Estabilidade é a palavra de ordem para todos aqueles que detêm o Poder. E no Egipto grande parte do Poder, nomeadamente em termos económicos, está nas mãos do topo da hierarquia militar. Não espanta por isso que esta tenha tentado manter a estabilidade do sistema sócio-económico, apoiando Mubarak até ao ponto em que a revolta popular ameaçava atacar os alicerces desse sistema. Tendo depois tentado influenciar directamente a governação através do SCAF - Supreme Command of the Armed Forces, até que se deu conta que a oposição crescente na rua às suas directivas e brutal modo de actuação estava a erodir a sua legitimidade social, o que ameaçava o seu Poder económico. Permitiu então eleições, mas apenas quando teve a certeza que quem muito provavelmente as ganharia, a Irmandade Muçulmana, se comprometia a manter intocável o sistema que tão bem tem servido o topo da hierarquia militar. E a Irmandade Muçulmana diligentemente fez aquilo a que se tinha comprometido, ao ponto de incluir várias cláusulas na Constituição, que escreveu praticamente sozinha, com o intuito de solidificar o Poder militar (como o julgamento de civis por tribunais militares). Mas não cumpriu com a principal exigência da hierarquia militar: assegurar a estabilidade social e económica. A prova final foram as gigantescas manifestações convocadas pelo movimento Tamarod (Revolta). Era preciso assegurar, mais uma vez, que o sistema não era posto em causa, sacrificando as suas marionetas. Mas, muito dificilmente, este golpe militar conseguirá assegurar a estabilidade sócio-económica tão ansiosamente desejada por quem ambiciona lucrar com ela. E à medida que isso se tornar claro, a hierarquia militar provavelmente irá concluir que precisará do espectro duma guerra civil para adquirir a legitimidade popular necessária para avançar com a instauração do estado de sítio, reprimindo brutalmente toda e qualquer manifestação de dissidência. Não me espantará por isso a multiplicação de incidentes que sirvam para passar a ideia que sem um Poder absoluto, o Egipto mergulhará numa guerra civil.
Em Portugal a situação não é muito diferente. No seguimento das desavenças entre algumas das suas marionetas, a oligarquia cá do burgo mergulhou na análise de cenários, tentando identificar qual lhe garantia maior probabilidade de estabilidade para o sistema que a mantém. Aparentemente optou pela solução que maiores garantias dá de cumprir tal objectivo a curto prazo. Brincando com o fogo, talvez se queimem.
Estes artigos são particularmente esclarecedores sobre a situação no Egipto:
In Egypt, the real regime still has to fall
What Led to Morsi's Fall—and What Comes Next?
Egypt Descends Into "Spiral of Violence and Retribution" After Morsi’s Ouster
09/07/13
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1 comentários:
Efectivamente, como o sublinha hoje no Libé a mais famosa dupla de politólogos árabes, que assina Mahmoud Hussein, o PREC continua...com o povo do Egipto a lutar pela sua autonomia total, conquistada em Janeiro de 2011 na rua, ou melhor, na Praça Tahir. " Estes novos militantes não se deixam mais limitar pelos mitos da predestinação e da fatalidade, pelo respeito instintivo das hierarquias ou pelo conformismo comunitarista. Não se inquietam do que tende para a singularidade,a ruptura e o Imprevisto. (...) Tahir representa a consciência intima de milhões de egipcios, consciência revolucionária e de cidadania, contrapoder instalado no espirito, encontro directo de cada vontade livre com o destino colectivo do Egipto ", sublinha o artigo. E,numa arrojada interpretação, a dupla Mahmoud Hussein sinaliza que face ao desafio incarnado pelos valores de liberdade e autonomia agitados na praça Tahir, as Forças Armadas e a Irmandade vão tentar logo depois da queda de Moubarak " actuar em conjunto" para partir o élan da Revolução nascente... O eleitoralismo favorecido pela estrutura politico-militar privilegia a Irmandade e os salafistas, que ganham as presidenciais e as legislativas.Os articulistas frisam que as Forças Armadas prenderam e decapitaram quase todas as organizações revolucionárias à esquerda da Irmandade, o que os favoreceu e lhes permitiu aceder ao poder sem grandes problemas. Em troca, Morsi e os seus altos ideologos da Irmandade consagraram e garantiram constitucionalmente os privilégios da casta militar, preservando os seus interesses e imunidades excessivos... No poder, acusam Mahmoud Hussein, a Irmandade pouco fez para aliviar o quotidiano dos seus eleitores, " Agravaram mesmo " a situação económica, frisam. Isso fatalmente seria pago no final da legislatura com a sanção vertical do povo.
O CRIME ESSENCIAL
" Mas o crime essencial, sintetiza o artigo da dupla, " da Irmandade foi o de tentarem blindar por todas as formas as hipoteses de que jamais pudessem ser corridos do poder. A sua maior preocupação foi a de tornarem,custasse o que custasse, a alternância impossivel ". Elaborando uma Constituição numa noite,desprezando a consulta democrática com as outras forças politicas não confessionais e acumulando poderes totais, Morsi
criou em menos de um ano uma frente crescente de opositores que, em conjunto com as Forças Armadas e os democratas de todos os partidos, o forçaram a sair do poder. No meu ponto de vista, agora,creio que os EUA têm uma grande responsabilidade no desenlace do primeiro round da democracia pluralista do Egipto. Se bem que o intermezzo eleitoral norte-americano que veio a reeleger Obama os tivesse impedido de visar mais longe,por causa das pressões e inquietações de Telavive e Riade. Os estados suzeranos sunitas da região-A. Saudita e o Qatar- parecem dispostos a financiar o segundo round do processo de democratização, com os contornos ludibriantes da frágil democracia à ocidental...Salut! Niet
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