Uma coisa que me parece não ser bem explicitada nas polémicas sobre "isolamento vertical" (pôr só os elementos de grupos de risco em quarentena) vs. "horizontal" (toda a gente de quarentena) é que se se puser só os grupos de risco (p.ex., hipertensos, diabéticos e/ou pessoas com mais de 60 ano) de quarentena, vai ter que ser, para esses, uma quarentena mais rigorosa do que se se puser toda a gente de quarentena.
Explicando melhor: compare-se uma situação em que toda a gente reduz os seus contactos sociais em 90% com uma em que os grupos de risco reduzem os seus contactos em 90% e as outras pessoas continuam a ter uma vida social normal; no segundo cenário, haverá indubitavelmente mais pessoas-não-de-risco a ficar doentes (na realidade, nalgumas estratégias, como a da "imunidade comunitária", a ideia é mesmo essa) - mas como, dos poucos contactos que as pessoas-de-risco continuam a ter, alguns são de pessoa-não-de-risco, assim aumenta também a possibilidade das pessoas-de-risco serem contaminadas. Ou seja, se queremos libertar as pessoas-não-de-risco da quarentena mas não aumentar o perigo para as pessoas-de-risco, estas últimas têm de reduzir ainda mais os seus contactos interpessoais (estilo, em vez de serem 10% do que era antes, passar a ser 1% ou coisa assim).
Na verdade, muita dessa conversa parece feita como se a quarentena/lockdown/o que lhe queiramos chamar consistisse numa redução de 100% dos contactos sociais (e, aí, efetivamente, não faria diferença para os grupos de risco o que os não-de-risco fariam); um exemplo disse é quando, face à objeção "não é possivel isolar completamente os membros dos grupos de risco", os defensores dos "isolamento vertical" respondem "então como é que querem isolar toda a gente?", como se só fosse possível, ou reduzir os contactos sociais a zero ou então mantê-los no seu nível normal.
Mas, provavelmente algures na transição entre uns animais parecidos com as atuais tupaias para uns animais parecidos com os atuais lémures, alguns nossos antepassados desenvolverem um grau de interdependência social dentro de grupos relativamente grandes que torna praticamente impossível agora voltarmos atrás a reduzirmos os nossos contactos sociais (ou pelo menos contactos sociais fora da família nuclear) a zero (e a divisão do trabalho que se desenvolveu ainda mais com a Revolução Industrial ainda torna mais impossível essa quarentena a 100%).
Ainda este respeito,What does 'isolate the vulnerable' even mean?, por Philip Klein, no Washington Examiner.
10/05/20
04/05/20
Calamidades
por
José Guinote
Primeira calamidade: que o estado de calamidade tenha sido decretado por um período manifestamente excessivo. Demasiado tempo para o Governo - fosse ele qual fosse - poder actuar sem o necessário enquadramento da Assembleia da República. Não me parece que fosse necessário manter qualquer um dos regimes que implicam alguma forma de excepção constitucional.
Segunda calamidade: que na área da saúde não tenha ficado claro, desde já, que irá haver um reforço dos meios materiais e humanos do Serviço Nacional de Saúde. Reforço acompanhado pela melhoria salarial destes profissionais, que tão importantes foram para proteger o povo português. Reforço que devia impedir a situação que se viveu com o adiamento de cirurgias em muitas áreas tendo essa opção determinado, nalguns casos, perdas de vida evitáveis.
Terceira calamidade: que o Governo através dos sinais que está a transmitir à sociedade aponte no sentido de reforçar o negócio privado na saúde - renovação da PP do Hospital de Cascais e canalização de cirurgias que estão em espera no SNS para os privados. Numa altura em que o SNS mostrou que sem a sua actuação não teria havido resposta para a pandemia.
