26/07/10

Felizmente, agora não caíram bombas em Pristina

O nacionalismo, incluindo o nacionalismo inscrito no internacionalismo, ou já não é o que era ou é outra coisa diferente de há poucas décadas atrás. Por exemplo, o Kosovo. Lembro-me das secas que levava nas décadas de setenta e oitenta dos maoistas pró-albaneses que, sempre tão profundamente internacionalistas e tão minimamente nacionalistas, colocavam a autonomia e a independência do Kosovo como a causa maior do proletariado mundial. Quanto aos brejnevistas, longínquas já as décadas de nojo perante o titismo, a Jugoslávia integrava como suporte da ditadura local e camarada o reconhecimento da supremacia sérvia e, portanto, o Kosovo não passava de um tabu. Nos conflitos balcânicos que trouxeram a guerra de regresso à Europa, viu-se que o crime, a guerra, a carnificina, não iam parar até tropeçarem na questão do Kosovo. A Jugoslávia foi-se descascando como se fosse uma cebola em strip-tease, triturando ódios e corpos, repetindo crimes até à obscenidade. A orgia de crime e sangue só parou com a adição das bombas da NATO em cima dos sérvios. E, depois, quando parecia que nem a Albânia já estava interessada e motivada pelo Kosovo, este território decidiu-se independente. Entre a indiferença quase geral. Até os sérvios, em vez de bombardearem Pristina, protestaram politicamente e recorreram ao Tribunal Internacional. Perderam a causa e continuam a não bombardear Pristina. E os kosovares fizeram assim a modos que uma festinha. Não mais que isso vale hoje o Kosovo. Andaram tantos a matarem pelo Kosovo para quê?

(publicado também aqui)

21 comentários:

xatoo disse...

"a matarem para quê"?
para finalmente se verificar que o Tribunal Internacional" a soldo dos "bombardeadores" não tem qualquer legitimidade para julgar causasd deste tipo.
A provincia do Kosovo é parte integrante da Sérvia desde o século X.
É assim. O sr. João Tunes que é useiro e vezeiro em funcionar por preconceitos que faça o favor a si mesmo de ler o capitulo Bosnia-Hercegovina Before Yugoslavia 958-1918 da "History of Bosnia" de Marko Attila Hoare.
Claro que.. existem "Estórias da Bosnia" re-escritas pela Nato, mas não são a mesma coisa...

Želimir disse...

Concordo com a sua avaliação da indiferença quase geral, mas em relação ao golpe constitucional em 1989 e com o terrorismo de Estado central contra Kosovo, sobretudo nos anos noventa.

Miguel Madeira disse...

"A provincia do Kosovo é parte integrante da Sérvia desde o século X. "

A moderna Sérvia só existe desde o século XIX, e só integrou o Kosovo para aí em 1913.

xatoo disse...

MM
e lá por ser a "moderna" já pode ser bombardeada impunemente com o fito de se estabelecer ali uma base militar norte-americana?
Como disse antes, existem registos históricos que dão conta da existência de um Principe da Sérvia no século X tinha jurisdição sobre os territórios do Kosovo. È aliás nesse historial que a Sérvia vai buscar legitimidade para reclamar a soberania sobre a provincia

João André disse...

A moderna Sérvia tem apenas e só 4 aninhos, desde que o Montenegro saiu da união. Quanto ao passado, a história sérvia na região vem desde o século VII, ou assim. Claro que estamos a falar de conjuntos de reinos sérvios na região e mais tarde do império sérvio, mas existiu desta forma.

Caso contrário poderemos ignorar a maioria dos países europeus como tendo história passada, uma vez que as suas versões "modernas" serão bem mais recentes.

Por outro lado algo de importante a recordar é a memória eslava: o sangue (e a história e mitos do mesmo) é mais importante que os territórios.

Želimir disse...

A primeira coroação de um rei sérvio ocorreu em 1077, em Zeta, no território do Montenegro de hoje. O segundo mais antigo reino sérvio é Raška, a que a dinástia Nemanja deu o nome de Sérvia. Raška tinha o território ao Norte, fora do Kosovo, e abrangia a maior parte da região de Sandžak. Portanto, o Kosovo não pode ser considerado "berço" da Sérvia e, mesmo se o fosse, não pode explicar e ainda menos justificar as políticas que o Estado sérvio aplica ao Kosovo a partir dos anos trinta do século passado, com o triste apogeu nos anos noventa.

João André disse...

Želimir, o essencial numa nação são os seus mitos fundadores. É por isso que Filadélfia é uma espécia de "berço" dos EUA ou que outros territórios o sejam para os seus países, mesmo que territorialmente e historicamente pouco tivessem a ver com a nacionalidade.

