Para quem acha que o que escrevi no post anterior é meramente uma opinião recomendo ao leitor que leia o requiem a Chavez publicado no jornal "Diabo" (edição de 12 de Março), uma publicação de inegáveis credenciais nacionalistas de direita. O referido requiem que a seguir transcrevo também tem circulado em vários espaços internáuticos da direita nacionalista.
«Conhecendo bem de perto
o ideário social patriota venezuelano (tive a honra de ser orador convidado em
vários eventos organizados pela embaixada bolivariana em Lisboa e pude privar
bastas vezes com o seu embaixador e ainda com dignitários e deputados do PSUV
de visita ao nosso país) só posso afirmar que Hugo Chávez, a ser algo, era um
de nós. Um patriota, um nacionalista, um defensor e um protector do seu povo.
Eu recordo o Chávez pupilo de Norberto Ceresole, o Chávez
que admirava Mussolini e Perón, o Chávez que reduziu em 70% a pobreza extrema
(a de quem passa fome e vive em barracas), em 50% a pobreza funcional (muito
portuguesa, a de quem, embora trabalhando, não ganhe para as contas), o Chávez
que reduziu o emprego a 6% em 2012 e, dados do insuspeito Observatório
Económico dos EUA, se esperaria baixar para 3% este ano. O Chávez leitor de
Alain de Benoist e curioso da Nova Direita francesa, o Chávez que se consultava
com Alberto Buela, o filósofo peronista. O meu Chávez é imortal, será esse que
o povo recordará, pese embora a falsificação histórica constante da esquerda
jornaleira, o ódio da direitinha burguesa sedenta de dinheiro e criados ou o
mau gosto de quem achou por bem igualá-lo a Mao e Lenine, conspurcando-lhe a
santa carne com químicos e expondo-o numa urna de cristal. Tal não é culpa
dele! Sentirei falta do Chávez que era, não do que dirão que foi».
Vejam como o texto citado perspectiva em Chavez uma personalidade pertencente ao seu campo político. E, mais do que isso, verifique-se como os argumentos que a esquerda nacionalista utiliza para defender Chavez são os mesmos utilizados pela extrema-direita: o irracionalismo; a condução política dos pobres transformados numa massa indistinta, histérica e adoradora do seu "líder"; a pretensa oposição entre Chavez e a burguesia; o nacionalismo inerente ao projecto chavista como traço apreciado em ambos os pólos; as personalidades abonatórias de um lado e de outro (num caso, uns citam Lénine e Fidel, à direita lembram os elogios de Chavez a Peron, Ceresole, etc.).
Quem tem razão sobre a identidade política de Chavez? A direita mais radical e nacionalista que vê para além do folclore de boinas vermelhas e de punhos erguidos e percebe o real alcance do projecto político bolivariano de uma nação proletária? Ou a esquerda pró-chavista que esquece que as experiências políticas da direita mais extrema sempre cresceram a partir da conjugação (e da apropriação) de temas originários do mundo operário com a sua inserção num projecto de regeneração nacional de novas hierarquias?
O texto supracitado lembra a muitos meninos e meninas de esquerda algumas verdades sobre as reais afinidades ideológicas de Chavez e é uma bofetada de luva branca na esquerda nacionalista que, perante, a actual crise económica oscila entre o moralismo irracionalista e a aspiração a uma pátria soberana de capitalistas desenvolvimentistas e de trabalhadores dedicados ao trabalho. Muita gente à esquerda pode não querer saber disso para nada, mas quando personalidades da direita mais radical como Dugin ou Kerry Bolton valorizam o papel e, nalguns casos, as relações com Chavez e o regime venezuelano, então é porque algo vai mal nessa esquerda. Que as posições assumidas pela direita mais à direita sejam as que se conhecem, não há aí nada de inesperado. Inesperada é a aceitação e a partilha de propostas, de processos políticos e de figuras entre duas áreas opostas - mas não necessariamente antagónicas - no espectro político. Como tenho dito repetidamente não se trata de identificar o que é diferente, mas de chamar a atenção para os perigosos pontos em comum que uma esquerda cada vez mais nacionalista anda a estimular e a desenvolver. O projecto político de Chavez, a saída do euro e da UE, o nacionalismo, as teses do capital financeiro "parasitário" contra capital "produtivo", etc. são já demasiados pontos em comum para que se continue a deixar tudo isto incólume e sem a reflexão crítica que deveria merecer.
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«A tua Pátria, a Pátria, hoje temos Pátria, e aconteça o que acontecer, em qualquer circunstância, seguiremos tendo Pátria. Pátria perpétua, disse Borges, Pátria para sempre, Pátria para os nossos filhos, Pátria para as nossas filhas, Pátria, Pátria, a Pátria. Patriotas da Venezuela, homens e mulheres, joelho no chão, Unidade, Unidade, Unidade dos patriotas. Não faltarão os que querem aproveitar conjunturas difíceis para, bom, manter o seu empenho da restauração do capitalismo, do neoliberalismo, para acabar com a Pátria. Não, não poderão. Perante estas circunstâncias de novas dificuldades, do tamanho que forem, a resposta de todos e de todas as patriotas, dos revolucionários, dos que sentimos a Pátria desde as vísceras, como diria Augusto Mijares [*], é unidade, luta, batalha e vitória».
Discurso de Hugo Chavez a 9 de Dezembro de 2012
[*] - historiador venezuelano com obra sobre Bolivar, Mijares foi também ministro da Educação (1949-50) da Junta que governou o país num regime de ditadura militar durante dez anos.
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