ao meio físico, entre outras.

Quando falo da necessidade de organizar quero dizer que, sem cercear contributos, criatividade e liberdade, através de um qualquer expediente de disciplina administrativa, seja qual for a forma que revista – partido, sindicato ou outra – me parece cada vez mais necessário dar alguma forma de organização às diversas vozes que se vão fazendo ouvir, e onde é possível identificar cumplicidades, quanto ao essencial, no sentido de as tornar mais eficientes, ou seja capazes de produzir consequências: a rejeição generalizada pelos cidadãos da casta política, e a recusa em se aceitarem representados por ela. Não principalmente porque seja ineficiente e cara – o que também é verdade – , incompetente e muitas vezes corrupta – o que também é verdade – ou instrumento de poder (quando governo e nao só), numa sociedade estruturada em classes, predominantemente ao serviço da classe dominante – o que também é verdade. Mas principalmente porque constitui o agente principal que dá a cara e a forma a este conto do vigário, alcunhado – a despropósito – de “democracia”; instrumento primeiro, isso sim, de exclusão dos cidadãos, enquanto tal. Mas também, pura e simplesmente, porque o território da cidadania – entendido como o campo da política – pertence – no sentido de que responsabiliza – ao universo de cidadãos organizados.

Acresce ainda que, sabendo-se que não é quando chove que se repara o telhado da casa, mas antes, e dado que não é difícil, pelos sinais, prever os tempos que se aproximam, deverá também, dentro do que é previsível, ser acautelado o que convém.

E agora tenho que ir semear umas batatas de sequeiro, antes que chova.

Um abraço e até breve.

nelson anjos

Ainda contra o Acordo Ortográfico: enquanto há língua há esperança

Se um país pode ser catalogado como “lixo” pelas mais insignes organizações internacionais, porque não decretar a língua uma oportunidade de negócio?
Que os velhos do Restelo pensem nisto: as toneladas de linguiças (sem trema) que passaremos a exportar para o Brasil valem com certeza a queda de um punhado de consoantes mudas.
Claro que o famigerado Acordo não impedirá que num ônibus (do latim, omnibus; variantes por “uniformizar”: autocarro, machimbombo, toca-toca, otocarro…) a passageira do lado me responda em inglês quando lhe pergunto se estamos muito longe do Centro, seguindo-se três oi! da parte dela para finalmente eu sair já íamos no Botafogo. (Abençoada fonética que me proporcionou tão bom passeio!)
Embora entenda o pendor mercantilista do Acordo, a que acresce uma salutar preocupação progressista que faria as delícias de Bouvard e Pécuchet (Que se lixe o latim que só serve para confundir o povo!), não pude, porém, deixar de elencar (v. tr.: “fazer uma elencagem”, seja isso o que for) algumas dúvidas recolhidas por aí.
O que faz um professor durante um ano letivo? Letiva? O que faz um espetador em frente da televisão? Espeta-la? E o que faz alguém ante um para sem acento? Continua a andar e pergunta “para… onde”? Num hotel, dirigimo-nos à recepção ou lembramo-nos da receção e regressamos a casa? E um medicamento ótico aplica-se nos olhos ou serve para tratar otites? O mês de Janeiro é maior que janeiro? A metafísica de Aristóteles é em ato ou não ata nem desata? Quem requer adoção é adoçante? E os habitantes do Egito são egícios? Uma presidente incontinente é igual a uma presidenta incontinenta? E fim de semana sem hífen tem quantos dias?
Esta última questão é particularmente pertinente derivado à crise.

10/02/12

Até Amanhã



We Shall Overcome - Joan Baez (Woodstock 1969)

Proclamação do sindicato da polícia grego

Reuters - Greek police union wants to arrest EU/IMF officials:
In a letter obtained by Reuters Friday, the Federation of Greek Police accused the officials of "...blackmail, covertly abolishing or eroding democracy and national sovereignty" and said one target of its warrants would be the IMF's top official for Greece, Poul Thomsen.

The threat is largely symbolic since legal experts say a judge must first authorize such warrants, but it shows the depth of anger against foreign lenders who have demanded drastic wage and pension cuts in exchange for funds to keep Greece afloat.

"Since you are continuing this destructive policy, we warn you that you cannot make us fight against our brothers. We refuse to stand against our parents, our brothers, our children or any citizen who protests and demands a change of policy," said the union, which represents more than two-thirds of Greek policemen.

