28/01/20
Floco de neve (ainda que não da "geração floco de neve") querendo impor a tirania do (seu) politicamente correto
por
Miguel Madeira
Cristina Miranda, no Blasfémias, a respeito, presumo, das associações que têm denunciado casos de alegada brutalidade policial:
"Chegou o momento de o Ministério Público actuar e vermos fechar todas as associações de causas duvidosas que promovem o racismo e a violência. Não podemos admitir que em pleno século XXI as autoridades sejam alvo de constantes ataques por imporem a lei e a ordem,"
É também interessante a conjugação do "país que nunca (...) foi [racista]" com "Como podemos admitir que gente que fugiu dos seus países, esses sim que perseguem minorias, venham para o nosso que os acolheu e até lhes permitiu estar no nosso Parlamento...".
26/01/20
IRRITANTE II. Sem qualquer admissão de culpa.
por
José Guinote
A divulgação do Luanda Leaks tem ocupado a última semana dos orgãos de comunicação em Portugal. Nota-se já algum abrandamento na cadência noticiosa associada a este escândalo e será natural que passadas uma ou duas semanas o assunto saia da agenda mediática. Pontualmente serão feitas algumas revelações e dadas notícias relacionadas com o caso.
A classe política portuguesa, e a "nossa" classe empresarial têm ao longo deste processo - embaraçoso, para dizer o mínimo - recorrido à linguagem do politicamente correcto para ... nada dizer. Estão todos determinados a sair deste caso, e deste momento, como para lá entraram e lá permaneceram: sem qualquer admissão de culpa. Todos nós sabemos que a nossa classe política - da esquerda e da direita, com excepção do Bloco - fizeram sempre orelhas mocas e mostraram total cegueira relativamente aos investimentos da Engª Isabel em Portugal e ao carácter hiper-explorador do regime ditatorial e nepotista que Eduardo dos Santos liderava em Angola. O PCP destaca-se nessa omissão bem como o PS, ambos empenhados em conquistar o MPLA como partido irmão.
Talvez por isso a síntese de Luís Afonso no Bartoon deste Domingo seja a melhor síntese para a triste posição de Portugal neste processo terrível de roubo colossal dos recursos de um povo a partir da acção do poder político, cujo principal objectivo seria representar e defender esse povo.
Escreve Luís Afonso que caso fosse Portugal a tomar conta do caso Luanda Leaks bastaria manter Rui Pinto preso e pedir desculpa à Engenheira Isabel dos Santos pelo incómodo causado. Digo eu que seria a forma normal de colocar um ponto final neste Irritante II.
Teixeira dos Santos, Carlos Costa, as empresas Boston Consulting Group, a KPMG e a PwC, a NOS e o Eurobic, todas as outras empresas, irão continuar as suas prósperas actividades e efectuar as cirúrgicas alterações para que tudo possa continuar na mesma. Começando desde já pela venda das participações da Engª Isabel em todas as empresas, tornando possível que o dinheiro lhe vá parar às mãos em paraísos fiscais ou destinos seguros.
Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Augusto Santos Silva irão continuar a pugnar pela manutenção das relações entre Portugal e Angola. Nas suas deslocações a Luanda nunca serão confrontados com deslocações ao Povoado (ver aqui e aqui) nem com as prácticas de deslocação forçada das populações para libertar espaço para os investimentos que contribuíram para o enriquecimento colossal da oligarquia no poder, designados, na linguagem dos promotores e dos políticos a soldo, por investimentos que irão fazer de Luanda uma capital de referência no contexto das grandes capitais. Já por cá ouvimos várias vezes esse tipo de discurso que é nos tempos que passam um discurso hegemónico à escala global.
A classe política portuguesa, e a "nossa" classe empresarial têm ao longo deste processo - embaraçoso, para dizer o mínimo - recorrido à linguagem do politicamente correcto para ... nada dizer. Estão todos determinados a sair deste caso, e deste momento, como para lá entraram e lá permaneceram: sem qualquer admissão de culpa. Todos nós sabemos que a nossa classe política - da esquerda e da direita, com excepção do Bloco - fizeram sempre orelhas mocas e mostraram total cegueira relativamente aos investimentos da Engª Isabel em Portugal e ao carácter hiper-explorador do regime ditatorial e nepotista que Eduardo dos Santos liderava em Angola. O PCP destaca-se nessa omissão bem como o PS, ambos empenhados em conquistar o MPLA como partido irmão.