O Kosovo, como certamente saberá, é o território mais sagrado para os sérvios por ter sido o local onde se deu a batalha de Kosovo Polje, a qual, por ter tido a participação unida da nobreza sérvia (ao invés de ter os vários principados a puxarem cada um para seu lado). Por outro lado, há ainda a importância religiosa, por ser um local de nascimento da Igreja Sérvia.

Quanto às políticas, muita coisa pode ser dita dos dois lados. A enorme população albanesa no Kosovo existe em grande parte ao acolhimento que a Jugoslávia deu a quem fugia à ditadura de Honxha. A população albanesa que já lá residia há séculos raramente terá tido problemas (as universidades no Kosovo podiam leccionar em albanês). Foi na sequência dos discursos populistas e nacionalistas de Milošević que os massacres surgiram e não foi só por parte dos sérvios. O facto de as forças kosovares serem lideradas por verdadeiros facínoras deveria contar para alguma coisa, mas os jogos políticos entre EUA e Rússia parecem ser mais importante. Assim se cria um estado falhado e um ninho de criminalidade ao mesmo tempo que se radicaliza um outro país.

Želimir disse...

O "triste apogeu dos anos 90" refere-se ao terrorismo de Estado do poder central em relação ao Kosovo, que culminou com a tentativa de "limpeza étnica" daquele território nos anos 90. A intervenção internacional é só um momento num longo processo. Espero que o comentador Xatoo concorde comigo que a intervenção internacional também foi decisiva na independência do Timor Leste e não a invalida, tal como não a invalida no caso do Kosovo.
No nacionalismo contemporâneo sérvio, nem minimamente moderno, os mitos têm uma dominante realizada na política da Sérvia no século XX (até na declaração da Assembleia da República da Sérvia, aprovada ontem, em 26.7.2010, com a maioria dos votos e partidos). Um deles é o Kosovo = berço da nação, o que deveria justificar todas as políticas sérvias em relação ao Kosovo no século vinte, aceitáveis e inaceitáveis.
O caso de Afonso Henriques não é aplicável ao Kosovo – os mitos nacionais portugueses não contêm aspirações territoriais a regiões fora do seu território.

Želimir disse...

João Andre, "o essencial numa nação" não são os seus mitos fundadores, sobretudo quando não fundamentados na verdade (cf. acima a observação sobre os primeiros reinos sérvios), quando contêm as aspirações territoriais e quando servem para o Estado da respectiva nação, na base deles, realizar políticas inaceitáveis, sobretudo não nos séculos XX e XXI. O essencial numa nação é o Estado democrático de direito, onde são respeitados direitos individuais e colectivos. E no caso do Kosovo não foram respeitados, pelo contrário. Com o triste apogeu nos anos noventa do século XX, como foi dito antes.
Está mal informado quanto à questão de língua: após o golpe constitucional de Milošević em 1989, que aboliu a autonomia kosovar, nas escolas e na Universidade de Prishtina, à diferença dos tempos da ex-Jugoslávia, foi proibido leccionar em albanês (língua materna de aproximadamente 92% da população), tornando se obrigatória a língua sérvia.
Mais, a população albanesa no Kosovo não é composta pelos albaneses da Albânia de Enver Hoxha.
Não respondo às suas caracterizações das forças kosovares e do Estado kosovar, porque as considero ofensivas e indignas de resposta.

xatoo disse...

Želimir, fraco, fraquinho
se
"os mitos nacionais portugueses não contêm aspirações territoriais a regiões fora do seu território"
então é mentira que os do Condado Portucalense tenham anexado quaisquer reinos islâmicos a sul do Mondego

Želimir disse...

Xatoo, não entendo a sua impugnação do meu argumento, para além da parte ad hominem. Nunca neguei que "os do Condado Portucalense" tenham conquistado reinos islâmicos a sul do Mondego. Da sua afirmação poder-se-ía tirar apenas a conclusão errada que o mito português de "berço da nacionalidade" o localiza a sul de Mondego.
E tão pouco neguei que a Sérvia tenha conquistado o Kosovo no passado remoto e outra vez após seis séculos, em 1912.
Leia, p.f., outra vez os comentários à posta que os originou para perceber a linha argumentativa que estou a defender. Vou resumir outra vez: nenhum mito (e o de "Kosovo – berço da nacionalidade sérvia" é falso e sem fundamento histórico, como foi explicado acima) pode justificar as políticas do nacionalismo radical sérvio no Kosovo no século vinte, com a sua horrorosa culminância nos anos noventa.

Miguel Serras Pereira disse...