"We warn you that as legal representatives of Greek policemen, we will issue arrest warrants for a series of legal violations ... such as blackmail, covertly abolishing or eroding democracy and national sovereignty."

The letter was also addressed to the European Central Bank's mission chief in Greece, Klaus Masuch, and the former European Commission chief inspector for Greece, Servaas Deroose.

Policemen have borne the brunt of the anger of massed protesters who frequently march to parliament and clash with police in riot gear. Chants of "Cops, pigs, murderers!" are regularly hurled at policemen or scribbled on walls.

Thousands turned out Friday for the latest protest in Athens, this time against new austerity measures that include a 22 percent cut in the minimum wage.

A police union official said the threat to 'refuse to stand against' fellow Greeks was a symbolic expression of solidarity and did not mean police would halt their efforts to stop protests getting out of hand.

09/02/12

Uma última saída: exportar as reivindicações e as lutas

Agora que as metas do défice e afins, as panaceias como o aumento das exportações à custa do embaratecimento da mão-de-obra, a destruição dos direitos sociais, a entronização fiscal das desigualdades e da hierarquia, a prosperidade dos cantantes amanhãs pós-crise,  tudo isso, indo por água abaixo, nos está a fazer tocar o fundo, há ainda uma saída, que talvez o seja e cujo ensaio mal não nos poderia fazer — antes pelo contrário.

Tratar-se-ia de exportarmos politicamente para a Europa a reivindicação de uma efectiva democratização da economia e do seu governo (nos dois sentidos do "seu"), juntamente com o melhor que formos capazes de produzir como exemplo da reconquista da iniciativa política e da cidadania activa das mulheres e homens comuns que somos. Para construirmos, enfim, a Europa, e para começarmos a transformar o mundo em federação de cidades livres e iguais, cada uma com a sua língua e paisagens singulares, mas partilhando a abertura em cada uma delas da praça da palavra como instância de deliberação e decisão do que a todos diz respeito, a fim de melhor garantir a liberdade de cada um.

Talvez seja o que os gregos se preparam para começar a fazer — na linha do que escreve o José M. Castro Caldas, quase no final de mais um post notável: A maioria dos gregos, a acreditar nas sondagens, parece inclinar-se para um “não aos sacrifícios sem sentido”. O “não” neste momento significaria uma moratória unilateral ao serviço da dívida, um Estado a funcionar nos estreitos limites das receitas fiscais, o pouco dinheiro que existe ao serviço das necessidades básicas do povo grego, não dos credores. Isto não implica uma declaração de saída unilateral da Grécia da zona euro ou da UE. À UE caberia descobrir o que fazer nesta eventualidade.

Sete milhões de "minijobs" alemães com remunerações inferiores a 60 cêntimos à hora

Esta peça do Jornal de Negócios, assinada por Andreia Major, e para a qual o André Bonirre chama a atenção — "São já cerca de sete milhões os empregados em “minijobs” na Alemanha, com remunerações inferiores a 60 cêntimos à hora" — vem a propósito para lembrar, contra os nacionalistas locais, tanto do governo como da oposição ou do partido-charneira, que a batalha da democratização, tal como procurei mostrar  esta manhã em "Coisas que até um social-democrata alemão compreende", terá de ser travada, não contra a Alemanha, nem esperando a solução do reforço das soberanias nacionais europeias, mas contra os interesses classistas que governam, cada vez mais segundo a via chinesa, a própria Alemanha, e, com a cumplicidade dos mesmos interesses de classe locais, governam a UE.

O acordo ortográfico visto de Angola: "o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!"

