14/04/14

Uma via possível para superar o impasse

No seguimento do texto a que fiz anteriormente menção, Jerome Roos defende que a situação em Itália aponta um possível caminho para ultrapassar o impasse em que se encontra actualmente a contestação às formas mais avançadas de Capitalismo (em inglês):

(...)Isto levanta uma questão interessante: teremos algo a aprender com os processos de base actualmente em curso na Itália? Creio que a resposta é sim - e eu acho que devemos dar especial atenção à composição social ampla e ao "projeto comum" que sustentam tais processos de base.(...)

(...)O que é necessário é uma única bandeira capaz de sustentar uma ampla coligação popular, atrás de um conjunto de objectivos e princípios partilhados. Na Itália, este projecto é referido como "una sola grande ópera: casa e reddito per tutti". Este projeto, por sua vez, baseia-se numa década de experiência local de organização em torno do princípio "the right to the common".(...)

(...)a exigência de renda e habitação não é apenas um apelo reformista moderado em face de uma crise devastadora. Quando os manifestantes em Roma exigem uma renda, a maioria está a referir-se a um rendimento básico incondicional; e quando falam de habitação, referem-na não apenas como um direito humano, mas como um bem comum. Assim, estes movimentos não estão simplesmente a fazer uma exigência ao governo. Em vez disso eles estão a reafirmar um objetivo revolucionário, a separação da necessidade humana de abrigo e sustento da dependência social do trabalho assalariado e da troca mercantil. Isto constitui uma re-imaginação radical do conceito de valor.(...)
 
(...)A formulação da habitação como um bem comum e da renda como um benefício universal, tem, portanto, o potencial de ampliar em muito os nossos horizontes políticos. Em primeiro lugar, a noção de rendimento básico incondicional estilhaça a ideia subjacente à exploração, segundo a qual as pessoas devem vender a sua força de trabalho (...) para sobreviver. (...) E fornece uma alternativa concreta para combater o profundo sentimento de ansiedade induzido pela precariedade do trabalho. (...) desligar a satisfação das necessidades básicas da dependência do trabalho assalariado teria implicações profundamente transformadoras para as relações sociais e na natureza da vida cotidiana.(...)

(...)Em segundo lugar, como David Harvey tem repetidamente mencionado nos últimos anos (...), a noção de habitação como um bem comum tem similarmente implicações radicais a um nível fundamental da economia capitalista. Ao quebrar a contradição entre valor de uso e valor de troca, a habitação enquanto bem comum reconhece o valor superior da necessidade básica de abrigo e segurança sobre o valor improdutivo e totalmente fictício associado ao investimento especulativo no mercado imobiliário. Como tal, dispensa a ideia fundamentalista de mercado que uma casa é antes de tudo um valor de troca; uma convicção totalmente irracional que tem produzido um mundo em que milhões de pessoas sem-teto encontram-se lado a lado com milhões de casas desabitadas.(...)

(...)Na América do Norte e outros países europeus, coligações similares são possíveis, desde que os ativistas consigam identificar as causas comuns que podem ser aproveitadas para reunir grupos diferentes de pessoas, que de outro modo não partilhariam a mesma linguagem política e que não estariam muito inclinados a trabalhar juntas. O truque é identificar os pontos fracos do sistema e identificar as queixas diárias que estão na raiz dos problemas sociais e na base da reprodução dia-a-dia do capitalismo. Isto permitiria aos movimentos desafiar as relações de poder fundamentais do sistema por meio de intervenções direccionadas(...)

(...)parece-me que há uma mensagem importante aqui: talvez uma maneira de superar a paralisia em que se encontram muitos movimentos seria a de começar a elaborar uma visão muito mais clara para onde realmente queremos ir. Alguns chamarão a tal visão anarquismo, outros poderão querer colar-lhe o rótulo de socialismo ou comunismo, e a maioria das pessoas provavelmente não quererão atribuir-lhe um nome. Mas enquanto não começar-mos a traduzir estes conceitos abstractos que nos dividem em objectivos concretos que possam realmente juntar-nos (...) um primeiro passo útil para superar as nossas inúmeras diferenças, ampliando horizontes políticos, e recuperar um senso de direção para os anos difíceis que se avizinham.

1 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado por partilhar esta reflexão, muito oportuna.