Talvez por isso a síntese de Luís Afonso no Bartoon deste Domingo seja a melhor síntese para a triste posição de Portugal neste processo terrível de roubo colossal dos recursos de um povo a partir da acção do poder político, cujo principal objectivo seria representar e defender esse povo.
Escreve Luís Afonso que caso fosse Portugal a tomar conta do caso Luanda Leaks bastaria manter Rui Pinto preso e pedir desculpa à Engenheira Isabel dos Santos pelo incómodo causado. Digo eu que seria a forma normal de colocar um ponto final neste Irritante II.
Teixeira dos Santos, Carlos Costa, as empresas Boston Consulting Group, a KPMG e a PwC, a NOS e o Eurobic, todas as outras empresas, irão continuar as suas prósperas actividades e efectuar as cirúrgicas alterações para que tudo possa continuar na mesma. Começando desde já pela venda das participações da Engª Isabel em todas as empresas, tornando possível que o dinheiro lhe vá parar às mãos em paraísos fiscais ou destinos seguros.
Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Augusto Santos Silva irão continuar a pugnar pela manutenção das relações entre Portugal e Angola. Nas suas deslocações a Luanda nunca serão confrontados com deslocações ao Povoado (ver aqui e aqui) nem com as prácticas de deslocação forçada das populações para libertar espaço para os investimentos que contribuíram para o enriquecimento colossal da oligarquia no poder, designados, na linguagem dos promotores e dos políticos a soldo, por investimentos que irão fazer de Luanda uma capital de referência no contexto das grandes capitais. Já por cá ouvimos várias vezes esse tipo de discurso que é nos tempos que passam um discurso hegemónico à escala global.
24/01/20
Divisões no MAS boliviano: Morales contra as organizações de base (ATUALIZADO)
por
Miguel Madeira
A esquerda boliviana parece estar numa grande confusão, a respeito da escolha do candidato presidencial; as organizações que integram o MAS (que em muitos aspetos funciona mais como uma federação de movimentos do que como um partido tradicional) decidiram por unanimidade apresentar David Choquehuanca como candidato a presidente e Andrónico Rodríguez a vice-presidente; no entanto Evo Morales, a partir da Argentina, decidiu que os candidatos seriam Luis Arce a presidente e Choquehuanca a vice-presidente, o que está a causar contestação no movimento. Entretanto, a Central Operária Boliviana defende uma terceira alternativa: Choquehuanca a presidente e o sindicalista mineiro Orlando Gutiérrez a vice-presidente.
Os vários candidatos a candidatos:
Editado às 11:08 de 2020/01/24: "David Choquehuanca cedes his claim to be the MAS-IPSP candidate for president in El Alto assembly. Grassroots representatives concede and back Arce/Choquehuanca ticket." / "Pacto de Unidad retrocede y acepta apoyar binomio Arce – Choquehuanca"
Os vários candidatos a candidatos:
- Luis Arce (o preferido de Morales): o ex-Ministro da Economia e Finanças
- David Choquehuanca (escolhido pelos movimentos sociais para candidato a presidente e por Morales como candidato a vice-presidente): o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros ("chanceler")
- Andrónico Rodriguéz (o que era para ser candidato a vice-presidente): dirigente da federação dos cultivadores de coca
- Orlando Gutiérrez: como dito acima, dirigente do sindicato dos mineiros
Editado às 11:08 de 2020/01/24: "David Choquehuanca cedes his claim to be the MAS-IPSP candidate for president in El Alto assembly. Grassroots representatives concede and back Arce/Choquehuanca ticket." / "Pacto de Unidad retrocede y acepta apoyar binomio Arce – Choquehuanca"
20/01/20
Os ovos da Engª Isabel dos Santos. O papel de Portugal como galinha poedeira.
por
José Guinote
Em Junho do ano passado o actual Presidente de Angola, João Lourenço, denunciou um facto que qualquer cidadão medianamente informado poderia concluir por si só: a dívida pública angolana financiara o enriquecimento de uma elite repleta de ávidos ladrões. Demos conta dessa denúncia e estabelecemos a inevitável comparação com aquilo que se passou em Portugal.