"Os ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos Estados membros vão continuar a discussão do tema na próxima reunião de Luanda.
A Língua Portuguesa é património de todos os povos que a falam e neste ponto estamos todos de acordo. É pertença de angolanos, portugueses, macaenses, goeses ou brasileiros. E nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só porque possui mais falantes ou uma indústria editorial mais pujante.
Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou de Angola. O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige.
Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam, ou às “leis do mercado”. Os afectos não são transaccionáveis. E a língua que veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua Portuguesa.
Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros intelectuais angolenses da última metade do Século XIX também juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram, sobretudo os que lançaram o grito “Vamos Descobrir Angola”, deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única. Eles promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi o português.
Queremos continuar esse percurso e desejamos que os outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das nossas Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular. Do “português tabeliónico” aos nossos dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas. Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades.
Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina. Os jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta realidade: quem fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras ou de matrizes. Quem fala quer ser compreendido. Por isso, quando fazemos uma entrevista, por razões éticas mas também técnicas, somos obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da linguagem coloquial para a linguagem jornalística escrita. É certo que muitos se esquecem deste aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar aos destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.
Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes mudas. O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos negócios. E também não podemos demagogicamente descer ao nível dos que não dominam correctamente o português.
Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível. Porque é batota! Na verdade nunca estarão a esse nível e vão sempre aproveitar-se social e economicamente por saberem mais.
O Prémio Nobel da Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso sobre este tema e que representou com a sua trupe em fábricas, escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito simples: o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!
Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados a saber mais. E quando souberem o suficiente vão escrever correctamente em português. Falar é outra coisa. O português falado em Angola tem características específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características únicas.
Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço da CPLP. A escrita é “contaminada” pela linguagem coloquial, mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é aceitável que através de um qualquer acordo ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras"
DAQUI

Coisas que até um social-democrata alemão compreende

A Anameditou superiormente na sua Pastelaria sobre certas coisas que até um social-democrata alemão compreende. Mas vale a pena insistir nas declarações de Martin Schulz e interrogarmo-nos sobre o espanto e o escândalo que suscitaram em dois lusos eurodeputados do Bloco Central.

Pergunta e responde Schulz: Porque não defendemos o nosso Estado de direito, e o modelo dos direitos do homem, e uma crescente capacidade económica, para desafiar [o modelo chinês, etc.], não só do ponto de vista económico, mas também de democracia política? [...] Se não tomarmos rapidamente esta decisão, a Europa tornar-se-á irrelevante.

Ou seja, Schulz compreende que, se o governo político e económico da UE quiser competir com os modelos do "capitalismo com valores asiáticos" e outros afins, quiser competir à chinesa — digamos assim para simplificar — com a "sociedade harmoniosa", estará, na realidade, a cooperar com a RPC, essa nova figura do "estádio supremo do capitalismo", na destruição das liberdades fundamentais e dos direitos sociais tanto a nível global como ao da própria Europa. Ou seja, a cooperar na construção de uma "sociedade esclavagista, sem direitos, numa ditadura que oprime implacavelmente o ser humano".

É verdade que a simples defesa das liberdades democráticas e direitos sociais a que Schulz se refere exige uma extensão e ofensiva democratizadoras que vão bem mais longe do que a estabilização do "Estado de direito" e do que hoje resta da regulação por ele da esfera da economia na UE. Mas quem quer o mais quer o menos, e nós devemos compreender outra coisa que, apesar de tudo, Schulz compreende bem. Ou seja, que as ocasiões de qualquer alargamento das perspectivas de democratização na Europa e no mundo exigem justamente, no quadro europeu, a superação das concepções soberanistas — como as adoptadas pelos porta-vozes do luso Bloco Central Capoulas e Rangel — em benefício de uma integração federal que assegure o reconhecimento e reforce a extensão de uma cidadania europeia comum. Porque se é verdade que só o arranque de um processo de democratização profunda da ordem institucional ("política" e "económica") da UE poderá conceder verosimilhança à sua apresentação como alternativa à globalização sob o signo da expansão de vias de desenvolvimento como as que governam Angola ou a China, é também verdade que, no que diz respeito a esta parte do mundo, é "no quadro da UE" que a defesa das liberdades e direitos fundamentais e as perspectivas da democratização continuam a ter mais "hipóteses".

08/02/12

[também] Porque não gramo que me chamem reaccionária nacionalista. É uma coisa que me chateia, pá!



Tantas Páginas: O que acha do acordo ortográfico? Acha mesmo que, como dizem os editores portugueses (e muitos intelectuais), o acordo foi uma gigantesca maquinação brasileira para permitir que os livros brasileiros entrem livremente no mercado português e no africano, acabando com a indústria portuguesa do livro?

