31/07/10

Retenções na escola

Hoje, a Ministra da Educação sugeriu acabar com as retenções no ensino básico.

Eu à partida tendo a discordar - afinal, se uma pessoa não aprendeu a matéria, faz sentido que lhe volte a ser ensinada essa matéria até ela a conseguir aprender, em vez de passar para a matéria seguinte.

Uma analogia - imagine-se que se está a ensinar crianças a nadar; se, ao fim de um dado numero de aulas, uma criança ainda não aprendeu a nadar, o que se deve fazer? Continuar a tentar ensiná-la a nadar, ou (mesmo sem ela saber nadar) mandá-la para aulas de mergulho sub-aquático a alta profundidade? Imagino que seguir a segunda hipótese fosse provocar muitos afogamentos...

No entanto, a minha posição sobre o assunto não é muito forte, já que a experiência empírica dos países da Europa do Norte parece contradizer o que a lógica me diz (não têm reprovações, mas têm excelentes resultados educativos). Assim, incentivo os leitores a quw discutam o assunto na caixa de comentários.

Saul Alinsky



Saul Alinsky (1909 - 1972) foi um dos mais brilhantes organizadores comunitários nos Estados Unidos. Durante toda sua vida ajudou quem pouco tinha a organizar-se, e a fazer frente ao Poder. Os seus conselhos e estratégias, resumidos nos livros Reveille for Radicals (1946) e Rules for Radicals (1971), influenciaram os métodos utilizados para organizar a agitação estudantil nos campus americanos durante os anos 60. Durante as últimas eleições presidenciais nos EUA, o nome de Saul Alinsky tornou-se de novo conhecido, agitado pela Direita paranóica como prova duma conspiração comunista para tomar de assalto os USofA (quem nos dera!). É que os dois viveram perto durante alguns anos, e terão, talvez, trocado algumas palavras... para além de que Barack Obama, tal como Hilary Clinton (que escreveu em 1969 uma tese sobre Saul Alinsky), ter trabalhado em organizações comunitárias.

O que Saul Alinsky defendeu e escreveu há 40 anos atrás continua a ser espantosamente válido, e o seu livro Rules for Radicals é leitura importante para quem pretenda criar uma dinâmica maioritária para a mudança radical. Não é para estômagos leves, nem para almas puras. Saul Alinsky era um pragmático, para quem a validade dos meios não podia ser considerada isoladamente, mas apenas tendo em conta a probabilidade de sucesso e os fins que se pretende atingir. Aqui podem ler uma introdução às ideias de Saul Alinsky.

30/07/10

Ainda sobre "As explicações que o PCP não dá"

Ao meu post desta manhã sobre As Explicações que o PCP não dá, e incitado por alguns comentários não propriamente inesperados de que o mesmo foi objecto, gostaria de acrescentar aqui algumas precisões.
Comecemos por uma experiência mental. Imaginemos que o Querido Líder da Coreia do Norte resolvia reformar o regime de monarquia absoluta a que preside e convocar eleições para uma Assembleia Constituinte, que elaboraria uma nova lei fundamental, instaurando um regime representativo do tipo existente no nosso país, no qual o Partido do Querido Líder não teria qualquer privilégio constitucional. Não é seguro que o PCP deixaria de incluir o regime da Coreia do Norte na lista dos "países que definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista "?

Mas porque o faria, então? A resposta não é menos evidente: porque o partido do Querido Líder passaria a ser o de um Super-Traidor ao negar-se, sob a condução do chefe, como partido de vanguarda, inspirado na leitura que o PCP faz dos princípios do marxismo-leninismo.
E porque o não faz agora, perante a realidade do actual regime do Querido Líder, apesar de todas as distâncias que sugere ser correcto manter perante a via coreana para o socialismo? Porque, apesar de todas as distorções, desvios, divergências, o regime norte-coreano mantém o que, aos olhos do PCP, é o traço distintivo dos regimes que "definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista" - a saber: "Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia". Esse traço distintivo, que justifica que sejam enumerados numa lista à parte, num quadro de honra que os põe acima dos outros governos ou movimentos "progressistas" que se opõem ao imperialismo (alguns países islâmicos, alguns movimentos latino-americanos, etc., etc.), consiste no monopólio da direcção política e económica por um partido cujo privilégio absoluto e os poderes discricionários se justificam, uma vez mais, pela afirmação do "objectivo [d]a construção de uma sociedade socialista".
A razão das não-explicações do PCP reside, pois, no apego da sua direcção a um modelo de sociedade e tipo de regime que são sinónimos do seu poder absoluto de direcção política e económica, acima da vontade ou opinião dos governados e independente destas.

Como, há já alguns anos, bem viu o camarada Luis Rainha, é o apego a este modelo e os interesses ligados à sua reprodução no interior do aparelho que explicam a decadência do PCP e o levam a prever a sua extinção gradual. Escrevia o Luis, em Novembro de 2004:
O PCP não vai morrer por teimosa fidelidade a ideais que já há muito pedem revisão profunda. Não falecerá por medo de se transformar numa coisa outra que mete o medo do desconhecido. Não é o idealismo nem sequer a saudade que tolhe qualquer ímpeto de mudança. Se fosse alguma destas a "causa provável" que irá ser inscrita na certidão de óbito do PCP, a agonia que agora testemunhamos ainda mereceria o nosso respeito. Ou, pelo menos, alguma pena.
Não. Trata-se apenas de vontade de poder. De uma clique minúscula, entrincheirada nas caves da Soeiro Pereira Gomes, que não imagina um mundo onde não possua aquele pequenino poder de indicar gente para o Comité Central, de decidir quem é ou não "de confiança". Gente como o "operário" Domingos Abrantes prefere por certo mandar em quase nada do que nada mandar. Os outros, os mil cúmplices neste enterro prematuro, são gente ainda mais pequena: os "camaradas" que não podem mesmo perder o emprego no partido, na câmara ou nos SMAS. Ou então malta que só sabe viver em bicos dos pés, aproveitado ínfimas tribunas – como a defunta marioneta que é o CPPC – mesmo que tal implique a cumplicidade com os zombies da Soeiro.

Por fim, considerem-se estas palavras de Castoriadis, a que já aludi noutras ocasiões e que estabelecem uma distinção importante entre o estalinismo e os seus avatares, por um lado, e o totalitarismo nazi: " [um partido estalinista] está condenado a dizer uma coisa e a fazer o contrário: fala de democracia e instaura a tirania, proclama a igualdade e realiza a desigualdade, invoca a ciência e a verdade e pratica a mentira e o absurdo. É por isso que perde muito rapidamente a sua influência sobre as populações que domina. Mas é também por isso que aqueles que aderem ao comunismo, pelo menos antes da sua chegada ao poder (…) [e]stão possuídos por uma 'ilusão revolucionária', acreditam de um modo geral que o Partido Comunista visa realmente instaurar uma sociedade democrática e igualitária. É por isso que um comunista que descobre a monstruosidade do 'comunismo realizado' pode soçobrar psiquicamente, ou tornar-se social-democrata, oiu manter um projecto de transformação social radical desembaraçado do mmessianismo marxista-bolchevique. Um fascista ou um nazi não pode descobrir, nas suas crenças anteriores, nada que o incite a mudá-las" (C. Castoriadis, Uma Sociedade à Deriva. Entrevistas e Debates, 1974-1997, Lisboa, 90 Graus, 2006, p. 300).

Aqui a pergunta a fazer é a seguinte: e que se passa quando da "ilusão revolucionária", do apelo à pulsão democrática radical do início, já nada resta, excepto algumas fórmulas rituais cada vez menos convincentes, mais vazias e com menos capacidade de preensão sobre a realidade, e é sobretudo da imagem estereotipada de uma versão de "justiça" que não dissimula aquilo a que o Luis chama a "vontade de poder", ou do fantasma de uma dominação incondicional e ad legibus soluta, que a propaganda e acção do partido tira a sua força de atracção remanescente?
Pois bem, dir-se-ia que passamos então de um partido que - pela sua forma de organização, concepções da representação da classe pela vanguarda autodesignada de "profissionais da revolução", etc., etc. - já constituía, embora se dissesse "comunista", um obstáculo maior à luta pela emancipção e acesso à condição governante dos trabalhadores e do conjunto dos cidadãos, a um partido em cujas fileiras os "possuídos por uma 'ilusão revolucionária',[que] acreditam (…) que o Partido Comunista visa realmente instaurar uma sociedade democrática e igualitária" serão e contarão cada vez menos.

Os da burka e o seu chefe

Este repto do Miguel Serras Pereira, só por si, tinha obrigação de envergonhar intelectualmente os vendedores de duplicidades. Mas como pedir tanto a gente que patrulha a blogosfera de burka enfiada e se “de cima” os exemplos são o que se sabe?