A relação entre a cleptocracia angolana - com enorme destaque para a relação entre o univrso "empresarial" de Isabel dos Santos - e a classe dominante em Portugal é uma relação sólida, antiga e profunda. A engenheira, conhecedora que é da actividade da avicultura, mostrou sempre ter perfeita consciência que Portugal seria a sua poedeira ideal. E assim foi espalhando os seus ovos da Galp ao BPI, da NOS à Efacec, sem parar. Recorde-se que essa relação inclui o seu poderoso marido, Sindika Dokolo, que escolheu o Porto para estabelecer a fundação com o seu nome, tendo adquirido para esse fim a Casa Manuel Oliveira - projectada por Souto Moura e recusada pelo cineasta - facto apontado como exemplo do reforço da relação entre o Porto e Luanda. Não podemos esquecer que o BPN - uma organização de malfeitores composta por parte da superestrutura financeira e empresarial da sociedade portuguesa - foi "comprado" pela Engª Isabel dos Santos, por uns míseros 40 milhões de euros, enquanto os portugueses contribuíram com 5 mil milhões dos seus salários não recebidos, das suas reformas não recebidas, para tapar o corrupto desfalque aí concretizado. Comprado pelo BIC mais tarde rebaptizado EuroBic e gerido pelo ex-ministro das Finanças de Portugal, Teixeira dos Santos.
Chegados à denúncia do Luanda Leaks pelo consórcio internacional de jornalistas, ICJ, essa relação e os seus protagonistas emergem com nitidez aos nossos olhos.
A nossa elite - os tais que não prestam aos olhos do actual Secretário Geral da ONU - não é capaz de gerir o País e retirar Portugal do subdesenvovlvimento crónico em que se encontra mergulhado há décadas. Isso é um facto constatável por todos nós. No entanto, tem um apurado sentido de oportunidade e de negócio. Sentido tão desenvolvido quanto a total falta de escrúpulos e de ética que os caracteriza. Da mesma forma que são incapazes de trazer uma réstia de esperança ao povo português - cujo empobrecimento é a contrapartida para o seu colossal enriquecimento pessoal ou de grupo - aceitaram com a maior naturalidade a gatunagem que a abarrotar com o produto do saque feito aos milhões de angolanos remetidos à pobreza, à miséria e à morte, aqui vieram com eles comerciar. Abastecidos com o seu dinheiro a escorrer o sangue dos angolanos, como denunciou então o jornalista Rafael Marques. Aceitando com enorme satisfação assumirem um papel simétrico daquele que tinham tido durante o período colonial. Essa nova relação colonialista que Isabel dos Santos - mas não só - conferiu aos seus negócios com Portugal não escapou ao escrutínio da imprensa estrangeira, como aqui referimos.
O escândalo rebentou. O saque aos recursos do Estado angolano atingiu dimensões assustadoras. A divulgação feita pelo Expresso e pela SIC Noticias é acompanhada pelos grandes orgãos de informação internacional. Como é o caso deste vídeo do Le Monde que mostra a relação entre Luanda/Isabel dos Santos e Portugal. Ou deste outro trabalho divulgado pelo The Guardian.
Em Portugal não haverá consequências. É o costume. É necessário aguentar a pé firme, fingir que não foi nada connosco e escolher os novos parceiros em novos negócios que assegurem o costume: enriquecimento rápido de um pequeno grupo, de preferência os mesmos.
O que se passou em Angola é a uma outra escala o que se tem passado em Portugal. A extremamente desigual distribuição do rendimento disponível condena os portugueses na sua maioria à pobreza ao longo da sua vida. Em Angola as empresas públicas foram usadas para assegurar a transferência do património dos angolanos para os bolsos dos ladrões que constituíam a chamada elite. Em Portugal é a necessidade de desviar recursos - numa dinâmica imparável, em que os buracos se sucedem consecutivamente - para evitar males sistémicos, a corrupção constante e nunca combatida - a menos que com ineficazes medidas de "papel" - que justifica a condenação à pobreza de largas camadas da população. São os mesmos protagonistas, afinal.