Paulo Franchetti: O acordo ortográfico é um aleijão. Linguisticamente malfeito, politicamente mal pensado, socialmente mal justificado e finalmente mal implementado. Foi conduzido, aqui no Brasil, de modo palaciano: a universidade não foi consultada, nem teve participação nos debates (se é que houve debates além dos que talvez ocorram durante o chá da tarde na Academia Brasileira de Letras), e o governo apressadamente o impôs como lei, fazendo com que um acordo para unificar a ortografia vigorasse apenas aqui, antes de vigorar em Portugal.
O resultado foi uma norma cheia de buracos e defeitos, de eficácia duvidosa. Não sei a quem o acordo interessa de fato.
A ortografia brasileira não será igual à portuguesa. Nem mesmo, agora, a ortografia em cada um dos países será unificada, pois a possibilidade de grafias duplas permite inclusive a construção de híbridos.
E se os livros brasileiros não entram em Portugal (e vice-versa) não é por conta da ortografia, mas de barreiras burocráticas e problemas de câmbio que tornam os livros ainda mais caros do que já são no país de origem. E duvido que a ortografia seja uma barreira comercial maior do que a sintaxe e o ai-meu-deus da colocação pronominal.
Mas o acordo interessa, é claro, a gente poderosa. Ou não teria sido implementado contra tudo e todos.
No Brasil, creio que sobretudo interessa às grandes editoras que publicam dicionários e livros de referência, bem como didáticos. Se cada casa brasileira que tem um exemplar do Houaiss, por exemplo, adquirir um novo, dada a obsolescência do que possui, não há dúvida que haverá benefícios comerciais para a editora e para a Fundação Houaiss – Antonio Houaiss, como se sabe, foi um dos idealizadores e o maior negociador do acordo.
O mesmo vale para os autores de gramáticas e livros didáticos – entre os quais se encontram também outros entusiastas da nova ortografia.
E não é de espantar que tenham sido justamente esses – e não os linguistas e filólogos vinculados à universidade – os que elaboraram o texto e os termos do acordo.
Nem vale a pena referir mais uma vez o custo social de tal negócio: treinamento de docentes, obsolescência súbita de material didático adquirido pelas famílias, adequação de programas de computador, cursos necessários para aprender as abstrusas regras do hífen e outras miuçalhas. De meu ponto de vista, o acordo só interessa a uns poucos e nada à nação brasileira, como um todo.
Já Portugal deu uma prova inequívoca de fraqueza ao se submeter ao interesse localista brasileiro, apesar da oposição muito forte de notáveis intelectuais, que, muito mais do que aqui, argumentaram com brilho contra o texto e os objetivos (ou falta de objetivos legítimos) do acordo.
Retirado DAQUI

07/02/12

Explicação grega


São os limites limitadíssimos do jornalismo. «Comunicação» diz-se hoje, propaganda, dizia-se ontem. E estávamos mais próximos da nossa verdade. Assim, segundo nos comunicam os meios de comunicação social, a casta política dominante na Europa tem nestes dias algumas dificuldades na Grécia. Os agentes locais da Eurolândia arrastam os pés, hesitam em assinar mais um plano de recessão. Que, como diz a propaganda, vai, enfim, resolver os problemas, O problema. Qual problema, é outra historia. Mas por que diabo a hesitação desta nobre gente ? Dóceis servos da lei do lucro, funcionários bem pagos do sistema que mete agua…
Sem nos alargarmos muito no assunto, aqui vai uma sugestão de explicação para esta hesitação. E se fosse a velha chata da luta de classes? Eu sei que isto soa mal e é quase um palavrão ! O futuro, dizem os sabidos, é a submissão à miséria. Evidente. Mas, e se o futuro fosse, pelo contrário, o regresso deste animal que faz buracos onde menos se espera, a amiga toupeira ? Dito de outra maneira, se fosse pôr de lado estes choros e lamentações de tipo jesuítico e optar por agir colectivamente, autonomamente, positivamente. Construir, ir para a frente, não continuar lamentosamente a pedir (a quem ?) que se volte ao passado que, já se sabe, foi tão harmonioso… É isto a luta de classes. Da qual a «comunicação» não pode falar, porque pode perturbar o juizinho de que falava o O’Neil. Na Grécia, passam-se coisas. Não falo de peditórios, abaixo assinados, manifestações tristes, choros e missas de finados. Falo de acção concreta, pensada, organizada, para começar a repensar o mundo. E se fosse o medo desta postura que começa a paralisar o Sr. Papadoraioqueoparta e os seus colegas socialistas, fascistas, centristas etc. e tal ? E se fosse mesmo isso o sinal que se chegou a um limite ?

Health workers in Kilkis, Greece, have occupied their local hospital and have issued a statement saying it is now fully under workers control. 

