21/07/10

Imaterial mas bem palpável

Ricardo, falas na «crescente incorporação de elementos imateriais nas mercadorias», sendo que tal conceito parece agrupar elementos díspares como o design ou a publicidade. É com algum alarme que notas: «deixa de existir uma relação clara entre o preço de uma mercadoria e o trabalho nela incorporado». Ora parece-me que a coisa funciona ao contrário: é precisamente pela incorporação de trabalho centrado na informação que o preço de algumas mercadorias contemporâneos sofrem aumentos, por vezes consideráveis. A diferença entre o teu ténis puramente indiano e uma sapatilha europeia, oriunda de um produtor bem estabelecido nas mentes dos consumidores, é precisamente a saturação de informação que os produtos de marca transportam consigo. O que só tranquiliza os donos do sistema: esse valor acrescentado está sempre nas mãos da estrutura central que “assina” tais produtos, nunca ao alcance de quem se limita a produzir, em Bangalore ou no Vale do Ave, de acordo com especificações externas.
Um tal património – que nem sempre é imaterial – não sai de linhas de montagem fabris, mas sim do labor de trabalhadores altamente especializados e qualificados: de designers a gestores e redes sociais, de publicitários a gurus de relações públicas.
Como bem ressalvas, «o trabalho imaterial ainda é tendencialmente trabalho assalariado» – a relação entre o preço da mercadoria e o trabalho nela incorporado deixa de ser «clara», mas apenas porque os processos se complexificaram, não porque a cadeia de produção tenha ganhado uma opacidade inelutável. Quem se dê ao trabalho de investigar as contas da Nike, por mero exemplo, poderá fazer essa contabilidade do custo do trabalho, imaterial e não só.
É de notar que, para a indústria publicitária, há décadas que a importância do produto se viu sobrepujada por essa entidade todo-poderosa que habita e domina as mentes dos consumidores: a marca. São as marcas que importa anunciar, por vezes em detrimento absoluto das virtudes dos produtos a elas associados, como é o caso paradigmático da publicidade à Coca Cola, ou a marcas mais actuais como a Diesel ou a PlayStation: mal se distingue o produto por entre a floresta de alusões a estilos de vida e a códigos culturais de subgrupos a que supostamente todos queremos pertencer. As modas tornam-se imperativas e é obrigatório adoptar estilos se se quer ser aceite e admirado pelos pares. Os media já não promovem produtos mas sim estilos de vida. O consumo já nem implica a satisfação de necessidades reais mas sim a deglutição e exibição de signos. Talvez seja o triunfo final do conceito de “valor simbólico” de Baudrillard; mas certo é que já havia Nestlé no tempo de Marx.

5 comentários:

Ricardo Noronha disse...

Eu não digo que essa relação não exista Luís, digo que ela deixou de ser clara. Como se mede o valor introduzido pelo design ou pela publicidade num determinado bem? Repara que no contexto da crítica da economia política, os preços e os salários são considerados fenómenos determinados pelo valor e não determinantes do mesmo. Por isso mesmo o ponto era que a valorização de um par de ténis por elementos imateriais - como a marca - é um dos sintomas mais evidentes da crise da lei do valor.
Onde Marx identificou a "subsunção real e não meramente formal do trabalho no capital", como uma tendência do desenvolvimento do modo de produção capitalista, haverá que identificar agora a subsunção real da vida - ou de cada vez mais domínios dela - no capital.
Tudo isto para dizer que me parece que este teu post não contraria o meu argumento, mas antes se detém sobre alguns aspectos visíveis do fenómeno a que eu me referia, confirmando-o.

Luis Rainha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luis Rainha disse...

A bem da verdade, o meu pequeno ponto é apenas que vejo nessas componentes imateriais apenas mais trabalho, de agentes bem identificados e por norma assalariados.
Não encontro aqui uma solução de continuidade clara.

Ricardo Noronha disse...

Sem dúvida. Mas a relação assalariada deixa de ser determinada pela lei do valor. E esse mais trabalho é um trabalho de natureza distinta daquele outro trabalho que nos habituámos a considerar trabalho. De resto, coisas como a isenção de horário e os fins de semana de empresa e outras tangas (o colaborador, etc.) já sugerem mudanças nessas normas assalariadas.

Luis Rainha disse...

Pois; acaba por ser nesse ponto da "natureza distinta" que divergimos um pouco. Nada que não se resolva com umas imperiais pelo meio.