PS - Ana Gomes tem sido uma das raras, senão a única, pessoas que fazem desta denúncia um dever de todos os dias. Merece o nosso apoio e aplauso.
A relação entre a cleptocracia angolana - com enorme destaque para a relação entre o univrso "empresarial" de Isabel dos Santos - e a classe dominante em Portugal é uma relação sólida, antiga e profunda. A engenheira, conhecedora que é da actividade da avicultura, mostrou sempre ter perfeita consciência que Portugal seria a sua poedeira ideal. E assim foi espalhando os seus ovos da Galp ao BPI, da NOS à Efacec, sem parar. Recorde-se que essa relação inclui o seu poderoso marido, Sindika Dokolo, que escolheu o Porto para estabelecer a fundação com o seu nome, tendo adquirido para esse fim a Casa Manuel Oliveira - projectada por Souto Moura e recusada pelo cineasta - facto apontado como exemplo do reforço da relação entre o Porto e Luanda. Não podemos esquecer que o BPN - uma organização de malfeitores composta por parte da superestrutura financeira e empresarial da sociedade portuguesa - foi "comprado" pela Engª Isabel dos Santos, por uns míseros 40 milhões de euros, enquanto os portugueses contribuíram com 5 mil milhões dos seus salários não recebidos, das suas reformas não recebidas, para tapar o corrupto desfalque aí concretizado. Comprado pelo BIC mais tarde rebaptizado EuroBic e gerido pelo ex-ministro das Finanças de Portugal, Teixeira dos Santos.
Chegados à denúncia do Luanda Leaks pelo consórcio internacional de jornalistas, ICJ, essa relação e os seus protagonistas emergem com nitidez aos nossos olhos.
A nossa elite - os tais que não prestam aos olhos do actual Secretário Geral da ONU - não é capaz de gerir o País e retirar Portugal do subdesenvovlvimento crónico em que se encontra mergulhado há décadas. Isso é um facto constatável por todos nós. No entanto, tem um apurado sentido de oportunidade e de negócio. Sentido tão desenvolvido quanto a total falta de escrúpulos e de ética que os caracteriza. Da mesma forma que são incapazes de trazer uma réstia de esperança ao povo português - cujo empobrecimento é a contrapartida para o seu colossal enriquecimento pessoal ou de grupo - aceitaram com a maior naturalidade a gatunagem que a abarrotar com o produto do saque feito aos milhões de angolanos remetidos à pobreza, à miséria e à morte, aqui vieram com eles comerciar. Abastecidos com o seu dinheiro a escorrer o sangue dos angolanos, como denunciou então o jornalista Rafael Marques. Aceitando com enorme satisfação assumirem um papel simétrico daquele que tinham tido durante o período colonial. Essa nova relação colonialista que Isabel dos Santos - mas não só - conferiu aos seus negócios com Portugal não escapou ao escrutínio da imprensa estrangeira, como aqui referimos.
O escândalo rebentou. O saque aos recursos do Estado angolano atingiu dimensões assustadoras. A divulgação feita pelo Expresso e pela SIC Noticias é acompanhada pelos grandes orgãos de informação internacional. Como é o caso deste vídeo do Le Monde que mostra a relação entre Luanda/Isabel dos Santos e Portugal. Ou deste outro trabalho divulgado pelo The Guardian.
Em Portugal não haverá consequências. É o costume. É necessário aguentar a pé firme, fingir que não foi nada connosco e escolher os novos parceiros em novos negócios que assegurem o costume: enriquecimento rápido de um pequeno grupo, de preferência os mesmos.
O que se passou em Angola é a uma outra escala o que se tem passado em Portugal. A extremamente desigual distribuição do rendimento disponível condena os portugueses na sua maioria à pobreza ao longo da sua vida. Em Angola as empresas públicas foram usadas para assegurar a transferência do património dos angolanos para os bolsos dos ladrões que constituíam a chamada elite. Em Portugal é a necessidade de desviar recursos - numa dinâmica imparável, em que os buracos se sucedem consecutivamente - para evitar males sistémicos, a corrupção constante e nunca combatida - a menos que com ineficazes medidas de "papel" - que justifica a condenação à pobreza de largas camadas da população. São os mesmos protagonistas, afinal.