The general hospital of Kilkis in Greece is now under workers control. The workers at the hospital have declared that the long-lasting problems of the National Health System (ESY) cannot be resolved.
The workers have responded to the regime’s acceleration of fascism by occupying the hospital and outing it under direct and complete control by the workers. All decisions will be made by a ‘workers general assembly’.
The hospital has stated that. “The government is not acquitted of its financial responsibilities, and if their demands are not met, they will turn to the local and wider community for support in every possible way to save the hospital defend free public healthcare, to overthrow the government and every neo-liberal policy.”
From the 6th February, hospital workers will only deal with emergencies until their wages, and monies owed have been paid. They are also demanding a return to wage levels prior to the implementation of austerity measures.
The next general assembly will take place on the 13th, and a related press conference will be given on the 15th.
The following statement has been issued by the workers:

1. We recognize that the current and enduring problems of Ε.Σ.Υ (the national health system) and related organizations cannot be solved with specific and isolated demands or demands serving our special interests, since these problems are a product of a more general anti-popular governmental policy and of the bold global neoliberalism.
2. We recognize, as well, that by insisting in the promotion of that kind of demands we essentially participate in the game of the ruthless authority. That authority which, in order to face its enemy - i.e. the people- weakened and fragmented, wishes to prevent the creation of a universal labour and popular front on a national and global level with common interests and demands against the social impoverishment that the authority's policies bring.
3. For this reason, we place our special interests inside a general framework of political and economic demands that are posed by a huge portion of the Greek people that today is under the most brutal capitalist attack; demands that in order to be fruitful must be promoted until the end in cooperation with the middle and lower classes of our society.
4. The only way to achieve this is to question, in action, not only its political legitimacy, but also the legality of the arbitrary authoritarian and anti-popular power and hierarchy which is moving towards totalitarianism with accelerating pace.
5. The workers at the General Hospital of Kilkis answer to this totalitarianism with democracy. We occupy the public hospital and put it under our direct and absolute control. The Γ.N. of Kilkis will henceforth be self-governed and the only legitimate means of administrative decision making will be the General Assembly of its workers.
6. The government is not released of its economic obligations of staffing and supplying the hospital, but if they continue to ignore these obligations, we will be forced to inform the public of this and ask the local government but most importantly the society to support us in any way possible for: (a) the survival of our hospital (b) the overall support of the right for public and free healthcare (c) the overthrow, through a common popular struggle, of the current government and any other neoliberal policy, no matter where it comes from (d) a deep and substantial democratization, that is, one that will have society, rather than a third party, responsible for making decisions for its own future.
7. The labour union of the Γ.N. of Kilkis will begin, from 6 February, the retention of work, serving only emergency incidents in our hospital until the complete payment for the hours worked, and the rise of our income to the levels it was before the arrival of the troika (EU-ECB-IMF). Meanwhile, knowing fully well what our social mission and moral obligations are, we will protect the health of the citizens that come to the hospital by providing free healthcare to those in need, accommodating and calling the government to finally accept its responsibilities, overcoming even in the last minute its immoderate social ruthlessness.
8. We decide that a new general assembly will take place, on Monday 13 February in the assembly hall of the new building of the hospital at 11 am, in order to decide the procedures that are needed to efficiently implement the occupation of the administrative services and to successfully realise the self-governance of the hospital, which will start from that day. The general assemblies will take place daily and will be the paramount instrument for decision making regarding the employees and the operation of the hospital.
We ask for the solidarity of the people and workers from all fields, the collaboration of all workers' unions and progressive organizations, as well as the support from any media organization that chooses to tell the truth. We are determined to continue until the traitors that sell out our country and our people leave. It's either them or us!
The above decisions will be made public through a news conference to which all the Mass Media (local and national) will be invited on Wednesday 15/2/2012 at 12.30. Our daily assemblies begin on 13 February. We will inform the citizens about every important event taking place in our hospital by means of news releases and conferences. Furthermore, we will use any means available to publicise these events in order to make this mobilization successful.

We call
a) Our fellow citizens to show solidarity to our effort,
b) Every unfairly treated citizen of our country in contestation and opposition, with actions, against his'/her's oppressors,
c) Our fellow workers from other hospitals to make similar decisions,
d) the employees in other fields of the public and private sector and the participants in labour and progressive organizations to act likewise, in order to help our mobilization take the form of a universal labour and popular resistance and uprising, until our final victory against the economic and political elite that today oppresses our country and the whole world. 


