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14/03/13

Ainda sobre Chavez - II - os elogios da extrema-direita

«Chavez y Peron, un solo corazon».

Para quem acha que o que escrevi no post anterior é meramente uma opinião recomendo ao leitor que leia o requiem a Chavez publicado no jornal "Diabo" (edição de 12 de Março), uma publicação de inegáveis credenciais nacionalistas de direita. O referido requiem que a seguir transcrevo também tem circulado em vários espaços internáuticos da direita nacionalista.

«Conhecendo bem de perto o ideário social patriota venezuelano (tive a honra de ser orador convidado em vários eventos organizados pela embaixada bolivariana em Lisboa e pude privar bastas vezes com o seu embaixador e ainda com dignitários e deputados do PSUV de visita ao nosso país) só posso afirmar que Hugo Chávez, a ser algo, era um de nós. Um patriota, um nacionalista, um defensor e um protector do seu povo.
Eu recordo o Chávez pupilo de Norberto Ceresole, o Chávez que admirava Mussolini e Perón, o Chávez que reduziu em 70% a pobreza extrema (a de quem passa fome e vive em barracas), em 50% a pobreza funcional (muito portuguesa, a de quem, embora trabalhando, não ganhe para as contas), o Chávez que reduziu o emprego a 6% em 2012 e, dados do insuspeito Observatório Económico dos EUA, se esperaria baixar para 3% este ano. O Chávez leitor de Alain de Benoist e curioso da Nova Direita francesa, o Chávez que se consultava com Alberto Buela, o filósofo peronista. O meu Chávez é imortal, será esse que o povo recordará, pese embora a falsificação histórica constante da esquerda jornaleira, o ódio da direitinha burguesa sedenta de dinheiro e criados ou o mau gosto de quem achou por bem igualá-lo a Mao e Lenine, conspurcando-lhe a santa carne com químicos e expondo-o numa urna de cristal. Tal não é culpa dele! Sentirei falta do Chávez que era, não do que dirão que foi».



Vejam como o texto citado perspectiva em Chavez uma personalidade pertencente ao seu campo político. E, mais do que isso, verifique-se como os argumentos que a esquerda nacionalista utiliza para defender Chavez são os mesmos utilizados pela extrema-direita: o irracionalismo; a condução política dos pobres transformados numa massa indistinta, histérica e adoradora do seu "líder"; a pretensa oposição entre Chavez e a burguesia; o nacionalismo inerente ao projecto chavista como traço apreciado em ambos os pólos; as personalidades abonatórias de um lado e de outro (num caso, uns citam Lénine e Fidel, à direita lembram os elogios de Chavez a Peron, Ceresole, etc.).

Quem tem razão sobre a identidade política de Chavez? A direita mais radical e nacionalista que vê para além do folclore de boinas vermelhas e de punhos erguidos e percebe o real alcance do projecto político bolivariano de uma nação proletária? Ou a esquerda pró-chavista que esquece que as experiências políticas da direita mais extrema sempre cresceram a partir da conjugação (e da apropriação) de temas originários do mundo operário com a sua inserção num projecto de regeneração nacional de novas hierarquias?

O texto supracitado lembra a muitos meninos e meninas de esquerda algumas verdades sobre as reais afinidades ideológicas de Chavez e é uma bofetada de luva branca na esquerda nacionalista que, perante, a actual crise económica oscila entre o moralismo irracionalista e a aspiração a uma pátria soberana de capitalistas desenvolvimentistas e de trabalhadores dedicados ao trabalho. Muita gente à esquerda pode não querer saber disso para nada, mas quando personalidades da direita mais radical como Dugin ou Kerry Bolton valorizam o papel e, nalguns casos, as relações com Chavez e o regime venezuelano, então é porque algo vai mal nessa esquerda. Que as posições assumidas pela direita mais à direita sejam as que se conhecem, não há aí nada de inesperado. Inesperada é a aceitação e a partilha de propostas, de processos políticos e de figuras entre duas áreas opostas - mas não necessariamente antagónicas - no espectro político. Como tenho dito repetidamente não se trata de identificar o que é diferente, mas de chamar a atenção para os perigosos pontos em comum que uma esquerda cada vez mais nacionalista anda a estimular e a desenvolver. O projecto político de Chavez, a saída do euro e da UE, o nacionalismo, as teses do capital financeiro "parasitário" contra capital "produtivo", etc. são já demasiados pontos em comum para que se continue a deixar tudo isto incólume e sem a reflexão crítica que deveria merecer.


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«A tua Pátria, a Pátria, hoje temos Pátria, e aconteça o que acontecer, em qualquer circunstância, seguiremos tendo Pátria. Pátria perpétua, disse Borges, Pátria para sempre, Pátria para os nossos filhos, Pátria para as nossas filhas, Pátria, Pátria, a Pátria. Patriotas da Venezuela, homens e mulheres, joelho no chão, Unidade, Unidade, Unidade dos patriotas. Não faltarão os que querem aproveitar conjunturas difíceis para, bom, manter o seu empenho da restauração do capitalismo, do neoliberalismo, para acabar com a Pátria. Não, não poderão. Perante estas circunstâncias de novas dificuldades, do tamanho que forem, a resposta de todos e de todas as patriotas, dos revolucionários, dos que sentimos a Pátria desde as vísceras, como diria Augusto Mijares [*], é unidade, luta, batalha e vitória».
Discurso de Hugo Chavez a 9 de Dezembro de 2012

[*] - historiador venezuelano com obra sobre Bolivar, Mijares foi também ministro da Educação (1949-50) da Junta que governou o país num regime de ditadura militar durante dez anos.

