21/03/11

O Mal dos Outros e o Bem dos Nossos

Depois de ler este post do Daniel Oliveira, concluo duas coisas.

Por um lado, quem é contra o regime líbio, mas também contra a intervenção militar da “comunidade internacional” (pensemos de modo aleatório num exemplo... sei lá, o Francisco Louçã), está a ser cúmplice do regime líbio. Como escreve o Daniel, “não se pode saudar, durante semanas, a vitória de egípcios e tunisinos contra a tirania e a coragem de sírios, iemenitas ou sauditas, dar-lhes força para continuarem a desafiar os seus tiranos, e depois esperar sentado pelo massacre dos povos”.

Por outro lado, o Daniel também diz: quem votou a favor de uma intervenção militar como a que está em curso (pensemos de modo aleatório num outro exemplo... sei lá, o Rui Tavares) não é responsável pelos efeitos que essa decisão provoca: “Quem, por exemplo, à esquerda, no Parlamento Europeu, defendeu o que veio a ser a resolução da ONU, não cometeu nenhum erro. Cumpriu uma obrigação política e foi coerente com as posições que teve no passado em relação ao Iraque, a Timor, ao Darfur ou à Palestina. Não poderá ser responsabilizado por atropelos à resolução da ONU, muito clara nos seus propósitos”.

Ou seja, quem não faz, de tudo é culpado; quem faz, de nada é culpado.


Por fim, o título do post do Daniel não tranquiliza. Diz-nos que é para ser ao contrário do Iraque, mas o Iraque também era para ser ao contrário do Iraque. A mim parece-me, sim, que existem outros modos de intervenção que não o que está em curso. E que este, representando uma tentativa de lutar ao lado dos revoltosos, representa também uma tentativa de substituir a luta dos revoltosos.

Ps - Se isto está certo, então talvez seja justificado que o Daniel corrija esta sua afirmação: “Apesar de algumas - poucas - reticências à criação da zona de exclusão aérea, a resolução, em que os "verdes" tiveram um papel central, só contou com a oposição da extrema-direita e de uma minoria do GUE (grupo onde estão os comunistas e os partidos mais à esquerda)”. Com efeito, e se o link acima referido estiver correcto, foram 14 os deputados do GUE que votaram contra e 11 os que votaram a favor. Sendo que, se não estou em erro, deputados como o Miguel Portas e a Marisa Matias (que votaram a favor da resolução na generalidade) votaram contra o artigo referente à zona de exclusão aérea, o que ainda torna mais necessário que o Daniel corrija o que escreveu.


7 comentários:

Anónimo disse...

Um ângulo de visão muito credível,pois sabe-se que o Conselho Nacional Líbio, a estrutura política dos " revoltosos ", foi reconhecida oficialmente por Sarkozy, há semanas, e tem uma plataforma muito activa na capital francesa. O reconhecimento sarkoziano- o PR francês reintroduziu o seu país a 100 por cento na NATO -foi, que se saiba, até hoje único no Mundo...Niet

Daniel disse...

Que eu saiba oposição é votar contra. E em 34, votaram contra 14, 11 a favor e os restantes abstiveram-se. Logo, foi uma minoria que esteve contra.

Daniel disse...

Numa segunda parte desse parágrafo havia uma imprecisão (questões de português) que foi corrigida.

Miguel Serras Pereira disse...

Grande Camarada Zé Neves,
confesso que não compreendo muito bem o que queres dizer quando escreves: "A mim parece-me, sim, que existem outros modos de intervenção que não o que está em curso". Não sei se te referes, concretamente, a toda e qualquer acção envolvendo meios militares ou só aos termos e aspectos do conteúdo precisos que caracterizaram a tomada de decisão das operações em curso. Seja como for — e repito em grande medida o que tenho vindo a escrever desde o início do caso, completando-o com argumentos como os do Pedro Viana e do Luís Rainha nos posts que escreveram aqui sobre o assunto —, chamo a tua atenção para o seguinte.

1. A partir do momento em que Kadhafi opõe aos que o contestam as forças armadas e policiais da ditadura, incluindo a aviação — que em grande número lhe permaneceram fiéis e entre cujas fileiras se destaca a presença de mercenários — e a partir do momento em que a revolta não cede à repressão militar, eclode na Líbia uma situação de guerra civil.

