22/08/20

"Trabalho comunitário" versus "emprego garantido"

Uma coisa que tenho pensado é até que ponto aquelas ideias à André Ventura de "trabalho comunitário para quem está no RSI" e a ideia do "job guarantee" ("emprego garantido") que tem entrado na moda na esquerda anglo-saxónica (defendido, p.ex., pela Alexandra Ocasio-Cortez) não serão mais parecidos do que ambos os lados gostariam de admitir.

Para quem não sabe, o "job guarantee" consiste em o estado disponibilizar empregos a quem os queira, o que significa que ninguém ficaria involuntariamente desempregado, e por outro lado alguém que estivesse descontente com o seu emprego no sector privado teria sempre a hipótese de ir para um desses "empregos garantidos", o que aumentaria o poder negocial dos trabalhadores face aos patrões.

A grande diferença, claro, é o valor da remuneração - um subsidio mínimo na proposta de "trabalho comunitário", e um salário provavelmente ao nível do salário mínimo no "emprego garantido", mas mesmo isso talvez não seja assim tão líquido: imagino facilmente um governo de direita a baixar os salários e/ou agravar as condições de trabalho dos "empregos garantidos" para os tornar em algo parecido com o "trabalho comunitário"; e também imagino muito facilmente um governo de esquerda a equiparar o subsidio do trabalho comunitário ao salário de uma profissão equivalente na admnistração pública, com o argumento "trabalho igual, salário igual" (diga-se que também imagino um governo de esquerda a chegar ao poder e a integrar extraordinariamente essas pessoas na função pública, talvez naquelas vagas a "extinguir quando vagar").

Ainda sobre o "emprego garantido" (e sem concordar com tudo o que ele diz), recomendo esta perspetiva crítica de Scott Alexender, Basic Income, Not Basic Jobs: Against Hijacking Utopia.

10/08/20

E, para quem já esteja farto de simbolos matemáticos, um questão em linguagem verbal

Quanto é metade de um bilião?

Já agora, quanto é que é 2,343 + 5.777 ?

2+2=5?

Parece que anda por aí uma polémica sobre se é possível 2+2=5.

Bem, desde pequeno que eu sei que 1+1 pode ser igual a 10 (em código binário). Da mesma forma, num sistema de numeração de base 3, teremos que 2+2=11, e num sistema de base 4 será 2+2=10.

Mas 2+2=5 já é mais complicado; no entanto é possível - aí implica alterar não apenas a base usada para representar os números, mas o significado dos algarismos - afinal, não é por alguns magrebinos medievais terem convencionado que o símbolo "2" representa a quantidade que em português é representada pela palavra "2" e que o simbolo "5" representa a quantidade que em português é representada pela palavra "cinco", não é obrigatório que assim o seja  - afinal, os árabes do Médio Oriente usam um símbolo muito parecido com "7" para representar aquilo a que chamamos "seis", e um símbolo parecido com "0" para representar aquilo a que chamamos "cinco" ; e há povos que usam a vírgula para separar os milhares e o ponto para separar a parte inteira da parte decimal, ao contrário do que nós fazemos (e quem não se lembra do ZX Spectrum, em que "zero" era representando pelo simbolo "Ø", que na linguagem matemática convencional singifica o conjunto vazio? Já agora, o uso de "*" para multiplicação só não causa estranheza porque já está interiorizado) . Se usarmos o simbolo "5" para designar a quantidade "quatro" (e continuarmos a usar o símbolo "2" para designar a quantidade "dois"), 2 + 2 passa efetivamente a ser igual a 5.

Claro que se poderá dizer que isso é jogar com os números, e que quando se pergunta se é possível "2+2=5", o que se está a perguntar é se a adição de dois com dois pode dar cinco (ou seja, assumindo que "2", "+", "=" e "5" têm o significado que lhe é atribuído na matemática convencional); possivelmente, mas quase que aposto que 90% das pessoas que acham que não há dúvida que 2+2=5, não é por terem rejeitado a hipótese alternativa (de se estar a atribuir diferentes significados aos símbolos matemáticos) mas porque nem pensaram nela.