Veja-se como Ângelo Alves (da Comissão Política do PCP onde, formalmente, é o responsável pelas relações internacionais) se posiciona perante o processo actual de libertação dos prisioneiros políticos cubanos através de um artigo publicado no penúltimo “Avante”. Naturalmente que o bom senso aconselharia a que, dado que o governo cubano pactuou a libertação dos seus presos políticos, se moderassem os termos de confronto e ódio com que estes são caracterizados. Aliás, as autoridades cubanas fizeram-no e fazem-no como não podia deixar de ser pois seria um absurdo que a cidadãos a que se continuasse a chamar de mercenários, traidores, gente a soldo de potências estrangeiras, se lhes desse a liberdade e a oportunidade de exílio. O governo cubano sabia que quem tinha na prisão eram “delinquentes de opinião” e que tinha necessidade de resolver esse problema, dando-lhe recorte de acto humanitário preferencialmente negociado com o Vaticano e o governo espanhol. Mas, para Ângelo Alves (AA), para os da burka, para o PCP, Cuba não tem nem nunca teve presos políticos. Reconhecê-lo seria um deslize para a natureza pantanosa da evidência de que todas as experiências de poder exercidas por partidos comunistas descambaram em repressão dirigidas por Estados policiais. Portanto “mais papista que o papa”, AA conserva intacto todo o seu arsenal de injúrias aos dissidentes cubanos tratando-os como criminosos e gente mercenária ao serviço de potências estrangeiras (repetindo, curiosamente, o argumentário repressivo utilizado em Portugal pela PIDE para se referir aos combatentes clandestinos do PCP). E refere-se ao “Projecto Varela” (um movimento animado internamente pela oposição moderada da democracia cristã) como sendo um plano para derrubar pela força o governo cubano quando o que dele constava, apenas, era uma ampla discussão sobre uma revisão constitucional que permitisse a normalização da vida democrática segundo um consenso a sair da sociedade cubana. E quando AA insulta os dissidentes cubanos, curiosamente não tem palavras iradas contra Manuel Orrio (“Miguel”), o dissidente interno mais radical e que foi o principal promotor da iniciativa que levou aos contactos com James Casson em Havana. E porque é que AA poupa Orrio? Porque a solidariedade dele e do PCP para com a ditadura cubana naturalmente abrange a cumplicidade com o seu aparelho policial e os seus esbirros, incluindo os infiltrados e Orrio, após a grande vaga de prisões, terminado o seu “trabalho”, revelou-se como agente policial da secreta cubana no que foi devidamente louvado pelas autoridades. Uma pinga de vergonha de AA que, nas suas funções partidárias, coordena as actividades de propaganda do PCP (directamente, ou através da Associação de Amizade Portugal-Cuba e da CGTP) ao regime cubano e à sua ideologia, em que a Embaixada de Cuba em Portugal se desdobra em múltiplas acções de propagandas muitas vezes envolvendo o próprio embaixador, devia moderar-lhe o ímpeto de ser tão radical a condenar o envolvimento e apoio de uma embaixada estrangeira em actos de propaganda política ou ideológica. E sobre fundos de potências estrangeiras para financiar revoluções e outras questões, claro que o melhor que a prudência recomendaria para aquela banda seria o clássico “cala-te boca!”.

Reconhecer um néscio nada tem a ver com esquerdas ou direitas

Para o comprovar, basta ler esta – ou esta – reacção a mais uma invenção idiota do inenarrável Henrique Raposo.

Portugal entregue à bicharada

O deputado João Galamba recorre a essa poderosa ferramenta do raciocínio científico, o «Como é evidente, ninguém de boa-fé pode acreditar» para lançar cuspidelas sobre os procuradores do caso Freeport. O cérebro prodigioso do Galamba não pára aqui: «não percebo por que razão não se avança imediatamente para um processo disciplinar e, dependendo do resultado do mesmo, para o despedimento dos dois senhores procuradores. Por justa causa.» Ele acha não sei o quê evidente, logo não percebe como é que não se lança logo os biltres para o desemprego ou até para a fogueira.
Repito: isto é um deputado da nossa desgraçada AR.

Declaração de interesses: conheço desde que nasci um dos procuradores em causa e sei da sua inquebrantável dedicação à justiça e ao trabalho. O que já representa muito, muito mais do que o Galamba sabe de todo o processo.

Ainda e sempre, o terrorismo em Israel

Viver na sua terra sob o terror permanente de ser espancado ou alvejado. Assim se fortalece a "única democracia do Médio Oriente".

Os ratos paridos pela montanha afinal são canibais

O júbilo nas hostes socráticas durou muito pouco. Hoje, já a ex-primeira-dama-na-clandestinidade se queixa dos procuradores e decreta, com a ajuda do esquálido Diário do Regime, «não haver nas perguntas qualquer relevância criminal».

Explicações que o PCP não dá

Sempre que a natureza do regime da Coreia do Norte - e também da (dita por antífrase) República Popular da China - vem à baila, aparecem militantes, simpatizantes, "companheiros de jornada" do PCP, secundados algumas vezes por outros expoentes da síntese das diversas experiências do "socialismo realmente existente" em vista da reactualização do seu programa, que reagem dos dois modos seguintes:

1. Qualquer denúncia da natureza dos regimes em causa é equiparada a uma defesa do imperialismo norte-americano e dos intuitos belicistas de Washington, pelo que os autores das denúncias são considerados defensores do capitalismo e da ordem existente.
2. Quando os acusados de servidores do imperialismo e da oligarquia do capital, ripostando, sublinham que os seus acusadores avalizam como "socialistas", "progressitas" ou dirigidos por "partidos-irmãos", regimes de exploração que nada ficam a dever nessa matéria aos piores exemplos da esfera "ocidental", o protesto passa a ser que "lá estão eles" a caluniar o PCP e a sua área política, uma vez que nem o Partido nem o seu eleitorado defendem os regimes de tipo coreano - ou, também, chinês.

Ora, se efectivamente o regime da Coreia do Norte, nos termos usados por Domingos Lopes, no momento da sua ainda recente ruptura pública com o PCP, "não passa de uma ditadura familiar brutal que abusivamente se apoderou do simbolismo do socialismo para o ridicularizar", enquanto a RPc "emerge como uma ditadura do aparelho do partido e do aparelho militar com vista à implantação do capitalismo com o mínimo de sobressaltos sociais" (e aqui eu diria, não como Domingos Lopes, "com vista à implantação do capitalismo", mas com vista ao reforço e intensificação da ditadura de uma economia capitalista - mas adiante) - se efectivamente é esta a realidade, não se compreende porque é que os referidos militantes ou "companheiros de jornada" do PCP condenam como pró-imperialistas os que denunciam as duas monstruosas ditaduras, em vez de saudarem a sua luta contra regimes, com os quais o PCP também não quer que o identifiquem, como solidária da luta contra a ordem global estabelecida e as suas iniquidades e prepotência.

Será que devemos entender que, embora não se identificando com as concepções e práticas norte-coreanas e chinesas, o PCP reconhece às duas experiências inspirações solidárias da sua lusa via para o socialismo, apesar das distorções causadas pela pressão belicista do imperialismo de Washington? Mas, nesse caso, seria necessário explicar como é que, tanto do ponto de vista da mobilização popular interna como do ponto de vista da tomada de consciência dos explorados ao nível internacional, podem contribuir para outra coisa que não seja "dar armas ao capital ocidental" regimes que transformam os seus países em enormes campos de trabalhos forçados, suprimem as liberdades civis e políticas, promovem uma desigualdade estrutural inseparável do tipo de governo que impõem aos seus povos. Como seria necessário explicar em que é que o sectarismo, o dirigismo, o horror à discussão das suas directivas e concepções e, em suma, a divisão do trabalho político no interior do PCP e no tipo de relação que adopta com o exterior contribuem para o desenvolvimento de uma alternativa democrática ao governo da oligarquia do capital nas regiões portuguesa e europeia.

29/07/10

Se calhar, os porcos clamaram triunfo cedo de mais

«Nesta fase, importaria, não obstante a ausência de qualquer proposta neste sentido por parte da Polícia Judiciária, proceder à inquirição do então ministro do Ambiente, actual primeiro-ministro, e do então secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, actual ministro da Presidência».
Pode ser que ainda lá cheguem. Ou que no julgamento dos solitários acusados mais se venha a saber.

As minhas musas

Lançaram-me o repto. E, mesmo naufragado no meio da minha inépcia, tive mesmo de acorrer. Como resultado, deixo-vos aqui a minha versão das Disquieting Muses de Sylvia Plath. É próxima ao original: nos significados, nos implícitos, nas escolhas lexicais. Mas para reconstruir com maior fidelidade o ritmo e a dolente atmosfera do poema, já teria eu de ser algo que não sou: poeta. Mesmo assim, gostava de saber se o meu atrevimento valeu a pena. Aguardo os vossos veredictos.

E, já agora, fiquem também com uma versão em Castelhano, de José Luis López Múñoz.


Mas que será, para esta gente, o "interesse transversal de toda a população"? A vontade de mijar?

O PSD fez há pouco uma contratação no terreno do adversário: Nilza Moutinho de Sena é socióloga e vice-presidente dos laranjinhas. Mas não pensem que um pensamento estruturado sobre as ciências sociais vai de repente contaminar e fecundar o deserto de ideias costumeiro para aquelas bandas. O que se passa, aparentemente, é o exacto oposto.
Proclama a recruta: «a cultura não pode ser uma entidade abstracta de elites, pensada para um nicho populacional e desagregada do interesse transversal de toda a população.» isto, traduzido do sociologuês, é apenas mais uma tirada contra o elitsmo dos subsidiodependentes, que não cuidam de imitar o La Féria e continuam a produzir "cultura" para nichos, ignorando o tal sacrossanto anseio transversal.
Para esta malta, acabada de chegar ou sexagenária, a Cultura é assim como que um produto, pensado e produzido como se fosse um detergente ou uma gama de pensos higiénicos. Pior: esta diáfana ideia de cultura é importada do século XIX, ignorando todas as subsequentes reflexões sobre indústrias culturais, públicos, gatekeeping, etc., etc. Como é que uma professora pode produzir uma vacuidade do tamanho de «uma entidade abstracta de elites» sem prosseguir directamente para o obrigatório seppuku?
Não: há uma gente elitista que produz umas óperas, umas exposições e umas peças desprezadas pelas comichões transversais do bom povo. Seja elas o que forem.

