03/03/11

"A Falta de Imaginação"

Belíssimo post, intitulado A Falta de Imaginação, o que Luís Januário acaba de publicar no seu blogue. Não seria preciso mais do que uma exercício assim, cuja urgência é sublinhada pela serenidade dos termos que a formulam, para mostrar que, ao contrário do que pensei durante algum tempo — e sou, por vezes, fortemente tentado a repensar —, a blogosfera e a reflexão, o exame explícito das coisas quotidianas da vida interno à paisagem do quotidiano, não são necessariamente incompatíveis.
Escreve, a concluir, Luís Januário:

Há um programa revolucionário , tão simples que parece pueril, debitado pelas seitas islâmicas mais radicais. E deve haver outro, perigosamente autista, produzido pelos equivalentes locais dos bloggers sangrentos, tipo 5 noites. E depois fica a cantilena dos comentadores, oficiantes da decrépita religião do mercado, crescendo como cogumelos em todas as estações e restantes meios de anestesia, olhando para as Líbias como Pandora para a caixa de Epimeteu. Não haverá imaginação para lá desta ? Não haverá, entre tantos que difusamente sonham outra coisa ,quem a comece a querer viver, debaixo do sol?

No fundo, é todo o problema da formação da vontade política, todo o problema da política como acção dotada e criadora de sentido, que aqui se formula. Não basta, com efeito, que o modo como vivemos e se governam as nossas vidas (sem que assumamos nós a responsabilidade de as governarmos) causem frustração, ou que, depois, a frustração (da carência material mais nua a várias espécies de "mal-estar na civilização") cause protestos violentos. A política começa quando nos damos conta da necessidade da aprendizagem da arte de saber querer - para além da simples retaliação reactiva ou da erupção dos apetites frustrados — o que inclui a frustração da sua composição e reconhecimento. E é desta arte de saber querer, da arte de formar uma vontade por parte de "quem comece a querer viver, debaixo do sol" — ou seja, é da criação das suas condições e da composição comparável à musical dessa vontade — que este post nos fala.

2 comentários:

António Geraldo Dias disse...

Há escritas que subtraem,qualquer coisa se perde na tradução,não é, MSP?

Miguel Serras Pereira disse...

A tradução, Atónio Geraldo Dias, seria um tema interminável.
É verdade que, de certo ponto de vista, as traduções mais perfeitas não dispensam o original - nem o restituem rigorosamente falando. Daí que possa haver duas ou mais traduções igualmente "perfeitas" de uma mesma obra.
E todavia, a potência de metamorfose da linguagem que opera no original não se deixa conter inteiramente, em aspectos essenciais, pela língua de origem: quantos autores e leitores comuns não foram marcados pelospoemas homéricos sem saberem grego? Ou por Tolstoi,ignorando o russo?
Mais ainda -deste segundo ponto de vista -a tradução potencia a força do original. Estende o alcance da sua influência, da sua acção sobre as outras línguas.
Por fim, o corpo a corpo que se estabelece, na história, entre duas línguas, através da tradução, revela e age de um modo singular sobre a língua de recepção, a sua literatura, os seus hábitos, a sua natureza, em suma.

Pois bem, para bom entendedor… Digamos, pois, que o mesmo se passa com esse análogo da tradução que é a interpretação (como se diz: interpretar uma sonata) de uma leitura bem feita (como lhe chamava Péguy).

Seu leitor compenetrado

msp