PS - Ana Gomes tem sido uma das raras, senão a única, pessoas que fazem desta denúncia um dever de todos os dias. Merece o nosso apoio e aplauso.
17/01/20
"Escola a Tempo Inteiro"
por
Miguel Madeira
Há um projeto para os alunos até ao 6º ano passarem a estar na escola das 9 às 17 horas (ah, no meu tempo... do 1º ao 4º ano só tínhamos aulas de manhã; no 5º e 6º havia dias em que tínhamos aulas à tarde, mas era para aí 2 ou 3 dias com aulas de manhã e de tarde e 2 ou 3 dias com aulas só de manhã; claro que em paralelo havia outro lote de crianças que tinha as aulas ao contrário); os diretores das escolas dizem que isso só será possível com mais professores.
Sugestão - se é necessário manter as crianças ocupadas até às 5 da tarde, em vez de "atividade de enriquecimento curricular" e de contratarem mais professores ou especialistas, poderiam simplesmente providenciar um recreio, uma sala com jogos e uma biblioteca para as crianças depois das aulas se entreterem de forma largamente auto-gerida (note-se as 3 diferentes categorias de possivel entretenha propostas - atividade física exterior, jogos de sala e ler - para atender às várias possíveis inclinações do público-alvo), e contratar alguns auxiliares de ação educativa para os vigiar.
Sugestão - se é necessário manter as crianças ocupadas até às 5 da tarde, em vez de "atividade de enriquecimento curricular" e de contratarem mais professores ou especialistas, poderiam simplesmente providenciar um recreio, uma sala com jogos e uma biblioteca para as crianças depois das aulas se entreterem de forma largamente auto-gerida (note-se as 3 diferentes categorias de possivel entretenha propostas - atividade física exterior, jogos de sala e ler - para atender às várias possíveis inclinações do público-alvo), e contratar alguns auxiliares de ação educativa para os vigiar.
10/01/20
A laicidade é ilusória?
por
Miguel Madeira
Há uns dias, o Esquerda.Net publicou "Laicidade: a ilusão de uma solução", de João Ferreira Dias; eu confesso que não percebi muito bem o que o autor queria dizer com o seu texto (mas não gosto do que suspeito* que ele quer dizer...), e estava há algum tempo a pensar em escrever um post sobre isso.
Talvez ainda escreva mais qualquer coisa, mas para já foco-me neste ponto, que me parece central à tese:
New survey reveals drop-off in religiosity across Arab world, especially North Africa - BBC Arabic attitudes survey reveals 46 percent of young Tunisians identify as 'not religious'
Uma coisa que noto é que quase toda a bibliografia de João Ferreira Dias, argumentado que a secularização é um mito, é do século passado - Glasner é de 1977, Stark de 1999, Fishter de 1981 e Hadden de 1987; mesmo há algumas semanas tinha lido um artigo sobre o abandono da religião pelos "millenials" (isto é, as pessoas na casa dos 30 e tais), que contrastaria com as previsões que tinha sido feitas no principio do século sobre o regresso da religião - mas o artigo era sobre os EUA, pelo que usá-lo como referencia poderia ser sempre o exemplo do tal "etnocentrismo ocidental"; mas pelos vistos também o mundo árabe (ou pelo menos o norte de África) está em maré secularizadora.
Editado às 18:05 de 2020/01/10: poderá argumentar-se que nada do que falo aqui tem seja o que for a ver com laicidade (o Estado não ser religioso), mas sim com secularização (os indivíduos não serem religiosos); mas como o argumento de João Ferreira Dias parece-me ser que não era possível a laicidade sem secularização, a secularização crescente é relevante para pôr em questão a sua tese de que a laicidade seria uma ilusão.
