15/04/12

Manuel António Pina e a "sinização"

Manuel António Pina tem sido um dos observadores mais atentos ao processo de "sinização" em que apostam cada vez mais as fracções mais aguerridas da oligarquia europeia — com particular destaque para os seus capatazes políticos e ideólogos da região portuguesa. Sim, o processo de "sinização" remete para a República Popular da China e o seu modelo de "sociedade harmoniosa", bem como para a sua experiência histórica presente, na qual, também neste país, há quem vislumbre um regime empenhado no esforço de construir uma alternativa ao capitalismo.

Vale, sem dúvida, a pema ler estas "Notícias da China na Europa" — a sua mais recente crónica sobre o assunto, no JN:

Um indivíduo não eleito, que ocupa um cargo administrativo nomeado não se sabe (mas imagina-se) por que critérios, impede um autarca eleito de, em representação dos cidadãos de uma determinada cidade, visitar uma instituição pública dessa cidade.

Adivinhe o leitor onde se passou o episódio, exemplar de respeito pela Democracia representativa: na Coreia do Norte (dando crédito à noção de Democracia de Bernardino Soares e admitindo que na Coreia do Norte haja eleitos)?, em Cuba?, no Irão?, no Portugal salazar-marcelista? Não: foi em Portugal, desde há 38 anos "um Estado de Direito democrático", onde "os actos do Estado e (...) outras entidades públicas dependem da sua conformidade com a Constituição".

O que se passou foi que o presidente da Câmara de Lisboa ia já a caminho da Maternidade Alfredo da Costa para a visitar quando recebeu um telefonema da direcção desta instituição informando-o de que o administrador regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo a proibira de receber o autarca, sob pena de processo disciplinar. Mais: segundo a RTP, todos os clínicos da Maternidade estão proibidos de falar com a comunicação social, isto num país cuja Constituição garante que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio (...) sem impedimentos nem discriminações".

Pelos vistos não foi só em matéria laboral que já chegamos à China.

5 comentários:

Anónimo disse...

Quais os efeitos da " produção de capital " na transformação da oligarquia marxista-leninista chinesa? Um especialista mundial sobre a economia da RP da China, Nicholas Lardy, diz que há uma transmutação nos eixos estruturais da economia chinesa. Mesmo apòs a famigerada crise financeira que abala os USA e a União Europeia. O único limite para um mais prolongado boom prende-se com o controlo severo do Estado-partido sobre o investimento, a par do complexo sistema bancário super-avaliado e com efeitos de dumping múltiplos. A compra de robots para a indústria- este ano há encomendas para um volume superior a 20 mil...- e de câmaras de video- control social e municipal- há cidades com projectos para centenas de milhar de sistemas desse tipo nas ruas e shoppings... de patente norte-americana -anuncia porventura maior drama e depressão política no universo kafkaniano concentracionário chinês. Niet

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Miguel,

Em vez de escrever

"Um indivíduo não eleito, que ocupa um cargo administrativo nomeado não se sabe (mas imagina-se) por que critérios, impede um autarca eleito de, em representação dos cidadãos de uma determinada cidade, visitar uma instituição pública dessa cidade",

Manuel António Pina podia antes ter escrito

"Um indivíduo não eleito, que ocupara um cargo administrativo nomeado não se sabe (mas imagina-se) por que critérios, mas já tinha deixado de o ocupar, convida um autarca eleito de, em representação dos cidadãos de uma determinada cidade, visitar uma instituição pública dessa cidade de que ele tinha sido responsável enquanto ocupante desse cargo".

E, em vez de escrever

"O que se passou foi que o presidente da Câmara de Lisboa ia já a caminho da Maternidade Alfredo da Costa para a visitar quando recebeu um telefonema da direcção desta instituição informando-o de que o administrador regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo a proibira de receber o autarca, sob pena de processo disciplinar",

podia antes ter escrito

"Também o presidente da Câmara de Lisboa negou ter sido impedido de entrar na MAC, esclarecendo que teve "uma reunião de trabalho" com o ex-diretor Jorge Branco e com o ex-diretor clínico da maternidade Abílio Lacerda".

Se fosse um observador atento.
Um observador atento faz melhor do que descrever um filme a partir de um único fotograma escolhido por ele.
O método de ilustrar uma história pré-determinada com uma selecção criteriosa de factos é mais próprio de um propagandista atento do que de um observador atento, que tenta perceber a história a partir de todos os factos pré-determinados.

Citações alternativas daqui:
http://www.ionline.pt/portugal/administracao-regional-saude-nega-cancelamento-visita-antonio-costa

Saudações cordiais.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel,
a sua achega, em meu entender, tudo o que prova é a cumplicidade de Costa com os métodos do governo, mas não os torna mais aceitáveis. O acordo de fundo entre a direcção do PS e os partidos actualmente no governo são mais um sintoma da "sinização" do regime que, não pela primeira vez, a crónica de MAP denuncia.Assim, a meu ver, os factos para que V. chama a atenção confirmam e agravam o que MAP diz — e eu subscrevo.

Abraço

msp

Manuel Vilarinho Pires disse...

Caro Miguel,
A sua observação tem todo o sentido, e eu concordo com ela, se bem que seja sobre um flanco, e não sobre o núcleo, do meu comentário.
O António Costa parece estar a praparar uma candidatura a PR e tem um palmarés de se dar bem com Deus e o Diabo, como se pode atestar na coligação que montou na CML, uma verdadeira União Nacional, que cobre desde os sectores mais à direita do CDS (a falecida Nogueira Pinto) aos sectores mais à esquerda do BE (estou a brincar, mas não me surpreendo se lá tiver algum amigo do Gil Garcia).
Mas o cerne a notícia que anexei, e do meu comentário, está noutro ponto.
A notícia original, cuja orientação suscitou o comentário do MAP em linha com ela, era algo como "A MAC convidou o AC para uma visita, a tutela proibiu, e a MAC cancelou o convite e praticou um acto de censura sobre o seu pessoal".
A notícia que anexei diz-nos que o AC não foi convidado pela MAC, mas por um médico da MAC, ex-presidente, não se percebendo até se usurpando as funções de ex-presidente, ou seja, fazendo o convite em nome da instituição que já não era representada por ele, pelo que também não cancelou nenhum convite que nunca tinha feito. Isto, para além de desmentir a alegada tentativa de censura, relativamente à qual haverá meios, que não esta nossa discussão, para provar se aconteceu ou não. Além de, se o AC confirma que reuniu com os médicos que o convidaram, ser provavelmente verdade, mesmo reconhecendo o que ambos concordámos antes, e mesmo que fora das instalações da MAC.
Não costumo ver o MAP desmentir, ou pelo menos corrigir, os seus comentários anteriores, mesmo quando se tornam comprovadamente inexactos. Mas nós podemos exercer essa vigilância, seja para não nos deixarmos enganar, seja para chamarmos a atenção de amigos que, de boa-fé, mas eventualmente menos atentos, possam ser conduzidos por eles a conclusões erradas.
Um abraço.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel,
continuo a pensar que a crónica do MAP acerta no essencial e que o espírito que a informa não difere daquele que me decidiu a transacrevê-la aqui. Acho, também, que os seus comentários a completam e confirmam, mais do que refutam. E, por mim, já vi o MAP emendar inexactidões, ainda que menores, em que incorreu.

Abraço

msp