Numa espécie de democracia bernardina

Seis horas en posición de firmes delante del Palacio de la Cultura Popular de Pyongyang (Corea del Norte) ha sido el castigo impuesto a los jugadores de la selección de fútbol tras su eliminación en el Mundial. Peor destino ha sufrido su entrenador, que ha sido castigado a trabajos forzados.

(publicado também aqui)

Sobre os direitos dos animais

Re-posto (ligeiramente alterado)  um comentário que fiz n'O Insurgente:

A respeito dos "direitos dos animais", eu acho que seria mais correcto falar em “direitos de animais”: há muito mais semelhanças entre um chimpanzé e um humano do que entre um chimpanzé e um sagui; há mais semelhanças entre um touro e um humano do que entre um touro e uma rã-touro. Assim, quer a conversa de “os animais têm direitos” (pondo no mesmo plano seres tão distintos como humanos, chimpanzés, saguis, touros e rãs-touros) quer a que “os animais não têm direitos” (pondo no mesmo plano seres tão distintos como chimpanzés, saguis, touros e rãs-touros) não me parecem fazer grande sentido.

Quanto ao argumento "os animais não têm direitos, porque não têm deveres": realmente, imagino que o meu “Pantufa” seja alheio ao conceito de direitos e deveres, já que ele está instintivamente preparado para ser um caçador solitário, só se relacionando com outros animais da mesma espécie para a procriação; no entanto, o “Rokkie” dos meus primos está instintivamente preparado para funcionar num bando organizado e hierarquizado, cujos membros estão unidos por obrigações reciprocas e por relações de status, sendo a opinião de quase todos os peritos no assunto de que a sua relação com os humanos é simplesmente a ocupação por humanos dos lugares de topo da hierarquia, mas mantendo intacto o aparato social “natural”; ora, nesse caso, qual é a diferença entre isso e ter “direitos e deveres”? Afinal, o instinto do “Rokkie” é seguir aos seus superiores hierárquicos (que neste caso têm a peculiaridade de andar em duas patas) o que é mais ou menos a mesma coisa que ter “deveres”. Logo, tendo deveres, também terá direitos, não?

28/07/10

O nacional-proibicionismo

Sujeitos que não entendem patavina daquilo que não gostam, não conseguindo passar da repulsa bárbara assente em clichés, transformando os diferentes em idiotas para facilitar o caminho do nojo, estão encantados com o proibicionismo catalão antitaurino. Pois, muito bem, meus caros, perder ou ganhar é a mesma democracia. Por mim, fico à espera que o proibicionismo chegue à Andaluzia, o que talvez não aconteça já na próxima semana. Mas os proibicionistas Rui e Luís podiam ter dito uma palavrinha sobre o fundo da questão, a do nacionalismo de faca e alguidar, pois aqui a tourada é mero pretexto de anti-espanholismo. Aquilo não é repulsa a sangue de toiro bravo. É sede de ver a Espanha partir-se aos pedaços. Se necessário, com outros sangues. Como aqui comentou o meu amigo Daniel:

No dude usted de cuáles son los verdaderos motivos por los que en Cataluña se han prohibido las corridas de toros: Porque son un símbolo de España. Lo de la tortura al animal y esas milongas es secundario.

No se trata de un asunto de compasión hacia los animales, sino de manipulación política. Esta vez la víctima fue la tauromaquia.

Cataluña sigeu dando pasos atrás en la historia. Ahora, los aficionados catalanes se verán obligados a viajar a Perpiñán, en Francia, para ver una corrida de toros. Como en la época de Franco, cuando iban allí a comprar los libros y ver los films que la dictadura prohibía.

(publicado também aqui)

Este "gajo" é mesmo do género chunga

E pensar que é com criaturas deste calibre que o PSD nos quer governar...

O triunfo dos touros?

Acho bem que se proíbam as corridas de touros. Na Catalunha, aqui, em Barrancos. Não pelos bichos em si, que me parecem apenas montanhas de bifes com cornos e má atitude face à vizinhança. Sim pelo absurdo que é termos espectáculos, daqueles com venda de bilhetes e tudo, centrados na mutilação, no infligir de feridas, no sangue de animais. Por muita arte, tradição e histórias que haja à volta daquilo, nada atenua este meu desgosto. E não me venham com o símile da pesca desportiva, a não ser no dia em que ela seja feita com farpas (umas quantas por atum) e ao som de musiquetas pavorosas, com Lilis e Dons Qualquercoisa a aplaudir.

Inspirações, transpirações, conspirações e outras teorias

Hoje, não sou catalão



(publicado também aqui)

O triunfo dos porcos?

 A blogosfera lusa, notório coito de malucos e extremistas, tem assistido, no consulado Sócrates, ao nascimento de uma curiosa casta de acólitos. Há a versão compreensível, de gente que tem ordenados ou afinidades várias a manter. Mas há a versão rábida e incansável, sem grande explicação à vista. Gente que até parecia saber pensar desistiu de usar as suas faculdades cognitivas antes de escrever, trocando-as por cartilhas rígidas e previsíveis: Sócrates nunca nada de estranho ou suspeito fez (das casas pavorosas ao Freeport, passando pela licenciatura, pelas pressões inaceitáveis sobre alguma Imprensa); figuras esquisitas como Vara, Rui Pedro Soares, "Miguel Abrantes" ou Ricardo Rodrigues são afinal todas impolutas, vítimas, nobres criaturas manchadas por cuspidelas de veneno insidioso. Nem uma racha desfigura esta muralha de certezas, nem uma dúvida tinge estas prosas justas e furiosas.
Agora, com a confirmação da ausência de Sócrates de mais um banco dos réus, abriu-se o curro dos insultos: o nada recomendável Mário Crespo passa a "porcalhão". Assim mesmo, com todas as letras, menos as de um nome que caiba num processo por injúrias.
Até a fúria missionária devia conhecer algum decoro. Mas não. De "filho da puta" a "pica-na-merda", já esta malta, mesmo a que gosta de se armar em vítima, lançou mão de quase tudo. Mas, afinal, talvez se limitem a seguir o exemplo do chefe: a proximidade ao poder sempre regou, em Portugal, as sementes da impunidade e da pesporrência.
Fiquem, no entanto, com um naco de sabedoria popular: também o porco julga que come tudo, mas acaba por dar o toucinho aos outros.

Questões para quem perceba de traduções

Sempre me pareceu exercício heróico, a descambar para o insano, a tradução de poesia. Preservar sentidos sem trucidar ritmos, melopeias, equilíbrios delicados entre pausas e abismos. Uma língua que conheço bem, o Inglês, parece-me colocar riscos suplementares, pela quantidade de vocábulos com duas ou três sílabas, convenientes peça de um Lego lexical com que se pode montar quase tudo, com dispêndio mínimo de letras.
Vem esta angústia a propósito de um poema de Sylvia Plath, The Disquieting Muses. Tendo sido inspirado por uma obra do meu pintor preferido, nunca se me despegou da memória desde a primeira ocasião em que o li, lembrando-me de um ou dois versos sempre que olho para a pintura homónima.
Agora, dei com uma tradução. Que me parece cair bastante mais para o lado da traição: o ritmo entaramelou-se, várias expressões foram traduzidas de forma infeliz e mesmo a atmosfera geral do poema – opressiva, angustiada e fatalista, como a imagem na sua raiz – soa deslaçada e esbatida. No entanto, descubro com  espanto que a tradutora é alguém com nome e responsabilidades neste mister agreste.
E fico na dúvida: haveria melhor forma de traduzir The Disquieting Muses? Ou seria sempre atrevimento condenado à desgraça? Por outro lado, será que a disseminação de versões, diversas e fatalmente estranhas à obra original, diminui o poema ou apenas multiplica o seu brilho por facetas novas e inesperadas?
Já agora, note-se que Giorgio deChirico pintou, depois de renegar a sua fase metafísica, dezenas de cópias desta obra, num exercício patético (ou heróico?) de auto-plágio...


PS: claro que o título do post é uma pequena provocação ao MSP...

27/07/10

Tem a Palavra a Camarada Joana Lopes

Sob o avisado título "Discutimos, sim", a camarada Joana Lopes, no seu Brumas, acaba de escrever talvez o post do ano. Porque  - a pretexto da evocação da morte de Salazar há quarenta anos - se trata aqui de nada menos do que da plataforma revolucionária da democracia.
Assim: «Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu dever.»
Resta que os cidadãos se organizem e assumam como partes do debate ou "discussão" em causa e lhe dêem a prioridade prática e política que merece.

Hobsbawm sobre a "Política da identidade"

Com a devida vénia ao Esquerda Republicana e um abraço de agradecimento ao Ricardo Alves, aqui fica um excerto de uma conferência de E.J. Hobsbawm sobre "A Política da Identidade e a Esquerda", bem como o link para o texto completo da sua intervenção. Além das pistas de reflexão e debate que se esforça por abrir e propõe como urgentes num plano mais geral, a referência a esta tese de Hobsbawm é hoje especialmente oportuna no contexto do Vias,  se tivermos presentes as questões levantadas pelo post que o nosso camarada João Tunes aqui publicou ontem e cuja discussão continua na respectiva caixa de comentários.

