12/10/12

Um Congresso pouco Alternativo

No dia 5 de Outubro, teve lugar o Congresso Democrático das Alternativas. No rescaldo deste, foi divulgada uma Declaração, baseada num documento preparado antes da realização do Congresso, e que sofreu algumas (pequenas) modificações durante este. A Declaração é clara na necessidade de denúncia do Memorando de Entendimento, cujas medidas estão a destruir o tecido económico e social em Portugal,  defendendo a reestruturação da dívida pública e da dívida bancária e a suspensão do pagamento dessa dívida (o que habitualmente acaba por levar à anulação de parte da dívida) caso haja uma suspensão do financiamento da economia portuguesa em virtude da denúncia do Memorando. Na Declaração são também defendidas medidas de política económica cujo objetivo declarado é conjugar "o desenvolvimento, a igualdade, a coesão e a sustentabilidade", e que genericamente merecem o meu acordo. É, no entanto, patente a ausência duma estratégia de reconfiguração das relações de trabalho, através da atribuição de mais poder aos trabalhadores para intervirem nas decisões empresariais, e mais genericamente da estrutura Capitalista da economia portuguesa (apesar de se defender genericamente "reforçar a proteção e o apoio ao sector cooperativo e social (economia social), criando as condições jurídicas, económicas e financeiras que permitam o seu desenvolvimento"). Ou seja, no que se refere às políticas económicas e sociais, a Declaração assenta em pouco mais do que numa re-afirmação dos princípios mínimos da tradição social-democrata na Europa (incluindo um vago "controlo público de sectores estratégicos da economia"). Outra coisa não seria de esperar quando o que os proponentes do Congresso possuem como principal preocupação é o desenvolvimento dum programa mínimo de convergência à Esquerda, em que PS, BE e PCP são vistos como seus principais representantes no actual sistema político. Aliás, a Declaração difere em pouco dos últimos programas eleitorais do BE, o que sugere que efectivamente (talvez mesmo intencionalmente na mente de alguns dos promotores), o Congresso constituiu uma forma de criar um movimento que extravasando (aparentemente) as fronteiras do BE, tem o potencial para congregar mais apoio social para as políticas que advoga.

Não é assim muito de espantar a (quase) completa ausência de propostas concretas de reforma a sério do sistema político e de decisão pública em Portugal, no sentido duma maior participação dos cidadãos na definição e controlo das medidas que emanam de organismos públicos (incluindo a nível governamental). A única excepção, por entre várias afirmações vagas, é a proposta de  "Reconhecimento do direito de candidatura de listas de cidadãos às eleições legislativas". A qual, apesar de formalmente parecer uma alteração substancial no sistema político português, na prática pouco impacto teria. Não vejo em que medida é que uma associação de cidadãos, com vista a concorrer com uma lista à Assembleia da República, não comportará os mesmo vícios que enformam o funcionamento dum partido. A ambição pelo Poder, com tudo o que acarreta em termos de comportamento para com os outros, não é algo que se apanha, tipo sarna, após se entrar num partido. Até poderá ser que num tal ecossistema, tal propensão se veja reforçada, mas não me parece que numa associação de cidadãos as dinâmicas fossem muito diferentes. Talvez de início, mas rapidamente os mesmos comportamentos se tornariam dominantes. Resulta daqui que, aparentemente, o Congresso passou completamente ao lado da urgência, pedida nas ruas, dum maior controle do exercício do poder pelos cidadãos. Tal não será alheia à vontade de evitar colocar em causa o interesse mais fundamental, o monopólio do exercício do poder (a nível de governo),  das organizações a quem primeiramente se dirigiu: os partidos políticos PS, BE e PCP.

Se os próprios promotores do Congresso tivessem se dado ao trabalho de olhar para o seu lado, quer durante os trabalhos preparatórios, quer durante a reunião de 5 de Outubro, rapidamente se teriam apercebido de que os participantes no Congresso estiveram longe de representar a diversidade social existente em Portugal. O que reflecte o que se passa em todos os organismos com capacidade legislativa ou executiva. Um pouco de humildade sugeriria então a inclusão na Declaração de propostas de mecanismos de participação e representação que verdadeiramente reflictam a vontade democrática do povo, num dado momento, e não apenas de elites que não raras vezes se esquecem dos outros quando discutem, legislam e executam. Mesmo quando se acha que se está a ser bem-intencionado, tendo em conta os interesses de outros, a verdade é só estes sabem do que realmente precisam ou almejam. Acham tudo isto muito vago? Então leiam: Referendo por Iniciativa Popular e Quatro Propostas para uma Democracia (mais) Real.