2. Perante a guerra civil em curso, seria irresponsável por parte dos revoltosos não apelarem ao auxílio internacional, deixando Kadhafi desencadear à vontade o inferno e o pesadelo prometidos aos seus opositores, e também irresponsável da nossa parte, na Europa e noutros lugares, não exigirmos dos governos existentes — e, a seguir ou ao mesmo tempo, das Nações Unidas — o reconhecimento do campo insurrecto e uma rápida acção que impedisse Kadhafi de consumar uma reedição, conforme as suas próprias palavras, da entrada de Franco em Madrid, em 1939, no final da Guerra Civil de Espanha.

3. A acção reclamada pelos revoltosos, e que seria irresponsável, sem suspendermos a nossa própria vontade democrática, não reivindicarmos dos governos da UE, etc., não poderia excluir por princípio o recurso ao uso da força — embora, para ser uma resposta ao pedido de apoio dos insurrectos e equivaler ao seu reconhecimento como titulares do "governo legítimo" do território, não visasse uma ocupação do país e definisse limites estritos às acções de combate a empreender ("exclusão aérea", por exemplo, fornecimento de armas e abastecimento logístico, etc.). Com efeito, qualquer declaração de apoio à revolta, que excluísse à partida e por definição a acção material e o apoio efectivo aos insurrectos, seria puramente retórica ou um exercício de hipocrisia, equivalendo ao reconhecimento do regime de Kadhafi como — apesar de tudo — representante legítimo da Libia.

(continua)

Miguel Serras Pereira disse...

(continuação do comentário anterior)

4. Ora, tanto a vontade dos insurrectos como o que aqui lhes devemos —e devemos à nossa própria vontade de transformação democrática instituinte — de solidariedade activa implica, no mínimo, e como escreveram bem o Miguel Portas e a Marisa Matias, "que a comunidade internacional impeça, por meios militares, qualquer tentativa de bombardeamento das cidades sublevadas pela força aérea do ditador. Se a situação se degradar e Kadafi optar pelo massacre da insurgência e das populações civis, esta possibilidade não deve ser posta de lado" porque "há momentos em que o pseudo-pacifismo de quem nunca foi pacifista se confunde perigosamente com a defesa do ditador. Esta atitude não é mais nem menos cínica do que a dos governos europeus que, debitando loas aos Direitos Humanos, apoiaram durante anos a clique de Kadafi".

5. Sendo assim, como se pode sustentar — como fez, depois da decisão das Nações Unidas, o Miguel Portas e me parece ser, além da posição "oficial" do BE, também a tua neste post — que deve ser excluída “qualquer intervenção militar, incluindo a medida que lhe pode abrir as portas: a zona de exclusão aérea” — tanto mais que é evidente que Kadhafi, desde antes da decisão das Nações Unidas e não por efeito desta, se mostrou decidido a empreender o "massacre da insurgência e das populações civis", não tendo bastado outros meios que não a força para o dissuadir?

6. Como o LAM, um interlocutor assíduo dos autores dos posts propostos pela nossa casa comum, escreveu ontem na caixa de comentários do meu Falar claro: "Não há 3ª via. Ou há intervenção política e militar de apoio aos revoltosos (e quanto a isso é importante insistir na limitação das acções militares e da sua exclusiva missão de impedir a revanche de Kadaffi), ou há um lavar de mãos relativamente à situação vivida na Líbia sob a capa de um pacifismo com mais ou menos flores que, apesar de os seus defensores o negarem, objectivamente serve e sustenta Kaddaffi e a matança anunciada".

Até já & Abraço

miguel (sp)

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Caro Daniel de Oliveira por muitas voltas que dê à matemática não consegue provar que 14 são menos que 11 e que maioria, não a absoluta, votou contra o projecto. Não pode contar as abstenções como votos a favor. A democracia é assim, quem se abstém é porque não quer tomar posição. Isto sempre foi assim em qualquer votação, por isso, é que se exige, em alguns casos, a necessidade de haver maiorias absolutas.

Ricardo Noronha disse...

Parece ser objectivo que só uma minoria dos membros do GUE votou favoravelmente a moção co-redigida por Miguel Portas. E que, estranhamente, nove deputados eleitos na base de um programa político (também eles uma minoria), não têm posição relativamente a uma questão como esta.
Caro Miguel, quem gostava de afirmar, perante situações politicamente complexas, que não havia terceiras vias nem meias medidas, era o camarada Vasco Gonçalves. E todos sabemos até que ponto se enganava.