Deixando para outra oportunidade (ela certamente não deixará de se apresentar) o comentário à "luta política e por carreiras que surge dentro das universidades atiçada pela escassez dos financiamentos" ou a questão de saber quem pretende "criar na universidade capelinhas que reflectem a luta política", importa esclarecer que não corresponde à verdade factual que o convite para participar no Itinerário histórico do 25 de Abril incluísse a informação de quem o organizava.
O convite que recebi incluía toda a informação disponível no site da iniciativa, com a excepção da que nos informa que a entidade organizadora é o Governo de Portugal. Ei-lo:
Tão pouco se compreende porque razão seria uma "forma retorcida de fazer política" sem "qualquer fundamento sério" afirmar que a coordenação científica de uma iniciativa promovida por uma entidade equivale a uma colaboração com essa entidade. O significado do verbo "colaborar" não se altera apenas porque alguém sente desconforto com a sua utilização em determinado contexto. Raquel Varela colabora com o governo na realização de uma iniciativa comemorativa do 25 de Abril, com as funções de coordenadora científica. O que escrevi aqui sobre o assunto não diz mais nem menos do que isso e eu continuo a não duvidar das boas intenções dos participantes na iniciativa.
É difícil compreender como é que se pode considerar que todo o trabalho
intelectual e público deve estar sujeito à crítica pública e depois
apresentá-lo como um trabalho técnico comparável às escolhas de um
engenheiro. Mas o mais caricato é que Raquel Varela desqualificou há poucos dias António Araújo como "um fanático conservador que é assessor de Cavaco Silva", utilizando um juízo político para passar por cima dos seus argumentos historiográficos e denunciar o "uso da mentira que aparece legitimada como simples opinião ou crítica livre" (e isto depois de, na sua resposta publicada no Ípsilon, agradecer-lhe a leitura do seu livro e afirmar crer "que o debate pode ser muito interessante"). Afinal de contas os critérios para avaliar o que cada um escreve sobre a Revolução Portuguesa são exclusivamente científicos, exclusivamente políticos ou variáveis consoante as conveniências de cada momento?
Confesso que não tenho capacidades para acompanhar a velocidade furiosa a que os argumentos e esclarecimentos são avançados, alterados, refutados e recauchutados, pela mesma pessoa e no espaço de poucos dias. O que escrevi sobre o processo revolucionário terá os seus méritos e deméritos, como todos os trabalhos historiográficos, mas nunca me ocorreu chamar às minhas opiniões "científicas" para evitar debatê-las em pé de igualdade com quem pensa de outra maneira. Assumo a esse respeito uma posição defendida num livro colectivo acerca da Revolução Portuguesa:
Esta aparente diversidade na celebração do 25 de Abril encerra em si uma clivagem determinante da sociedade portuguesa hoje e a sua tradução nas ciências sociais é idêntica: regime democrático e luta pela igualdade social, a dicotomia que atravessou o biénio 1974-75 em Portugal continua a atravessar - objectivamente - a sociedade hoje, bem como a historiografia e a politologia sobre a Revolução dos cravos.