06/10/20

Somos e fomos todos fascistas? (4)

Concluindo esta conversa, eu diria que há efetivamente alguma coisa em comum entre o fascismo e os estados sociais da Europa pós-guerra, nomeadamente a defesa de alguma espécie de estado social, a busca de um sistema menos liberal que o capitalismo do século XIX mas menos intervencionista (e mantendo a propriedade privada dos meios de produção) que o marxismo, e a colaboração entre o estado, os sindicatos e o patronato - mas diferem radicalmente na questão do líder autoritário versus democracia bastante negociada, e largamente também na do conforto material versus vida heróica e gloriosa.

Se comparada com as versões mais extremas da "nova esquerda", o fascismo tem algumas semelhanças na parte de um certo anti-materialismo (os esquerdistas dizem que são contra o "consumismo" e não contra o "materialismo", mas isso é em parte semântica) - uns em nome das virtudes heróicas e militares, outros em nome do trabalho criativo e da auto-expressão (parece muito diferente - ou talvez o oposto, para quem esteja habituado a filmes com o argumento "o pai quer que o filho vá para os fuzileiros, mas ele quer seguir Belas-Artes" - mas ambas as atitudes têm em comum a ideia de que a atividade humana deve ser motivada por algo "superior" a ganhar dinheiro e de recusa da supostamente monótona vida "burguesa"), mas a oposição é ainda maior no que diz respeito a questões de respeito pela autoridade ou por hierarquias (que a nova esquerda tendia a rejeitar ainda mais do que os democratas do pós-guerra), ou do pessimismo histórico dos fascistas (que tendem a ver a civilização sempre à beira do colapso e a necessitar de ser salva por heróis) versus o utopismo da nova esquerda (dada a acreditar que a sociedade sem qualquer espécie de opressão ou frustração está ao virar da esquina).

Agora, eu há muito tempo que ando a pensar numa teoria (em parte uma versão alterada e aprofundada do "gráfico de Pournelle"), que um dia hei de pôr num post, dum esquema bi-dimensional, sendo uma dimensão romantismo vs. iluminismo (sim, sim, esta oposição é muito contestável), e a outra coletivismo vs, individualismo (outra oposição muito contestável...), havendo uma grande tendência para alianças na diagonal (iluminismo-coletivismo e romantismo-individualismo de um lado, romantismo-coletivismo e iluminismo-individualismo do outro); neste esquema, o fascismo é uma variante de romantismo coletivista, o estado social de iluminismo coletivista e a "nova esquerda" já entra um bocado no romantismo individualista (o liberalismo fica no iluminismo individualista). E por isso quem for especificamente à procura, consegue encontrar semelhança do fascismo tanto com o estado social-democrata como com a "nova esquerda".

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