O jornalista Pedro Caldeira Rodrigues (PCR) publicou nas últimas semanas o livro "O Sobressalto Grego".
Conheci o Pedro Caldeira Rodrigues num debate que organizei com alguns amigos que visava discutir o "Que fazer com esta vitória do Syriza" e para o qual o convidámos. Interessava-nos uma perspectiva que não estivesse prisioneira do economês que já então anulava todas as restantes dimensões do debate. Participou igualmente a eurodeputada Marisa Matías do BE. O debate teve lugar em Sines no passado dia 28 de Março, um mês depois do dia 28 de Fevereiro, que, como o livro esclarece, tantas consequências nefastas acarretou. Nefastas do ponto de vista do cumprimento do programa do Syriza, entenda-se.
Esta obra dá-nos o testemunho priveligiado de um jornalista que acompanhou a par e passo a evolução da situação na Grécia ao longo dos últimos anos, com destaque para o período que se seguiu à assinatura do memorando de entendimento com a Troika. Alguém que acompanhou de muito perto a degradação da situação social na Grécia e a ascensão do Syriza ao poder . Período que culminou no referendo de 5 de Julho e na, improvável, aceitação de um acordo draconiano - a negação ipsis verbis do espírito do resultado do referendo e do seu significado político - por Tsipras. De alguma forma, alguém que testemunhou o apogeu e a queda de um projecto político de base popular, com uma orientação claramente pró-europeia, claramente a favor de uma Europa dos cidadãos, no coração de uma União Europeia que resolveu renegar o Estado Social Europeu e se encontra algures em trânsito entre o neoliberalismo e o neoconservadorismo de inspiração americana.
Trata-se de uma obra que beneficia do extenso trabalho "in situ" do repórter mas a que não falta nem uma cuidada perspectiva histórica, que nos ajuda a perceber os quês e os porquês da evolução da Grécia, nem a perspectiva política, que impede o leitor de ficcionar quando se trata de discutir as razões pelas quais os actuais dirigentes da União Europeia elegeram o governo da Grécia e o seu povo como dignos de todo o tipo de punições e humilhações.
Recomendo vivamente a leitura do livro e aproveito para chamar aqui a atenção para dois ou três aspectos que ajudam a compreender aquilo que se passou e o que aí vem.
Uma questão que PCR salienta é a importância da rede "Solidarity for All" no combate aos efeitos da austeridade mas igualmente na construção de uma alterantiva política de base social. O facto de o Syriza não ter caído na tentação de controlar a rede - que apoiou financeiramente - foi fundamental para o aumento da mobilização popular e, como se verificou, da influência do partido. Esta rede e a sua actuação mostram-nos uma outra dimensão da cooperação entre os povos da Europa, que muitos normalmente desprezam apostados em opções de base nacionalista. Como PCR refere muito do apoio que o Solidarity for All recebeu veio de ONG´s alemãs que recolheram fundos entre a poulação alemã. Não me recordo de alguma vez ter escutado referências nas nossas teelvisões a este tipo de solidariedade.
Um outro aspecto muito importante para percebermos o que aconteceu é a relação que o autor identifica entre a ascensão ao poder do Syriza, neste momento histórico preciso, e a estratégia da direita. Refiro-me à "estratégia do parêntesis de esquerda" que Samaras delineou, Esta estratégia concretizada em Dezembro de 2014 ao forçar a eleição - que sabia iria desembocar em eleições antecipadas - pelo Parlamento de um novo Presidente da República. Essa estratégia visava permitir uma passagem efémera da esquerda radical pelo poder e a sua posterior derrota. As coisas não se passaram exactamente assim, porque Samaras acabou vitíma dessa estratégia, mas o resultado político com o acordo pós referendo traduzem-se numa derrota colossal do projecto político que o Syriza representava. Mais austeridade em vez de rotura com a austeridade. Mais desigualdade, por força dessa austeridade crescente.
Da leitura do livro percebe-se a importância que um conjunto de factores tiveram na evolução da situação política. São salientados vários, como a conjugação de esforços entre os socialistas e a direita europeia para impedir o contágio grego à Espanha e a Portugal,sobretudo. Mas há um aspecto muito importante que é referido: as culpas próprias do Syriza e que em grande parte relevam da incapacidade política e de um conjunto de erros que desde o ínicio munaram as hipóteses de sucesso político. Mas que traduzem, ao mesmo tempo, a forma como a correlação de forças no seu interior foi evoluindo. A ausência de um Plano B - que nada tinha a ver com a saída do euro, como alguns defendem - que permitisse enfrentar com mais eficácia a oposição, expectável, dos credores, são umaprova de incompetência política e de incapacidade para liderar um desafio desta magnitude. Uma incapacidade para, desde ínicio, ter sabido lidar com a falta de financiamento europeu e com o não pagamento dos quase 11 mil milhões de euros de que o país era credor. O facto de o Governo ter assistido impávido e sereno à brutal fuga de capitais revelou-se fatal e veio a transformar a vitória no referendo numa vitória de Pirro. A grécia chegou financeiramente exaurida ao dia da celebração da vitória e capitulou perante os credores. Merkell nesse dia poderia ter dito a Samaras que tudo correu da melhor maneira possível com o seu pequeno e irrelevante sacríficio pessoal. Para que as coisas tivessem seguido esse caminho contribuiu, como PCR refere, a manutenção à frente do Banco da Grécia de Yannis Stournaras, um aliado dos credores e alguém que no tempo de Samaras concretizou a estratégia central da austeridade: canalizar recursos retirados aos cidadãos para salvar os bancos falidos e mal geridos. A gestão que fez do dossierBanco Agrícola - com a divisão em banco bom e banco mau, como por cá se faz - suscitavam antes das eleições promessas de actuação criminal por parte do Syriza. Depois Tsipras resolveu manter Stournaras na chefia do Banco. Foi-lhe fatal.
O melhor mesmo é ler o livro.
18/08/15
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1 comentários:
Vamos participar e alargar o debate, sem pruridos nem estigmas inconcebiveis e inaceitáveis de "prima dona " encartado num ridiculo processo doutoral à tuga?!?.
Mélenchon regressou de férias e atirou: " A Alemanha da sra. Merkel vai destruir a Europa , tão certo como haver pardais".A situação grega é terrivel e encontra-se na encruzilhada: será que a CIA está atenta aos militares helénicos? A cena grega transformou-se num nauseabundo processo de esmagamento politico e social inspirado pela kanzlarina tedesca. Em Paris, hoje, um empresário yuppie, irmão de um escritor famoso, declarou quase o seu apoio politico a Marine Le Pen.Estas coisas falam por si como nos anos 30...E. Todd, que urge traduzir e ler: " A Europa não será porventura depois do inicio do séc. XX. esse continente que se suicida a intervalos precisos, sob direcção alemã? ". Niet
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