17/07/10

Uma espécie de ponto de ordem: ainda sobre o "véu integral"

Vamos lá ver e tentar desfazer, através de uma espécie de ponto de ordem, a confusão que se instalou no debate sobre o "véu integral". O que se segue visa sobretudo os posts e comentários publicados pela Mariana Canotilho, pelo Renato Teixeira, pela Morgada de V., no 5dias e, neste Vias de Facto, pelo Luis Rainha (primeiro e segundo posts) e pelo Miguel Madeira - sem desprimor para a reflexão da Ana Cristina Leonardo no seu Meditação na Pastelaria, ou, do mesmo modo, para os contributos dos variadíssimos comentadores
Uma coisa é dizer que qualquer regulamentação ou enquadramento vinculativo do que se pode e não pode fazer no espaço público informal (a rua, cafés, jardins, espaços de conviviais comuns, feiras, estabelecimentos abertos ao público, ou em suma: a ágora) é, sempre e em todos os casos, uma maneira de atentar contra a liberdade ou de a limitar, ainda que o legislador seja a "multidão" organizada em órgãos que garanta a cidadania governante, ou seja a participação igualitária de todos no seu próprio governo.
Outra, muito diferente, é dizer que, embora sendo inconcebível pensarmos numa sociedade sem regulação desse espaço da ágora, tal significa que qualquer regulamentação é justa ou politicamente avisada.
Assim, considerar que a proibição da ocultação do rosto nas ruas, etc. nada tem, em princípio, de aberrante, não quer dizer que a recente lei francesa tenha sido decidida com acerto político (acerto político significando, na minha perspectiva, boas razões democráticas), quando consideramos o seu momento, os pressupostos e as condições da sua adopção, os seus agentes e a sua circunstância.
Desta posição, que é a minha, resulta todavia que os problemas a discutir são, à partida, pelo menos dois, um e outro em diferentes planos:

1. Como se pode e deve, ou não deve nem pode, legislar sobre o espaço público informal e suas regiões adjacentes, incluindo a vizinha esfera doméstica ou das relações familiares e a da educação?
 2. Que avaliação fazer da lei francesa e/ou de outras medidas tomadas ou propostas no mesmo sentido, e quais a posição política e os termos do debate a tentar promover perante elas?

Creio que já respondi q.b., pelo menos de momento, à primeira questão nas caixas de comentários dos posts publicados no Vias sobre o assunto. Quanto à segunda, voltarei à discussão se esta se reabrir, dando-me ocasião de explicitar melhor alguns pontos em ligação com o que já sugeri acima (em sintonia, de resto, com o núcleo essencial das preocupações formuladas pelo Luis e com as observações de alguns outros comentadores).

7 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Já agora, deixe que acrescente a minha perspectiva do problema, publicada inicialmente na rubrica Convidados do Delito de Opinião e depois reproduzida no meu blogue A Nossa Candeia.
Obrigado.

Miguel Serras Pereira disse...

Cara Ana Paula Fitas,
será um prazer termos aqui a sua perspectiva. Não quer resumi-la e ou linkar os posts em que a formula, por favor?
Cordialmente

msp

Ricardo Alves disse...

Caro Miguel Serras Pereira,
por favor considere este texto de uma deputada belga na sua reflexão:

http://www.laicidade.org/wp-content/uploads/2010/04/fatoumata-sidibe.pdf

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Ricardo,
obrigado pela recomendação (eu já conhecia o texto) e pelo link.
Se compreendo bem a tua posição e a da República e Laicidade, estamos muito próximos na avaliação que fazemos do problema e da necessidade de um debate que não esquive o fundo das questões aqui em jogo.
Abraço republicano

msp

Ricardo Alves disse...

Caro Miguel,
mais do que ser a favor ou contra a proibição dos véus integrais, o que me interessa neste debate é que se compreenda que estamos perante um fascismo (islâmico), que mesmo sem poder político directo na Europa consegue condicionar a vida e a liberdade de mulheres e homens junto de quem temos o dever de fazer a pedagogia da liberdade e da igualdade.

A opressão não vem sempre do Estado. Também vem das comunidades religiosas, ou das relações de trabalho.

Viver em sociedade, participar na Agora, implica «dar a cara». E a negação da identidade (a «anonimização»), é um pronunciamento contra a Agora.

Ana Paula Fitas disse...

Caro Miguel Serras Pereira,
De acordo com a sua sugestão, deixo o registo dos links do que escrevi sobre a matéria nos blogues A Nossa Candeia e Delito de Opinião:

http://anapaulafitas.blogspot.com/2010/07/do-veu-islamico-aos-direitos-humanos.html

http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/1967381.html

Cordialmente,
Ana Paula Fitas

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Ricardo Alves,
suponho que estamos de acordo em pontos decisivos. Assim, aproveito a oportunidade que me dás de explicitar que, independentemente das reservas que me suscita a lei francesa, não me parece, em princípio, abusivo tornar vinculativa a exposição do rosto no espaço público informal (exceptuando o interior dos locais de culto ou certas ocasiões especiais de excepção: carnaval, etc.). Mas será necessário ter em conta os termos e o modo dessa eventual lei, e discutir bem a sua oportunidade em cada caso concreto, impedindo nomeadamente que "a intenção do legislador" seja recondutível a propósitos ou princípios discriminatórios.
Abraço republicano

msp

Cara Ana Paula Fitas,
muito obrigado pela sua atenção.
O problema principal que o seu texto me põe é que da legitimidade, digamos assim, de legislar sobre a matéria (e eu penso que sim, que, em princípio, a forma como nos comportamos no espaço público informal da ágora, pode e deve, nalguns casos, ser objecto de legislação explícita), não decorre automaticamente a legitimidade política ou a "justiça" da lei francesa em concreto.
Aqui, remeto-a, caso esteja interessada, para o que digo ao Ricardo Alves nos parágrafos anteriores e para o post que hoje publiquei, aqui no Vias ( http://viasfacto.blogspot.com/2010/07/dar-cara.html )
Saudações republicanas

msp