13/03/13

Ainda sobre Chavez - I - o irracionalismo

A propósito da morte de Chavez, tenho encontrado aqui e ali algumas declarações elucidativas da abordagem com que muita gente que se considera de esquerda endereça ao ex-presidente venezuelano. Escolho duas delas: "Oh, ainda hoje chorei pelo falecimento do Chavez. Que não desapareça nunca! Que tudo o que o povo venezuelano tem mostrado nestes dias se prolongue por milénios!"; "Choramos a partida de El Protector". Também na caixa de comentários do blog de um destacado militante do PCP se encontra a inscrição de que haveria "mortos que não morrem". Dentre o rol de características totalmente opostas a uma noção democrática, ponderada e autónoma de lutas sociais (e, por isso mesmo, totalmente opostas ao princípio internacionalista de que "a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores") encontram-se: a solidariedade lacrimosa com o dirigente; a santificação de figuras políticas; a evolução de um processo político colocada nas mãos de um líder protector; a eternidade do líder enquanto o real portador de um projecto político.

Curiosa e tristemente, é na esquerda "revolucionária" e nacionalista dos últimos 100 anos que as manifestações de maior fervor emocional pelo falecimento de líderes paternalistas e protectores mais se fez sentir. Se os fascistas se notabilizaram por enaltecer a morte numa operação de profundo desprezo pela vida (quem não se lembra do delirante "Viva la muerte"?), a esquerda nacionalista de raiz leninista e/ou terceiro-mundista prefere canonizar os seus líderes entretanto falecidos. Se há óbvias diferenças, também há um campo comum irracionalista. Quando os mortos são o farol da vida então é porque a política já transporta algum grau de redenção escatológica. Claro que é legítimo cada um ver a política e a vida como melhor lhe aprouver. Duvido é que, por este caminho, alguma coisa se possa modificar nos fundamentos sociais do capitalismo, da exploração económica e da opressão política.

Quando um dirigente da esquerda é recordado fundamentalmente a partir de aspectos estritamente emotivos, então já se está no plano do irracional. A transformação que o "povo de esquerda" faz dos seus líderes em ícones religiosos e dos respectivos destinos post mortem em celebrações litúrgicas, só demonstra a penetração do irracionalismo no seu seio.

Há uns anos atrás a moda na esquerda era "ser-se ético". Hoje, com a deflagração da crise económica, e com o fim da panaceia do "capitalismo de rosto humano", há que distribuir fé em abundância onde a racionalidade parece escassear. Da moral dos "valores" à moral da fé há todo um cardápio de possibilidades e de imagens a escolher...

No entretanto, a reflexão crítica da ligação de Chavez (e de outros processos políticos) a temas, práticas e personalidades da direita mais extrema continua de fora do circuito de preocupações da esquerda... Para quê reflectir sobre isso se só faltam terços e cruzes para canonizar o santo venezuelano?

(cont.)

06/03/13

Para lá do imediato e do ícone: a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores?


Independentemente do que cada um ache politicamente de Hugo Chávez, é terrível que, duzentos anos passados de movimentos operários e populares de todo o tipo, ainda ande tudo preocupado à esquerda com o futuro desses movimentos quando um líder desaparece… É ver o estado de desespero de muita gente de esquerda perante o falecimento de um “dirigente máximo”. Assim se compreende como a orfandade política por dirigentes-guias-salvadores demonstra o quanto a maioria da esquerda não quer saber para nada dos trabalhadores nem das possibilidades de a classe trabalhadora gerir democraticamente o conjunto da vida social sob novos princípios de organização da sociedade… Hugo Chávez figurará no panteão da esquerda como Karol Wojtyla para a Igreja Católica? Pelo menos a curto prazo, o ícone sobrepor-se-á ao real.
(…)

Chávez foi mais um entre muitos líderes partidários ou de Estado com que a esquerda nacionalista continua a suspirar para funcionarem como vanguarda mais ou menos pessoalizada de processos que mais não são do que uma roupagem avermelhada de capitalismos arcaicos e populistas. Verdade seja dita, a cristalização de lideranças carismáticas e que decidem pela população resulta sempre da desmobilização e da desorganização das dinâmicas democráticas de base. O que não isenta ninguém, mas recorda a origem dos processos de recuo das lutas sociais de base que se apegam a líderes, dirigentes e/ou estruturas centralizadas e burocráticas como um último reduto de ilusões.

Para o conjunto dos trabalhadores de todo o mundo isto é o pior de tudo: ainda não conseguirem contar com as suas próprias (as nossas!) forças colectivas e democráticas para continuarem um qualquer processo social e político, independentes do destino que os indivíduos tomam no decurso da vida. E independentes da conversão das lutas sociais de base em processos de aclamação de dirigentes omnidecisores.

“A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”?

O artigo pode ser lido na íntegra aqui 

30/11/10

A queda em directo e ao vivo


Apesar do tom “telenovelesco” da maior parte dos documentos diplomáticos norte-americanos que têm chegado a público, cedidos pela Wikileaks, um assalto desta dimensão não é para brincadeiras. Anda tudo a assobiar para o lado, com poucas excepções (uma foi Chávez que já veio dizer as coisas do costume), mas que os EUA se expuseram ao ridículo expuseram.
Podem os próprios — e os visados nos telegramas — fazer diplomaticamente de conta que continua tudo bem. No fundo, no fundo, estamos a assistir ao vivo e em directo à queda de um Império. The times they are a-changin. Ou como bem disse o Tom Waits, "estamos no meio de uma revolução [só que desta vez] ninguém sabe de que lado vêm as pedras".