 Publicado em

06/02/12

O Acordo Ortográfico e o CCB

Pelo que percebi, Vasco Graça Moura decidiu que não vai aplicar o novo AO no CCB. Muita gente tem dito que cada um é livre de escrever como quer na sua vida pessoal, mas que, no seu trabalho numa instituição pública, devem respeitar a ortografia "oficial".

Eu até nem vou por aí - por mim VGM até pode escrever na ortografia clássica nos ofícios e circulares que escrever como dirigente do CCB. O meu ponto é outro: quase que aposto que 99% dos textos produzidos no CCB não são escritos por VGM (se calhar até os ofícios e circulares são escritos nos serviços administrativos e ele assina). Ora, se um qualquer trabalhador do CCB escrever um texto na nova ortografia*, o que é que VGM vai fazer? Obrigá-lo a escrever o texto de novo? Levantar-lhe um processo disciplinar (por estar a cumprir um tratado assinado e ratificado por Portugal)?

É um pouco como certo comentários que se vêm em blogs, foruns, etc., com pessoas dizendo-se professores e dizendo que vão continuar a ensinar a ortografia antiga - e se um aluno responder no teste com a nova ortografia? Vão marcar errado?

*admito que o exemplo possa ser hipotético e que toda a gente prefira escrever na velha ortografia

04/02/12

E porque não um regime legal de jejum subsequente?

É óbvio que, se os pobres ainda não compreenderam que devem ser o que são e conduzir-se em consequência, as autoridades às quais compete gerir e fazer render a pobreza em benefício da economia que a reclama, tenham de punir pedagogicamente essa ignorância socialmente interessada dos pobres, e compreende-se que o façam, do proveito extraindo exemplo e vice-versa, acabando com delapidações tão chocantes, como a tolerância de ponto do Carnaval. Aliás, não seria de estranhar que tal medida viesse completada pela imposição legal de um jejum subsequente, a regulamentar depois de ouvidos os parceiros sociais responsáveis, que poderia passar a cobrir todo o período da Quaresma.

03/02/12

Adversativas, causais e finais

Razão tem, é claro, José Simões ao sustentar: "Tem razão Pedro Passos Coelho quando diz que 'Já estamos pobres. Alguns é que não deram conta disso'". Mas PPC ainda mais razão teria, e daria a José Simões, se dissesse: "Já estamos pobres, mas alguns enriquecem(os) com isso"; ou: "Já estamos pobres, porque alguns enriquecem(os) com isso"; ou: "Já estamos pobres, e vamos continuar a empobrecer para que alguns enriqueçam(os) com isso".

Anonymous


Nathan Schneider aborda neste texto as similitudes ideológicas entre o colectivo Anonymous e o movimento Occupy. Tal como já tinha referido aqui, ambos são sintoma de uma mudança fundamental na ideologia prevalecente, sobretudo entre as gerações mais recentes. Depois de, durante várias décadas, a ideia de comum e colectivo ter perdido força, em detrimento dum individualismo egoísta, exacerbado e exibicionista, assistimos ao seu renascimento por via das possibilidades colaborativas abertas pelo desenvolvimento digital. Não estamos, no entanto, a voltar às ideologias colectivistas dominantes durante grande parte do século passado, que advogavam a manutenção (mesmo que por vezes apenas "transitoriamente") de estruturas hierárquicas de Poder. Como Nathan Schneider descreve neste seu outro texto,

"(...)in the words of Occupy Wall Street’s Principles of Solidarity, the basic unit of political life is not the ballot box but “autonomous political beings engaging in direct and transparent participatory democracy.” Though they might be wired to the teeth, the political beings of Planet Occupy carry out their democracy face to face, in well-coordinated small groups that operate by consensus. It’s “participatory as opposed to partisan,” adds the Statement of Autonomy, suggesting that the aim on Planet Occupy is for all voices to be heard, rather than for one party to prevail over others. Those with “inherent privilege” defer whenever possible to others. The consolidation of power is discouraged, and resisted when necessary.(...)"