A mim, o que me impressionou neste post do João Tunes é o modo justo como ele repete uma questão a que poderíamos chamar a da "servidão voluntária" (com La Boétie) e que contém um enigma inquietante a que também o grande filósofo judeu Baruch Espinosa não foi indiferente: como é possível que os seres humanos se batam pela sua desgraça e sua morte como se defendessem os seus bens e liberdade?
A esta tonalidade sinistra - estranhamente inquietante - que a questão assume desde o início, acrescenta-se hoje, mais deprimentemente ainda, a natureza "fútil", "caprichosa", "efémera" ou "iinconsistente" das razões do conflito para os seus próprios actores: é esse aspecto desconcertante que o post do João põe em evidência e nos faz enfrentar. Como é possível que, se "morrer pela pátria", foi tão importrante e derramou tanto sangie, que este ainda não teve tempo de secar por completo, se tenha tornado, de um dia para o outro tão inócuo ou inessencial como o mostram as reacções dos dois campos?
Dir.se-ia que ainda bem que a mistificação nacionalista enfraqueceu de um lado e de outro perdeu o seu condão de continuar a mobilizar bombas e chacinas. Só que a facilidade com que o tema foi primeiro investido e depois desinvestido sugere que talvez outro pretexto qualquer, ou uma reedição do mesmo, possa de novo, a todo o momento, e em qualquer lugar, levat à deflagração de novo combate e novo surto da disposição de "morrer pela pátria" em seres humanos que, entretanto, não descobriram ainda outra maneira de revolta contra o mal-estar e a miséria que a ausência de liberdade, de igualdade, de voz activa sobre as suas próprias condições de vida, lhes impõem.
Com um abraço para o João, saudações democráticas para os interlocutores e o mais vivo repúdio pelo anti-semitismo com que o xatoo continua a eivar os seus comentários (a propósito e despropósito) e a condimentar o seu militante obscurantismo estalinista

msp

xatoo disse...

quando os argumentos se dissolvem na mera retórica, lá vem o reaccionário chavão do costume: "anti-semitismo", disse ele...

Miguel Serras Pereira disse...

Olhe, Xatoo, porque não vai fazer propaganda de blogues racistas como o seu para outro lado? Ainda não percebeu que daqui não leva nada e ninguém está interessado nas suas glosas dos Protocolos dos Sábios de Sião, no seu culto de Estaline, na sua reabilitação de Hitler, nas suas loas aos califas e autoridades religiosas da guerra santa, no ódio delinquente à democracia que você partilha com todos os idiotas úteis às tentativas de "refundação" da extrema-direita que põem os pauzinhos de fora na blogosfera da região (e não só)?

msp

João André disse...

Želimir, a possibilidade de ensino em língua albanesa no Kosovo refere-se ao período anterior a Milošević. Milošević veio com a sua retórica nacionalista pós-guerra provocar enormes tensões que se manifestaram nos ataques à população albanesa. Isto é indiscutível e não quero sequer dar a impressão do contrário.

Por outro lado, estes ataques não ficaram sem resposta, sendo que muitos sérvios foram por sua vez atacados por albaneses (nalguns casos como represálias e noutros de forma "preemptiva"). Estes ataques, no entanto, nunca parecem ter merecido qualquer atenção por parte dos media.

Quanto aos meus comentários sobre o Kosovo, a verdade é a que eu referi. O território é um ninho de mafia, criminalidade e corrupção. Isto não quer dizer, longe disso, que os seus habitantes sejam criminosos. Os albaneses são tão criminosos como os sérvios, alemães, portugueses ou canadianos. Mas o território foi dominado por um conjunto de criminosos que não têm o mínimo interesse nas "aspirações" dos albaneses do Kosovo.

Quanto aos mitos fundadores, tenha santa paciência mas eles são fundamentais em qualquer povo. O facto de ter havido reinos sérvios muito antes da batalha de Kosovo Polje não implica uma qualquer identidade sérvia, da mesma forma que os reinos de Leão ou Castela não implicam que existisse Espanha antes do século XV. O simples facto de os sérvios ainda se referirem ao Kosovo adicionando o seu "i Metohija" (sendo que Metohija significa aproximadamente "terras monásticas") diz muita coisa.