So what does identity politics have to do with the Left? Let me state firmly what should not need restating. The political project of the Left is universalist: it is for all human beings. However we interpret the words, it isn’t liberty for shareholders or blacks, but for everybody. It isn’t equality for all members of the Garrick Club or the handicapped, but for everybody. It is not fraternity only for old Etonians or gays, but for everybody. And identity politics is essentially not for everybody but for the members of a specific group only. This is perfectly evident in the case of ethnic or nationalist movements. Zionist Jewish nationalism, whether we sympathize with it or not, is exclusively about Jews, and hang—or rather bomb—the rest. All nationalisms are. The nationalist claim that they are for everyone’s right to self-determination is bogus.
That is why the Left cannot base itself on identity politics. It has a wider agenda. For the Left, Ireland was, historically, one, but only one, out of the many exploited, oppressed and victimized sets of human beings for which it fought. For the ira kind of nationalism, the Left was, and is, only one possible ally in the fight for its objectives in certain situations. In others it was ready to bid for the support of Hitler as some of its leaders did during World War ii. And this applies to every group which makes identity politics its foundation, ethnic or otherwise.
Now the wider agenda of the Left does, of course, mean it supports many identity groups, at least some of the time, and they, in turn look to the Left. Indeed, some of these alliances are so old and so close that the Left is surprised when they come to an end, as people are surprised when marriages break up after a lifetime. In the usa it almost seems against nature that the ‘ethnics’—that is, the groups of poor mass immigrants and their descendants—no longer vote almost automatically for the Democratic Party. It seems almost incredible that a black American could even consider standing for the Presidency of the usa as a Republican (I am thinking of Colin Powell). And yet, the common interest of Irish, Italian, Jewish and black Americans in the Democratic Party did not derive from their particular ethnicities, even though realistic politicians paid their respects to these. What united them was the hunger for equality and social justice, and a programme believed capable of advancing both.

Empiria da conspiração


Nunca fui grande entusiasta dos exercícios a que comummente se chama “teorias da conspiração”. A ideia de querer explicar o inexplicado com explicações ainda mais inexplicáveis sempre me pareceu mais cómica do que produtiva. Não houve virgens a planar em Fátima porque se tratou apenas de discos voadores. Ou: todas as incongruências visíveis na história do 11 de Setembro explicam-se graças a um plano arquitectado pela administração do presidente americano mais tonto do século; houve centenas de cúmplices dedicados a falsificar um ataque de terroristas e nunca ninguém conseguiu lobrigar provas de tal.
Assim, foi sem grandes expectativas que me dediquei a ver o célebre documentário (deve ser o único alguma vez publicitado com graffitis na linha de Cascais) Zeitgeist. Erro meu: aquilo é tão delirante, tão afastado do mundo real que até se torna divertido. Há invenções alucinadas para todos os gostos: a propósito de Cristo, do Natal, do 11 de Setembro, etc., etc. Trata-se talvez do mockumentary mais engraçado desde This is the Spinal Tap.
Mas será inocente? Será que insistir em mitos já claramente desmentidos, como a inexistência de destroços de avião no Pentágono é mesmo um erro pueril de fanáticos imunes à realidade? Ou será a feitura de filmes assim a melhor forma de “normalizar” à força pedaços das narrativas do mundo que não encaixam bem no adorado e fulcral “senso comum”? Despejar uma bela camada de ridículo sobre as visões “alternativas” de alguns eventos-chave; não será esse o melhor caminho para evitar a propagação de mais dúvidas, questões, descobertas incómodas? (E eis que nasce uma linda teoria da meta-conspiração...)
É como digo. Não aprecio as teorias da conspiração mas admiro quem se entretém a desmontar com minúcia o relógio do avô, sempre exacto e de confiança, descobrindo ali algumas engrenagens que giram no sentido contrário ao esperado, parecendo até ter uma outra função que não apontar as horas, por exemplo (não posso concluir a frase, pois este blogue não dispõe de recursos criptográficos com a necessária robustez). Encontrar nos locais mais banais o acontecimento incongruente, a emergência inexplicada de uma outra história, de um vasto continente ignorado – largando o lastro inútil da tentativa de solução, do absurdo maior a cobrir o choque do inesperado.
O vídeo acima é vestígio de uma dessas raras ocasiões. Onde o estranho se dá a ver ao mundo, sem anestesia nem camuflagens. Irredutível. Tão imune a teorias que nem sequer figura no famoso Zeitgeist. Falo, claro, do anúncio, em directo na transmissão da BBC, da queda do WTC 7. Um anúncio feito 20 minutos antes da derrocada – que então pareceu totalmente inesperada – acontecer.
Nestes minutos, observamos uma bizarra viagem no tempo: a jornalista que especifica algumas características do edifício destruído com o mesmo bem visível atrás dela. A súbita perda de sinal da transmissão quando o script defeituoso se aproximava da obrigatória coalescência com o tempo da queda efectiva do edifício. Depois, podemos ainda abrir mais a boca de espanto com o sumiço miraculoso dos arquivos da BBC de todos os registos vídeo do dia mais significativo das últimas décadas.
Mas não adianta inventar teorias para preencher os espaços nestes buracos tão evidentes. A resposta, a haver alguma, será sempre ou mais simples ou muito mais complexa do que agora conseguimos imaginar. E talvez o Zeitgeist tenha sido programado para nem se aproximar dos seus territórios. Antes pelo contrário.

Só de pensar que o "Público" já esteve entregue a isto, sinto um arrepio

Para José Manuel Fernandes, denunciar crimes de guerra é mais um «filme dos pacifismos que acabam em tragédias humanas inimagináveis». Ainda por cima, uma reprise, dado que estas fugas «pouco ou nada acrescentam ao que já se sabia» (incluindo, ao que parece, a história do massacre levado a cabo por soldados polacos, talvez à laia de retaliação). Para a mesma luminária, o «julgamento de alguns líderes do khmer vermelhos que decorre no Cambodja» representa mais uma das funestas consequências desse pacifismo.
Não sei o que impressiona mais: a parcialidade, a estreiteza de vistas, a ignorância histórica ou simplesmente a falta de inteligência de quem expõe de modo tão cândido tais deficiências. Mas convém não esquecer que este senhor é o mesmo que há uns dias apresentava imagens da abertura de um centro comercial em Gaza como suposta prova do bem-estar que por ali se respira.

“Nojo” é mesmo o que está na cabeça desta malta

Mal Pilar del Rio deu a entender que gostaria de ser portuguesa, logo se indignaram as criaturas rascas do costume. Afinal, inferem eles que tanto proclamam o seu amor pela Pátria, se ela quer esta nacionalidade, só pode mesmo ser por vis interesses materiais. De caminho, lá se propaga a história dos 700.000€ em dívida ao fisco espanhol (são 171.000, como reconhece o próprio artigo lincado), recusando-se o artista a evitar a propagação do exagero, mesmo depois de ser alertado para o lapso.
Note-se que o título deste pequeno vómito é “Agora sim, entramos em período de nojo”. O que causa tanto asco a esta malta? Simples. Pilar, «em conjunto com o seu marido, ou individualmente, demonstrou desilusão, mágoa e injustiça, mas nunca afinidade, admiração com o nosso País» – passando em claro o desconjuntado linguajar, reparemos que nem uma só prova desta acusação se apresenta. Talvez porque esta é daquelas verdades "que todos sabem". E pumba.
Estes patrioteiros só admiram uma espécie de portugueses: os que se vestem de branco e navegam para o pôr-do-sol a fim de morrerem em glória, arrastando os seus homens para o fundo do mar. Alguém como Saramago passa-lhes sempre ao lado. E que a sua mulher de décadas queira agora partilhar algo mais com ele, só lhes invoca o tal “nojo”. Valores como o génio ou o amor não entram nos seus compêndios do heroísmo luso, que  só pode ser regado a sangue e tripas.

Choque de civilizações


Os megafundos de investimento dos Emirados Árabes Unidos (EAU) andam às compras em Portugal. Até agora foi para ver as montras. As mais apelativas: as empresas que estão no plano das privatizações (EDP, REN e ANA), algumas tecnológicas (Ydreams e Alert), outras tantas oportunidades nas renováveis e no turismo, explicou fonte conhecedora das negociações. [...]
Esta aproximação aos megafundos do Médio Oriente - a maioria construiu fortuna a partir do petróleo - faz parte da estratégia de diversificação das fontes de financiamento da economia portuguesa e de parceiros comerciais. Isto numa altura em que o investimento directo estrangeiro (IDE) líquido produtivo que entra na economia tem caído de forma notória desde 2006, chegando ao mínimo de sete anos em 2009 (ver texto ao lado).
Fundos árabes interessados nas privatizações portuguesas

26/07/10

Para uma história social da inflação


Daniel, um pequeno reparo histórico. A inflação não "veio com o 25 de Abril". A inflação passou a ser noticiada  graças à liberdade de imprensa possibilitada pelo 25 de Abril e analisada com maior rigor devido à sistematização - pelo INE  - dos dados sobre preços, até aí disponíveis apenas para seis centros urbanos (Lisboa, Porto, Faro, Coimbra, Setúbal e Braga) e para certos produtos/despesas. A política económica adoptada durante o PREC para estabilizar salários e preços permitiu mesmo conter e fazer recuar ligeiramente a taxa de inflação, que foi superior a 20% em 1973, como nos informa José Pedro Castanheira aqui
Naturalmente que nenhum Governo Provisório se arriscaria a liberalizar as rendas num momento daqueles. Seria apenas um incentivo para o calote colectivo, a generalização das ocupações selvagens e o incremento da auto-construção. De resto, muitas das habitações em causa estavam em condições de habitabilidade muito precárias e só o seu baixo preço justificou a permanência dos seus habitantes. Seria um bom exercício tentar avaliar até que ponto o aumento das rendas em muitas dessas situações seria suficiente para garantir aos proprietários um retorno do  investimento necessário para tornar as suas casas apetecíveis. Um apartamento sem casa de banho ou sem espaço e condições para a máquina de lavar roupa, não se torna atractivo só por ser na Mouraria ou em Alfama. O mercado de habitação em Portugal não funciona porque os proprietários desenvolveram uma concepção absolutamente rentista da sua posição, compreensível  aliás, se tivermos em conta a mentalidade habitual da burguesia indígena. Onde há casas, eles só vêm receitas, da mesma maneira que onde há trabalhadores, outros só vêm despesas. O resto, bom o resto são histórias de empreiteiros e muito cimento onde faziam falta outro tipo de soluções. Os patos-bravos levantam sempre voo ao crepúsculo.

