20/07/10

Mene, mene, tekel, upharsin?

No último mês, a Amazon vendeu 180 livros digitais por cada centena de tomos "tradicionais". Isto é o que se noticia por aí; mas o facto é que este número diz respeito apenas à venda de hardbacks.
Mesmo assim; será o princípio do fim do livro como o entendemos hoje?

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro senhor, os livros deixam de fazer falta quando o senhor e os seus amigos promovem a leitura de posts!

Luis Rainha disse...

Claro que sim. Eu sempre me imaginei a tornar malta como o Nabokov, o Cervantes ou o Pynchon desnecessária.

joão viegas disse...

Bom,

Eis um assunto interessante a proposito do qual vejo raramente quem procure utilizar a cabeça.

Um dos problemas é confundirmos "obras" e "livros". Coisas distintas.

Salvo para uma minoria de investigadores, tomamos conhecimento das obras dos grandes autores (e não so) atravês de objectos que não têm nada a ver com os "livros", ou com os "escritos" que eles deram ao prelo. Isto não nos transtorna. Por exemplo : quando eu, e mais dois ou três pindéricos que ainda fazem esse tipo de coisas, vamos ao teatro assistir à representação de uma peça, não nos passa pela cabeça que estejamos a cometer um crime contra o autor que a publicou em livro. Da mesma forma, quando leio um livro de bolso, pode não ter nada a ver com o primeiro « livro » onde foi publicada a obra… Isto para não falar das « obras » de que apenas tenho conhecimento atravês de citações, ou mesmo de meras evocações, nas conversas de café e até, imagine-se, noutras obras publicadas também elas em livro !

A questão do "livro" consiste pois, apenas, em saber qual o melhor veiculo para levar obras ao conhecimento – e sobretudo ao pleno conhecimento – do publico. Questão meramente instrumental portanto.

Ora, não duvido que, para muitos escritos efémeros, de consulta parcelar ou fragmentaria, tais como 99 % da miseravel logorreia universitaria que brota por ai, o livro seja perfectivel e possa vir a ser totalmente substituido por instrumentos mais adaptados, que permitem ir logo às notas de rodapé e às bibliografias ("para ver se o colega me cita"), ou seja que permitem ir logo ao « essencial ».

Agora para obras a sério, que so faz sentido consultar apos tê-las lido, e relido, e meditado, e mesmo nalguns casos trabalhado de lapis na mão, não vejo nada que possa substituir o livro.

O dicionario é um bom exemplo. Andam por ai aos montes na Internet, e no entanto ninguém acha estranho que a generalização da cultura « universitaria » tenha como consequência andarmos todos armados em « especialistas ».

Isso so é possivel porque a maior parte das pessoas perdeu, ou nunca teve, o habito de abrir um dicionario, de o ler com calma e de procurer compreender o sentido das palavras.

Havera e-books, e blogues, e foguetões que nos levam à lua, e a marte e a mercurio. Não haja duvidas a esse respeito. E também, porta-chaves, telefones celulares com gosto a banana e maquinas de calcular. Acho até provavel aparecerem por ai computadores baptizados de Magalhães…

Mas o livro não vai desaparecer.

Não vai desaparecer enquanto subsistirem leitores.

Para além disso, como dizia o Umberto Eco numa entrevista (que por sinal li na Internet), àqueles que acham que o livro esta a morrer costumo responder « não te preocupes com o livro e trata antes de me encontrar maneira de ler esta merda de disquete, que ha dez anitos apenas se pensava ia acabar com a generalidade dos documentos em papel »…

Se o miguel serras pereira me esta a ler, ele que diga se alguma vez ouviu falar em alguém que tenha lido o dom quixote em versão electronica !

Miguel Serras Pereira disse...

Caro João Viegas,
não vou entrar no fundo da questão , mas duvido que haja quem leia o Quixote em versão electrónica. Quanto a mim, quando quis conhecer melhor a escrita do Luis Rainha, que comecei por admirar na blogosfera, recorri às versões impressas (publcadas em livro ou ainda inéditas).
Um dia destes, voltarei ao assunto.

Forte abraço

msp

Luis Rainha disse...

Repara, João, que eu escrevi "o princípio do fim do livro como o entendemos hoje", não falei do fim, tout court.
Mas olha que quando tens um Kindle na mão, começas a pensar duas vezes sobre o tema.
E também acho que alguém devia pegar no teu comentário e passá-lo para montra mais visível.

Miguel Serras Pereira disse...

Boa ideia, Luis.
Porque não pegas no comentário do João Viegas ao teu post, publicando-o como post antecedido de duas linhas de explicação?
Abraço para ti

miguel sp

Anónimo disse...

"Questão meramente instrumental"? O problema está precisamente aí: ver o livro apenas como um instrumento de transmissão. A comunicabilidade imposta pelo livro - uma democracia material, antes de tudo - pode ser substituída por um artefacto electrónico que promove o solipsismo intelectual? Nunca se esqueçam: a cultura começa sempre pelas suas bases materiais.