*posso estar completamente enganado, mas tenho o palpite que a ideia do João Ferreira Dias será algo como substituir a "laicidade" pela "multiconfessionalidade" - em vez de se exigir que deixem de haver padres católicos a benzer a inauguração de edifícios públicos, passar a exigir que sejam convidados também um pastor da IURD, um imã muçulmano, um xamã animista ou talvez um médium espírita.
Talvez ainda escreva mais qualquer coisa, mas para já foco-me neste ponto, que me parece central à tese:
Uma das consequências do positivismo e das teorias da secularização, enquanto programa de “evolução civilizacional”, foi a crença no fim da religião. Há que dar razão a Glasner e Stark, autores que, com um intervalo de duas décadas, confluem afirmando a secularização como um mito de natureza sociológica e uma profecia falhada. A estes autores podemos juntar outros, como Fischter e Hadden que observam a secularização como uma ideologia da própria ciência, um dogma da disciplina sociológica. Lechner vai ao ponto de a considerar uma tese etnocêntrica ocidental. Enfim, apesar de ter sido criada como uma proposta académica, a secularização era e é, em rigor, uma espécie de aspiração filosófica do racionalismo ocidental.Entretanto, no mundo real:
New survey reveals drop-off in religiosity across Arab world, especially North Africa - BBC Arabic attitudes survey reveals 46 percent of young Tunisians identify as 'not religious'
Uma coisa que noto é que quase toda a bibliografia de João Ferreira Dias, argumentado que a secularização é um mito, é do século passado - Glasner é de 1977, Stark de 1999, Fishter de 1981 e Hadden de 1987; mesmo há algumas semanas tinha lido um artigo sobre o abandono da religião pelos "millenials" (isto é, as pessoas na casa dos 30 e tais), que contrastaria com as previsões que tinha sido feitas no principio do século sobre o regresso da religião - mas o artigo era sobre os EUA, pelo que usá-lo como referencia poderia ser sempre o exemplo do tal "etnocentrismo ocidental"; mas pelos vistos também o mundo árabe (ou pelo menos o norte de África) está em maré secularizadora.
Editado às 18:05 de 2020/01/10: poderá argumentar-se que nada do que falo aqui tem seja o que for a ver com laicidade (o Estado não ser religioso), mas sim com secularização (os indivíduos não serem religiosos); mas como o argumento de João Ferreira Dias parece-me ser que não era possível a laicidade sem secularização, a secularização crescente é relevante para pôr em questão a sua tese de que a laicidade seria uma ilusão.
*posso estar completamente enganado, mas tenho o palpite que a ideia do João Ferreira Dias será algo como substituir a "laicidade" pela "multiconfessionalidade" - em vez de se exigir que deixem de haver padres católicos a benzer a inauguração de edifícios públicos, passar a exigir que sejam convidados também um pastor da IURD, um imã muçulmano, um xamã animista ou talvez um médium espírita.
09/01/20
O novo Governo de Espanha. Afinal, Podemos.
por
José Guinote
A investidura do novo Governo de Espanha consagra pela primeira vez na Península Ibérica a chegada ao Governo dos sectores à esquerda dos partidos socialistas.
Contrariamente ao caso português em que os socialistas governaram quatro anos com base num acordo parlamentar feito com o PCP e com o BE, neste caso o PSOE estabeleceu uma coligação de Governo com o Podemos, contando ainda com um leque variado de apoios parlamentares.
Este acordo de Governo não se constrói em torno de um programa mínimo, como no caso português em 2015, mas tem por base um programa progressista que os protagonistas classificaram como "valiente e histórico".
O novo Governo vai revogar a Lei Laboral que o PP tinha aprovado em 2012 e que se traduziu na retirada de importantes direitos aos trabalhadores. Vai revogar a fórmula de cálculo das pensões aprovada em 2013 pelo PP acabando com o factor de sustentabilidade -que condiciona negativamente o cálculo das pensões em função da evolução da esperança média de vida - e com o índice de revalorização - que condiciona o aumento do valor da pensão à evolução da economia. Desta forma milhões de pensionistas verão as suas reformas significativamente actualizadas.