Quarta calamidade - que o Governo pouco ou nada tenha feito para ajudar as famílias em maiores dificuldades. Entregando, por exemplo, aos cidadãos mais pobres, pelo menos a esses, que eram 2 milhões antes do covid mas aumentaram muito com esta crise, um verba suficiente por cada um dos meses em que para eles poderem comer e dar de comer aos seus filhos se tornou uma verdadeira impossibilidade.
Quinta calamidade - que na sociedade portuguesa a caridade esteja a ganhar espaço, cada vez mais espaço, aos mecanismos de redistribuição da riqueza e sejam eles a compensar a omissão do Governo. São exemplos as famílias a ocorrerem em número cada vez maior aos bancos alimentares e às refeições servidas pelas escolas e outras instituições. Gente pressionada pela pobreza extrema e pela fome sua e dos seus.
Sexta calamidade - que o Governo já tenha vindo reforçar a sua decisão de recusar em 2021 aumentos decentes aos funcionários públicos. O Governo bate palmas à GNR, à data do seu aniversário, bate palmas aos profissionais do SNS, elogia os professores, agradece aos trabalhadores dos serviços municipais, que nunca pararam de assegurar a recolha do lixo, o tratamento dos esgotos, o abastecimento de água. Mas depois das palmas ficará a austeridade e a habitual desconsideração destas classes profissionais.
Sétima calamidade - que esta pandemia sanitária esteja já a transformar-se numa enorme pandemia social, numa sociedade em que como cantava o Chico Buarque "a dor da gente não sai no jornal", referindo-se certamente aos mais desfavorecidos da sociedade, que são muitos e ignorados.
Segunda calamidade: que na área da saúde não tenha ficado claro, desde já, que irá haver um reforço dos meios materiais e humanos do Serviço Nacional de Saúde. Reforço acompanhado pela melhoria salarial destes profissionais, que tão importantes foram para proteger o povo português. Reforço que devia impedir a situação que se viveu com o adiamento de cirurgias em muitas áreas tendo essa opção determinado, nalguns casos, perdas de vida evitáveis.
Terceira calamidade: que o Governo através dos sinais que está a transmitir à sociedade aponte no sentido de reforçar o negócio privado na saúde - renovação da PP do Hospital de Cascais e canalização de cirurgias que estão em espera no SNS para os privados. Numa altura em que o SNS mostrou que sem a sua actuação não teria havido resposta para a pandemia.
Quarta calamidade - que o Governo pouco ou nada tenha feito para ajudar as famílias em maiores dificuldades. Entregando, por exemplo, aos cidadãos mais pobres, pelo menos a esses, que eram 2 milhões antes do covid mas aumentaram muito com esta crise, um verba suficiente por cada um dos meses em que para eles poderem comer e dar de comer aos seus filhos se tornou uma verdadeira impossibilidade.
Quinta calamidade - que na sociedade portuguesa a caridade esteja a ganhar espaço, cada vez mais espaço, aos mecanismos de redistribuição da riqueza e sejam eles a compensar a omissão do Governo. São exemplos as famílias a ocorrerem em número cada vez maior aos bancos alimentares e às refeições servidas pelas escolas e outras instituições. Gente pressionada pela pobreza extrema e pela fome sua e dos seus.
Sexta calamidade - que o Governo já tenha vindo reforçar a sua decisão de recusar em 2021 aumentos decentes aos funcionários públicos. O Governo bate palmas à GNR, à data do seu aniversário, bate palmas aos profissionais do SNS, elogia os professores, agradece aos trabalhadores dos serviços municipais, que nunca pararam de assegurar a recolha do lixo, o tratamento dos esgotos, o abastecimento de água. Mas depois das palmas ficará a austeridade e a habitual desconsideração destas classes profissionais.
Sétima calamidade - que esta pandemia sanitária esteja já a transformar-se numa enorme pandemia social, numa sociedade em que como cantava o Chico Buarque "a dor da gente não sai no jornal", referindo-se certamente aos mais desfavorecidos da sociedade, que são muitos e ignorados.
01/05/20
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