Lá fizeram a vontade à senhora

Depois de oitocentos e doze anúncios prematuros por parte da procuradora Cândida Almeida, a coisa finalmente acontece: o DCIAP deu por concluído o processo Freeport. Sem que Sócrates alguma vez tenha entrado no lote de arguidos. Mas muita revelação ainda pode sair de um julgamento com dois acusados; quando o barco afunda, os roedores não primam pela solidariedade.

Felizmente, agora não caíram bombas em Pristina

O nacionalismo, incluindo o nacionalismo inscrito no internacionalismo, ou já não é o que era ou é outra coisa diferente de há poucas décadas atrás. Por exemplo, o Kosovo. Lembro-me das secas que levava nas décadas de setenta e oitenta dos maoistas pró-albaneses que, sempre tão profundamente internacionalistas e tão minimamente nacionalistas, colocavam a autonomia e a independência do Kosovo como a causa maior do proletariado mundial. Quanto aos brejnevistas, longínquas já as décadas de nojo perante o titismo, a Jugoslávia integrava como suporte da ditadura local e camarada o reconhecimento da supremacia sérvia e, portanto, o Kosovo não passava de um tabu. Nos conflitos balcânicos que trouxeram a guerra de regresso à Europa, viu-se que o crime, a guerra, a carnificina, não iam parar até tropeçarem na questão do Kosovo. A Jugoslávia foi-se descascando como se fosse uma cebola em strip-tease, triturando ódios e corpos, repetindo crimes até à obscenidade. A orgia de crime e sangue só parou com a adição das bombas da NATO em cima dos sérvios. E, depois, quando parecia que nem a Albânia já estava interessada e motivada pelo Kosovo, este território decidiu-se independente. Entre a indiferença quase geral. Até os sérvios, em vez de bombardearem Pristina, protestaram politicamente e recorreram ao Tribunal Internacional. Perderam a causa e continuam a não bombardear Pristina. E os kosovares fizeram assim a modos que uma festinha. Não mais que isso vale hoje o Kosovo. Andaram tantos a matarem pelo Kosovo para quê?

(publicado também aqui)

Tudo afinal corre bem pior do que se imaginava

«But the logs demonstrate how much of the contemporaneous US internal reporting of air strikes is simply false.»
Entre enganos, disparates e crimes inconcebíveis, assim se vai perdendo uma guerra.

25/07/10

Fome de sábado à noite

Ontem à noite, a caminho de um jantar de anos. Há uma agitação no passeio, um fluxo de homens em redor de uma carrinha. Cada um tem um prato na mão. Alguns ficam ali junto à rua, conversando como se numa esplanada banal, outros correm para as escuridões dos prédios, encarquilhados pela vergonha ou talvez pela fome. Alguém ali distribui refeições quentes. A “sopa dos pobres”. E é tão mais bruto ver aquilo ali, rente à nossa pele, do que na TV. Ali, a informação sobre a pobreza que já corrói Lisboa não está confinada a uma caixinha que se pode mudar para outras paragens com um toque no comando. Ali, a fome habita gente que vemos durante o dia, que passa por nós na rua, sem um indício, sem um sinal demasiado evidente da miséria. Os “novos pobres”, como lhes chamam na tal caixa mágica. São estas pessoas que estão a cair para fora da vista do Estado, para fora das artérias mais movimentadas, dependentes da caridade de voluntários. É nestas pessoas que devíamos pensar sempre que ouvimos falar em mais cortes neste ou naquele apoio social. Ou quando vemos o Paulo Portas de dedinho no ar e sorriso predador, a cuspir demagogia sobre “os que não querem trabalhar”. Mas também há os outros, os que mesmo sem reportagens da TV estão ali a distribuir o conforto possível, enquanto Lisboa se apresta para o jantar, para os copos, para mais uma noite de sábado. Evitando o contacto entre olhares, envergonhados ou com medo nem sei de quê, lá seguem os convivas do jantar, com os seus saquinhos da Fnac de súbito tão flácidos e feios.

24/07/10

Manuel Alegre e os empresários "subestimados"

Quando li esta declaração de Manuel Alegre a propósito do que o distingue de Cavaco Silva:  "Eu não…sou adepto de uma economia de mercado, mas acho que o mercado não é Deus. Não se pode sobrepor ao Estado, ao interesse geral ou às nações" —, confesso que a minha primeira reacção foi pensar que, apesar da ilustre plêiade de economistas - dos marxistas, como Francisco Louçã, aos institucionalistas e polanyianos, como João Rodrigues - que o rodeiam, o candidato estava a confundir "economia de mercado" e "economia com um mercado", podendo este funcionar, não como princípio organizador, mas como um meio de provisão de bens destinados ao consumo (privado), sendo a força de trabalho ou mão de obra excluída do seu âmbito (da condição de mercadoria). Se fosse esta a posição de Manuel Alegre, compreender-se-ia que ele a reivindicasse como traço que o distinguiria das concepções fundamentais de Cavaco Silva e do primado que essas concepções atribuem à economia política dominante.
No entanto, para ser possível uma interpretação semelhante das suas palavras, seria necessário que, com imprecisões terminológicas (de importância secundária) ou sem elas, Manuel Alegre dissesse ou sugerisse inteligivelmente que o mercado da economia que tinha em mente estaria subordinado, pelas condições da sua "incrustação" ou "incorporação" institucional no conjunto da sociedade, à democratização da economia (modo de organização e funcionamento do trabalho e das empresas) e a uma política de igualização dos rendimentos assegurando que o voto de cada cidadão enquanto consumidor teria o mesmo peso nesse mercado de provisão dos bens de consumo.
Ora, quaisquer considerações deste género brilham pela ausência tanto na entrevista acima linkada como no conjunto dos discursos e declarações em matéria de política económica de Manuel Alegre. O mais que se pode dizer, pensando nesta ou naquela alusão ao conceito equívoco de "Estado estratega", é que Manuel Alegre defende um papel regulador do Estado mais forte do que Cavaco Silva, podendo afirmar-se como defensor, contra o neoliberalismo do seu rival, de uma "economia social de mercado" ou de um "Estado social".
Não vou entrar aqui na análise das insuficiências democráticas deste modelo nem na ambivalência social e política do tema da necessidade de um "Estado forte" como resposta à crise. Tenho-o feito mais ou menos regularmente neste blogue e alhures, insistindo na necessidade de não se confundir o reforço do papel do Estado com a extensão, através da intervenção dos cidadãos,  de um espaço público democrático capaz de alterar efectivamente as relações de poder que governam uma economia que hoje é um lugar supremo do poder que nos governa, e tanto mais arbitrariamente quanto mais denega a sua natureza política. Importa-me apenas sublinhar que, até mesmo no que se refere à definição e consistência do papel regulador do "Estado social" ou da estratégia económica do "Estado estratega" que tem vindo a propor, as posições de Manuel Alegre enfermam de uma indecisão profunda e profundamente inquietante.
As indecisões ou "meias-tintas" ficaram há tempos patentes nos termos em que o "candidato da esquerda" comentou o PEC e na benevolência com que aceitou praticamente na íntegra a ideia da inexistência de alternativas na matéria. Agora reemergem, avassaladoras, nas declarações que fez no final de um encontro com empresários do distrito de Santarém e que Manuel António Pina esvaziou de uma penada, em mais uma das suas crónicas exemplares:
Não foram tornados públicos os sintomas de que os empresários se queixaram a Alegre, mas o candidato já fez o diagnóstico e já tem a solução: segundo a Lusa, se for eleito, irá dar atenção a questões como, entre outras, a "carga fiscal" e a "actuação do Fisco". Aparentemente, os empresários sentir-se-ão "subestimados" por terem, como os restantes portugueses (que, ao contrário dos empresários, em vez de "criar riqueza" só dão despesa), que pagar impostos e por o Fisco lhos cobrar.

