26/07/10

Para uma história social da inflação


Daniel, um pequeno reparo histórico. A inflação não "veio com o 25 de Abril". A inflação passou a ser noticiada  graças à liberdade de imprensa possibilitada pelo 25 de Abril e analisada com maior rigor devido à sistematização - pelo INE  - dos dados sobre preços, até aí disponíveis apenas para seis centros urbanos (Lisboa, Porto, Faro, Coimbra, Setúbal e Braga) e para certos produtos/despesas. A política económica adoptada durante o PREC para estabilizar salários e preços permitiu mesmo conter e fazer recuar ligeiramente a taxa de inflação, que foi superior a 20% em 1973, como nos informa José Pedro Castanheira aqui
Naturalmente que nenhum Governo Provisório se arriscaria a liberalizar as rendas num momento daqueles. Seria apenas um incentivo para o calote colectivo, a generalização das ocupações selvagens e o incremento da auto-construção. De resto, muitas das habitações em causa estavam em condições de habitabilidade muito precárias e só o seu baixo preço justificou a permanência dos seus habitantes. Seria um bom exercício tentar avaliar até que ponto o aumento das rendas em muitas dessas situações seria suficiente para garantir aos proprietários um retorno do  investimento necessário para tornar as suas casas apetecíveis. Um apartamento sem casa de banho ou sem espaço e condições para a máquina de lavar roupa, não se torna atractivo só por ser na Mouraria ou em Alfama. O mercado de habitação em Portugal não funciona porque os proprietários desenvolveram uma concepção absolutamente rentista da sua posição, compreensível  aliás, se tivermos em conta a mentalidade habitual da burguesia indígena. Onde há casas, eles só vêm receitas, da mesma maneira que onde há trabalhadores, outros só vêm despesas. O resto, bom o resto são histórias de empreiteiros e muito cimento onde faziam falta outro tipo de soluções. Os patos-bravos levantam sempre voo ao crepúsculo.

1 comentários:

CN disse...

É o facto de existirem ou poderem existir muitos "patos bravos" que assegura que o mercado de rendas aproxima-se da taxa de lucro perfeitamente normal.


O controlo de rendas prejudicou todos, destruiu património, acabou com o mercado de rendas, que prejudica os mais carenciados e mais jovens, acabou com uma forma de poupança/investimento de pequenos e médios aforradores.

E a inflação, e todos os males que provoca (baralha a função dos preços, transforma a economia numa jogo disfuncional, de todos a acusarem todos e ninguém tem razão) é um fenómeno da pura e exclusiva responsabilidade do sistema político e dos bancos centrais.