Vai além disso aumentar o salário mínimo para 1200 euros. Recorde-se que em Dezembro de 2018 o PSOE aumentou o salário mínimo de 735 para 900 euros, já com base num entendimento orçamental para 2019 estabelecido com o Podemos. Depois desse aumento de 22% a coligação que vai governar Espanha procede a um novo aumento de mais 33%. Os espanhóis vão ver o seu salário mínimo aumentar - no espaço de um ano - 465 euros. Nada que se compare com a pobreza que impera do lado de cá da fronteira com o salário mínimo a situar-se em confrangedores 635 euros e a chegar aos 750 euros em 2023. Não há registo que estas medidas levem ao colapso da economia espanhola, antes pelo contrário.
Vai, além disso, aumentar os impostos sobre os mais ricos, aqueles que ganham mais e detêm mais património. Vai intervir na fixação do valor das rendas habitacionais, visando controlar os preços especulativos determinados pela acção do Mercado livre.
O PSOE foi o partido mais votado nas últimas eleições mas esteve longe de conseguir uma maioria absoluta. Comparativamente com os resultados das eleições de 2015 em Portugal o PSOE teve, no entanto, um resultado melhor do que o seu congénere português.
A diferença entre a solução política agora encontrada e aquela que ficou conhecida como Geringonça, entretanto falecida, radica na atitude dos parceiros. A principal razão para o BE e o PCP não integrarem o Governo - recorde-se que caso tivessem colocado essa condição o PS ou aceitava ou ia para novas eleições num quadro muitíssimo desfarovável - foi a questão europeia. Curiosamente, no caso espanhol, não há registo que esta "condição" tenha atrapalhado o Podemos. O PS português limitou-se a aproveitar.
Por isso a leitura aqui feita por Boaventura Sousa Santos é pouco rigorosa. Não há um álibi espanhol - baseado na natureza do regime e na questão das nacionalidades - que impõe uma solução governamental com estes protagonistas em Espanha. O que aconteceu em Portugal foi do domínio da cegueira e do sectarismo. Resultou da incapacidade política, e de um espírito marcadamente anti-europeu que impera nos dois partidos, BE e PCP.
Os resultados foram aquilo que se sabe: uma governação capaz de cortar o passo à direita radical mas incapaz de alterar as condições de desigualdade extrema presentes na sociedade portuguesa. Uma governação muito "controlada" pela necessidade de satisfazer os humores de Bruxelas, agudizada pela eleição de Centeno para Presidente do Eurogrupo, incapaz de inverter a degradação do estado social, com um real agravamento das condições de acesso à saúde, à educação e à habitação por parte dos portugueses. A Geringonça faleceu vitima dos resultados das últimas eleições - que consagraram um aumento da votação à esquerda, paradoxalmente - e hoje, no momento de aprovação do primeiro orçamento da legislatura, a esquerda parlamentar discute o futuro a partir de um aumento dos salários da função pública de 0,3% imposto pelo PS e com um aumento do paupérrimo salário mínimo de 35 euros. Um outro mundo, bastante pior.
Imagine-se apenas o impacto de um aumento do salário mínimo em 465 euros para cerca de um milhão de portugueses.
Contrariamente ao caso português em que os socialistas governaram quatro anos com base num acordo parlamentar feito com o PCP e com o BE, neste caso o PSOE estabeleceu uma coligação de Governo com o Podemos, contando ainda com um leque variado de apoios parlamentares.
Este acordo de Governo não se constrói em torno de um programa mínimo, como no caso português em 2015, mas tem por base um programa progressista que os protagonistas classificaram como "valiente e histórico".
O novo Governo vai revogar a Lei Laboral que o PP tinha aprovado em 2012 e que se traduziu na retirada de importantes direitos aos trabalhadores. Vai revogar a fórmula de cálculo das pensões aprovada em 2013 pelo PP acabando com o factor de sustentabilidade -que condiciona negativamente o cálculo das pensões em função da evolução da esperança média de vida - e com o índice de revalorização - que condiciona o aumento do valor da pensão à evolução da economia. Desta forma milhões de pensionistas verão as suas reformas significativamente actualizadas.