23/07/10

Blasfémias contra a realidade

Paulo Morais também anda em cruzada contra a existência do Estado. E para tal recorre às mais poderosas das armas: a imaginação e a demagogia. Aparentemente, a crise resolvia-se com «a redução drástica do número de políticos, pelo menos para metade». Claro que, para gáudio do povão, esta classificação abarca «directores-gerais, funcionários superiores, assessores, administradores e outros doutores.» Brilhante: é doutor, logo é político, logo merece um corte.
O homem encarniça-se contra ministérios e reduz a pó as freguesias: «autarquias sem sentido, cujas competências próprias são pouco mais do que a gestão de cemitérios e cuja principal actividade é mendigar apoios às câmaras»;  convencendo-nos de que não tem ideia do que é a vida em Portugal, pelo menos a mais de cem metros do seu umbigo.
Fica-se até a pensar que o blasfemo nem sabe grande coisa do que comenta quando se lê uma passagem assim: «coexistam concelhos com quatro mil habitantes e outros com 200 mil, cujas câmaras dispõem do mesmíssimo modelo de gestão». Ora coisas elementares como o número de vereadores (e os que desempenham o cargo em exclusividade) dependem do número de habitantes de cada concelho. O que parece indiciar que o modelo de gestão poderá não ser invariante, mas enfim.
A receita continua a refulgir o simplismo do costume: «Privatize-se o sector empresarial do Estado, fonte de todos os prejuízos, de toda a corrupção e compadrio, ninho de escândalos como o "Face Oculta"». Todos os prejuízos do mundo vêm do Estado (incluindo os da CGD, por exemplo) e os escândalos até nem envolvem privados.
Deve ser tão reconfortante morar num mundinho tão singelo, claro e pequeno...

Para acabar de vez com a política (II)

Um aspecto interessante neste post do João Miranda é que ele (e todos os que responderam "excelente texto"), largemente, "abre o jogo" e confirma o que o Daniel Oliveira escreve aqui:

DO - "Pagando pelos serviços do Estado, quem paga mais impostos fará pressão para pagar menos. O caminho está traçado: Campos e Cunha e vários economistas já propõem a taxa fiscal plana. Ou seja, preparam o País para o Estado assistencialista em vez do Estado Social redistributivo"

JM - "A eliminação das regras constitucionais que suportam o actual sistema público abre um conjunto de possibilidade que poderão desestabilizá-lo (...) Mais importante, reduzem o apoio político ao financiamento do sistema público através dos impostos. Se uma grande parte da população tiver que pagar aquilo que agora é gratuito, passa-se mais facilmente para o lado daqueles que defendem a redução de impostos."

Para quem disfruta trabalhando (cont.)

Reporta o Dallas no spectrum:

A petição “Antes da Dívida Temos Direitos” foi chumbada pelo parlamento. O seu objectivo era regularizar a condição endividada de milhares de trabalhadores a falsos recibos verdes, acabando com um regime injusto que sobrecarrega quem menos tem, em nome dos interesses de quem mais tem.
Com os votos do PS e do CDS, o projecto de resolução aprovado demonstra uma astuta habilidade em mudar tudo, sem nada mudar. Doravante, o trabalhador a recibo-verde, caso queira ver a sua situação resolvida, deverá avançar com uma acção judicial com vista à "definição da natureza do vínculo laboral". Aparentemente, nada há de injusto nesta proposta a não ser um simples facto: tal não irá acontecer.
Obrigar o trabalhador a recibo-verde a interpor uma acção judicial contra o patrão significa, em termos práticos, o despedimento. Aliás, a dispensa, uma vez que o estatuto legal do recibo-verde não é o de trabalhador, mas sim o de agente independente, sem qualquer vínculo com a empresa contratante.
As empresas são territórios de uma luta que se trava diariamente. Ao contrário de muitas análises que partem de uma visão quase orwelliana da realidade, encarando os trabalhadores como uma peça da máquina, sem opinião própria, como uma pura reprodução de uma totalidade espectacular, considero que os trabalhadores não se limitam a levar «porrada», desenvolvendo formas de resistência «disfarçadas», da pequena sabotagem ao boato. Contudo, tais actos são muitas vezes meros feitos individuais, verificando-se frequentemente uma desconfiança em relação ao colectivo. O pendor maquiavélico da proposta «socialista» reside exactamente neste ponto: no reconhecimento de que, perante a inexistência de uma organização política de defesa de interesses, resta ao recibo-verde o isolamento.

Para acabar de vez com a política

O João Miranda resolveu abandonar as falácias em formato soundbyte e lançou-se numa explanação dos seus pontos de vista sobre a sociedade at large.
O começo não é auspicioso: «Grande parte da população educada e culta do país trabalha nos sectores da educação e da saúde». Trata-se claramente de um erro de paralaxe de quem está dentro de um dos sectores elencados; ou isso ou “grande parte” já não quer dizer grande coisa. Adiante.
O mais estranho é mesmo ver como alguém que há anos escreve num blogue político saliva enquanto demoniza e menospreza a Política. Começando logo pelo título da posta, que nos desafia a «despolitizar a sociedade».
Nem vale aqui a pena explicar as origens da palavra ou esclarecer que “Política” não é apenas o Passos Coelho em exercícios de erística com Sócrates; em última análise, o exercício colectivo da política é o que faz de nós cidadãos, não meros habitantes de um dado pedaço de terreno.
Mas JM imagina que poder debater, reivindicar, modificar a vida, tudo isso é sinónimo de coisa má, a expurgar bem depressa. «O mérito, a capacidade de fornecer um serviço a um nicho, a capacidade de gerar ideias inovadoras, tudo isso interessa muito pouco comparado com a capacidade de pensar e agir politicamente»; e claro que esta presença da porca política tem de estar ligado à malfadada esquerda: «uma sociedade socialista e politizada em que o que conta é o poder».

22/07/10

Para quem disfruta trabalhando

foi; em Espanha. Por cá, quando será?

Liberdade de Ensino?

"La familia humana es funcional, y en ese sentido la sexualidad está orientada a la procreación". Esta es una de las premisas principales bajo la que algunos escolares se formarán a partir del próximo curso académico.
El Instituto Valenciano de Fertilidad, Sexualidad y Relaciones Familiares (IVAF), vinculado al Opus Dei, ha desarrollado este programa de orientación y educación sexual para menores de entre cinco y 15 años a instancias de la archidiócesis valenciana.
El programa, denominado Saber Amar Básico Escolar (SABE), pretende concienciar a los jóvenes de que el uso del preservativo "no es solución ninguna", ya que "no previene al 100% los embarazos no deseados ni todas las enfermedades". Así lo afirma Concepción Medialdea, autora del programa que, en declaraciones a PÚBLICO.ES, define a la familia como "funcional y compuesta por un padre y una madre, varón y mujer, entregados por amor".
La segunda unidad del programa consta de un apartado dedicado a la homosexualidad, la cual es tratada "desde el respeto" confirma Medialdea, pero "sin dar tratamiento de familia a las parejas homosexuales, porque obviamente, no es lo más adecuado".
Respecto a la postura que adopta el programa sobre el acto sexual, el cual es considerado "únicamente para procrear dentro del matrimonio y entre un hombre y una mujer entregados, otra fórmula no es válida, no engañamos a la gente".
Para la masturbación también existe un 'manual de buenas costumbres'. Catalogan este acto como "un vicio que lleva a una persona por el camino equivocado, planteando graves problemas en el matrimonio por restarle paciencia a la pareja, que ve satisfechas sus necesidades individualmente".


Há uma pergunta que deveria ocorrer de imediato perante notícias como estas a qualquer cidadão não decididamente hostil aos princípios e direitos derivados dos princípios de liberdade e igualdade que precisamente lhe garantem esse mínimo de cidadania, conquistado através de batalhas seculares, que, frente às oligarquias governantes, e apesar delas, o distinguem de um súbdito institucionalmente vinculado ao serviço de outros seres humanos declarados seus "legítimos superiores".  A pergunta em causa é simples e pode formular-se nos seguintes termos: É isto a liberdade de ensino? Ou, por outras palavras, podem os poderes públicos, que retiram a sua legitimidade dos princípios de liberdade e igualdade, reconhecer e avalizar oficialmente um ensino que transmita e promova concepções religiosas e morais particulares, ministradas sob a égide de organizações confessionais?
Com efeito, no que se refere à educação/formação dos cidadãos membros de uma sociedade, não é evidente que a questão não se resolve dizendo apenas que todos devem ter direito ao ensino, porque há uma batalha a travar em torno do ensino e da sua universalidade, teor e natureza? Não é evidente que a laicidade do espaço público não será garantida se o ensino religioso for consentido na escola pública ou se for dada uma equivalência legal que permita a substituição do ensino público pelo magistério de escolas confessionais? Não é evidente, enfim, que  doutrinação religiosa deverá ser excluída radicalmente do sistema de ensino, e ser permitida apenas, e dentro de certos limites bem definidos,  nos templos e no espaço doméstico, ao mesmo tempo que, no que se refere ao ensino público, deverá ser mantida a sua obrigatoriedade para todos, independentemente das crenças religiosas das suas famílias, uma vez que, aqui, a liberdade política se opõe à chamada "liberdade de ensino", excluindo que a invocação desta última possa ser usada para impedir que todas e todos recebam - como futuros cidadãos adultos - a mesma educação de base, universal e obrigatória, publicamente definida?

A verdadeira "Constituição da República"

Leia-se este excerto da peça jornalística que o nosso sempre mais do que denodado camarada Luis Rainha já aqui citou:

"Temos de ser muito cuidadosos com o nosso relacionamento político com Angola", advertiu ontem o Presidente da República, sublinhando que é preciso "nunca deixar dúvidas de que respeitamos Angola, os seus dirigentes e as opções do povo angolano".
Numa conferência de imprensa que deu ontem ao final da tarde no Lobito, já em jeito de balanço da visita oficial, Cavaco Silva defendeu que as relações com o país de José Eduardo dos Santos devem ser "inteligentes", porque "Angola é um mercado em expansão que pode ser aproveitado de forma crescente pelos empresários portugueses".