Miguel Serras Pereira disse...

xatoo,
a sua posição é conhecida e à expressão dela já tem sido recusada - não por mim - a publicação em caixas de comentários por anti-semitismo patente e notório.
Você passa a vida a amalgamar ideias ou posições políticas com observações sobre a ascendência étnica das pessoas.
Olhe, fui ao 5dias buscar este seu comentário estalinista e anti-semita como poucos (na CC de um post do grande camarada Zé Neves: http://5dias.net/2009/12/29/to-stalin-or-not-to-stalin/ )

"Comentário de xatoo
Data: 29 de Dezembro de 2009, 15:39
estou de acordo: “não para simplesmente repetir a história, mas para construir algo de novo” então bora lá inserir esta prosa no contexto da grande narrativa que é a História – a era de Estaline, ele que foi tão carinhosamente retratado por Picasso e odiado pela burguesa judia parisience Gertrud Stein (que amava Hitler) – essa época fulcral não poderá ser diabolizada e ficar de fora do debate. Aliás é da pedra de toque “Estaline” que parte toda a clivagem subsquente…
Hoje em dia, n ao quadrado obras de propaganda intensiva depois (Conquest, Overy, Gilbert, por coincidência todos falsificadores de origem judaica) .. se perguntarmos a um qualquer transeunte da cultura dominante se Estaline matou 3 ou 30 milhões de pessoas, o gajo responderá sem hesitar que foram 30 (ou 40, que foi o total de mortos na IIGG, dos quais apenas 300 mil americanos, os poucos que tiveram azar entre os vencedores)
portanto,
venho só deixar o recado que não se safam aqueles que pretendem resolver (encerrar) o passado re-escrito pelos vencedores com uma simples frase quando classificam um tipo qualquer recorrendo ao chavão da “sua identificação como um estalinista empedernido”
saudações vidalianas"

Será preciso dizer mais alguma coisa?

msp

Želimir disse...

Subscervo a mensagem de Manuel Serras Pereira das 7:45 e permito-me sugerir aos manda-chuvas deste blogue que usem o seu direito de não publicar comentários anti-semitas e racistas. São simplesmente trolls que impossibilitam o desenvolvimento do debate.

Želimir disse...

Apresento a Miguel Serras Pereira as minhas sinceras desculpas por me ter enganado, num momento de distracção, no meu comentário anterior, colocando-lhe nome errado, que vi só depois de já ter "disparado" a mensagem.

xatoo disse...

MSP
os blogues onde tem interferido levam o mesmo caminho do Arrastão -conseguem atrair o que de mais reaccionário anda pela blogosfera... como vê a posiçao do Želimir é concordante com a sua...

tenho pena pelo José Neves, pelo Noronha e pelo Cardina, pessoas a quem na realidade aprecio na explanação de ideias (embora possam ser discordantes)... e que nunca tentam vilipendiar a divergência pela calúnia baixa e rasteira
xau xau

Miguel Serras Pereira disse...

É verdade que tenho atraído, como diz o xatoo, "o que de mais reaccionário anda pela blogosfera". Provam-no bem os ataques sistemáticos, com troca de incitamentos mútuos, que os meus textos têm sofrido da parte do próprio xatoo, do carlos vidal, do aniceto azevedo e muitos e desvairados outros inimigos de classe da autonomia e do autogoverno democráticos.

msp

Želimir disse...

João André, certo, o estatuto de apartheid e a violência a que foi exposta a comunidade maioritária no Kosovo criou uma onda de retorsão, como era de esperar. Βία βίαν τίκτει, a violência cria a violência, primeira frase que se aprende do grego antigo, tem sido válida em toda a história da humanidade e no Kosovo também.

Expostos ao apartheid e ao terrorismo de Estado central, abandonados pela comunidade internacional que observava, impassível, os horrorosos processos e acontecimentos, vários indivíduos das comunidades não-eslavas do Kosovo, recorreram à retorsão em que viam o único meio de se defender. E, contrariamente ao que alega, esses incidentes foram largamente noticiados nos meios de comunicação social internacionais e exageradamente na imprensa sérvia, que, obviamente, falava só desses, e não daqueles que os provocaram.

A propósito, é um tema à parte, mas muito importante, analisar o papel dos media controlados por Milošević na preparação e na execução das guerras que levou na antiga Jugoslávia. Para além da televisão, na preparação política das guerras, sobretudo a partir de 1987, e na incitação à violência, um destaque particularmente horroroso tiveram os antigamente prestigiados diário Politika (www.politika.rs), NIN (www.nin.co.rs) e outros, com a cumplicidade, por vezes intencional, outras vezes causada pela incapacidade e pela corrida às tiragens e audiências, de vários media internacionais que reverberavam essas notícias.

Concordo que os albaneses não são mais criminosos que qualquer outro povo, com as elites que padecem das mesmas doenças que todas as outras elites do mundo, políticas ou não.

Mas tirar uma conclusão geral, a partir desse fenómeno que infelizmente caracteriza a humanidade e é presente em todas as sociedades, como tirou, que no caso dos dirigentes kosovares se trate de um "conjunto de criminosos", é simplesmente uma generalização falsa e racista.