Não é assim surpreendente alguma dificuldade de comunicação e entendimento entre as novas estruturas em desenvolvimento, e os tradicionais colectivos de resistência à ordem prevalecente, como partidos e sindicatos. De entre os novos colectivos, Anonymous destingue-se pela sua radicalidade (não-)organizativa, e pela sua capacidade para minar a resposta repressiva do sistema, destabilizando as suas linhas de comunicação e tornando transparente o seu funcionamento. Gabriella Coleman publicou recentemente um interessantíssimo texto sobre o colectivo Anonymous, do qual destaco o parágrafo final:

"One of Occupy Wall Street’s most powerful gestures has been to position its radically democratic decision-making process, represented by the agora of the General Assembly, against the reining corporate kleptocracy. Though this brand of horizontalism has a rich history with many roots, there is a particularly strong resonance in the relationship between the formal structure and the political aspirations of Anonymous. And Anonymous is organized not only around a radical democratic (at times chaotic and anarchic) structure but also around the very concept of anonymity, here constituted as collectivity. The accumulation of too much power—especially in a single point in (virtual) space—and prestige is not only taboo but functionally very difficult. The lasting effect of Anonymous may have as much to do with facilitating alternative practices of sociality—upending the ideological divide between individualism and collectivism—as with attacks on monolithic banks and sleazy security firms. This is the nature of the threat posed by Anonymous, and it is aptly symbolized by the Guy Fawkes mask: a caricature of the face of a sixteenth-century British failed regicide and the namesake of a holiday marked by bonfires celebrating the preservation of the monarchy; used by a dystopian comic book and then Hollywood film as the visage of anarchist terrorism and now turned into an icon of resistance—everything and nothing at once."

Occupy Wall Street from triple canopy on Vimeo.


02/02/12

Campanhas de trocas

Uma cadeia de estaminés que vende livros e electrodomésticos incendiou a opinião bem pensante da Pátria. Para tal, bastou sugerir aos seus clientes que trocassem um dos intocáveis tesouros da nossa Cultura maiúscula por um escrito a pingar sangue made in Hollywood. Isto à boleia de um trocadilho sem grande pilhéria. Enfim. A iniciativa, ao envolver a AMI, até tinha méritos; pena o tiro no pé. 
Também poderiam ter procurado outra forma divertida de sugerir a troca de livros sem adubar a ideia – prevalecente na malta jovem – de que “Os Maias” são um mono a descartar à primeira oportunidade, velharia para trocar na Feira da Ladra mal surja na mira uma cena mais gira e modernaça. 
A obra já faz figura de monstro a predar a mente tenra de muitos estudantes; dispensavam-se ligações a vampiros, lobisomens e demais fauna do outro mundo. Por mim, acho bem isto das trocas. Para que precisa uma nação de camareiros das belas-letras? Vá-se o Eça. Para receber turistas de espinha bem vergada, que falta faz o orgulho ilustrado? Troquemos já o Pessoa, a Paula Rego, o Emmanuel Nunes. Acolhamos ainda mais fundo nas nossas alminhas as Shakiras, as Meyers, etc. Pensemos ainda menos, que talvez sejamos mais felizes.
 Ou a ideia oposta: troquemos de governo, por um que dê provas de saber o que faz. De povo, por um que não suporte de ser cavalgado. De alma, por uma limpa de fatalismo e cobardia. Parece-me bom, este plano. Mas, citando o Sá Carneiro, seria grande estopada. Muita areia para a nossa furgoneta.

01/02/12

Recado para o Tribunal Constitucional

Noronha do Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, teve ontem uma intervenção muito interessante na cerimónia de abertura do ano judicial. Lembrou, a quem enche a boca com a necessidade de retirar direitos (adquiridos) aos trabalhadores, inclusivé direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa, e a quem (o actual governo) põe em prática essa estratégia, que essa faca tem dois gumes. É que (também) há direitos (adquiridos) muito queridos a todos esses personagens, como o direito à propriedade. Claramente, Noronha do Nascimento pretendeu deixar um recado ao Tribunal Constitucional: reflictam bem sobre as consequências dum eventual chumbo deste pedido de inconstitucionalidade do Orçamento de Estado para 2012, porque podem estar a criar um precedente que acabará por afectar a quem servem. Espero (sentado) que quem ache que não há nada de errado em o Tribunal constitucional decidir efectivamente suspender a Constituição, de modo a prejudicar os trabalhadores, com o argumento de que o país está em crise, depois não fique espantado, quiçá indignado, quando um futuro governo decidir nacionalizar sem indemnizar (estou esperançoso).