Não é preciso grande subtileza para traduzir a profissão de fé de Cavaco Silva na prioridade política absoluta que confere à economia ou à razão económica sobre quaisquer outros valores, princípios ou fins como critérios da "vida boa" ou do melhor regime de governo da sociedade. Mas deveríamos antes examinar que estranho automatismo nos leva a admitir com naturalidade que alguém que faz esta profissão de fé se possa representar e ser representado - pela "opinião" e nos termos do vocabulário corrente - como magistrado de uma "democracia" ou sequer simples "Estado de Direito".
Se o começássemos a fazer, um mínimo de equidade e lucidez levar-nos-ia a reconhecer que - para além da antipatia que Cavaco possa inspirar a muitos de nós - esta sua profissão de fé poderia ter sido feita, em circunstâncias semelhantes, pela esmagadora maioria (e é dizer pouco) da nossa "classe política", constituindo o objecto de um consenso entre as forças políticas "responsáveis" e de um "pacto de regime" mais profundos e efectivos do que tudo aquilo que, na cena política dominante, se entende ou designa por meio desses termos.

Em vão, segundo creio, procuraríamos, por exemplo, entre os candidatos já em campo ou só pré-anunciados às eleições presidenciais, ou, também, entre as "figuras políticas com peso político reconhecido",  uma profissão de fé diferente, em relação a Angola ou a outras realidades, em circunstâncias comparáveis às que presidiram às declarações de Cavaco Silva. Que concluir senão que a profissão de fé de Cavaco é a verdadeira "Constituição da República" - ou melhor, de um regime só por antífrase dito "republicano" e "democrático" e que tem por lei fundamental a razão instrumental da economia, a par do proveito dos detentores dos postos oligárquicos da sua direcção?

O Cobrador do Fraque afinal é o melhor amigo do Zedu

Claro que nada disto tem a ver com isto.

À consideração de José Pacheco Pereira


Alguns dos indivíduos mortos pela PVDE, GNR, PIDE ou DGS durante o Estado Novo, quando este já havia consolidado o seu domínio: Alfredo Dinis, Germano Vidigal, Catarina Eufémia, José Dias Coelho, Sebastião Capilé, José Ribeiro dos Santos.  Se incluíssemos os fuzilados de 1927 e 1931 (ou os deportados de 1934 que não regressaram) também gastaríamos algum papel. E se lhes juntássemos os militantes dos movimentos de libertação africanos, a lista não tinha fim. Apenas Humberto Delgado? Que estranha concepção de política pode sustentar semelhante afirmação?

The Devil in Miss Georgina – BSO

Só para adultos, eis uma espécie de teledisco para a canção Paradise Circus, dos Massive Attack. A senhora é a antiga porn star Georgina Spelvin. O filme citado parece ser este. Delicioso.

Uma sugestão bem soft para o PSD

De acordo com a RTP, os sociais-democratas andam à procura de uma «redacção mais "soft" sobre despedimentos». Naturalmente, já perceberam o enorme tiro no pé que deram com a questão dos "motivos atendíveis"; liberalizar despedimentos não é coisa muito afinada com as actuais preocupações do eleitorado.
Mas este problema pode ser resolvido sem alterar a tal fórmula (que até já foi usada por Vasco Gonçalves). Para tal sugiro que os laranjinhas não falem em "despedimentos" mas sim em "férias ilimitadas, isentas de estipêndio". Quem não ficará entusiasmado ao saber que em breve vai desfrutar desta nova benesse?

Se calhar, o III Reich nem a Anne Frank assassinou

Nem lendo se acredita neste arremedo de ideia de Pacheco Pereira: «o único assassinato político que merece ser classificado como tal no Estado Novo foi o de Humberto Delgado, embora haja ainda muitas obscuridades quanto ao que se passou. Houve gente morta pela PIDE, nos campos de concentração, nas cadeias, sob tortura, em confrontos de rua, mas não existem provas de que se tratava de assassinatos deliberados.»
Em resumo: para haver um assassinato deliberado, este deveria ter origem numa ordem explícita, tipo, "pega aí no Silva e vão limpar o sebo àquele agitador", se calhar com preenchimento de impressos em triplicado e tudo. Talvez seja por falta da papelada em ordem que escorrem as tais "obscuridades" na preclara mente pachequiana.
Envia-se uns tipos para o Tarrafal e eles não se dão com o clima, ou com a dieta, ou com a microbiada local e morrem. Acham mesmo que alguém tem culpa disso? "Assassinato" é uma palavra tão forte, se calhar é melhor ficarmos por algo como "acidente infeliz" e pronto. Afinal, somos todos pessoas de bem.

Castoriadis sobre "a decisão política subjacente à economia capitalista"

O post sobre A Crise do Valor, que o nosso incomparável igual e camarada Ricardo Noronha aqui publicou, é, tanto pelo que diz como pela discussão a que deu origem, um contributo importante pelo facto de pôr em evidência não só os limites da "racionalidade económica", mas também e sobretudo a necessidade de pensarmos a economia, o seu funcionamento e organização, como aspecto de uma ordem institucional e política da sociedade subordinante e mais vasta, ainda quando as relações de poder e as representações que a articulam põem o primado do económico no posto de comando.
Acerca destes problemas, gostaria de deixar aqui alguns excertos de um escrito de Castoriadis de 1990 (Quelle démocratie?, em Figures du pensable. Les carrefours du labyrinthe VI, Paris, Seuil, 1999) que me parecem apontar para uma "crítica da economia política", ou uma repolitização explícita da esfera económica e do trabalho, cujas consequências políticas creio serem solidárias e, de certo modo, radicalizarem aquelas em que o Ricardo e os comentários do NF também apostam, ainda que faça da "impossibilidade de calcular o contributo de cada um para a produção global", não uma "novidade histórica no contexto do modo de produção do capitalismo", mas uma constante já presente bem antes da emergência do "imaterial" e das transformações mais recentes das formas e regimes do trabalho (De certo modo, é também a este propósito que NF faz notar ao Ricardo: "Quando se pressupõe que uma mercadoria tem um valor inerente e que esse valor advém do trabalho-tempo - medindo-se trabalho através da quantificação do tempo trabalhado no produto - nela incorporado estamos já no campo do ilusionismo capitalista. Neste sentido estrito, o capitalismo é um modo de produção tão 'espiritual' como material já que apropria o tempo através da sua redução à cronometria e o trabalho por via da sua abstracção e generalização").

Escreve Castoriadis: "(…) a economia lida (também) com 'quantidades' - e as 'quantidades' económicas não são propriamente 'quantidades': não são, de um modo geral, mensuráveis, porque não são inter-comparáveis. Tornam-se comparáveis convencionalmente (…) e retrospectivamente, ex posst, a partir do momento em que se instituem taxas de equivalência mais ou menos fixas, e sobretudo a partir do momento em que se institui a moeda. A moeda é o véu de pseudo-comparabilidade lançado sobre 'objectos' incomparáveis. Poderia ser elaborada uma comparabilidade teórica no interior de uma economia estática referindo todos os inputs necessários à produção a um só de entre eles, e, nomeadamente, por razões evidentes, ao tempo de trabalho (tal é, grosso modo, o ponto de vista dos clássicos, já desde Locke ou, em todo o caso, desde Smith e até Marx). Mesmo esta redução nada tem a ver com a realidade por múltiplas razões: o próprio trabalho não é homogéneo; existem recursos não reprodutíveis; por fim, as trocas fazem-se através de preços que ao mesmo tempo reflectem e realizam a repartição do excedente (e do produto em geral) entre trabalhadores e não-trabalhadores, do mesmo modo que entre os diversos grupos dos segundos, e essa repartição só marginalmente é determinada por 'factores económicos', sendo-o principalmente pela luta incessante e polimorfa entre as partes envolvidas"

Segue-se uma breve mas muito densa análise dos problemas de uma economia real e em transformação, da qual retomo apenas estes fragmentos deixando de lado a crítica da matematização e outras reflexões mais "técnicas" mobilizadas pela crítica interna da "ciência económica" proposta por Castoriadis, e que os interessados poderão reencontrar no capítulo do mesmo volume intitulado  "La 'rationalité' du capitalisme", como em numerosos outros textos:  "Mas (…) o problema a resolver (…) não é o de uma economia estática, mas o de uma economia em que há transformação técnica (e transformação dos 'gostos', quer dizer da composição da procura final). Ora, numa economia deste tipo, os coeficientes técnicos da produção, quer dizer as quantidades relativas de bens necessários à produção de um objecto dado, mudam com o tempo (…) [Por outro lado,] a transformação técnica não é simplesmente uma transformação da matriz dos coeficientes técnicos de produção e de procura final; é uma transformação do próprio espaço vectorial em que se tentasse inscrever essa matriz (…). Em termos simples, cada invenção de um novo produto, instrumento ou processo produtivo significa que se acrescentam novas dimensões ao espaço vectorial económico e que outras (não necessariamente 'correspondentes') são suprimidas.



Troco artigos da Constituição Portuguesa

Ouvi dizer que há quem ache, pelos lados da Direita, que a Constituição da República Portuguesa limita demasiado as políticas económico-sociais que um Governo pode implementar. Gostariam de eliminar algumas palavras, como "tendencialmente gratuito" no ponto 2 do artigo 64 (Saúde), e trocar "justa causa" por "razão atendível" no artigo 53 (Segurança no emprego"). Aceito. Se, e apenas se, em troca, me deixarem eliminar "mediante o pagamento de justa indemnização" e trocar "com base na lei" por "razão atendível", no ponto 2 do artigo 62 (Direito de propriedade privada). Ficava assim: "A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas por razão atendível." Que acham? Ficavamos com uma Constituição bem mais neutra, ou não?...

