14/07/10

Contributo para a destruição de ícones da esquerda e da humanidade (1)

Com esta série, e com o tempo devido, prometo passar por Gandhi, Mandela e Garzón. Pelo menos estes. Começo pelo último. Durante algum tempo, confesso, mantive um grande interesse pelo universo da esquerda independentista basca. Mais do que interesse, mantive mesmo simpatia. Foi, se quiserem, o meu momento nacionalista. Mas foi também, e acho que sobretudo, o meu interesse por um universo político em que parecia ter sido em parte superado o dilema "velha esquerda" ou "nova esquerda". Hoje, mantenho o interesse por todos os projectos que, se não superam o dilema, pelo menos colocam a necessidade de trabalhar nesse sentido. Mas o receio de que seja o nacionalismo (ou o patriotismo, para o caso, tanto me faz) a colar velha e nova esquerda implica que manifeste a minha oposição radical. Como é bom de ver, perdi toda e qualquer simpatia pela causa independentista, nem que seja pintada de vermelho, como dizia o outro. Direito à autodeterminação das nações? Claro que sim, que se referende, que se respeite o referendo e por aí a fora; mas perder o meu rico tempinho de militância a lutar por isso é que não. O que não significa, é claro, que me tenha tornado um defensor da repressão policial que se abate sobre a esquerda independentista basca e que deveria ser motivo para que alguém com bom senso não apoiasse a candidatura de Garzón ao nobel da Paz. Contra o Estado espanhol, como apraz dizer a muitos independentistas bascos e catalães, claro que sim; mas não tanto por ser espanhol.

6 comentários:

Luis Rainha disse...

Já somos dois, com essa alergia ao nacionalismo. E lembras-me um encontro internacionalista organizado pelos abertzales: sempre que os oradores falavam em "euskadi independiente", nunca faltava o aftertought: "y socialista!", mas com uma pausa que denunciava alguma fraqueza da cola que unia as duas partes da coisa. Saí dali a duvidar que aquela malta fosse mesmo de esquerda.

Anónimo disse...

Claro que o Zé Neves pode descartar o seu «momento nacionalista». Mas poder-se-á lutar contra o estado espanhol fazendo o mesmo? Dentro do quadro do estado-nação, haverá condições para que uma reivindicação de separação não assuma um nacionalismo, por muito ilusório e pernicioso que seja, que se alimenta da negação do estado ao qual nos queremos separar? Se o contrapoder toma parcialmente a forma do poder instituído, e vice versa, qual a possibilidade de um separatismo não-nacionalista?
nf

Zé Neves disse...

nf,

mas por que razão defender o separatismo?

Anónimo disse...

Depreendo então que todas os combates sóciopolíticos alicerçados na construção de uma nova nação não colhem por aí.

nf

lagoas disse...

Em resposta ao Zé Neves, colo post dum blog galego (quem isto posta não é o seu autor).

"Existem muitas razões lógicas para a Galiza ser soberana, e, se assim o decidir, independente (existem razões contrárias, claro, mas eu falo só das lógicas). Mas a razão principal, hoje que como nunca assediam nas ondas palavras estranhas, é a da pura sobrevivência. Mental, quero dizer.

A outra também, mas deriva da primeira. Mas não proponho só independência: proponho pura autarquia, das verdadeiras, das da incomunicação voluntária, do auto-bloqueio, das fronteiras mediáticas, como para sanarmos duma longuíssima adição. Imaginem o prazer de nem poder receber as TV espanholas na hora mais feliz em que se deglute um rico peixe da ria ou se saboreia um cafezinho. Imaginem não ter que ler nos quiosques na primeira hora da manhã essas letras enormes sobre o escândalo Gürtel, Fabra, a farsa dupla sobre o juiz Garzón, as liortas Aguirre-Gallardón, os antiabortistas nacional-sindicalistas, o transfuguismo, os bispos, o Decretazo, a Família Irreal. Imaginem que, a zapear a rádio digital, nem sequer soassem por um segundo as vozes da COPE, da SER, de Radio María: no seu lugar, uma grande linha branca no dial. Que terror inicial, mas depois quanto prazer de vazio quotidiano! Imaginem termos apenas duas ou três televisões de notícias, públicas, livres, abertas e democráticas, apenas dous ou três jornais abertos, livres, democráticos. E muita, muita rádio de música, cultura e debate. Isso seria suficiente para conhecermos e discutirmos as nossas próprias façanhas e misérias, muito mais interessantes. Estaria garantida assim a necessária continuidade entre o quotidiano e o político. A crítica, a discussão política, teria o seu correlato na discussão e na crítica de café à gente que se conhece pessoalmente, não a repugnantes ladrões das alturas. E sem dúvida poderíamos abrir outras fronteiras mentais, a Sul e a Oeste, para que nos invadisse só o que queremos. Também com cuidadinho, eh, que todos os países grandes cultivam bosta. Imaginem, enfim, esta autoimposta higiene temporária, um banho salgado de calmas vozes próprias. Por isso, a urgente independência contra España (contra esta que sofremos; se houver outra, é problema dela) não é nem um desejo político, no habitual sentido distorcido: é um desejo vital, por pura estética, por pura tranquilidade. Primeiramente, mental. E, então, tranquilidade da outra, a do diálogo, da ação e do progresso verdadeiro, lento mas real, face à igualdade. Imaginem."

Zé Neves disse...

nf,

depreende bem.

abç