Vai além disso aumentar o salário mínimo para 1200 euros. Recorde-se que em Dezembro de 2018 o PSOE aumentou o salário mínimo de 735 para 900 euros, já com base num entendimento orçamental para 2019 estabelecido com o Podemos. Depois desse aumento de 22% a coligação que vai governar Espanha procede a um novo aumento de mais 33%. Os espanhóis vão ver o seu salário mínimo aumentar - no espaço de um ano - 465 euros. Nada que se compare com a pobreza que impera do lado de cá da fronteira com o salário mínimo a situar-se em confrangedores 635 euros e a chegar aos 750 euros em 2023. Não há registo que estas medidas levem ao colapso da economia espanhola, antes pelo contrário.
Vai, além disso, aumentar os impostos sobre os mais ricos, aqueles que ganham mais e detêm mais património. Vai intervir na fixação do valor das rendas habitacionais, visando controlar os preços especulativos determinados pela acção do Mercado livre.
O PSOE foi o partido mais votado nas últimas eleições mas esteve longe de conseguir uma maioria absoluta. Comparativamente com os resultados das eleições de 2015 em Portugal o PSOE teve, no entanto, um resultado melhor do que o seu congénere português.
A diferença entre a solução política agora encontrada e aquela que ficou conhecida como Geringonça, entretanto falecida, radica na atitude dos parceiros. A principal razão para o BE e o PCP não integrarem o Governo - recorde-se que caso tivessem colocado essa condição o PS ou aceitava ou ia para novas eleições num quadro muitíssimo desfarovável - foi a questão europeia. Curiosamente, no caso espanhol, não há registo que esta "condição" tenha atrapalhado o Podemos. O PS português limitou-se a aproveitar.
Por isso a leitura aqui feita por Boaventura Sousa Santos é pouco rigorosa. Não há um álibi espanhol - baseado na natureza do regime e na questão das nacionalidades - que impõe uma solução governamental com estes protagonistas em Espanha. O que aconteceu em Portugal foi do domínio da cegueira e do sectarismo. Resultou da incapacidade política, e de um espírito marcadamente anti-europeu que impera nos dois partidos, BE e PCP.
Os resultados foram aquilo que se sabe: uma governação capaz de cortar o passo à direita radical mas incapaz de alterar as condições de desigualdade extrema presentes na sociedade portuguesa. Uma governação muito "controlada" pela necessidade de satisfazer os humores de Bruxelas, agudizada pela eleição de Centeno para Presidente do Eurogrupo, incapaz de inverter a degradação do estado social, com um real agravamento das condições de acesso à saúde, à educação e à habitação por parte dos portugueses. A Geringonça faleceu vitima dos resultados das últimas eleições - que consagraram um aumento da votação à esquerda, paradoxalmente - e hoje, no momento de aprovação do primeiro orçamento da legislatura, a esquerda parlamentar discute o futuro a partir de um aumento dos salários da função pública de 0,3% imposto pelo PS e com um aumento do paupérrimo salário mínimo de 35 euros. Um outro mundo, bastante pior.
Imagine-se apenas o impacto de um aumento do salário mínimo em 465 euros para cerca de um milhão de portugueses.
Relembrando o passado ||
por
Miguel Madeira
Na sequência disto, parece que é altura de lembrar também o apoio dos trotskistas do Sri Lanka a um governo burguês nos anos 60/70.
08/01/20
Relembrando o passado - o PC Francês em 1936
por
Miguel Madeira
Discurso do então líder comunista Maurice Thorez, em junho de 1936, apelando ao fim ("é preciso saber acabar uma greve") da vaga de greves que então assolava a França.
Não encontro uma tradução em português, mas está aqui uma em inglês; o discurso foi largamente em resposta ao artigo do "socialista de esquerda" Marceu Pivert (da facção "Esquerda Revolucionária" da SFIO, uma oposição interna que pouco depois se tornaria um partido autónomo) Tout est possible, publicado a 27 de maio.
Não encontro uma tradução em português, mas está aqui uma em inglês; o discurso foi largamente em resposta ao artigo do "socialista de esquerda" Marceu Pivert (da facção "Esquerda Revolucionária" da SFIO, uma oposição interna que pouco depois se tornaria um partido autónomo) Tout est possible, publicado a 27 de maio.
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