15/07/10

Samba de uma nota só

O mais deprimente no debate de hoje sobre o "Estado da Nação" foi a tentativa de Sócrates em fazer girar toda a discussão em torno de um número, no caso relativo à pobreza em 2008. José Sócrates, como homem obstinado, não largou o refrão, enquanto as oposições tentaram desmascarar, complexificar e desmontar a referência enfática aos "dados do INE saídos hoje". Ouvindo o primeiro-ministro, fica-se com a sensação de que o papel do governo consiste em rasgar um pedaço de uma fotografia passada do país e interpretá-la a gosto, extraindo daí generalidades.

Se o "Estado da Nação" é mau, o "Estado da Razão" não é melhor. Sócrates agitou aquele número como o ilusionista que mexe muito a mão esquerda para poder realizar o truque com a mão direita. É, aliás, sintomático que Sócrates fale de "desemprego registado", com o seu conhecido apego às verdades "oficiais", mesmo que elas sirvam mais para encobrir a realidade do que para revelá-la.

Quem ouviu Sócrates pode mesmo ser tentado a acreditar que a precariedade e o desemprego - que já vai em 11% - não têm efectivamente subido, tal como as desigualdades em termos de rendimento. Ou que este decreto-lei, que visa cortar 200 milhões de euros nas prestações sociais, não existe nem é da responsabilidade do PS - e do PSD. Só que numa altura em que o PSD sobe nas sondagens, o tempo é de usar a maquilhagem de esquerda. As semelhanças, entronizadas no PEC, ficarão encobertas por um momento: 2011 é já amanhã.

Publicado originalmente no Aparelho de Estado

0 comentários: