27/10/12

O dilema da esquerda europeísta - revisitado

No contexto da discussão ali em baixo entre o Pedro Viana, o Miguel Serras Pereira e mais uma carrada de gente, venho repostar este meu post de Maio de 2011, "O dilema da esquerda europeísta":

Perante a impossibilidade de, a curto prazo, atingir os seus objectivos minimos (i.e., a criação de uma politica económica e social comum a sério, decidida de forma razoavelmente democrática) qual deve ser o mal menor - a UE tal como ela existe, ou defender a saída do euro?

Ou pondo a questão de uma maneira mais concreta, imagine-se três hipoteses (não estou a contar, para já, com a "República Federativa dos Conselhos Operários Europeu"):

A - moeda única com um orçamento comum
B - moeda única sem um orçamento comum (basicamente, a situação actual)
C - fim da moeda única e regresso às moedas nacionais

Muitos economistas defendem que só as opções A e C são viáveis a prazo (é mais ou menos o que Paul Krugman defende aqui); o que é que alguem que defenda a opção A deverá preferir, a B ou a C?

Argumento a favor da opção C - resolve o problema de ter uma moeda única sem uma politica económica comum; argumento a favor da opção B - é mais fácil a transição futura para a A a partir da B do que da C.

Esta questão não é académica - a saída do euro (e provavelmente também da UE) em breve será o principal tema de discussão politica neste subcontinente.

14 comentários:

João Valente Aguiar disse...

Não estou assim tão certo que a saída do euro seja tão inevitável como isso. Não por misericórdia das classes dominantes europeias para com a Grécia e Portugal mas porque uma saída de um ou dois destes países terá, muito provavelmente, consequências devastadoras em toda a zona euro, inclusive podendo resultar na sua implosão.

Por outro lado, a argumentação do post faz todo o sentido mas abordando simultaneamente os custos económicos de cada opção. Assim sendo, só a opção A faz algum sentido neste momento, como já foi demonstrado até à exaustão por uma catrafada de gente. Não só por uma questão de sobrevivência da classe trabalhadora, mas também por ser o caminho que, no futuro, menos obstaculizará à constituição de uma unidade europeia de conselhos (infelizmente ainda bastante longe).

Anónimo disse...

JVA: e se para nos mantermos no euro tivermos de continuar a aplicar esta austeridade e quiçá uma outra ainda mais pujante, que aliás já se adivinha? Vc diz que lutará por ficar no euro à força toda? Que custos económicos teremos de sofrer para que seja apetecível sair do euro? Esta é a minha única questão.

João Valente Aguiar disse...

Eu não luto para ficar no euro. Eu quero ficar no euro para lutar. Fora do euro e o regresso a nacionalismos muito mais profundos representará um imenso custo humano, social e económico e um recuo de décadas nas possibilidades de (auto-)organização da classe trabalhadora. Sempre se lutou em capitalismo, não sei como não é preferível lutar num quadro "democrático"-liberal do que num quadro fascista. Escusado será dizer que preferir lutar dentro de um panorama europeu e neoliberal não significa subscrever o programa neoliberal.

Miguel Serras Pereira disse...

Sobre o primeiro ponto do comentário do João vem a propósito citar a conclusão semelhante a que chega, a partir de uma perspectiva muito diferente, Viriato Soromenho Marques:

"A Grécia não vai cair. Mas não vai ser salva. Vai continuar em cuidados intensivos. Pior ainda, a interferência externa sobre a gestão orçamental vai transformá-la num protetorado. Sem disfarce. Será que a troika se comoveu com o sofrimento dos gregos? Nem remotamente. A Grécia vai ser mantida em coma assistido porque os custos da sua saída seriam incomportáveis para os credores. Os dados de outubro mostram que a austeridade imposta por Berlim já está a fazer efeito boomerang na própria economia alemã. Os valores abaixo de 50 significam contração económica. Num mês, o índice da produção industrial e dos serviços baixou de 49,2 (setembro) para 48,1. Na Zona Euro, caiu de 46,1 para 45,8. Em grande medida é a indústria automóvel que sofre com um Sul que já não compra. Há alguns dias, a fundação germânica Bertelsmann alertava para o efeito dominó da eventual saída da periferia da Zona Euro. O estudo apresentava diferentes cenários. O mínimo consistia na saída da Grécia. O máximo incluía também Portugal, Espanha e Itália. São números assustadores. Neste último cenário, a economia mundial perderia até 2020 a soma astronómica de 17,2 biliões de dólares (cerca de cem anos de PIB português!). Cada alemão perderia 21 mil euros. A China e os EUA ainda sofreriam mais do que a Alemanha. A lição é clara, também para nós: a crise europeia é sistémica. É preciso dizer aos nossos credores que ou nos salvamos juntos, ou empobrecemos juntos. É do interesse dos nossos credores que Portugal não sucumba, pois os mortos têm o perdão de dívida assegurado". (http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2848581&seccao=Viriato%20Soromenho%20Marques&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco).

O Anónimo de 27 de Outubro às 20 e 26 pergunta: "e se para nos mantermos no euro tivermos de continuar a aplicar esta austeridade e quiçá uma outra ainda mais pujante, que aliás já se adivinha? Vc diz que lutará por ficar no euro à força toda? Que custos económicos teremos de sofrer para que seja apetecível sair do euro?" . O que me assombra neste comentário é a transformação em dogma da ideia de que combateremos melhor o austeritarismo através da saída unilateral do euro. Em termos económicos, essa ideia é pouco sustentável, que mais não seja porque, apesar da "independência monetária", tornaria a região ainda mais vulnerável às pressões políticas que por essa via o "centro" encarasse contra esta pequena zona periférica. Em termos políticos, porque acarretaria o reforço dos dispositivos policiais e a militarização mais ou menos aberta do aparelho de Estado: do encerramento e/ou controle estrito das fronteiras à condenação das greves e reivindicações populares cpmo anti-patrióticas à restrição administrativa das liberdades fundamentais, a ementa previsível é aterradora. Tanto económica como politicamente (sendo que a distinção entre as duas coisas é uma simplificação que aceita o modo de representação dominante), a aposta na panaceia da saída unilateral do euro só poderia agravar os males que declara pretender combater.

Anónimo disse...

" O que me assombra neste comentário é a transformação em dogma da ideia de que combateremos melhor o austeritarismo através da saída unilateral do euro."

Onde é que você descortina isso?

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo,
peço desculpa se o entendi mal. Mas, nesse caso, confesso que não descortino bem o que quer dizer o seu comentário. Sinceramente

msp

Anónimo disse...

MSP: eu repito: Adivinham-se mais medidas de austeridade, e eu pergunto quão fortes devem ser elas para que vocês passem a defender a saída do euro. A não ser que vocês pensem que dentro do euro e de um quadro de austeridade - aplicada por partidos democraticamente eleitos tanto no Norte como no Sul - será possível reverter o processo. Isto para não dizer que a ideologia na qual opera o BCE está fora do alcance democrático, como convém a uma UE desenhadas para servir em primeiro lugar uma ou várias classe(s) capitalista(s).

Estamos do mesmo lado da barricada, não me interpretem mal. Mas penso que não se vislumbrando qualquer mudança institucional, deve colocar-se um limite a partir do qual não se pode mais aguentar e será preferível a saída do euro. Eu não falo por mim, que por pior que as coisas fiquem, não terei de viver na rua. Mas olhem para o que acontece na Grécia, onde já há filas enormes de novas caras na sopa dos pobres, e que até há pouco eram pessoas com condições de vida razoáveis. Quem está a capitalizar esse descontentamento é o golden dawn, que oferece comida a quem se apresentar como grego.

E, por fim, penso que os movimentos mais radicais da classe trabalhadora nasceram num quadro fascista. Ou não foi o 25 de Abril a única revolução de cariz socialista em toda a europa pós-1917? Estamos agora numa situação muito mais favorável de internacionalizar aquilo que aconteceu dentro das nossas fronteiras em 74, pelo menos no Sul da Europa. Sei que não vos agrada isto que eu vou dizer, mas como querem vocês explicar aos novos gregos pobres que vamos ter de esperar que a condição dos trabalhadores do Norte tenha de se degradar para que surja uma esperança que a UE sofra uma verdadeira reforma?

Libertário disse...

Voltar às fronteiras nacionais é um retrocesso histórico reacionário.
Sair do Euro nada resolve além de que fará recair a crise exclusivamente sobre os trabalhadores já que as classes dominantes tem os seus interesses protegidos pelo facto de seu património e recursos estarem fora de Portugal.
O único caminho é a luta colectiva dos povos europeus contra a ofensiva das classes dominantes tendo como meta final uma federação europeia das autonomias autogeridas.
A primeira greve declarada por sindicatos de vários países para o dia 14 de Novembro não deixa de ser um passo, embora tardio, nesse caminho que deve ser percorrido com urgência.

Anónimo disse...

"Sair do Euro nada resolve além de que fará recair a crise exclusivamente sobre os trabalhadores já que as classes dominantes tem os seus interesses protegidos pelo facto de seu património e recursos estarem fora de Portugal."

As classes dominantes têm os seus interesses protegidos em contas fora da zona euro e da UE (concretamente na Suíça e outros offshores). Por essa ordem de ideias uma luta à escala europeia é ainda insuficiente.

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo:
V. tem razão quando diz que há um limite insuportável. Mas aí não se segue que lutar contra tudo o que hoje mesmo já tem de insuportável o austeritarismo que governa a zona euro deva ter por objectivo a sua fragmentação em vez da sua transformação. Quem lhe diz a si que as cenas de miséria na Grécia que V. evoca seriam evitáveis lá ou aqui através da saída unilateral do euro? Quem lhe diz a si que os trabalhadores e cidadãos comuns em Portugal resistiriam melhor aos projectos de agravamento da exploração e de consolidação de repartição classista da riqueza no caso de ruptura com a zona euro?
Quanto ao resto, estou mutatis mitandis como o João (Valente Aguiar): não luto por não sair do euro, o que me interessa é a democratização efectiva das relações de poder existentes, ao mesmo tempo que me parece que é com mais federação, e não mais "soberania nacional", que as condições se poderão tornar mais favoráveis a essa luta. E mais ainda: recuso absolutamente a ideia de que a via para uma "revolução de cariz socialista" passe pelo fascismo ou pela intensificação da ameaça fascista.

msp

Anónimo disse...