Finalmente, não se percebe como é que o Congresso pretende "influenciar" PS, BE e PCP com vista à criação duma aliança com propósitos governativos. Nenhum partido político é influenciável. Estes mudam as suas políticas e estratégias, quando são manipulados (nomeadamente pelo poder económico) ou quando são forçados a tal por circunstâncias concretas que ameaçam o seu poder (ou seja o número de votos a que poderão almejar em eleições). Portanto, se o Congresso se ficar apenas pela tentativa de "influência", em particular no tempo sócio-político acelerado em que vivemos, nada conseguirá no que respeita ao objectivo antes enunciado. A única via que entrevejo para que tal aconteça, é a criação dum novo partido político baseado na Declaração do Congresso, que desde logo se propusesse apresentar listas próprias às próximas eleições legislativas, mas manifestando total abertura para a constituição (no respeito dos princípios Declaração) duma coligação com PS, BE e/ou PCP. Sinceramente, se BE e PCP almejam ter possibilidade real de colocar em prática as suas políticas, tal coligação, que permitiria chegar a sectores da sociedade portuguesa à partida pouco receptivos a propostas que emanem desses partidos, parece-me que constituiria o modo mais provável de o conseguir.


3 comentários:

menvp disse...

Blog POLITEIA: «E a primeira alternativa que temos de pôr em prática é a erradicação da obscena verba de mais de 9 mil milhões de euros - que está inscrita no Orçamento de Estado - para pagar o serviço da dívida.»
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Precisamos de Manifestações à Islândia: a revolução censurada pelos Media, mas vitoriosa!
Resumo (tudo pacificamente):
- RENEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA;
- Referendo, de modo a que o povo se pronuncie sobre as decisões económicas fundamentais;
[uma sugestão: blog «fim-da-cidadania-infantil»]
- Prisão de responsáveis pela crise;
- Reescrita da Constituição pelos cidadãos (e os partidos políticos têm de se aguentar a um muito maior controlo por parte dos cidadãos).
[nota: dever-se-ia consultar o know-how islandês]

Libertario disse...

Esse congresso é de facto pouco "alternativo" foi um mero encontro político de alguns sectores de esquerda em busca de convergências. O quadro dos debates e da busca de "alternativas" estão explicitamente, e só, dentro do quadro político institucional. É a busca da "governabilidade"...
O que talvez fosse mais importante e decisivo, a análise crítica do Capitalismo e do aparelho de Estado e o debate sobre a resistência social no actual contexto, ficaram de fora.
Nem mesmo quando as classes dominantes declararam a guerra aberta esta esquerda está disposta a ultrapassar as regras do jogo que lhe foram ditadas na segunda metade do século XX.

(Paulo Granjo) disse...

Conforme é referido no post, o Congresso teve como objectivo encontrar os consensos mais alargados e claros, entre todos os que defendessem a denúncia do memorando e o fim da política austeritária, que serviam de base à sua convocação. Não entre os partidos com representação parlamentar que se reclamem da esquerda.

No processo de preparação, de partilha e debate de contribuições e propostas, foi tida em conta a importância dos partidos para a construção de alternativas governativas, mas também a importância política e social dos sindicatos e dos restantes movimentos sociais, actuando nos mais diversos âmbitos.
E, como congresso de cidadãos, podia participar (e teve condições para se expressar e influir) qualquer pessoa que subscrevesse os termos da convocatória, tivesse ou não filiação partidária, fosse ou não activista de um qualquer movimento.

O resultado foi a maior diversidade de áreas políticas, classes, idades, tipos de conhecimentos e de experiências de vida e intervenção social com que me foi dado trabalhar em 30 e poucos anos de intervenção social e política. Mesmo que menor, claro está, que a do país.

Chegado o dia 5, e independentemente daquilo que resultara dos debates preparatórios, nada obrigava os quase 2.000 participantes a manterem o compromisso implícito da busca de consensos.
Podiam, por exemplo, propor e aprovar que aquilo se transformasse numa associação política, que se escrevesse "renegociação" excluindo a possibilidade de moratória, ou se escrevesse "moratória imediata" excluindo renegociação, que se exigisse a saída do euro ou se excluísse explicitamente essa possibilidade. Tudo isso foi proposto e tudo isso foi rejeitado massivamente.

De acordo com essa atitude generalizada de consensualização, várias propostas minhas foram excluídas, enquanto outras foram integradas. O mesmo aconteceu com quase toda a gente que as apresentou.
Mas, tudo o que lá está, só está porque alguém participou e propôs.

É legítimo ter decidido não participar.
É legitimo que, não tendo participado, se aponte aquilo de que se discorda ou se considera em falta.
Mas é peculiar que, não participando e não propondo, se estranhe que não esteja lá aquilo que poderia ter sido o nosso contributo.

Contudo, o processo continua.
Ainda terá oportunidade de contribuir para ele, se considerar que tal se justifica.
Será certamente bem-vindo.