21/07/10

Já anda no ar a electricidade da impaciência

Não, não é vontade de repisar o pisado. Apenas um gozo a ferver baixinho, mas a ferver, de, encerrado o ciclo do festival do futebol inter-nacionalista, empanturrada que está La Roja de comemorações que já ninguém se atreve a prolongar (e que na fase final já deram para o torto com os do Barça a quererem afirmar-se acima da selecção), ver regressar em força a essência do futebol, o futebol dos clubes. Ou seja, a passagem da circunstância e do ritual patriótico para a força da paixão bruta, a mais genuína e intensa no futebol. E tanto que um adepto a sério se dispõe a – simbolicamente – morrer por ela. Porque é isso que acontece todos os anos nos estádios, jogo a jogo, um tipo entra e senta-se em estado morto, umas vezes como morto desanimado e outras como morto confiante, depois só os golos e as vitórias o trazem de volta à vida. Caso contrário, leva o seu cemitério interior para casa. Não há hino nacional que consiga uma e outra coisa. No mínimo, há uma distância de solenidade que não o permite, além de outras inibições (a mim basta-me que Cavaco seja um dos símbolos da soberania portuguesa para engalinhar com esta, onde quer que se manifeste). Mas com o clube tudo se rompe e se mistura - a cor, o emblema, os cânticos, os cachecois, a ilusão de que estamos em comunhão com os nossos. Transformando, quantas vezes, o incréu mais desconvicto no místico mais exuberante.

(publicado também aqui)

Sobre as "fortes conotações sexuais" do "acto de expelir fumo"

Gostava de saber como, tendo em conta - entre outras não menos edificantes - as realidades a seguir citadas por Juan Carlos Escudier na sua crónica de hoje (21.07.2010) no Público.es, será possível qualquer solidariedade democrática com o povo da Palestina que não passe pela denúncia intransigente da política do Hamas e do seu regime, bem como de uma "resistência islâmica" que nega e se propõe suprimir todas as liberdades que não sejam a da obediência a uma lei baseada na interpretação dos textos sagrados pelas autoridades político-clericais competentes.

Hay violaciones de derechos humanos en Oriente Medio de las que Israel no es culpable. No lo es, por ejemplo, del sometimiento humillante que los palestinos imponen a sus mujeres, a las que, al menos en Gaza, se les ha acabado eso de fumar el narguile en lugares públicos, ya que Hamás ha detectado que el acto de expeler humo tiene fuertes connotaciones sexuales y, necesariamente, ha de ser contrario al Islam y a su profeta. La medida es tan arbitraria como impedir que las mujeres vayan en motocicleta, que puedan pasear solas por la playa sin la compañía de un familiar, que se corten el pelo en una peluquería de hombres, o que tengan que ir obligatoriamente cubiertas con el velo en tribunales, colegios y universidades.
La causa palestina despierta muchas simpatías en Occidente, donde se desconoce o se silba el only you ante la opresión que se ejerce sobre la población femenina. Apenas se menciona que los crímenes de honor son moneda corriente en Cisjordania y Gaza, que la violencia doméstica no está tipificada como delito, que las ablaciones de clítoris no son excepcionales, sobre todo en los territorios más cercanos a Egipto, y que la tasa de fertilidad es altísima, no ya porque el aborto esté prohibido, sino porque las mujeres no tienen acceso a los anticonceptivos, tal y como muestran los informes de Freedom House.

Ler aqui o resto da crónica.

Quando a ignorância se transforma em ponto de vista...

... lá sai um texto de Pacheco Pereira sobre a produção cultural portuguesa. Andam por aí malfeitores a gastar o euro ao contribuinte, que «são “artistas” e como se auto-classificam como tal, quase tudo lhes é permitido». Como o ponto de vista pachequiano é uma espécie de referencial absoluto, eles «representam uma miríade de grupos cuja existência pública é quase ignorada», salvo raras excepções. Mesmo que alguns desses agentes culturais anunciem a sua actividade num jornal onde o abrupto crítico labora, como nota o Jorge Palinhos.

pH7

Aponta-nos o estimado Justiniano a Noruega como detentora de uma constituição neutra. Basta chegar ao seu artigo 2.º para lhe dar toda a razão: «A religião evangélica-luterana permanecerá a religião oficial do Estado».
Mesmo artigos menos exóticos, como «It is the responsibility of the authorities of the State to create conditions enabling every person capable of work to earn a living by his work», também não sugerem grande neutralidade. Aliás, parecem saídas das meninges do camarada Stalin.

Imaterial mas bem palpável

Ricardo, falas na «crescente incorporação de elementos imateriais nas mercadorias», sendo que tal conceito parece agrupar elementos díspares como o design ou a publicidade. É com algum alarme que notas: «deixa de existir uma relação clara entre o preço de uma mercadoria e o trabalho nela incorporado». Ora parece-me que a coisa funciona ao contrário: é precisamente pela incorporação de trabalho centrado na informação que o preço de algumas mercadorias contemporâneos sofrem aumentos, por vezes consideráveis. A diferença entre o teu ténis puramente indiano e uma sapatilha europeia, oriunda de um produtor bem estabelecido nas mentes dos consumidores, é precisamente a saturação de informação que os produtos de marca transportam consigo. O que só tranquiliza os donos do sistema: esse valor acrescentado está sempre nas mãos da estrutura central que “assina” tais produtos, nunca ao alcance de quem se limita a produzir, em Bangalore ou no Vale do Ave, de acordo com especificações externas.
Um tal património – que nem sempre é imaterial – não sai de linhas de montagem fabris, mas sim do labor de trabalhadores altamente especializados e qualificados: de designers a gestores e redes sociais, de publicitários a gurus de relações públicas.

O industrial da posta de pescada continua a tentar regular a concorrência

O Daniel Oliveira glosa um momento lamentável num debate, entre Strecht Ribeiro e João Teixeira Lopes. Nada a opor. A parte cómica está no título escolhido: «Quem não tem competência não se estabelece». Sim; que o que a malta precisa nestas coisas dos debates é de ouvir umas bocas a circular educadamente entre amigos, suaves melopeias de ideias feitas sem gume nem vítimas. Como no Eixo do Mal, por exemplo. Agora amadores que se deixam levar pelas emoções, isso é inadmissível e dá mau nome à indústria.

Neste país de tristes, até os ogres são patéticos


O presumível serial killer português – com que entusiasmo alguns acolhem a chegada deste ramo da grande família dos monstros, talvez mais um sinal de modernidade – espalhou por todo o lado bizarros vídeos em que demonstra os seus poderes mágicos. Nem visto se acredita.

Vamos revê-la e revê-la, até que a apaguemos

O João Miranda está entusiasmado com o espectáculo folclórico montado pelo PSD em torno de uma impossível revisão constitucional. E mostra-nos, com a simplicidade desarmante dos diagramas minimalistas, como seria bom termos uma constituição «neutra» E nem repara que o seu documento sonhado limitar-se-ia a proclamar a sua não-existência: tudo e mais um par de botas, «a existir», seria regulado e definido por outras leis.
Por outro lado, a atribuição à esquerda do exclusivo da regulação da saúde, dos direitos dos trabalhadores e do ensino parece-me generosa mas fantasista; basta passar em revista listas como esta para confirmarmos que o mundo nem sempre é tão simples quanto o JM o pinta.

20/07/10

Crack capitalism

Não faço a barba há já algumas semanas. Na verdade, não aparo, porque fazer mesmo já lá vão alguns anitos que não faço. Vai daí que me lembrei de fazer um post a anunciar o novo livro de John Holloway. Segundo uma imagem a que ele recorre no seu último livro, o muito discutido Mudar o mundo sem tomar o poder, eu estarei ainda na fase da acumulação primitiva. Até aqui, nada de muito novo. A variação é que o “ainda” vem aqui a mais. Ou melhor, para Holloway o ainda é também um já, o que deita abaixo todos os discursos assentes em conceitos de atraso e progresso (com exagero, mas não sem verdade, um anti-marxista primário podia dizer que deita pelo chão boa parte do marxismo político do século XX). Ainda mas també porque, seguindo Holloway, os que não fazem a barba estão sempre em cima do acontecimento, à beira das lutas finais. A transformação do ser primitivo (o campónio ou o bárbaro, para sermos mais directos) em trabalhador, esse processo de civilização a que alguém chamou acumulação primitiva, não foi ontem, mas sucede hoje. Porque todos os dias há uma luta final que se trava entre o trabalhador e o não-trabalhador, de tal modo que o proletariado não é propriamente algo que já passou ou que ainda existe, mas algo cuja actualidade se decide sempre que, ao tocar do despertador, um misto de inércia, instinto, revolta, leva a que o desliguemos. Esse tempo é o tempo de uma indecisão, de um ainda-já. Em Portugal, as ideias de Holloway (que ele não rejeitaria que fosse classificado como um autonomismo adorniano) foram caricaturadas por Miguel Urbano Rodrigues e discutidas e caricaturadas por Francisco Louçã. Mais séria, embora ainda assim brevíssima, a citação que delas faz Boaventura de Sousa Santos, num dos seus artigos dos últimos anos, em torno da relação entre o político e a temporalidade no contexto sul-americano. Daqui partirei, com mais vagar, para o desafio romântico de pensar um zapatismo urbano, tal como lançado por Holloway e os seus colegas de Puebla. O camarada Passos Coelho, com as suas propostas de interditar constitucionalmente o direito à auto-gestão, que se cuide.