"Quem lhe diz a si que os trabalhadores e cidadãos comuns em Portugal resistiriam melhor aos projectos de agravamento da exploração e de consolidação de repartição classista da riqueza no caso de ruptura com a zona euro?"

Se eu soubesse que resistiríamos melhor, seria essa a opção que eu defenderia sem qualquer problema. O que se passa é que é preciso tomar posições com informação incompleta, e basicamente temos trincheiras cavadas com base na fé. Já que se fizeram esforços para escrever sobre o descalabro que é a saída do euro, por que não dissertar sobre o descalabro que é prolongar esta situação de austeridade até 2015, 2016, sem cairmos no ridículo optimismo dos gaspares? Se não conseguem calcular quanto será esse descalabro, também estão a jogar no campo da fé...

Há uma coisa para a qual o Pedro Viana chamou a atenção e não mereceu o devido tratamento: sair do euro pode não implicar sair da UE. E se a vossa prioridade de luta a curto-prazo existe apenas no quadro do euro, daqui nasce uma dúvida: que mudança institucional pode conduzir-nos - e aqui esforço-me para não me rir ao escrever isto - à "República Federativa dos Conselhos Operários Europeu"? Essa República nascerá sem a ajuda dos irmãos suecos e britânicos, europeus que não partilham a nossa moeda?

Anónimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=_WHdAKfcNnA

Coffee without cream e coffee without milk não é a mesma coisa. Já sei que não nutrem grande simpatia por Cuba, mas penso que mesmo uma grande parte dos cubanos preferirá viver hoje na sua miséria que na miséria de uma grande parte dos vizinhos caribenhos, que não se libertaram do semi-colonialismo que não lhes dava condições objectivas de se transformarem num paraíso da classe trabalhadora. Não esqueçamos que o movimento revolucionário cubano, embora nacionalista, teve repercussões que permitiram o início de uma nova era de luta. Sinceramente, digam-me se não valeu a pena a tentativa naquela época, nem um pouco que fosse, e mesmo reconhecendo que hoje lá se vive num clima de decadência.

Pessoalmente não acho que faça grande sentido falar-se em "neoliberalismo" ou "transacionalização do capital", sejamos francos, as coisas pouco mudaram na economia capitalista desde há 50 anos atrás no que toca à sua globalização: os grandes centros de acumulação são os mesmos, os recursos naturais continuam a ser explorados nas mesmas zonas do globo, os proteccionismos que realmente contam são os mesmos (um exemplo que normalmente é deixado de fora e que continua a não ter uma solução de esquerda são as barreiras à imigração). Podem argumentar que a divisão social do trabalho fez com que se importasse e exportasse mais, mas isso é uma diferença de grau. Eu só gostava de saber o que é que vocês acham do PREC português, se valeria a pena avançar com medidas revolucionárias, já que naquele tempo Portugal era uma migalha na economia capitalista mundial do tamanho que é hoje. Digam-me por favor se quando se derrubou cá a ditadura vocês defenderam uma democracia liberal (já com ela fisgada para aderir à UE) porque não havia condições para construir o socialismo!

Anónimo disse...

Vou deixar um pergunta simples no ar:

Se se consumasse a balcanização e, ao contrário do que é mais provável, a esquerda ganhasse eleições num número significativo de países, o que é que nos impedia de começar a construir uma europa com valores de esquerda? (Uma espécie de ALBA europeia; e por que não imaginá-la até em colaboração com a américa latina com a qual tanto temos em comum?)

Para mim este é um cenário tão improvável quanto a Europa se transformar em algo com valores de esquerda. Os banqueiros europeus terão de adorar os eurobonds, ou estes não existirão. E se eles conviverem bem com isso... porreiro pá, seremos um pouco mais social-democratas durante uns anos.

Anónimo disse...

Descobri um conceito-programa estratégico de grande alcance num debate televisivo entre E. Todd e J-l. Mélenchon, realizado na Primavera de 2011. Quem revelou esse dispositivo essencial foi JL Mélechon, co-lider e euro-deputado da Frente de Esquerda francesa. Que revela JLM: O Grande Mercado trans-atlântico,EU/USA, deve estar pronto por volta de 2015. E irá apagar todas as barreiras alfandegárias, jurídicas e normativas entre os dois blocos." Nunca ninguém falou ou discutiu esta próxima realidade ", frisou Mélenchon. A Europa vai ficar refém, portanto, do sistema político e económico ultra-liberal norte-americano. Um dado novo em cima da mesa, portanto, de alta relevância .E que pode aprofundar o debate sobre o futuro do Euro e da Uniãö Europeia,insofismavelmente. Salut! Niet